Das Comissões na Lei nº 14.133/2021
Jamil Manasfi Cruz
@jamilmanasfi
Bacharel em Direito e Administração Pública. MBA em Licitações e Contratos, MBA em Gestão Pública, Especialista em Metodologia do Ensino Superior, Professor e Orientador de TCC dos MBAs em Licitações e Contratos da Faculdade Polis Civitas - PR e do Centro Universitário São Lucas – RO, Professor do Grupo Negócios Públicos – NP, servidor de carreira da Prefeitura Municipal de Porto Velho – SEMOB, Pregoeiro e Coordenador de Licitações do CRA-RO, palestrante e instrutor na área de licitações e contratos, planejamento das contratações e formação de pregoeiros, e-mail: adm_jamil@hotmail.com.
Paulo José Ribeiro Alves
@prof.pauloalves
Bacharel em Direito; Pós-Graduado em Direito Administrativo Contemporâneo; Mestrando em Ciências Jurídicas (Master of Science in Legal Studies) com concentração em Riscos e Compliance pela Ambra University (Florida/EUA); Servidor de carreira do Superior Tribunal de Justiça, titular da unidade de Auditoria Operacional e de Governança do Conselho da Justiça Federal; Palestrante e Instrutor em Gestão Pública, Governança, Gestão de Riscos e Auditoria Governamental; Professor convidado da Academia Militar das Agulhas Negras – AMAN, da Escola da AGU – EAGU, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ e da Escola Nacional de Administração Pública – ENAP; membro da Rede Governança Brasil – RGB e membro-fundador da Associação Latino-americana de Governança – ALAGOV; e-mail: profpauloalves@outlook.com.br
1 – INTRODUÇÃO
A Nova Lei de Licitações e Contratos – Lei 14.133, de 1º de abril de 2021 – chega com um enorme conjunto de novidades que devem ser enfrentadas pelos gestores envolvidos no macroprocesso de contratação e responsáveis pela utilização dos seus instrumentos assessórios, gerando considerável esforço hermenêutico.
Com o propósito de facilitar a vida do agente público que busca encontrar no novo marco normativo ferramentas úteis à boa condução das licitações públicas, os autores do presente artigo dedicaram algumas linhas para tratar da função e da composição das comissões presentes na NLLC. Ora, uma comissão, por natureza, é um colegiado que tem por função básica conduzir atividade de maior complexidade, distribuindo entre dois ou mais agentes a responsabilidade pela condução e pela tomada de decisão. Mas em quais casos a nova lei determinou a sua criação e, nestes casos, como deverá ser composta?
Na sequência, passaremos a tratar de cada uma delas conforme a ordem de aparição na Nova Lei de Licitações e Contratos.
2 – DAS COMISSÕES
2.1 – Comissão de Contratação
Sabe-se que a NLLC define, em seu art.7º, I, que os agentes públicos que desempenham as funções essenciais à execução das contratações publicas serão preferencialmente servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, destacando-se a ausência de obrigatoriedade de vínculo efetivo no texto legal. Por outro lado, o art. 8º trata de forma distinta o famigerado “agente de contratação”, haja vista determinação de que será pessoa designada pela autoridade competente dentre servidores efetivos ou empregados públicos do quadro, “para tomar decisões, acompanhar o tramite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação”.
Nota-se que, diferentemente da discricionariedade posta no art. 7º, I, o art. 8º vincula a designação da autoridade competente, limitando-a ao cumprimento do pré-requisito de comprovação vínculo efetivo do servidor com o órgão ou entidade pública quando responsável pela condução da seleção do fornecedor (fase externa). Sabe-se ainda que o agente de contratação receberá auxílio da equipe de apoio, não perdendo, no entanto, a responsabilidade de capitanear a seleção do fornecedor, uma vez que responderá individualmente por eventuais incongruências praticadas durante o procedimento licitatório, ressalvadas as hipóteses em que restar comprovado que fora induzido a erro pela atuação da equipe, reforçando-se a compreensão da sua grandiosa responsabilidade.
