Um grande entrave legal foi enfrentado pelas empresas de engenharia que desejavam comprovar o acervo técnico da pessoa jurídica, impedindo que elas se valessem da chancela do conselho profissional competente para certificar o histórico de atividades da futura contratada. O debate em torno da fragilidade de um atestado de capacidade técnica ganha profundidade à medida que consideramos os desdobramentos recentes à segurança e confiabilidade na certificação da execução dos serviços ou obras prestadas da licitante.

Nesse contexto, é importante lembrar que a Lei Federal nº 8.666/1993, em seu art. 30, II c/c §1º, já contemplava a certificação operacional. Entretanto, a inviabilização do cumprimento normativo esbarrava na Resolução nº 1.025/2009 do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia -CONFEA (já revogada), que vedava a emissão de certidão de acervo técnico em nome da pessoa jurídica. O paradoxo legal causava uma grande confusão no ordenamento jurídico, sobretudo, quanto à hierarquia das normas.

De novidade, temos enfim a Resolução nº 1.137/2023 do CONFEA, que veio para complementar e atender a Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei Federal nº 14.133/2021), em especial ao art. 67, inciso II, que traz prerrogativa de qualificação técnica operacional através de “certidões ou atestados, regularmente emitidos pelo conselho profissional competente, quando for o caso, que demonstrem capacidade operacional na execução de serviços similares de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior, bem como documentos comprobatórios emitidos na forma do § 3º do art. 88 desta Lei”. Ou seja, essa possibilidade de comprovação operacional já pode, inclusive, ser exigida nos editais de licitações para obras e serviços de engenharia.

Antes de explorar os impactos práticos da Certidão de Acervo Operacional – CAO,  é crucial entender as raízes históricas que a moldaram, bem como os diversos posicionamentos do Tribunal de Contas da União que rechaçavam a possibilidade de exigência de averbação do atestado de capacidade técnica operacional, em especial o Acórdão nº 1.542/2021- Plenário e Acórdão nº 470/2022 – Plenário, que vedavam expressamente a “exigência de atestação de capacidade técnico-operacional de empresa participante de certame licitatório uma vez que o art. 55 da Resolução- CONFEA, nº 1.025/2009 vedava a emissão de Certidão de Acervo Técnico (CAT) em nome de pessoa jurídica”.

O entendimento da Egrégia Corte de Contas poderá mudar diante das inovações trazidas, uma vez que passa a ser considerada lícita a exigência de averbação da CAO nos editais de licitações, em razão de configurar o instrumento legal que certifica as atividades realizadas através das empresas de engenharia, agronomia e geociências.

Com efeito, a possibilidade de emissão da Certidão de Acervo Operacional (CAO), certificando para fins legais os empreendimentos executados por pessoa jurídica a partir dos registros de Anotações de Responsabilidade Técnica (ART) trazida pela Resolução nº 1137/2023 do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia – CONFEA, trouxe, enfim, a reparação dessa comprovação e propiciou melhorias significativas na segurança das contratações públicas no ramo da engenharia.

É importante sublinhar, nesse sentido, que a publicação da referida  Resolução deu-se em 05 de abril de 2023, e previu no art. 73 o prazo de até 120 dias, a partir da sua entrada em vigor, para que os seus respectivos CREA’s implementassem a infraestrutura tecnológica necessária para adaptação aos novos procedimentos eletrônicos, de acordo com as diretrizes fixadas pelo CONFEA.

No que diz respeito à elaboração de atos normativos que dispõem sobre a regulamentação profissional, a União confere aos  Conselhos de Fiscalização Profissional, por meio de delegação, a competência legislativa para dispor sobre as condições para o exercício de profissões, conforme determina o art. 22, inciso XVI, da Constituição Federal.

Superado o choque normativo e à luz dos avanços trazidos pela Resolução nº 1.137/2023 do CONFEA, os CREA’s do Brasil iniciaram uma grande mobilização para implantação da CAO em todo sistema, já que a expectativa para sua utilização já sofria uma grande pressão dos profissionais desde a sua publicação.

