A RESERVA DE VAGAS DE PRESOS NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS FEDERAIS – AINDA HÁ MUITO O QUE FAZER.


Diego Ornellas de Gusmão

Procurador Federal





1. INTRODUÇÃO


No dia 25 de junho de 2018 foi publicado o Decreto nº 9.450, que instituiu a Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional, trazendo sérias inovações no cenário jurídico das licitações e contratos administrativos no âmbito da União e suas autarquias.

Dentre as principais alterações promovidas pelo Decreto 9.450, de 2018, consta a previsão de que haverá reserva de vagas para pessoas presas e egressas do sistema prisional nos contratos de prestação de serviços para a Administração Pública Federal, tendo por intuito a ressocialização e reeducação dos condenados.

Como se trata de matéria inovadora no âmbito das contratações públicas da Administração Pública Federal, e que já está em vigor, é necessário fazer uma análise crítica a respeito da inovação legislativa.


2 – RESERVA DE VAGAS PARA PRESOS E EGRESSOS. ANÁLISE CONJUNTA DA LEGISLAÇÃO PENAL E ADMINISTRATIVA. NECESSIDADE DE COMPLEMENTAÇÃO NORMATIVA E PARCERIAS COM ENTES GOVERNAMENTAIS E DA SOCIEDADE CIVIL.


Por força da Lei 13.500, de 26 de outubro de 2017, foi introduzido o § 5° no art. 40 da Lei 8666, de 1993, prevendo a possibilidade de a Administração exigir, nos editais de licitação para a contratação de serviços, que as empresas contratadas pelo Poder Público tenham um mínimo de trabalhadores que sejam oriundos ou egressos do sistema prisional, na forma do decreto regulamentador, conforme dispositivo assim lançado:


Art. 40.  O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:

(...)

§ 5º  A Administração Pública poderá, nos editais de licitação para a contratação de serviços, exigir da contratada que um percentual mínimo de sua mão de obra seja oriundo ou egresso do sistema prisional, com a finalidade de ressocialização do reeducando, na forma estabelecida em regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.500, de 2017)


Com o objetivo de regulamentar o referido dispositivo legal, o Poder Executivo Federal editou o Decreto nº 9.450, de 2018, que determinou que, na contratação de serviços, inclusive de engenharia, com valor anual acima de R$ 330.000,00, os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão exigir da contratada o emprego de mão de obra formada por pessoas presas ou egressos do sistema prisional, conforme consta de seu art. 5°1.

Cumpre observar que tanto a Lei nº 8666, de 1993, como o Decreto n° 9.450, de 2018, restringiram a possibilidade desse tipo de exigência para as licitações em que se objetiva a contratação de serviços. Conforme Ronny Charles2, é inaplicável uma interpretação ampliativa que admita a mesma exigência para licitações envolvendo pretensões contratuais de natureza diversa, como aquisições e obras.

A reserva de vagas ficou disciplinada na forma do art. 6º do Decreto 9.450, de 2018, da seguinte maneira: 3% das vagas quando o contrato demandar 200 funcionários ou menos (inc. I); 4% das vagas, no caso de 200 a 500 funcionários (inc. II); 5% das vagas, no caso de 501 a 1.000 funcionários (inc. III); e 6% quando o contrato exigir a contratação de mais de 1.000 funcionários (inc. IV).

Cumpre destacar que a Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional - Pnat é voltada não só aos que foram condenados e estão cumprindo ou já cumpriram algum tipo de sanção penal, mas também para todos os presos provisórios, conforme consta do § 1º do art. 1º do Decreto 9.450, de 2018, que merece ser colacionado:


Art. 1º Fica instituída a Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional – Pnat – para permitir a inserção das pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema prisional no mundo do trabalho e na geração de renda.

§ 1º A Pnat destina-se aos presos provisórios, às pessoas privadas de liberdade em cumprimento de pena no regime fechado, semiaberto e aberto e às pessoas egressas do sistema prisional.


É preciso destacar que o Decreto 9.450, de 2018, previu no seu art. 5º, § 1°, I3, como requisito de habilitação jurídica a declaração por parte da licitante de que, caso vencedora, contratará pessoas presas ou egressas do sistema prisional, e de declaração do órgão de execução penal de que dispõe de pessoas presas aptas à execução do trabalho externo.

