A PRESCINDIBILIDADE DE IDENTIFICAR A SOLUÇÃO DA DEMANDA NO PLANO ANUAL DE CONTRATAÇÕES – PAC, AS CONSEQUÊNCIAS PARA O PLANEJAMENTO E O QUE PODE MUDAR COM A LEI Nº 14.133/2021

 

 

 

Elizete Ferreira Costa

Especialista em Gestão Pública pelo Centro Universitário IESB. Diretora da Divisão de Licitações do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Brasília-DF.

 

 

1 - INTRODUÇÃO

Ao lidar com a verificação dos Documentos de Oficialização de Demanda – DOD e Estudos Técnicos Preliminares e observando os regramentos vigentes, notou-se inconsistência nas informações trazidas nas normas acerca da exigência de indicar o código SIASG no momento da elaboração do Plano Anual de Contratações - PAC, vez que não condiz com a necessidade de avaliar, no Estudo Técnico Preliminar – ETP, a melhor solução de mercado, tendo em vista que no PAC já está definida a solução da Demandada.

Desse modo, o presente estudo analisa, de forma pormenorizada, a exigência do art. 5º da Instrução Normativa nº 01/2019 – Secretaria de Gestão/Ministério da Economia - SG/ME e art. 10º da Resolução nº 347/2020 – Conselho Nacional de Justiça - CNJ e procura, ainda, expor o desalinho que tais exigências causam no planejamento da contratação.

Para tanto, este trabalho será divido em cinco itens, sendo esta pequena introdução o Item 01, a qual será seguida de outros quatro:

-Item 02: traz os regramentos vigentes relacionados ao Planejamento das Contratações;

- Item 03: discute os descompassos que as normas atuais causam ao Planejamento das Contratações, enquanto analisa a inutilidade de incluir o código SIASG no PAC e expõe a contradição visualizada quanto ao momento de avaliar a solução demandada;

- Item 04: comenta o que se espera dos normatizadores com a nova Lei 14.133/2021; e

- Item 05: tem-se as considerações finais.

 

2 – DO REGRAMENTO VIGENTE

A necessidade de elaboração do Documento de Oficialização da Demanda – DOD e Estudo Técnico Preliminar - ETP foi normatizada pela Instrução Normativa nº 04/2014 - MPOG, que dispõe sobre o processo de contratação de Soluções de Tecnologia da Informação - TIC, quando o DOD passou a ser obrigatório apenas para TIC.

O Tribunal de Contas da União recomendou, por meio do Acórdão 2622/2015 – Plenário, que todas as Aquisições/Contratações adotassem práticas de governança e planejamento das aquisições, que assim expôs:

“9.2.2.5. planejamento das contratações, iniciando-se pela oficialização das demandas, o que permitirá o planejamento de soluções completas, que atendam às necessidades expressas nas demandas;”

 

Nota-se que aquela Corte de Contas buscou para as aquisições processo de planejamento já adotado nas contratações de Tecnologia da Informação, no intuito de imprimir eficiência, maior controle e governança às contratações públicas.

Em 10 de janeiro de 2019, a Secretaria de Gestão/Ministério da Economia publicou a Instrução Normativa nº 01/2019, que dispõe sobre o Plano Anual de Contratações de bens, serviços, obras e soluções de tecnologia da informação e comunicações no âmbito da Administração Pública Federal, essa Instrução delimitou os elementos mínimos que devem constar do PAC, orientada pelas recomendações do Tribunal de Contas da União, sendo revogada a Instrução Normativa nº 01/2018 – MPOG.

Aproveitando a Instrução mencionada acima, o Conselho Nacional de Justiça publicou, em 13 de outubro de 2020, a Resolução nº 347/2020, que trata da Política de Governança das Contratações Públicas, na qual indica que deverá ser elaborado pelos órgãos do Poder Judiciário, anualmente, o Plano Anual de Contratações, conforme art. 9 a seguir:

Art. 9º Os órgãos do Poder Judiciário deverão elaborar anualmente, até o dia 30 de abril, a versão preliminar, e publicar até o dia 30 de outubro o respectivo Plano Anual de Contratações – PAC, consolidando as demandas de obras, serviços de engenharia, tecnologia da informação, bens e serviços comuns que pretendem contratar no exercício subsequente, bem como aquelas que pretendam prorrogar, na forma do art. 57 da Lei nº 8.666/93.