Inicialmente, por meio de Proposta da Coordenadoria de Câmaras Especializadas de Engenharia Civil (Prop. CCEEE nº 09/2023), de Proposta da Coordenadoria de Câmaras Especializadas de Engenharia Elétrica (Prop. CCEEE nº 08/2023), dentre outras, foram recomendadas a revisão, padronização, estudo de impacto financeiro e uniformização dos procedimentos de aplicação da CAO. Sugeriu-se, ainda, a criação de Grupo de Estudos junto ao CONFEA, visando uma análise mais minuciosa, a fim de evitar uma insegurança jurídica e múltiplas interpretações entre os Regionais.

Assim, em análise prévia, muito embora a relevância normativa da CAO garanta avanços significativos nas licitações, ainda não se pode afirmar que esta certidão é suficiente para comprovar a capacidade operacional e aptidão da pessoa jurídica para execução de obras e serviços de engenharia.

A CAO apresenta um compilado de ART’s registradas pelo profissional técnico responsável por aquela obra ou serviço da empresa interessada, que comprova a capacidade operacional da pessoa jurídica. O acompanhamento documental de todas as ART’s registradas, que acompanham a CAO, foge do alcance do sistema CONFEA/CREA. Ainda assim, a Nova Lei de Licitações não traz essa obrigatoriedade. Logo, a finalidade da CAO é simplesmente garantir que o serviço ou obra será realizado por pessoa jurídica detentora de capacidade operacional.

Eis aqui um grande dilema enfrentado, pois a título de comparação com a Certidão de Acervo Técnico - CAT,  que constitui o acervo técnico do profissional, a comprovação desta, vem acompanhada de planilhas, contratos, relatórios ou outros documentos que comprovem que atividades desenvolvidas pelo profissional através de Anotações de Responsabilidade Técnica – ART’s registradas no CREA.

O acervo técnico-profissional, trazido pela redação do art. 45 da Resolução nº 1.137/2023, é conceituado como “o conjunto das atividades desenvolvidas ao longo da vida do profissional compatíveis com suas atribuições e registradas no CREA por meio de anotações de responsabilidade técnica”. Ou seja, as ART’s, definidas no parágrafo único do art. 45, constituem a qualificação técnica do profissional, e não da empresa.

Em que pese a situação desenhada, não se pode confundir a CAT com a CAO, já que esta é definida no art. 46, como “o conjunto das atividades desenvolvidas pela empresa, a partir do registro no CREA, por meio das anotações de responsabilidade técnica comprovadamente emitidas por profissional pertencente ao quadro técnico ou contratado para aquelas atividades”. Dessa forma, atestados de capacidade técnica de obras/serviços comprovadamente executados pela empresa trazem o histórico do responsável técnico que os efetuou.

Na busca da concretude da aplicação da norma, ainda em 2023, diante da complexidade da implementação, ocorrência do período eleitoral do Sistema CONFEA/CREA, edição da Medida Provisória nº 1.167/2023, ausência de novos valores para a cobrança de taxas de ART, CAT e CAO, dentre outros fatores, viu-se que o lapso temporal inicialmente fixado não atenderia à aplicação desta Resolução.

Registre-se que na Reunião Plenária do Colégio de Presidentes realizada no Rio de Janeiro, em dezembro de 2023, ficou aprovado o Grupo de Trabalho da reformulação da Resolução 1.137/2023 do CONFEA, propondo a alteração dos artigos 10 e 29, que tratam sobre a ART complementar, ART inicial e ART de substituição, bem como a normativa quanto a subcontratação de parte ou totalidade da obra ou serviço.

Ademais, no Colégio de Presidentes em Belém – PA, realizado em junho de 2024, outras propostas de melhorias foram enviadas através dos Regionais de todo Brasil, com a aprovação do estudo técnico desta Resolução, bem como nas alterações do formulário da CAO.

A par desses estudos, é de bom alvitre mencionar que, atualmente, todos os CREA’s do Brasil já estão emitindo CAOS uniformizadas e padronizadas e o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado do Maranhão – CREA-MA, obtivera a  primeira solicitação de emissão de CAO em 09/12/2023. Assim, de acordo com os dados fornecidos através da Assessoria Técnica do CREA-MA e do Departamento de Tecnologia de Informação do CREA-MA, já foram emitidas 251 (duzentas e cinquenta e uma) CAOS, até fevereiro de 2025.

