Assimetrias de Informação na Nova Lei de Licitações e o Problema da Seleção Adversa[1]

 

 

 

 

Marcos Nóbrega

@profmarcosnobrega

Conselheiro Substituto do Tribunal de Contas de Pernambuco. Professor da Universidade Federal de Pernambuco – Faculdade de Direito do Recife. Pós-Doutor pela Harvard Law School e Kennedy School of Government – Harvard University. Pós-Doutor pela Universidade de Direito de Lisboa – FDUL. Bacharel, Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco – Faculdade de Direito do Recife. Bacharel em Economia pela Universidade Federal de Pernambuco. Bacharel em Administração pela Universidade Católica de Pernambuco. Visiting Scholar na Harvard Law School. Senior Fellow na Harvard Kennedy School of Government. Professor Visitante na Universidade de Lisboa. Visiting Scholar na Singapore Management University. Autor de vários artigos e livros. Conferencista.

 

 

Diego Franco de Araújo Jurubeba

Doutorando em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo – USP. Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Especialista em Economia Nacional pela The George Washington University – GWU. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.

 

 

1 - INTRODUÇÃO

A deflagração do processo de completa mudança do marco legal das contratações públicas no Brasil se deveu ao apontamento, por uma Comissão Especial do Senado Federal, de que a Lei nº 8.666/1993 criava “insegurança para os administradores públicos e deixava “margens excessivas para práticas desleais de quem vende para a administração”.[2] A partir desse diagnóstico, a referida Comissão Especial apresentou a primeira redação do Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 559/2013, que visava substituir integralmente as normas atualmente vigentes e que se tornou realidade com a sanção da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021.

A aprovação da Nova Lei de Licitações colocou o Brasil no vasto rol de países e organizações supranacionais que recentemente alteraram significativamente suas políticas regulatórias a respeito do tema.[3] Trata-se de lei que, acima de tudo, incide sobre parcela expressiva do Produto Interno Bruto e abre ao jus-economista uma importante frente de trabalho. Com efeito, o advento de novos procedimentos licitatórios traz a certeza de que uma reconfiguração do feixe de incentivos que molda o funcionamento de um mercado relevante em nosso país.

No campo doutrinário, um olhar para trás aponta que o estudo jurídico da licitação raramente tentou explicar, prever e entender o comportamento dos atores envolvidos nos processos de contratação pública. No mais das vezes, o trabalho dos juristas restou confinado à mera análise descritiva das normas positivadas na lei,[4] de modo que o desafio é avançar neste largo campo pouco explorado pela análise normativa do Direito aplicável às licitações. Sendo assim, vamos analisar alguns dispositivos que tratam dos critérios de habilitação e a possibilidade de usar mecanismos de signaling e screening para mitigar a assimetria de informações existentes entre a administração e os licitantes. Antes, porém, conceituaremos os principais argumentos, para indicar que regras de revelação de informação são indispensáveis, em qualquer processo de reforma de qualquer legislação sobre licitações no país.

2 – QUE NOVA LEI PUDEMOS TER?

O PLS nº 559/2013 foi aprovado pelo Senado Federal em dezembro de 2016, tendo contemplado algumas novidades colhidas a partir de experiências do Direito estrangeiro. Todavia, a maior parte dos seus 131 artigos consistia no agrupamento e reorientação de normas já contidas em nossos diplomas sobre licitações e contratos públicos: Lei nº 8.666/1993 (Lei Geral de Licitações), Lei nº 10.520, de 2002 (Lei do Pregão), Lei nº 12.462/2011 (Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC) e Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais).

Quando do seu recebimento pela Câmara dos Deputados, o PLS 559/2019 passou a ser denominado Projeto de Lei (PL) nº 6.814/2017 e deu ensejo à criação de uma Comissão Especial para analisá-lo. Depois de tramitar por pouco mais de um ano, o plenário da Câmara recebeu e aprovou o requerimento nº 8.165/2018, de autoria do Deputado José Guimarães, cujo teor pleiteava que o PL nº 6.814/2017 fosse apensado ao PL nº 1.292/1995. Este último teve origem na aprovação pelo Senado, em 1995, do PLS 163/1995, que visava inserir dois parágrafos ao art. 72 da Lei nº 8.666/1993.[5] Sem movimentação processual desde então, o PLS 163/1995 havia ficado esquecido nas prateleiras da Câmara dos Deputados por 23 anos e, subitamente, passou a atrair centenas de proposições que, de qualquer forma, resvalassem no tema das contratações públicas.

A manobra legislativa, aprovada sem alarde, alterou o objeto da Comissão Especial da Câmara Deputados e tornou prejudicado o texto do PLS 559/2013 (PL 6.814/2017).[6] Em outras palavras, o PLS 559/2013 acabou arquivado e o envelhecido PLS 163/1995 retornou ao Senado elevado à condição de redação original da proposição de novo marco legal.[7]

Em um mundo que se transforma cada vez mais rápido seria recomendável que o legislador ordinário tivesse se aprofundado no debate global acerca das melhores práticas para licitar e contratar com eficiência. Nesse contexto, empenhar-se por normatizar procedimentos flexíveis de contratação e pinçar experiências, que comprovadamente têm gerado bons resultados noutros países, seriam providências esperadas daqueles que fazem as leis. Com efeito, as versões votadas nas comissões do Senado até contemplaram sucessivas estratégias oriundas de legislações estrangeiras. Todavia, como costuma ocorrer em processos legislativos conduzidos com uma visão demasiadamente voltada para dentro, diversas emendas parlamentares incorporadas à redação final dada pela Câmara desfiguraram as finalidades de alguns institutos e procedimentos inspirados em práticas internacionais.

Dado o momento do processo legislativo, houve pouca abertura para o Senado dar solução diversa em questões abordadas no texto recebido da Câmara, haja vista o risco de viciar o procedimento legislativo. Aprovado nestas condições, o projeto finalmente foi sancionado e se tornou a Lei nº 14.133/2021. Mesmo após sofrer diversos vetos presidenciais, a Nova Lei é extensa, contando com 194 artigos, e vai na contramão de uma simplificação do sistema de compras nacional. De qualquer forma, é preciso analisar alguns dos seus dispositivos a partir de uma nova perspectiva, que busque enxergar na legislação os incentivos que ela cria para os autores envolvidos no processo de contratação pública.

3 – A LICITAÇÃO COMO MECANISMO DE REVELAÇÃO DE INFORMAÇÕES

A licitação é um mecanismo de revelação de informações. Ela existe porque há dificuldades de transmissão de informações entre os governantes e os particulares que poderiam ser contratados para suprir as necessidades do Estado. Do contrário, se as informações fossem livres, perfeitas e gratuitas, não haveria necessidade de certame licitatório, bastaria ao gestor público contratar diretamente o particular que melhor atendesse aos seus critérios de escolha. No mundo real, porém, sempre haverá uma assimetria entre o governo e os licitantes, de modo que a licitação é o mecanismo que o gestor lança mão para captar informações dos possíveis contratados e, só então, elencá-los de acordo com aqueles critérios de escolha. O ponto central da discussão de licitação, portanto, é a questão da informação, ou melhor, de como atenuar a sua imperfeição. A maioria das falhas em procedimentos licitatórios provoca ineficiências e má alocação de recursos. Infelizmente todos os defeitos são colocados na conta da má qualidade da gestão pública ou da corrupção de gestores e de empresários mal-intencionados. De fato, boa parte das dificuldades em procedimentos licitatórios, em todos os países, se dá por esses dois fatores, mas não se pode tributá-los com a culpa exclusiva pelas ineficiências existentes.

Na verdade, problemas surgem em razão da própria essência dos competitórios, considerando que as ineficiências aparecem porque as modelagens existentes são incapazes de revelar a quantidade suficiente de informação para garantir procedimentos mais eficientes. Assim, o grande desafio daqueles que pensam procedimentos licitatórios é estabelecer mecanismos que promovam essa revelação de informação.

É impressionante como o tema da informação (ou falta dela) é negligenciado pelo Direito brasileiro, quer seja pela legislação ou (o que parece mais grave) pelos seus aplicadores. O Poder Judiciário em geral, e os Tribunais de Contas em particular, vivem em um mundo que não existe mais. Internalizam as regras jurídicas como se operássemos em um ambiente ideal pensado pelos doutrinadores neoclássicos do século XIX. Um mundo onde teríamos informação perfeita, racionalidade absoluta, contratos completos e ausência de custos de transação.

Para ilustrar como funciona um mecanismo de revelação de informação vejamos um exemplo simples. Conta o Antigo Testamento[8] que duas mulheres compareceram diante do Rei Salomão reclamando a maternidade de um recém-nascido. Após ouvi-las o rei pediu que trouxessem a sua espada e anunciou a decisão de partir a criança ao meio, entregando metade a cada mulher. Nesse momento, a verdadeira mãe, tomada pelo instinto maternal, abriu mão de sua parte e rogou ao rei que entregasse a criança viva à falsa mãe. O rei, então, percebendo que apenas a verdadeira mãe poderia ter esse sentimento, mandou lhe entregar o bebê vivo.

Ao declarar a decisão de dividir a criança ao meio, o Rei Salomão nada mais fez do que estabelecer um mecanismo de revelação de informação para tentar descobrir quem era a verdadeira mãe da criança. Da mesma forma as licitações serão tão mais bem-sucedidas, quanto mais conseguirem extrair informações dos licitantes. E nesse ponto, a Nova Lei de Licitações deve ser analisada. Antes disso, porém, é preciso entender o papel da informação no funcionamento dos mercados.

4 – A ECONOMIA DA INFORMAÇÃO

A informação é um bem econômico que desempenha uma função relevante para a compreensão de diversos fenômenos e problemas do mundo real. Embora seja produzida, guardada, consumida, copiada e transacionada,[9] a informação é um bem bastante peculiar. Afinal, que outro bem pode ser retido e repassado ao mesmo tempo?[10]

A publicação do seminal artigo “The Use of Knowledge in Society”, de Friedrich Hayek, em 1945, é considerada o marco inaugural da chamada Economia da Informação. Deve-se ao economista e filósofo austríaco a percepção de que o sistema de preços opera como um mecanismo de comunicação da informação.[11] Ao investigar o problema da construção do raciocínio econômico, Hayek observou que o conhecimento das circunstâncias não é dado aos indivíduos de maneira concentrada, mas em pequenas partes de informações incompletas e frequentemente contraditórias.[12] Cada indivíduo possui algum tipo de informação única que lhe dá vantagem perante os outros, e cuja utilização benéfica à sociedade, somente depende da sua vontade e ação colaborativa.[13]

A teoria da informação é recorrente na análise de diversos mercados e muitos autores que atuam nessa área têm sido agraciados com o Prêmio Nobel de Economia. Nesse sentido, destacam-se os trabalhos de George A. Akerlof, Michael Spence e Joseph Stiglitz, que estabeleceram os fundamentos dessa teoria ainda na década de 1970.

4.1 – Akerlof e o Problema dos Limões

Em seu seminal artigo “The Market for ‘Lemons’: Quality Uncertainty and the Market Mechanism”, George Akerlof apresentou o problema dos limões, em que utilizou o mercado de carros usados nos Estados Unidos da América (EUA) para ilustrar um quadro de seleção adversa. O princípio dos limões é simples: na presença de informações assimétricas, os bens de baixa qualidade afastam do mercado os bens de boa qualidade.

Para fins de simplificação, Akerlof apresenta um modelo em que classifica os carros em quatro tipos: novos ou usados e bons ou ruins (vulgarmente conhecidos como “limões”). Os novos podem ser bons ou ruins, assim como os usados também podem ser bons ou ruins.[14] Diante desse cenário algumas indagações surgem naturalmente: por que o vendedor de um bom carro usado nunca está satisfeito com o preço que o mercado está disposto a pagar pelo seu veículo? Por que os carros novos perdem imediatamente valor ao saírem da concessionária? Ou mesmo, por que quanto mais novo for o carro usado, mais valor relativo perderá em relação ao carro zero quilômetro?

Para responder a essas questões, Akerlof recorre à teoria da agência (agente-principal) para asseverar que, no mercado de carros usados, existe uma assimetria de informações a respeito da qualidade dos veículos. No mundo real, o vendedor possui mais informações sobre a qualidade do carro a ser vendido do que os possíveis compradores.[15] Por conseguinte, o comprador do carro sempre terá boas razões para suspeitar do motivo pelo qual o vendedor deseja se desfazer do bem, de modo que ele irá avaliá-lo como sendo de qualidade duvidosa.

Esse raciocínio parece até simplista, considerando que muitos economistas já haviam se debruçado sobre o tema da assimetria de informação. Porém, Akerlof vai além e capta novos parâmetros que colocaram em xeque a generalização de modelos econômicos até então utilizados, inclusive em sofisticados modelos de equilíbrio geral.

Como decorrência do fato de que os compradores não conseguem distinguir claramente um carro bom de um carro ruim, Akerlof chega a algumas conclusões. Em primeiro lugar, tem-se que o preço do carro usado não poderá ser o mesmo do carro novo, pois do contrário, seria vantajoso para o dono de um “limão” trocá-lo por um carro novo, e assim, obter gratuitamente mais uma chance de adquirir um carro bom. Segundo, visto que os compradores sempre suspeitam da qualidade dos veículos, a barganha será orientada pelo preço médio dos carros usados disponíveis no mercado. Em consequência, o proprietário de um carro bom tende a ficar aprisionado ao bem, dado que não se sentirá estimulado a vendê-lo porquanto dificilmente conseguirá receber uma oferta condizente com valor que ele atribui ao bem.[16]

Dada a relutância dos proprietários de carros bons em vendê-los por um valor menor do que estimam para os seus bens, os “limões” tendem a se tornar a maioria dos veículos disponibilizados no mercado de carros usados. Resta, então, configurado o problema da seleção adversa, o qual tende a se ampliar gradativamente. Ora, como as expectativas dos potenciais compradores irão se alterar quando eles perceberem que o mercado está majoritariamente composto de carros de média ou baixa qualidade, o preço cairá novamente provocando uma nova retração na oferta, já que agora os donos de carros de média qualidade não terão mais incentivos para vendê-los. E assim por diante até que a qualidade caia tanto que não haja mais bens transacionados a qualquer preço.[17]

O problema dos “limões” ilustra uma importante falha de mercado que impõe obstáculos para que seus participantes estabeleçam transações mutuamente benéficas.

Como destacam Fisman e Sullivan[18], Akerlof conseguiu simplificar algo muito mais complexo, rompendo com os modelos econômicos abstratos e jogando luz sobre a necessidade da economia estar atenta ao mundo real. Em momento anterior, o modelo neoclássico de análise de mercados tão somente estimaria uma curva de demanda, uma de oferta e um preço de equilíbrio, tendo como parâmetros implícitos a assimetria informacional e a qualidade uniforme dos bens. Tamanha simplificação é inadequada para analisar mercados que lidam com acentuadas informações assimétricas e estão sujeitos a desvios de eficiência. Mais do que isso, é preciso considerar como os agentes econômicos de fato se comportam e quais são os incentivos existentes nas relações.

Seja no mercado de carros usados ou em qualquer outro com forte assimetria de informação, ocorrerá o problema de seleção adversa. Aliás, bom que se diga, sempre haverá algum tipo de assimetria de informações no mercado, restando saber se tal imperfeição é suficientemente contundente para ensejar alguma medida corretiva do próprio mercado (autorregulação) ou do governo.

4.2 – Um Exemplo do Mercado dos “Limões”

Vejamos um exemplo para ilustrar os argumentos de Akerlof[19].

Já sabemos que é muito difícil avaliar a qualidade do carro usado e vamos considerar um mercado onde existam apenas dois tipos de carros, carros bons (CB) e carros ruins (CR).

O carro bom vai valer 3.000 para o comprador e 2500 para o vendedor, ao passo que o carro ruim vai valer 2000 para o comprador e 1000 para o vendedor.

Vamos também adotar como premissas que o número de carros ruins é o dobro do número de carros bons. Assim, nesse mercado, 1/3 dos carros serão bons e 2/3 terão qualidade ruim. Dessa forma, em um mercado perfeito, com informação simétrica onde o vendedor e comprador conseguem avaliar exatamente a qualidade do bem, o carro bom seria comprado por 3.000 e o carro ruim por 2.000. Isso porque se fosse oferecido 3.000 pelo carro bom, ele seria vendido, ao passo que se fosse oferecido 2000 pelo carro ruim, ele também seria vendido. Sob a ótica da venda do carro, o proprietário aceitaria vender o carro bom por 2.500 e o dono do carro ruim aceitaria colocá-lo no mercado por 1.000.

Suponha agora que nenhuma das partes sabe a qualidade dos carros e que 2/3 do mercado é composto por carros ruins e o restante por carros bons. Logo:

Nesse caso, o comprador tem uma probabilidade de adquirir um carro bom por 3.000 x 1/3 = 1000, ao passo que o carro ruim será adquirido por 2.000 x 2/3 = 1.333. Assim, o valor esperado para que o carro seja comprado no mercado será o seguinte:

Sob a ótica da venda dos carros, se eles forem bons, deverão ser vendidos por 2.500 x 1/3 = 833, enquanto que o carro ruim deverá ser vendido por 1.000 x 2/3 =  666, assim:

Então, como achar um equilíbrio quando nenhuma das partes sabe a real qualidade do carro?

O valor de equilíbrio para a compra do carro é 2.333 e como esse valor é maior do que o preço esperado para o vendedor do carro, ele fará negócio.

O problema desse tipo de mercado é que o vendedor comumente sabe muito mais sobre a qualidade do carro do que o comprador. Temos, portanto, uma assimetria de informação. Assim, qual seria o preço de equilíbrio em um mercado com essas características? Suponha a seguinte análise da faixa de preços:

Abaixo de 1.000 (linha vermelha) não haveria qualquer venda porque esse é o preço mínimo que o proprietário do carro ruim estaria disposto a vendê-lo. Assim, acima de 1.000, os carros ruins começam a ser ofertados no mercado.

Como vimos, os carros bons somente começarão a ser ofertados no mercado a partir do preço de 2.500. Assim, entre 1.000 e 2.500 (linha amarela) só teríamos carros ruins ofertados. Por óbvio, se o preço for acima de 2.500 (linha verde), tanto carros bons quanto ruins serão ofertados.

É bom lembrar que a probabilidade de carros bons é de 1/3 e de carros ruins é de 2/3 e considerando que o valor esperado de equilíbrio é 2.333, nenhuma transação ocorrerá acima de 2.500 porque o comprador saberá intuitivamente que provavelmente pagará muito por um carro ruim.

Observem que os carros serão ofertados no intervalo de 1.000 a 2.500 (faixa amarela), no entanto, os compradores racionalmente vão saber que somente existirão carros ruins ofertados, considerando que o valor dos carros bons para o proprietário é 2.500.

Sabendo disso, nesse intervalo (1.000 – 2.500) o comprador vai oferecer o preço de 2.000 que é quanto vale o carro ruim para ele. Ele não chegará nem a ofertar 2.333, porque nesse caso ele somente poderá adquirir carros ruins, pagando um preço excessivo por eles.

Em resumo, o equilíbrio desse mercado será 2.000 e somente carros ruins serão comercializados.

O vendedor de carros usados tem expertise suficiente para saber se o carro que ele está vendendo é bom ou ruim, mas tentará ao máximo empurrar um carro de qualidade inferior ao consumidor, omitindo a informação do comprador. Assim, haverá uma assimetria de informação entre o vendedor e o comprador de carro usado, caracterizando esse mercado e tantos outros que lidam com acentuadas assimetrias de informação.

Nesse tipo de mercado, ou em qualquer outro com forte assimetria de informação, ocorrerá o problema de seleção adversa, ou seja, os carros ruins expulsarão os carros bons do mercado, gerando ineficiência.

É bom lembrar que o trabalho de Akerlof foi além de mercados de carros usados, é útil para tantos outros que apresentam assimetrias informacionais, desde mercado financeiro ao mercado de trabalho. Ao introduzir as distorções provocadas pela informação assimétrica, Akerlof rompe que os modelos econômicos abstratos e lança olhar sobre mercados reais.

O problema é como resolver o problema das assimetrias informacionais. Embora somente exista uma, e somente uma, informação correta, há inúmeras maneiras de comunicar algo imperfeito, ou seja, há inúmeras formas de provocar “ruídos” nesses sinais.

Embora Akerlof tenha sido um pioneiro, o tema é recorrente em Economia. Os trabalhos de Rothschild e Stiglitz[20] sobre mercado de seguros, e Michael Spence[21] sobre mercado de trabalho, também merecem destaque.

Em uma vertente mais especializada da Teoria da Informação também podemos considerar os trabalhos seminais de James Mirrless[22] com o tema  da taxação sobre a renda e Willian Vickrey,[23] com um papel decisivo para o aperfeiçoamento das modelagens de leilões. Vickrey foi pioneiro na explicitação dos mecanismos que podem gerar resultados melhores e seus achados foram fundamentais para desvendar os incentivos existentes em processos licitatórios.

Segundo Dias[24], existem duas opções distintas para diminuir as assimetrias de informação. A primeira é detectar as hipóteses de interação de mercado, como no caso de mercados de carros usados. Outra possibilidade é determinar qual das partes toma a iniciativa de diminuir as assimetrias. Se é a parte menos informada (geralmente o Governo em procedimentos licitatórios), por mecanismos de monitoramentos e controle ou mesmo algum tipo de modelagem de screening (menu de contratos, por exemplo), ou pela parte mais informada (os licitantes) por sinalização (signaling).

É claro que um dos enfoques mais importantes da Teoria da Informação é encarar a assimetria de informação como uma falha de mercado. Assim, a teoria convencional determina a existência de mercados completos quando as características dos bens vendidos são livremente observáveis por todos os participantes do mercado. Essa, muitas vezes, é a falaciosa premissa existente nos procedimentos licitatórios. Embora os bens pareçam homogêneos, não se pode observar ex ante qual a valoração que cada participante denota ao bem. Isso é mais dramático no caso de serviços. E aqui, um ponto essencial é o diferencial entre preço e valor. O preço é um sinalizador incompleto do valor que cada licitação dá a um determinado bem. O desafio dos procedimentos licitatórios é como desenhar incentivos para diminuir as assimetrias de informação. E nesse ponto passa a ser relevante considerar como a informação é disponibilizada, como se dá a sua dispersão e em que grau essa dispersão afeta o mercado e a alocação de recursos. Ainda conforme análise de Dias[25], Kenneth Arrow[26] observou dois tipos de assimetria de informação. Uma delas considerando as ações não observáves  (moral hazard) ou o caso da informação oculta (seleção adversa).

O conceito de seleção adversa é tomado emprestado da Teoria da Seleção Natural de Charles Darwin. De acordo com o autor, os mais aptos sobreviveram aos menos capazes de conviver com adversidades. Quando há informação assimétrica, os produtos de melhor qualidade são expulsos pelos produtos de pior qualidade, determinando uma seleção de natureza adversa porém, porque acaba gerando uma ineficiência.

No caso da seleção adversa e nas licitações, o governo aceita a proposta do licitante vencedor e com ele contrata, no entanto não tem condições de saber exatamente todas as informações detidas pelo proponente. Nesse caso, aspectos como estrutura de custos, governança ou mesmo verdadeira capacidade da empresa em executar a obra ou serviço, fica apenas no âmbito de suposições.

É bem verdade, contudo, que o procedimento licitatório contempla mecanismo de revelação de informação que se dá pelos critérios de qualificação. Ocorre, todavia, que esses critérios são burocráticos, estabelecem elevados custos de transação (que serão repassados para os preços) e são pouco eficientes para revelar todas as informações necessárias para o governo ter certeza que o vencedor do procedimento licitatório terá, de fato, condições de executar a obra ou serviço.

É muito comum, sobremodo em obras, que as empresas acabem propondo seus preços sabendo ex ante que não conseguirão executá-la por aquele valor. O fazem no intuito de ganhar o certame, e tão logo começam a execução do contrato, arguem administrativamente ou judicialmente o reequilíbrio econômico financeiro do contrato, argumentando, no mais das vezes, as mais estapafúrdias razões.

Fica claro então que o preço que o licitante proporá no procedimento licitatório dependerá da probabilidade por ele estimada de conseguir rapidamente um reequilíbrio econômico financeiro do contrato. E mais, esse preço também levará em consideração a estimativa dos custos de transação que a empresa contratante incorrerá para perseguir seu pleito (nesse caso, os custos de corrupção também serão estimados).

A seleção adversa é um dos maiores problemas (senão o maior) de modelagem nos procedimentos licitatórios. Ela cria uma quantidade grande de distorções e limitações de mercado, acabando por impedir a administração de adquirir os melhores serviços e os produtos de melhor qualidade. Também cria elevados custos adicionais para minorar as imperfeições produzidas. O custo do controle é um bom exemplo disso.