 

A etapa de planejamento foi deliberada na Instrução Normativa nº 40, de 22 de maio de 2020 - SG/ME, a qual definiu regras para a elaboração dos Estudos Técnicos Preliminares.

Observa-se que há um extenso rol de normativos que regulam o Planejamento das Contratações/Aquisições, podendo ocorrer divergências entre si ou, ainda, obrigações que os tornem inaplicáveis.

3 – DESCOMPASSOS QUE AS NORMAS ATUAIS CAUSAM AO PLANEJAMENTO DAS CONTRATAÇÕES

 

3.1 – Da inutilidade de incluir o código SIASG no Plano Anual de Contratações

De acordo com o art. 5º da Instrução Normativa nº 01/2019 – SG/ME e o art. 10 da Resolução nº 347/2020 – CNJ, no Plano Anual de Contratações, o Setor Requisitante deve incluir o item e respectivo código SIASG, conforme se vê abaixo:

Instrução Normativa 01/2019 - ME

[...]

Art. 5° O setor requisitante, ao incluir um item no respectivo PAC, deverá informar:

I - o tipo de item, o respectivo código, de acordo com os Sistemas de Catalogação de Material ou de Serviços;

II - a unidade de fornecimento do item;

III - quantidade a ser adquirida ou contratada;

[...]

Resolução 347/2020 – CNJ

[...]

Art. 10. O PAC deverá conter, no mínimo, as seguintes informações:

I – o código de item;

II – a unidade requisitante do item;

III – a quantidade a ser adquirida ou contratada;

[...]

 

Nota-se que o art. 9 da Resolução nº 347/2020 – CNJ dispõe que o Setor Requisitante deve consolidar suas demandas que pretende contratar no exercício seguinte, ou seja, naquele momento ainda são apenas “demandas”. Entretanto, no art. 10 supramencionado, deve ser indicada a solução demandada de pronto, há, portanto, uma contradição.

O art. 2º da IN nº 01/2019 – ME prevê que no Plano Anual de Contratações deverá ser elaborado com os “itens” que pretende contratar no exercício subsequente.

Avaliando de forma pormenorizada as exigências constantes no art. 5º na Instrução Normativa nº 01/2019 – SG/ME e art. 10 da Resolução nº 347/2020 – CNJ, infere-se que o Setor Requisitante já deve saber, no exercício anterior, a solução a ser contratada no exercício subsequente, visto que a solução deverá ser identificada ao incluir o código no DOD e/ou PAC.

3.2 – A contradição visualizada quanto ao momento de avaliar a solução demandada

O Documento de Oficialização de Demanda – DOD, de acordo com o repositório de Riscos e Controles nas Aquisições - RCA - TCU, deve conter apenas a necessidade da contratação em termos de negócio. Observa-se que o Tribunal de Contas da União – TCU manteve esse entendimento de que o DOD e consequente Plano Anual de Contratações - PAC devem constar apenas a necessidade da organização, como se vê no Acórdão 4039/2020 – Plenário, trecho transcrito abaixo:

[...]

117. Situação encontrada: Preliminarmente, cabe mencionar que a norma IN MP 5/2017 estabelece diferenças significativas entre documento de oficialização da demanda e estudos técnicos preliminares, sendo esse mais robusto que aquele, e determinante para como se dará a solução da demanda, podendo, ou não, resultar em uma nova aquisição.

118. Nesse sentido os processos iniciam-se com um documento de oficialização da demanda e apenas depois do estudo técnico preliminar que se elabora a minuta de termo de referência ou de projeto básico.

[...]

 

Diferente das orientações do Tribunal de Contas da União, a IN nº 01/2019 – ME e Resolução nº 347/2020 – CNJ inovaram ao exigir que, no DOD e PAC, sejam indicadas as soluções demandadas, uma vez que nestes deveriam constar apenas a necessidade da contratação em termos de negócio.

Nessa linha, a jurisprudência do TCU permitiu que a Administração reavaliasse seus métodos e práticas para atingir o fim primordial da licitação, que é o interesse público. No entanto, as regras foram editadas de forma equivocada.

A IN nº 40/2020 disciplinou os requisitos básicos que devem constar nos Estudos Técnicos Preliminares – ETP, elaborados a partir do Documento de Oficialização de Demanda, como se vê abaixo:

Art. 5º Os ETP deverão evidenciar o problema a ser resolvido e a melhor solução dentre as possíveis, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica, socioeconômica e ambiental da contratação.

[...]

Art. 7º Com base no documento de formalização da demanda, as seguintes informações deverão ser produzidas e registradas no Sistema ETP digital:

I - descrição da necessidade da contratação, considerado o problema a ser resolvido sob a perspectiva do interesse público;

II - descrição dos requisitos necessários e suficientes à escolha da solução, prevendo critérios e práticas de sustentabilidade;

III - levantamento de mercado, que consiste na prospecção e análise das alternativas possíveis de soluções, podendo, entre outras opções:

a) ser consideradas contratações similares feitas por outros órgãos e entidades, com objetivo de identificar a existência de novas metodologias, tecnologias ou inovações que melhor atendam às necessidades da administração; [...]

 

Conforme a orientação acima referenciada, no ETP deve ser evidenciada a necessidade a ser resolvida e a melhor solução, avaliando sua viabilidade técnica, socioeconômica e ambiental.

A IN nº 01/2019 e a Resolução nº 347/2020-CNJ exigem a avaliação antecipada da solução, ao definir que no PAC contenha o código SIASG e quantidade dos itens a serem licitados. Entretanto, a avaliação da solução está sendo exigida em duas fases do planejamento, determinando que a Administração já solucione sua demanda de antemão.

Um exemplo prático: se a Administração prevê, no exercício anterior, que necessitará de cadeiras novas, faz constar no PAC o código da cadeira e sua quantidade. Entretanto, no exercício seguinte, ao elaborar os Estudos Técnicos Preliminares, na avaliação da solução de mercado, verifica que ficará técnica e economicamente viável contratar manutenção corretiva para as cadeiras que tem em seu almoxarifado. Sendo assim, o código e as quantidades, obviamente, serão alterados.

Se naquele momento fosse definido no PAC apenas a necessidade da Administração em termos de negócio, a demanda deveria ser “Cadeiras Novas”, sem quantificar e identificar a solução.

Para melhor fundamentar o assunto, trago à baila os ensinamentos do Professor Ronny Charles[1] que diferencia a demanda inicial e as variadas soluções de mercado que podem surgir dessa necessidade, conforme trecho abaixo:

Assim, por exemplo, quando um órgão possui uma necessidade de transporte de seus colaboradores, ele deve refletir e definir a demanda administrativa a ser atendida por um terceiro contratado (pretensão contratual), uma vez que o mercado oferece diversas soluções para atendimento dessa demanda, como a contratação de uma empresa terceirizada de transporte, a aquisição de veículos, a locação de veículo, o uso de aplicativos, entre outros. Da mesma forma, em licitações para aquisição de equipamentos, antes da confecção do termo de referência, deve ser avaliada a potencial existência no mercado de diferentes modelos para o atendimento da necessidade administrativa.

 

De acordo com o exemplo acima, a Administração teria 4 (quatro) opções de soluções de mercado a serem avaliadas no momento da elaboração do PAC, sendo que essa fase deve ser aplicada no ETP.

Os normativos vigentes sugerem aos administradores que não há necessidade de avaliar a solução no momento certo (ETP), pois a solução já foi definida no PAC, ou ainda causam retrabalho aos gestores que realizam a avaliação da solução em dois momentos distintos, ao elaborar o PAC e ao realizar os Estudos Técnicos Preliminares, tais normas travam a eficiência e eficácia e inviabilizam a excelência no planejamento das contratações.