A análise do atendimento da Resolução nº1.137/2023 do CONFEA à Nova Lei de Licitações ainda enfrentará algumas reestruturações, mas não interferirá no cumprimento legal da normal. A reestruturação desta Resolução aclarará diversos normativos que se encontram pendentes de complementação. É inegável que a Resolução nº 1.137/2023 do CONFEA trouxe muitos desafios na sua implementação, mas a garantia de demonstração de capacidade operacional, sem dúvidas, é o maior avanço dentro de uma modelagem que atende à Lei de Licitações e Contratos - LCC. A CAO não apenas comprova o histórico técnico da empresa, mas garante segurança nas contratações públicas de obras e serviços de engenharia.

Frisa-se, por derradeiro, que a Certidão de Acervo Operacional (CAO) não atende em sua totalidade à LCC. Embora a CAO represente um avanço ao possibilitar a certificação das atividades realizadas por empresas de engenharia, ela ainda carece de elementos que comprovem de forma robusta a capacidade operacional e aptidão da pessoa jurídica para a execução de obras e serviços.

Contudo, embora a CAO não atenda em sua plenitude à Nova Lei de Licitações e Contratos, é importante ressaltar que a própria legislação não impõe essa exigência de forma absoluta. A CAO é considerada um documento complementar, como bem aduz Hamilton Bonatto (2024), que deve ser utilizado junto a outras evidências e documentos que comprovem a capacidade técnica e operacional das empresas.

De tal maneira, enquanto a CAO desempenha um papel importante na certificação das atividades realizadas, ela não é a única prova que pode ser exigida para a qualificação nas licitações. Portanto, a integração da CAO com outros documentos e comprovações é essencial para que se alcance uma avaliação mais completa e precisa das capacidades das licitantes.

             Agora, mais do que nunca, é imprescindível que todos os envolvidos no processo licitatório reconheçam e adotem essa ferramenta como um meio de garantir a competitividade e a qualidade das obras públicas. A nova realidade trazida pela CAO exige não apenas adaptação, mas também um compromisso coletivo com a melhoria contínua das boas práticas de engenharia.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BONATTO, Hamilton. A certidão de acervo operacional – CAO - e a capacidade técnico-operacional na Lei Nº 14.133/2021: Limites e perspectivas. Portal L&C Capacitação. Disponível em: https://www.licitacaoecontrato.com.br/artigo/a-certidao-acervo-operacional-cao-e-capacidade-tecnicooperacional-na-lei-n-141332021-limites-e-perspectivas.php. Acesso em 06 març.2025.

 

BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1993. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm. Acesso em: 13 fev. 2025.

 

BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Brasília, DF: Presidência da República, 2021. Disponível em:https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm. Acesso em:

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CAMPELO, Valmir; CAVALCANTE, Rafael Jardim. Obras Públicas: comentários à jurisprudência do TCU. 4. ed. ver. e atualizada – Belo Horizonte. Fórum, 2018.

 

CONSELHO FEDERAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA (CONFEA). Resolução 1.137, de 31 de março de 2023. Disponível em: https://www.crea-rs.org.br/site/documentos/resolucao_1137.pdf. Acesso em: 17 fev. 2025.

 

GRILLO, Fernanda Fontenelle. Conselhos de Fiscalização Profissional Brasileiros: desvendando a natureza jurídica das entidades de fiscalização profissional no contexto da administração pública contemporânea. São Paulo: Editora Dialética, 2024.

 

NESTER, Alexandre Wagner; JARDIM, Raphaela Thêmis Leite. A Certidão de Acervo Operacional da pessoa jurídica (Resolução 1.137/2023 CONFEA). Informativo Justen, Pereira, Oliveira & Talamini, Curitiba, n.º 201, novembro de 2023. Disponível em: http://www.justen.com.br. Acesso em: 10 set.2024.