Temos que encontrar mecanismos para minimizar o problema da seleção adversa. Algumas opções são possíveis:

a) Procedência: evidente que as pessoas desejam comprar automóveis de quem conhecem e confiam. Isso é bem verdade porque se vendermos um carro a um conhecido, certamente conseguiremos melhor preço do que vender em uma agência de veículos. Deste modo, faria sentido exigir na fase de qualificação de licitação documentos que sinalizem a qualidade do produto, como por exemplo, certificados ISO[27] ou mesmo Cartas de Exclusividade. Durante muito tempo os órgãos de controle rechaçaram essas exigências por entendê-las afrontosas ao princípio da igualdade, quando  na verdade, podem funcionar como importante mecanismo de revelação de informação para o governo.

b) Reputação: por óbvio tentamos comprar um carro de quem já conhecemos ou de uma loja recomendada por um amigo próximo. Assim, as empresas apresentam valores quanto a sua posição no mercado, sendo um elemento intrínseco de revelação de informação. Os procedimentos licitatórios tratam esse fator de forma controversa. Ao passo que podem estabelecer critérios na qualificação técnica, devem evitar que esses critérios maculem a igualdade dos licitantes (art. 37, XXI). Isso às vezes é um contrassenso, porque acaba por igualar os diferentes impedindo a administração de escolher a firma mais confiável do mercado.

Esse problema aparece quando a administração tenta escolher uma determinada marca ou um confiável executor do serviço. Ela o faz porque conhece as características intrínsecas do produto. Aliás, foi o mercado que liberou informação suficiente para determinar que aquela marca é melhor e mais confiável. Bem, não é preciso ir mais longe para descobrirmos que  é vedada a preferência de marca nos procedimentos licitatórios. Mais uma vez ocorre o problema da seleção adversa, os piores acabam expulsando os melhores produtos do mercado.

c) Garantia: isso parece óbvio. É o que fazem as novas firmas para convencer o público que possuem bons produtos. Uma fábrica de automóveis chinesa tem como principal elemento de sua propaganda a garantia de 6 anos, tentando com isso convencer o consumidor que possui um bom e confiável produto. Da mesma forma funcionam os critérios de garantia estabelecidos pelos procedimentos licitatórios, muito embora, mais sinalizem robustez financeira do que capacidade técnica.

Um efeito semelhante tem um fundo garantidor (como os da parcerias público-privadas – PPPs,  por exemplo) que sinaliza que o governo estaria disposto a dar lastro ao empreendimento diante de eventuais dificuldades. Isso se justifica para criar incentivos para participação do setor privado, considerando que muitas PPPs são formatadas como modelagem de project finance onde o fluxo de caixa é o verdadeiro garantidor do projeto. Cumpre, no entanto, lembrar que se não existir uma legislação adequada para normatizar o funcionamento dessa garantia, um problema de risco moral (moral hazard) surgirá, caracterizado pela diminuição do ímpeto do setor privado em cumprir adequadamente o contrato ou ter suficiente diligência financeira.

A visão que temos do controle é muito ingênua[28]. Açodado pela estrita legalidade, quando resolve atuar ex ante apenas empurra o problema para a fase de execução contratual, quando é bem mais caro e ineficiente o controle. Deveria na verdade apreciar os editais de licitação sob a lupa das assimetrias informacionais e dos incentivos determinados para tentar minorar as distorções do sistema.

Na hipótese de moral hazard há uma assimetria ex post à celebração do contrato. O licitante vencedor acredita que poderá executar o objeto pelo preço acertado, no entanto, quando começa a execução contratual, percebe iludido quanto ao mister. Assim tenta por todas as formas, quer seja por reequilíbrio econômico financeiro ou por trapaça, restabelecer o contrato ao patamar desejável. Uma forma comum de minorar o moral hazard é a reputação. E nesse caso mecanismos mais eficientes de qualificação devem ser contemplados quando da emissão dos editais licitatórios.

Esse ponto dos contratos chama atenção para uma questão importante. É inconteste que algum esforço tem sido feito pelo Governo do Brasil para aprimorar a legislação de compras governamentais e o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) é um bom exemplo disso. No entanto, grande parte do problema continua intocada. Trato da disciplina jurídica dos contratos celebrados pela administração. O arcabouço legal que o envelopa resta sombreada por conceito e parâmetros arcaicos. O fetiche do princípio da supremacia do poder público sobre o particular e a visão obliterada pelo radicalismo legalista escondem a abordagem de aspectos importantes como contratos incompletos, custos de transação e eficiência.

Vê-se que como a legislação de licitação no Brasil é insuficiente para dirimir as assimetrias de informação e o problema dos incentivos existentes na escolha das propostas mais vantajosas para a administração, e como todas essas deficiências serão carreadas para a execução contratual, repensar a teoria dos contratos administrativos é imperioso.

4.3 – A Nova Lei de Licitações e a Tentativa de Minorar as Assimetrias de Informação

Vários são os dispositivos da Nova Lei que tentam minorar as assimetrias de informação entre o licitante e o governo comprador dos bens. Logo no art. 6˚, que se presta a estabelecer os principais conceitos da lei, no inciso XLIV, é dito que a pré-qualificação é o procedimento seletivo prévio à licitação, convocada por meio de edital e destinada à análise das condições de habilitação, total ou parcial, dos interessados ou do objeto. Essa claramente é uma forma de sinalizar ao mercado e estabelecer padrões ex ante para facilitar a escolha das empresas mais à frente. O problema como veremos, é que essa pré-qualificação (assim como a qualificação) deve ter condições de revelar informações úteis sobre a empresa que será contratada, como por exemplo, idoneidade, capacidade de executar o objeto, confiabilidade, histórico etc.

Em relação às regras de habilitação, o art. 62 estabelece que é na fase da licitação que é verificado o conjunto de informações e documentos necessários e suficientes para demonstrar a capacidade do licitante de realizar o objeto da licitação, dividindo-se em:

I - jurídica;

II - técnica;

III - fiscal, social e trabalhista;

IV- econômico-financeira.

É importante saber se essas regras de habilitação são capazes de revelar informação útil para descobrirmos se o licitante terá condições de executar adequadamente o contrato. Nesse sentido, o artigo subsequente (art. 63) estabelece os parâmetros que deverão ser observados na fase de habilitação, a saber:

- poderá ser exigida dos licitantes a declaração de que atendem aos requisitos de habilitação, respondendo o declarante pela veracidade das informações prestadas, na forma da lei;

- será exigida a apresentação dos documentos de habilitação apenas pelo licitante vencedor, exceto quando a fase de habilitação anteceder a de julgamento;

- em qualquer caso, os documentos relativos à regularidade fiscal somente serão exigidos em momento posterior ao julgamento das propostas, e apenas do licitante mais bem classificado;

- será exigida declaração do licitante de que cumpre as exigências de reserva de cargos prevista em lei para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, bem como em outras normas específicas.[29]

Embora sejam exigências importantes não trazem inovações em relação aos diplomas de licitação então existentes. São, em essência, mais formalidades burocráticas do que dispositivos que revelem a capacidade real do contratado executar a avença ou mesmo da qualidade do produto.

Nesse sentido, os comandos estabelecidos nos parágrafos desse artigo 63 vão no mesmo sentido. Veja:

§ 1° Constará do edital de licitação cláusula que exija declaração dos licitantes, sobpena de desclassificação, de que suas propostas econômicas compreendem a integralidade dos custos para atendimento dos direitos trabalhistas assegurados na Constituição Federal e nas leis trabalhistas, normas infralegais, convenções coletivas de trabalho e termos de ajustamento de conduta vigentes na data de entrega das propostas.

§ 2o Quando a avaliação prévia do local de execução for imprescindível para o conhecimento pleno das condições e peculiaridades do objeto a ser contratado, o edital de licitação poderá prever, sob pena de inabilitação, a necessidade de o licitante atestar que conhece o local e as condições de realização da obra ou serviço, ficando assegurado ao licitante o direito de realização de vistoria prévia.

§ 3o Para os fins previstos no § 2o, o edital de licitação sempre deverá prever a possibilidade de substituição da vistoria por declaração formal assinada pelo responsável técnico da licitante acerca do conhecimento pleno das condições e peculiaridades da contratação.

§ 4o Para os fins previstos no § 2o, se licitante optar por realizar vistoria prévia, a Administração deverá disponibilizar data e horário diferentes para os eventuais interessados.[30]

É bem verdade, no entanto, que os mais efetivos aspectos para sinalizar a qualidade do contrato ex ante estão estabelecidos nos critérios adotados de qualificação técnico-profissional e técnico-operacional. Aí é que regras de signaling e screnning deverão ser mais efetivas para comunicar o “tipo” do licitante. Percebe-se, porém, que essa revelação de informação nunca será perfeita e o que deve ser perseguido é a “core information”, ou seja, a parcela de informação essencial para o contratante (no caso o governo) discernir se a empresa pode prestar o serviço adequadamente. Logo, informações sobre governança da empresa, capacidade operacional e tantas outras informações interna corporis serão despiciendas ou exigirão um esforço pouco razoável para coletá-las.  Além disso, é necessário também considerar os “ruídos” que ocorrem na liberação dessas informações, o que sempre tornará impossível a eliminação de assimetrias de informação.

Na Nova Lei de Licitações, os critérios adotados de qualificação técnico-profissional e técnico-operacional estão estabelecidos no art. 67:

I - apresentação de profissional, devidamente registrado no conselho profissional competente, quando for o caso, detentor de atestado de responsabilidade técnica por execução de obra ou serviço de características semelhantes, para fins de contratação;

II - certidões ou atestados, regularmente emitidos pelo conselho profissional competente, quando for o caso, que demonstrem capacidade operacional na execução de serviços similares de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior, bem como documentos comprobatórios emitidos na forma do § 3o do art. 88;

III - indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos;

IV - prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso;

V - registro ou inscrição na entidade profissional competente, quando for o caso;

VI- declaração de que o licitante tomou conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação.

§ 1o A exigência de atestados restringir-se-á às parcelas de maior relevância ou valor significativo do objeto da licitação, assim consideradas aquelas que tenham valor individual igual ou superior a 4% (quatro por cento) do valor total estimado da contratação.

§ 2o Observado o disposto no caput e no § 1o, é admitida a exigência de atestados com quantidades mínimas de até 50% (cinquenta por cento) das parcelas a que se refere o § 1°, sendo vedadas limitações de tempo e locais específicos relativas aos atestados.

§ 3o Salvo na hipótese de contratação de obras e serviços de engenharia, as exigências a que se referem os incisos I e II do caput, a critério da Administração, poderão ser substituídas por outra prova de que o profissional ou a empresa possui conhecimento técnico e experiência prática na execução serviço de características semelhantes, hipótese em que as provas alternativas aceitáveis deverão ser previstas em regulamento.

§ 4o Serão aceitos atestados ou outros documentos hábeis emitidos por entidades estrangeiras, quando acompanhados de tradução para o português, salvo se comprovada a inidoneidade da entidade emissora.

§ 5o Em se tratando de serviços contínuos, o edital poderá exigir certidão ou atestado que demonstre que o licitante tenha executado serviços similares ao objeto da licitação, em períodos sucessivos ou não, por um prazo mínimo, que não poderá ser superior a 3 (três) anos.

§ 6o Os profissionais indicados pelo licitante na forma dos incisos I e III do caput deverão participar da obra ou serviço objeto da licitação, admitindo- se a substituição por profissionais de experiência equivalente ou superior, desde que aprovada pela Administração.

§ 7o Sociedades empresárias estrangeiras atenderão à exigência prevista no inciso V do caput por meio da apresentação, no momento da assinatura do contrato, da solicitação de registro junto à entidade profissional competente no Brasil.

§ 8o É admitida a exigência da relação dos compromissos assumidos pelo licitante que importem em diminuição da disponibilidade do pessoal técnico referido nos incisos I e III do caput.

§ 9o O edital poderá prever, para aspectos técnicos específicos, que a qualificação técnica poderá ser demonstrada por meio de atestados relativos a potencial subcontratado, limitado a 25% (vinte e cinco por cento) do objeto a ser licitado, hipótese em que mais de um licitante poderá apresentar atestado relativo ao mesmo potencial subcontratado.

§ 10º. Em caso de apresentação por licitante de atestado de desempenho anterior emitido em favor de consórcio do qual ele tenha feito parte, se o atestado ou o contrato de constituição do consórcio não identificar a atividade desempenhada por cada consorciado individualmente, serão adotados os seguintes critérios na avaliação de sua qualificação técnica:

I - caso o atestado tenha sido emitido em favor de consórcio homogêneo, todas as experiências atestadas deverão ser reconhecidas para cada uma das empresas consorciadas na proporção quantitativa de sua participação no consórcio, salvo nas licitações para contratação de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual, em que todas as experiências atestadas deverão ser reconhecidas para cada uma das empresas consorciadas;

II- caso o atestado tenha sido emitido em favor de consórcio heterogêneo, as experiências atestadas deverão ser reconhecidas para cada consorciado de acordo com os respectivos campos de atuação, inclusive nas licitações para contratação de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual.

§ 11º. Na hipótese do § 10, para fins de comprovação do percentual de participação do consorciado, caso esse não conste expressamente do atestado ou certidão, deverá ser juntada ao atestado ou à certidão cópia do instrumento de constituição do consórcio.

§ 12º. Na documentação de que trata o inciso I do caput, não serão admitidos atestados de responsabilidade técnica de profissionais que, na forma de regulamento, tenham dado causa à aplicação das sanções previstas nos incisos III e IV do art. 156 em decorrência de orientação proposta, prescrição técnica ou qualquer ato profissional de sua responsabilidade.[31]

Parece pouco provável que essa miríade de atestados, além de consumir tempo e recursos das empresas licitantes, possa sinalizar realmente se as empresas podem executar adequadamente os serviços. Assim, perdemos a oportunidade de estabelecer mecanismos de rating para empresas e desta forma dar uma pontuação extra para aquelas que executaram adequadamente o contrato. Nesse caso, poderiam ser considerados vários parâmetros como o análise do preço contrato vis-à-vis o preço final pago, ou seja, a incidência de aditivos como pontuação para aferir a eventual pontualidade na execução do objeto ou mesmo a qualidade dos bens utilizados.

Com novas ferramentas tecnológicas, como blockchain, podemos  aferir em tempo real a utilização de insumos e adimplemento das obrigações.

Nesse diapasão de “mais do mesmo”, veja o que o a Nova Lei fala de habilitação econômico-financeira (art. 69):

Art. 67. A habilitação econômico-financeira visa a demonstrar a aptidão econômica do licitante para cumprir as obrigações decorrentes do futuro contrato, devendo ser comprovada de forma objetiva, por coeficientes e índices econômicos previstos no edital, devidamente justificados no processo licitatório, e será restrita à apresentação da seguinte documentação:

- balanço patrimonial, demonstração de resultado de exercício e demais demonstrações contábeis dos dois últimos exercícios sociais;

- certidão negativa de feitos sobre falência expedida pelo distribuidor da sede do licitante.

§ 1o A critério da Administração, poderá ser exigida declaração, assinada por profissional habilitado da área contábil, que ateste o atendimento pelo licitante dos índices econômicos previstos no edital.

§ 2o Para o atendimento do disposto no caput, é vedada a exigência de valores mínimos de faturamento anterior e de índices de rentabilidade ou lucratividade.

§ 3° é admitida a exigência da relação dos compromissos assumidos pelo licitante que importem em diminuição de sua capacidade económico-financeira, excluídas parcelas já executadas de contratos firmados.

§ 4o A Administração, nas compras para entrega futura e na execução de obras e serviços, poderá estabelecer, no edital, a exigência de capital mínimo ou de património líquido mínimo equivalente a até 10% (dez por cento) do valor estimado da contratação.

§ 5o É vedada a exigência de índices e valores não usualmente adotados para a avaliação de situação econômico-financeira suficiente ao cumprimento das obrigações decorrentes da licitação.

§ 6Ô Os documentos referidos no inciso I do caput se limitarão ao último exercício no caso de a pessoa jurídica ter sido constituída em menos de dois anos.[32]

Além da qualificação, outra forma de estabelecer mecanismos de signaling é a pré-qualificação, que é o procedimento seletivo prévio à licitação, convocado por meio de edital, destinado à análise das condições de habilitação, total ou parcial, dos interessados ou do objeto, onde os requisitos são solicitados ex ante. A pré-qualificação é considerada um instrumento auxiliar e busca selecionar previamente os licitantes que reúnam condições de habilitação para participar de futura licitação ou de licitação vinculada a programas de obras ou de serviços objetivamente definidos, bem como os bens que atendam às exigências técnicas ou de qualidade estabelecidas.

Nesse mesmo sentido, a possibilidade de fazer prova da qualidade conforme estabelece o art. 42. A prova de qualidade de produto apresentado pelos proponentes como similar ao das marcas eventualmente indicadas no edital (art. 42). Isso é admitido por qualquer um dos seguintes meios:

- comprovação de que o produto está de acordo com as normas técnicas determinadas pelos órgãos oficiais competentes, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) ou por outra entidade credenciada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro);

- declaração de atendimento satisfatório emitida por outro órgão ou entidade de nível federativo equivalente ou superior que tenha adquirido o produto;

- certificação, certificado, laudo laboratorial ou documento similar que possibilite a aferição da qualidade e da conformidade do produto ou do processo de fabricação, inclusive sob o aspecto ambiental, emitido por instituição oficial competente ou por entidade credenciada.[33]

5 - CONCLUSÕES

Em que pese diversos países e organizações supranacionais tenham buscado aperfeiçoar suas normas e políticas regulatórias sobre licitação nas últimas décadas, é preciso mais do que análises positivas. Há muito já se enxerga que a eficiência na aplicação das contratações públicas perpassa por explicar, prever e entender o comportamento dos atores envolvidos no processo.

E no caso brasileiro, marcado pela tradição legalista, corre-se o risco de perpetuar velhas práticas se encararmos o novo marco legal pelas lentes de um “retrovisor jurisprudencial”, ou mesmo da tradicional (e desgastada) doutrina para enfrentar  o tema no Brasil

Isso certamente aparece em licitações onde os critérios de qualificação estipulados pela ainda vigente Lei nº 8666/93 e por todas as outras específicas legislações de licitação (Concessões, PPP, RDC e Lei das Estatais) são absolutamente insuficientes para revelar as verdadeiras qualidades dos licitantes ao governo. Assim, embora regularidade fiscal ou qualificação técnica digam muito, muita informação fica anuviada pelo manto da assimetria informacional. Aspectos como governança corporativa ou mesmo capacidade administrativa são encobertos. Sem falar nas informações possuídas pelos licitantes quanto à qualidade dos bens e serviços prestados durante a execução contratual, bem como com a quantidade envolvida.

Com a Nova Lei de Licitações perdeu-se uma grande oportunidade de trazer relevantes avanços em regras de revelação de informação e diminuição de assimetrias informacionais, muito embora dispositivos específicos tentem estabelecer (mesmo que de forma tímida) mecanismos de signaling e rating que, de fato, já são bem-vindos para aperfeiçoar os sistemas de compras no país.

6 - REFERÊNCIAS

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[1] Versão atualizada em agosto de 2021 de artigo originalmente publicado na Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 18, n. 69, p. 9-32, abr./jun. 2020.

[2] SENADO FEDERAL. Relatório final da Comissão Especial Temporária de Modernização da Lei de Licitações e Contratos (lei nº 8.666/1993) – CTLICON. 1993.

[3] Inovação, sustentabilidade e inclusão são temas centrais na agenda de reformas promovidas em diversos países, a exemplo daqueles que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (cf. OECD. Public procurement for innovation: good practices and strategies. Paris: OECD, 2017, p. 3).

[4] NÓBREGA, Marcos. Direito e Economia da Infraestrutura. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2019, pag. 21.

[5] A alteração proposta pelo projeto de lei  de número 1.292/1995 é a seguinte:

Art. 1º O art. 72 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 72

§ 1º O contratado é obrigado a cientificar à administração, em oito dias, as subcontratações que realizar.

§2ºO pagamento dos benefícios obtidos pelo contratado perante a Administração Pública, em decorrência de reajustamento de preços ou em função de revisão contratual para a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, somente será efetivado após a comprovação de que eventuais subcontratantes passem a usufruir, proporcionalmente aos seus encargos, as mesmas vantagens do contratado”

[6] Assim decidiu a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados em 16 de março de 2008: “Apense-se o Projeto de Lei n. 6.814/2017 ao Projeto de Lei n. 1.292/1995. (...) Altere-se, ainda, o nome da Comissão Especial do Projeto de Lei n. 6.814/2017, para passar a se referir ao Projeto de Lei n° 1.292/1995, que encabeçará o bloco em apreciação”.

[7] O Deputado João Arruda ainda chegou a apresentar o requerimento nº 8373/2018, visando a desapensação dos projetos por considerá-la indevida e não atender aos pressupostos regimentais: “o PL n° 1.292, de 1995, tem a ele apensadas outras 223 proposições e a tramitação em conjunto das matérias pode se transformar em relevante obstáculo à boa apreciação por esta Casa Legislativa do conteúdo relevante e urgente que é a Nova Lei de Licitações proposta pelo PL n° 6.814, de 2017, tão aguarda por todos os setores envolvidos. Veja-se, por outro lado, que o PL n° 1.292, de 1995, e seus 223 apensados tratam de temas pontuais dentro do tema genérico de licitações contratos e visam a modificar dispositivos específicos da legislação vigente. Tem-se, assim, que o objeto e escopo das proposições são diversos: enquanto o PL n° 1.292, de 1995, e seus demais apensados pretendem alterar pontos específicos de normas sobre licitações, o PL n° 6.814, de 2017, apresenta uma Nova Lei de Licitações e Contratos, substituindo as três principais normas vigentes sobre o assunto”. A Mesa Diretora, no entanto, indeferiu o pleito.

[8] Cf. BÍBLIA, A. T.1 Reis 3:16-28

[9] BIRCHLER, Urs; BÜTLER, Monika. Information economics. Abingdon: Routledge, 2007, p. 6.

[10] Ibid.,p.1

[11] Hayek, Friedrich A. “The Use of Knowledge in Society”. The American Economic Review, v. 35, nº 4 (1945), p. 526.

[12] Ibid.,p.519.

[13] Ibid.,pp.521 – 522.

[14] AKERLOF, George A. The Market for “Lemons”: Quality Uncertainty and the Market Mechanism. The Quarterly Journal of Economics, v. 84, n. 3, Aug. 1970, pp. 489-490.

[15] Ibid., p. 489.

[16] Akerlof, p. 489-490; PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomics. 9. ed. Harlow: Pearson, 2018, pp. 646-647.

[17] Akerlof, p.490.

[18] FISMAN, Ray; SULLIVAN, Tim. The Inner Lives of Markets: How people shape then and the shape us. London: Jonh Murray Learning Press, 2016.

[19] Esse exemplo é explicitado pelo professor CARREIRA Junior, José Marcos. “Seleção Adversa, Sinalização e Teoria dos Seguros”. Youtube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=nifxSwng5_g>. Acesso em 16 jul. 2020.

 

[20] Rothschild, M.; Stiglitz, Joseph. “Equilibrium in Competitive Insurance Markets: An Essay on the Economics of Imperfect Information” (1976). In DIONNE, Georges; HARRINGTON, Scott E. (eds.). Foundations of Insurance Economics. Dordrecht: Springer, 1992.

[21] SPENCE, Michael. Job Market Signaling, The Quarterly Journal of Economics, v. 87, n. 3., Aug. 1973, pp. 355-374.

[22] MIRRLESS. James. “The Optimal Structure of Incentives and Authority Within an Organization.” Bell Journal of Economics and Management Science. vol. 7 nº 1 (1976), pp. 105 – 131.

[23] VICKREY, William. “Counterspeculation, Auctions and Competitive Sealed Tenders”. Journal of Finance, vol. 16, nº 1(1961), pp. 8 - 39.

[24] DIAS, Marco Antônio Guimarães. Análise Estratégica de Investimentos e de Decisões com Teoria de Jogos e Jogos de Opções Reais. Notas de aula. PUC- Rio. Disponível em: <http://marcoagd.usuarios.rdc.puc-rio.br/ele2005.html>. Acesso em: 16 jul. 2020.

[25] Dias, op. Cit.

[26] ARROW, Kenneth. Social Choice and Individual Values. New York: Wiley, 1963.

 

[27] Temos também muitas ressalvas quanto a utilização de certificados ISO, que muitas vezes são burocratizados e são mais usados como instrumentos de marketing, com pouca preocupação com a sinalização de qualidade.

[28] NÓBREGA, Marcos. Os Tribunais de Contas e o Controle dos Programas Sociais. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 136.

[29] CÂMARA DOS DEPUTADOS. Redação final do Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei n. 1292/95 (nova Lei de Licitações), do Senado Federal. Brasília: Câmara dos Deputados, 2019.

[30] Idem.

[31] Idem.

[32] Idem.

[33] Idem.