Mas a lei não para por aí, trazendo em seu art. 8º § 2º, a figura da comissão de contratação quando a licitação envolver bens ou serviços especiais para substituição do agente de contratação. Senão vejamos:
Em licitação que envolva bens ou serviços especiais, desde que observados os requisitos estabelecidos no art. 7º desta Lei, o agente de contratação poderá ser substituído por comissão de contratação formada por, no mínimo, 3 (três) membros, que responderão solidariamente por todos os atos praticados pela comissão, ressalvado o membro que expressar posição individual divergente fundamentada e registrada em ata lavrada na reunião em que houver sido tomada a decisão.
Ora, bens e serviços especiais são aqueles que, por sua alta heterogeneidade ou complexidade, não podem ser objetivamente definidos pelo edital através de especificações usuais de mercado, conforme preceitua o inciso XIII do art. 6º da Nova Lei de Licitações e Contratos – Lei 14.333 de 1º de abril de 2021. Pela inteligência do art. 29 da NLLC, tais objetos contratuais serão licitados por intermédio da modalidade Concorrência.
Mas resta a dúvida: quem deve compor a comissão de contratação? Somente possuidor de vínculo efetivo à semelhança do agente de contratação ou abre-se oportunidade para designação de servidor ou empregado detentor de vínculo precário (cargo em comissão)?
O primeiro fundamento para responder à pergunta ora proposta, leva-nos aos mencionados requisitos do art. 7º, dispositivo expressamente citado no art. 8º como condição para a formação da citada comissão:
Caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução desta Lei que preencham os seguintes requisitos:
I - sejam, preferencialmente, servidor efetivo ou empregado público dos quadros permanentes da Administração Pública;
II - tenham atribuições relacionadas a licitações e contratos ou possuam formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público; e
III - não sejam cônjuge ou companheiro de licitantes ou contratados habituais da Administração nem tenham com eles vínculo de parentesco, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, ou de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil.
Verifica-se, especialmente do inciso I, que a composição da comissão de contratação, substituta do agente de contratação em licitações de bens e serviços complexos, é composta por agentes públicos, cujo vínculo efetivo com a Administração Pública não é obrigatório, conforme dito alhures. Mantém-se, por sua vez, a necessidade de que possuam as competências relacionadas a licitações e contratos através de formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional, fruto da gestão por competências promovida pela autoridade máxima da organização e ensejadora da profissionalização das contratações públicas.
O segundo fundamento para nossa resposta encontra-se no dispositivo conceitual da Lei, qual seja o art. 6º, que define o agente público em seu inciso V como o “indivíduo que, em virtude de eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, exerce mandato, cargo emprego ou função”. Já a comissão de contratação seria o “conjunto de agentes públicos indicados pela Administração, em caráter permanente ou especial, com a função de receber, examinar e julgar documentos relativos às licitações e aos procedimentos auxiliares”.
Assim, resta evidente que a rígida exigência de vínculo efetivo que recai sobre o agente de contratação não é transferida para a formação da comissão permanente de contratação e da comissão especial de contratação, sendo-lhes apenas preferencial.
Mas a partir de tal premissa, surgem outras dúvidas. Seria a distribuição da responsabilidade entre mais de um agente o motivo para diminuição da rigidez na exigência de vínculo efetivo? A possível submissão do agente a pressões quando da tomada de decisão, risco tratado pela efetividade do vínculo do agente de contratação, estaria dentro da tolerância a risco da Administração para o afastamento de tal pré-requisito na formação da comissão de contratação?
2.2 – Comissão de Contratação do Diálogo Competitivo
Para a nova modalidade de licitação denominada Diálogo Competitivo, a Lei 14.133/21 reservou uma composição distinta da comissão de contratação analisada anteriormente. Nota-se que, no caso do DC, o legislador optou pela obrigatoriedade da formação da comissão de contratação, descartando a possibilidade da sua condução pelo agente de contratação.
Conforme disposto no art. 32, § 1º, XI, se dará por comissão de contratações que, em sua composição, deverá conter pelo menos 3 (três) servidores efetivos ou empregados públicos que pertençam aos quadros permanentes da Administração. Nota-se que a lei não descarta a possibilidade da indicação de servidores comissionados, desde que respeitada a indicação do quantitativo mínimo de efetivos. Cabe salientar que a lei admite, ainda, a contratação de profissionais para realizar o assessoramento técnico da comissão de contratação do diálogo competitivo.