4 – O QUE SE ESPERA DOS ÓRGÃOS NORMATIZADORES COM A ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 14.133/2021

 

A Lei nº 14.133/2021 indica, no seu art. 18, que nos Estudos Técnicos Preliminares é o momento de definir, de forma fundamentada, a necessidade da contratação, ou seja, somente ali é que se define como irá atender a demanda.

Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 desta Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos:

I - a descrição da necessidade da contratação fundamentada em estudo técnico preliminar que caracterize o interesse público envolvido;

[...]

§ 1º O estudo técnico preliminar a que se refere o inciso I do caput deste artigo deverá evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação, e conterá os seguintes elementos:

I - descrição da necessidade da contratação, considerado o problema a ser resolvido sob a perspectiva do interesse público;

II - demonstração da previsão da contratação no plano de contratações anual, sempre que elaborado, de modo a indicar o seu alinhamento com o planejamento da Administração;

III - requisitos da contratação;

IV - estimativas das quantidades para a contratação, acompanhadas das memórias de cálculo e dos documentos que lhes dão suporte, que considerem interdependências com outras contratações, de modo a possibilitar economia de escala;

V - levantamento de mercado, que consiste na análise das alternativas possíveis, e justificativa técnica e econômica da escolha do tipo de solução a contratar;

 

No intuito de eliminar etapas duplicadas e desarrazoadas, constata-se a necessidade de revisão urgente dos normativos, com a previsão correta do momento de avaliar a solução de mercado no ETP, e que a Administração Pública identifique apenas a necessidade da organização no DOD, em obediência as determinações contidas na Lei atual.

5 - CONCLUSÃO

 

Em conclusão, foi possível constar que é louvável as orientações voltadas ao aprimoramento do planejamento das contratações, considerando que a iniciativa foi reduzir o risco de gastos desordenados e a ineficiência na prestação do serviço público. Entretanto, da forma que foi determinada, trava-se a possibilidade de atingir o fim esperado, visto que detalhar, a nível de indicar a solução incluindo de pronto o código SIASG e as quantidades estimadas, atropela a fase posterior, não menos importante, que é a fase dos Estudos Técnicos Preliminares, etapa que de fato é avaliada a melhor solução disponível para atender a demanda.

Reconhecendo a imprescindibilidade de normas que regulassem as etapas de planejamento, o Poder Executivo deu o pontapé inicial, para uma nova fase da governança na Administração Pública, fase essa que representou o marco para atender aos princípios do planejamento e eficiência estampados na Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021), com pontos que devem ser melhorados, a fim de que os agentes públicos não façam uma interpretação equivocada das normas ou se esquivem de observar a fase mais importante para o planejamento das contratações, que é a avaliação das soluções de mercado.

Como citado anteriormente, as orientações do TCU e lei vigente são no sentido de que a solução seja avaliada apenas nos Estudos Técnicos Preliminares, espera-se dos normatizadores ao atualizarem os regramentos que disciplinem a elaboração do DOD, PAC e ETP e eliminem a situação que vem dificultando os trabalhos dos gestores, visto que planejar é trazer eficiência e eficácia aos procedimentos.

 

 



[1] TORRES. Ronny Charles L. de. O Estudo Técnico Preliminar. Torres destaca que “Numa perspectiva funcional, parece importante compreender que o objetivo do ETP é agregar novos elementos de planejamento, avaliando, entre outras coisas: as soluções disponíveis no mercado para o atendimento da pretensão contratual, eventuais requisitos necessários à contratação, ponderações sobre a modelagem contratual (como em relação ao parcelamento ou não da solução, contratação com ou sem dedicação exclusiva de mão de obra), entre outros. Em apertada síntese, a função precípua do ETP parece ser a de refletir sobre a contratação, avaliar as opções disponíveis e as nuances pertinentes a fim de que a alternativa escolhida para atendimento da necessidade administrativa seja a melhor possível para o bom atendimento do interesse público.”