Apesar da previsão no Decreto, não é possível exigir requisitos de habilitação que não estejam previstos expressamente na Lei4, e especificamente em relação aos requisitos de habilitação jurídica, estes são previstos de maneira taxativa no art. 28 da Lei 8666, de 19935.

Como bem explica Marçal Justen Filho, a prova da habilitação jurídica corresponde à comprovação de existência, da capacidade de fato e da regular disponibilidade das faculdades jurídicas pelos licitantes, sendo regras não de Direito Administrativo, mas de Direito Civil e Comercial6.

Não obstante essa constatação, que poderia levar à ilegalidade da reserva de vagas na forma do Pnat, o inciso II do § 1° do art. 5º do Decreto 9.450, de 20187, prevê que haverá previsão expressa tanto no edital como na minuta de contrato quanto à obrigação da vencedora do certame contratar pessoas presas ou egressas, tornando dispensável a declaração do inciso I do § 1º do art. 5° do Decreto 9.450, de 2018, uma vez que o instrumento convocatório vincula tanto a Administração como o particular, não havendo necessidade de uma declaração apartada disciplinando as futuras obrigações das partes, conforme o inc. XI do art. 55 da Lei 8666, de 1993.

Nota-se que, para operacionalização da determinação de reserva de vagas nos moldes do Decreto 9.450, é preciso fazer uma leitura em conjunto com as normas que regem não só as contratações públicas, mas também as que disciplinam a execução penal no sistema jurídico pátrio.

Com efeito, a Lei de Execução Penal - LEP, Lei 7.210, de 1984, prevê o trabalho do condenado como dever social e condição de dignidade humana, tendo finalidade educativa e produtiva (art. 28).

É preciso deixar claro que a obrigação do trabalho ao condenado previsto no art. 39, V, da LEP, não significa trabalho forçado ou escravidão, vedados no art. 5º, inciso XLVIII, alínea c, da Constituição Federal.

A propósito, preceitua expressamente o art. 6º da Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto San José da Costa Rica, que o trabalho obrigatório do preso não significa escravidão ou servidão deste por parte do Estado, confira:


ARTIGO 6

Proibição da Escravidão e da Servidão

3. Não constituem trabalhos forçados ou obrigatórios para os efeitos deste artigo:

a) trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoa reclusa em cumprimento de sentença ou resolução formal expedida pela autoridade judiciária competente. Tais trabalhos ou serviços devem ser executados sob a vigilância e controle das autoridades públicas, e os indivíduos que a executarem não devem ser postos à disposição de particulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado;

 

Segundo Cezar Bitencourt8, o trabalho prisional é a melhor forma de ocupar o tempo ocioso do condenado e diminuir os efeitos criminógenos da prisão e, a despeito de ser obrigatório, hoje é um direito-dever do apenado e será sempre remunerado (art. 29 da LEP). A jornada normal de trabalho não pode ser inferior a 6 (seis) e nem superior a 8 (oito) horas diárias, com repouso aos domingos e feriados (art. 33 da LEP). Não poderá ter remuneração inferior a três quartos do salário e estão assegurados ao detento as garantias e todos os benefícios da previdência social, inclusive a aposentadoria, apesar de não ser regulado pela Consolidação das Leis do Trabalho (art. 28, § 2°, da LEP).

Dessa forma, dentre as obrigações dos condenados, a principal é a de trabalhar, que funciona primordialmente como fator de recuperação, disciplina e aprendizado para a futura vida em liberdade. Se o preso recusar a atividade que lhe foi destinada, cometerá falta grave, na forma do inc. VI, do art. 50, da LEP9.

A validade do trabalho obrigatório do preso já foi reconhecida pela jurisprudência há algum tempo, não havendo questionamentos a respeito da legitimidade da obrigação do preso de trabalhar10.

O trabalho externo, por sua vez, é normal no regime aberto, eventual no regime semiaberto e excepcional no regime fechado.11

É preciso anotar, assim, a diferença de tratamento do trabalho externo entre os regimes de cumprimento de pena, conforme disposto no Código Penal.

No regime fechado o condenado cumpre a pena em estabelecimento de segurança máxima ou média. Destina-se aos condenados a penas superiores a 8 (oito anos) de reclusão (art. 33, § 2º, a, Código Penal), sendo o modo mais rigoroso modo de execução da pena privativa de liberdade, e se caracteriza pelo trabalho comum interno (regra) ou em serviços ou obras públicas externas (exceção) durante o dia, e pelo isolamento durante o repouso noturno (art. 34, §§ 1º, 2º e 3º, Código Penal).12

No regime semiaberto a execução da pena possui um rigor intermediário, entre os regimes fechado e aberto. É cumprido em colônia agrícola, industrial ou similar e destina-se, imediatamente, aos condenados primários a penas privativas de liberdade superiores a 4 (quatro) e inferiores a 8 (oito) anos, e mediatamente aos condenados submetidos ao regime fechado (art. 33, § 2º, b, Código Penal), pela progressividade dos regimes de execução. O regime semiaberto caracteriza-se pelo trabalho comum interno ou externo durante o dia e pelo recolhimento noturno, permitindo a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior (art. 35, §§ 1º e 2º, Código Penal).13

O regime aberto é o modo menos rigoroso de execução da pena privativa de liberdade. Deve ser cumprido em casa de albergado e destina-se, imediatamente, aos condenados primários a penas iguais ou inferiores a 4 (quatro) anos, e mediatamente, aos condenados submetidos a outros regimes (art. 33, § 2º, Código Penal), segundo o critério da progressividade. O regime aberto tem por fundamento a autodisciplina e o senso de responsabilidade do condenado (art. 36, Código Penal), e se caracteriza pela liberdade sem restrições para o trabalho externo, frequência a cursos e outras atividades autorizadas durante o dia e pela liberdade restringida durante a noite e dias de folga, mediante recolhimento em casa de albergado ou na própria residência do condenado (art. 36, § 1º, Código Penal).14

A concessão de autorização para que o preso se ausente do estabelecimento prisional para fins de executar trabalho externo submete-se a requisitos legais de ordem objetiva e subjetiva.

Os requisitos subjetivos são a aptidão, a disciplina e a responsabilidade do preso, já o requisito objetivo é a exigência de cumprimento de pelo menos 1/6 (um sexto) da pena aplicada na condenação transitada em julgado, conforme estipula o art. 37 da Lei de Execuções Penais, cujo teor é o seguinte:


Art. 37. A prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena.


A autorização para trabalho externo pode ser revogada em caso de prática de fato definido como crime, de punição por falta grave ou comportamentos contrários aos requisitos exigidos (art. 37 e parágrafo único, da LEP).

A autorização para o trabalho externo é exigível, com relação aos presos que cumpram pena em regime prisional semiaberto ou em regime fechado, nos casos elencados no artigo art. 36 da LEP:


Art. 36. O trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina.

§ 1º O limite máximo do número de presos será de 10% (dez por cento) do total de empregados na obra.

§ 2º Caberá ao órgão da administração, à entidade ou à empresa empreiteira a remuneração desse trabalho.

§ 3º A prestação de trabalho à entidade privada depende do consentimento expresso do preso.


Quando o reeducando encontra-se em regime aberto, porém, já não se exige autorização para o trabalho externo, pois é depositada pelo juízo e pela sociedade, nele, uma maior confiança, cabendo a ele comprovar o exercício de trabalho lícito em prazo estipulado pelo juízo das execuções penais.

Cumpre destacar a figura do egresso, que, para fins da Lei de Execuções Penais, não é aquele que um dia foi preso por qualquer motivo, mas sim o condenado libertado definitivamente, pelo prazo de um ano após sua saída do estabelecimento, e o liberado condicional, mas somente durante o seu período de prova, conforme reza o art. 26 da LEP.

O preso provisório, por fim, não é obrigado a trabalhar, mas, caso queira, somente será possível executar suas tarefas no interior do estabelecimento prisional, não sendo admissível o trabalho externo, conforme dispõe o parágrafo único do art. 31 da LEP:


Art. 31. (...)

Parágrafo único. Para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior do estabelecimento.


Pois bem, percebe-se que o Decreto n° 9.450, de 2018, determinou a reserva de vagas para pessoas presas e egressas para todo tipo de contrato de terceirização de serviços com a Administração Pública Federal, sem estender tal previsão para contratos de obras, não havendo delimitação a respeito de como serão recrutadas essas pessoas por parte da empresa contratada, em especial como será feita a escolha entre as pessoas presas e as egressas, nem quais critérios serão utilizados pela Administração para elaborar os termos do edital e as cláusulas contratuais, não podendo o Administrador agir de forma aleatória e sem critérios.

A aplicação apressada e literal do Decreto pode gerar uma enorme dificuldade operacional, na medida em que não é possível simplesmente transferir para as empresas licitantes toda a responsabilidade por providenciar a contratação de pessoas presas e egressas, uma vez que a implementação do PNAT demanda a integração de diversos órgãos públicos e da própria comunidade na admissão dos antigos infratores ao convívio social.

Fica evidente que é preciso complementar a PNAT com outros instrumentos para permitir a efetivação do programa, com a necessária integração entre os entes governamentais e a sociedade civil.

Conforme explica Guilherme Nucci15, havendo integração da comunidade, através de organismos representativos, no acompanhamento da execução das penas, torna-se maior a probabilidade de recuperação do condenado, até por que, quando findar a pena, possivelmente já terá apoio garantido para a sua reinserção social, mormente no mercado de trabalho (art. 4°, LEP). Para tanto, são previstos como órgãos da execução penal o Patronato (art. 78 e 79, LEP), e o Conselho da Comunidade (art. 80 e 81, LEP).

Essa integração com a comunidade e a necessidade de coordenação intragovernamental para executar o PNAT foi prevista no próprio Decreto 9.450, de 2018, ao estabelecer a necessidade de articulação entre diversos órgãos governamentais e da sociedade civil para a implementação do programa, à luz do disposto nos §§ 2° a 4° do seu art. 1°:


Art. 1o (…)

§1° (…)

§ 2º A Pnat será implementada pela União em regime de cooperação com Estados, Distrito Federal e Municípios.

§ 3º Para a execução da Pnat, poderão ser firmados convênios ou instrumentos de cooperação técnica da União com o Poder Judiciário, Ministério Público, organismos internacionais, federações sindicais, sindicatos, organizações da sociedade civil e outras entidades e empresas privadas.

§ 4º Será promovida a articulação e a integração da Pnat com políticas, programas e projetos similares e congêneres da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.


Assim, apesar do Decreto 9.450, de 2018, prever que as parcerias entre os órgãos governamentais e entidades privadas para implementação é uma possibilidade, entendo que a formalização dos convênios e acordos de cooperação não é só possível, mas essencial e fundamental para a correta operacionalização da Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional, em especial a reserva de vagas nos contratos de terceirização de serviços pela Administração Pública Federal.

Sem esses instrumentos complementares, a Pnat será praticamente inviabilizada no âmbito das contratações públicas federais, uma vez que o universo de pessoas beneficiadas pela reserva de vagas é muito vasto e heterogêneo, com regimes jurídicos de cumprimento de pena distintos, mas que não foram discriminados pelo Decreto 9.450, de 2018, e somente com a especificação em documentos complementares é que será factível a reserva de vagas nos contratos de terceirização de serviços para a Administração Pública Federal.

É imperioso que fique definido nos documentos complementares se a reserva de vagas será apenas para os contratos com dedicação exclusiva de mão de obra, ou se seriam também para os contratos sem dedicação exclusiva de mão de obra, uma vez que essa distinção não restou clara pelo Decreto 9.450.

A Instrução Normativa SEGES n° 05, de 26 de maio de 2017, no seu art. 17 bem caracterizou os serviços com regime de dedicação exclusiva de mão de obra prestados para a Administração Pública Federal, cabendo trazer o referido dispositivo à colação.


Art. 17. Os serviços com regime de dedicação exclusiva de mão de obra são aqueles em que o modelo de execução contratual exija, dentre outros requisitos, que:

I - os empregados da contratada fiquem à disposição nas dependências da contratante para a prestação dos serviços;

II - a contratada não compartilhe os recursos humanos e materiais disponíveis de uma contratação para execução simultânea de outros contratos; e

III - a contratada possibilite a fiscalização pela contratante quanto à distribuição, controle e supervisão dos recursos humanos alocados aos seus contratos.

Parágrafo único. Os serviços de que trata o caput poderão ser prestados fora das dependências do órgão ou entidade, desde que não seja nas dependências da contratada e presentes os requisitos dos incisos II e III.


Nos serviços sem dedicação exclusiva de mão de obra, por sua vez, não haverá a presença física do empregado da empresa contratada nas dependências da Administração, nem mesmo a disponibilidade deste empregado para a Administração.

Essa definição é fundamental para permitir o planejamento correto das futuras contratações.

Além disso, é uma exigência do Decreto 9.450, de 2018, a articulação e integração entre a Pnat e programas congêneres de reinserção de presos, e que deve ser instrumentalizada para permitir a operacionalização da reserva de vagas nos contratos de prestação de serviços para a Administração.

Um exemplo de programa amplamente divulgado para reinserção dos presos e egressos é o Projeto Começar de Novo, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça por meio da Resolução n° 96, de 27 de outubro de 2009, que é composto por diversas ações educativas, de capacitação profissional e de reinserção no mercado de trabalho.

A implementação do Projeto Começar de Novo contou com ampla participação de entidades tanto públicas como privadas, que celebraram parcerias entre si e os órgãos do Poder Judiciário, conforme bem delineado no art. 2° da Resolução CNJ n° 96, de 2009, da seguinte forma:


Art. 2º O Projeto Começar de Novo compõe-se de um conjunto de ações educativas, de capacitação profissional e de reinserção no mercado de trabalho, a ser norteado pelo Plano do Projeto anexo a esta Resolução.

§ 1º O Projeto será implementado com a participação da Rede de Reinserção Social, constituída por todos os órgãos do Poder Judiciário e pelas entidades públicas e privadas, inclusive Patronatos, Conselhos da Comunidade, universidades e instituições de ensino fundamental, médio e técnico-profissionalizantes;

§ 2º Os Tribunais de Justiça deverão celebrar parcerias com as instituições referidas no parágrafo anterior para implantação do Projeto no âmbito da sua jurisdição, com encaminhamento de cópia do instrumento ao Conselho Nacional de Justiça.

§ 3º Os demais tribunais que detenham competência criminal, deverão promover ações de reinserção compatíveis com as penas que executa.

§ 4º Todos os demais tribunais, ainda que não detenham competência criminal, poderão também promover ações de reinserção, sobretudo no tocante à contratação de presos, egressos e cumpridores de medidas e penas alternativas com base na Recomendação nº 21, do Conselho Nacional de Justiça.


Também não houve previsão no Decreto 9.450, de 2018, a respeito dos serviços que não poderão ser prestados por empregados com antecedentes criminais, considerando as peculiaridades da atividade a ser exercida.

Podemos já adiantar que, para o serviço de segurança patrimonial, há expressa vedação legal ao emprego de vigilantes com antecedentes criminais, tal como consta nos arts. 12 e 16, VI da Lei 7.102, de 20 de junho de 1983, que assim dispõem:


Art. 12 - Os diretores e demais empregados das empresas especializadas não poderão ter antecedentes criminais registrados.

(...)

Art. 16 - Para o exercício da profissão, o vigilante preencherá os seguintes requisitos:

(...)

VI - não ter antecedentes criminais registrados; e


A definição de quais as atividades são as mais indicadas para cada tipo de preso ou egresso, levando em consideração inclusive o tipo de crime ao qual foi condenado e a sua personalidade, demandam complementação por convênios e acordos de cooperação, não tendo o Administrador condições de fixar as regras do edital aleatoriamente, sob pena de cometer injustiças e arbitrariedades, mesmo com a melhor das intenções.

Some-se a isso a necessidade de que haja a edição de normativo complementar por parte do Ministério do Planejamento Desenvolvimento e Gestão para a aplicação geral a todos os órgãos integrantes do Sistema de Serviços Gerais –SISG, conforme determina o § 1º do art. 1º do Decreto 1094, de 23 de março de 1994.

Com efeito, o art. 13, VII, anexo I, do Decreto 9.035, de 20 de abril de 2017, atribui à Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento Desenvolvimento e Gestão a qualidade de órgão central do SISG, conferindo-lhe poder normativo para estabelecer diretrizes e orientações aos órgãos e unidades da Administração Federal direta, autárquica e fundacional.

É preciso destacar que o gestor público integrante do SISG deve, em primeiro lugar, observar as normas expedidas pelo órgão central do sistema, que tem por objetivo coordenar as atividades administrativas dos diversos órgãos e entidades com determinações vinculantes, buscando a harmonia e padronização das rotinas de aquisições.

Diante desse quadro, ainda não há condições normativas para a efetivação da Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional pela reserva de vagas nas contratações públicas federais.


III – CONCLUSÃO.


As inovações legislativas introduzidas pelo Decreto 9.450, de 2018, trouxeram enormes desafios para a Administração Pública Federal ao determinar a reserva de vagas para pessoas presas e egressas do sistema prisional nas contratações públicas de serviços terceirizados, havendo necessidade de encontrar uma interpretação que gere a harmonia entre a legislação de Direito Administrativo com a de Direito Penal e Processual Penal.

Para permitir a concretização da Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional pela reserva de vagas nas contratações públicas federais, é necessária ampla complementação por convênios e acordos de cooperação, além da edição de instrução normativa por parte da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento Desenvolvimento e Gestão.

Tais instrumentos complementares darão ao Administrador condições de fixar as regras do edital da futura licitação de maneira segura e justa, sem correr o risco de cometer injustiças e arbitrariedades


REFERÊNCIAS.


BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral, Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 495.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: RT, 2014.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 2011,

SANTOS, Juarez Cirino. Direito Penal: Parte Geral. Curitiba: ICPC, Lumen Juris, 2006.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. HC 157.648⁄SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 26⁄08⁄2010, DJe 27⁄09⁄2010.

TORRES, Ronny Charles Lopes. Leis de Licitações Públicas Comentadas. Salvador: JusPodivm, 2018.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Acórdão n° 670/2013-Plenário.

1  Art. 5º Na contratação de serviços, inclusive os de engenharia, com valor anual acima de R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais), os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão exigir da contratada o emprego de mão de obra formada por pessoas presas ou egressos do sistema prisional, nos termos disposto no § 5º do art. 40 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. 

2 TORRES, Ronny Charles Lopes. Leis de Licitações Públicas Comentadas. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 565.

3 I - no edital, como requisito de habilitação jurídica, consistente na apresentação de declaração do licitante de que, caso seja vencedor, contratará pessoas presas ou egressos nos termos deste Decreto, acompanhada de declaração emitida pelo órgão responsável pela execução penal de que dispõe de pessoas presas aptas à execução de trabalho externo; e

4 Por todos, confira o acórdão 670/2013-Plenário do Tribunal de Contas da União.

5 Art. 28.  A documentação relativa à habilitação jurídica, conforme o caso, consistirá em:

I - cédula de identidade;

II - registro comercial, no caso de empresa individual;

III - ato constitutivo, estatuto ou contrato social em vigor, devidamente registrado, em se tratando de sociedades comerciais, e, no caso de sociedades por ações, acompanhado de documentos de eleição de seus administradores;

IV - inscrição do ato constitutivo, no caso de sociedades civis, acompanhada de prova de diretoria em exercício;

V - decreto de autorização, em se tratando de empresa ou sociedade estrangeira em funcionamento no País, e ato de registro ou autorização para funcionamento expedido pelo órgão competente, quando a atividade assim o exigir.

6 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: RT, 2014, p. 548

7 II - no edital e na minuta de contrato, como obrigação da contratada de empregar como mão de obra pessoas presas ou egressos do sistema prisional e de observar o disposto neste Decreto.


8 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral, Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 495.

9 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1011.

10 Por todos, consulte o julgado do Superior Tribunal de Justiça: HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO EM EXECUÇÃO. RECUSA AO TRABALHO. FALTA GRAVE. PERDA DOS DIAS REMIDOS. ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL A QUO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. ILEGALIDADE NÃO CARACTERIZADA. ORDEM DENEGADA.

1. O art. 50, inciso VI, c.c. o art. 39, inciso V, da Lei de Execuções Penais considera a recusa injustificada ao trabalho como falta grave.

2. É pacífico o entendimento neste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o cometimento de falta grave pelo condenado implicará o reinício da contagem dos prazos para a obtenção do benefício da progressão de regime carcerário, bem como a perda dos dias remidos.

3. Ordem denegada. (HC 157.648⁄SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 26⁄08⁄2010, DJe 27⁄09⁄2010)

11 SANTOS, Juarez Cirino. Direito Penal: Parte Geral. Curitiba: ICPC, Lumen Juris, 2006, p. 522.

12 SANTOS, Juarez Cirino. Op. cit., p. 516.

13 SANTOS, Juarez Cirino. Op. cit., p. 517.

14 SANTOS, Juarez Cirino. Op. cit., p. 518.

15 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit., p. 1007

Diego Ornellas Gusmão

Procurador Federal