Assim como as demais comissões previstas na nova lei, os membros responderão solidariamente por todos os atos praticados, exceto aquele que manifestar expressamente posição individual divergente fundamentada e registrada na ata onde foi tomada a decisão, conforme determina o art. 8º, § 2º.
2.3 – Comissão de Recebimento Definitivo do Objeto Contratual
De acordo com art. 140 da NLLC, o objeto do contrato será recebido de forma provisória e definitiva, nas seguintes hipóteses:
I - em se tratando de obras e serviços:
a) provisoriamente, pelo responsável por seu acompanhamento e fiscalização, mediante termo detalhado, quando verificado o cumprimento das exigências de caráter técnico;
b) definitivamente, por servidor ou comissão designada pela autoridade competente, mediante termo detalhado que comprove o atendimento das exigências contratuais;
II - em se tratando de compras:
a) provisoriamente, de forma sumária, pelo responsável por seu acompanhamento e fiscalização, com verificação posterior da conformidade do material com as exigências contratuais;
b) definitivamente, por servidor ou comissão designada pela autoridade competente, mediante termo detalhado que comprove o atendimento das exigências contratuais. (negritamos)
Nota-se que, para o recebimento provisório, o legislador não menciona a utilização de comissão, hipótese ventilada apenas quando faz referência ao recebimento definitivo. Abre-se, assim, oportunidade para que a autoridade competente designe tanto servidor individualmente considerado quanto a multiplicidade da comissão. E em ambos os casos, verifica-se a possibilidade de designação tanto de servidores públicos efetivos ou empregados públicos pertencentes ao órgão, quanto de servidores dotados de vínculo precário – cargos em comissão – para compor a comissão de recebimento do objeto do contrato.
2.4 – Comissão para Aplicação de Sanções
Peculiarmente rígidas são as exigências de composição da comissão responsável pela aplicação de sanções, conforme preceitua o art. 158:
A aplicação das sanções previstas nos incisos III e IV do caput do art. 156 desta Lei requererá a instauração de processo de responsabilização, a ser conduzido por comissão composta de 2 (dois) ou mais servidores estáveis, que avaliará fatos e circunstâncias conhecidos e intimará o licitante ou o contratado para, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contado da data de intimação, apresentar defesa escrita e especificar as provas que pretenda produzir.
Dessume-se do excerto citado que apenas servidores dotados de estabilidade podem compor a comissão responsável por aplicar as sanções de impedimento de licitar e contratar, e de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar, consideradas as penas mais severas no rol do art. 156 da NLLC.
E neste ponto cabe-nos destacar que estável é o servidor público que adquire direito à permanência no cargo após o cumprimento dos requisitos constitucionais, dentre os quais destaca-se o vínculo efetivo, afastando de forma inquestionável os detentores de vínculo precário firmado por meio de cargos em comissão. Aqui, para além da exigência da efetividade, a Constituição Federal demanda, ainda, em seu art. 41, o exercício por pelo menos três anos do cargo alcançado através de concurso público.
Importa destacar que nos órgãos ou entidades da Administração Pública onde não se aplique o regime estatutário, a citada comissão será composta por pelo menos 2 empregados públicos que pertençam aos quadros permanentes da organização e que possuam, preferencialmente, 3 anos de exercício no respectivo órgão ou entidade.
3 - CONCLUSÃO
Verifica-se que a Nova Lei de Licitações e Contratos lança mão das comissões nas hipóteses de situações complexas em que a assunção de alto nível de responsabilidade demanda distribuição das atividades e da tomada de decisão entre dois ou mais agentes. Para além disso, amplia a rigidez do vínculo entre o gestor e a Administração Pública visando dar autonomia ao gestor público na tomada de decisões, gradando do agente público, que deve pertencer aos quadros permanentes da Administração Pública mesmo que com o vínculo precário do cargo em comissão, passando pelo agente de contratação, que deve manter vínculo efetivo, até o agente estável, que é a pessoa que adquire direito à permanência no cargo após o cumprimento dos requisitos constitucionais.
Na sequência e com o propósito de facilitar a compreensão do leitor, apresentamos quadro-resumo das comissões: