O Fiscal de Contratos pode cobrar das empresas contratadas que exijam comprovante de vacinação contra COVID-19 dos seus empregados?

 

 

Flaviana V. Paim

A autora é contadora e Advogada. Sócia da Paim & Furquim Contabilidade, em Gravataí/RS, assessora técnica e articulista para as áreas de finanças e Licitações do INGEP - Instituto Nacional de Gestão Pública, com sede em Porto Alegre/RS.

Professora de pós-graduação, palestrante, congressista e facilitadora de treinamentos abertos e fechados há mais de 17 anos, em temáticas relacionadas a Licitações e Contratos. Tem diversos artigos científicos e livros publicados sobre temas relacionados à terceirização na Administração Pública.

 

 

1 – INTRODUÇÃO

 

Embora haja muita polêmica em torno das questões trabalhistas envolvendo a vacinação contra a COVID-19, vou responder de forma objetiva a pergunta que dá título a este breve artigo: Há fundamentos jurídicos suficientes para afirmarmos que é possível fazer esta exigência. Mas antes mesmo de falarmos da atividade do fiscal de contratos no que diz respeito a essa questão, é salutar respondermos a uma pergunta que vem antes desta: Os empregadores podem exigir comprovantes de vacinação de seus empregados? Igualmente, a resposta é positiva.

A CLT, quando se trata de segurança do trabalho, impõe uma série de orientações, nas quais é possível extrair que há uma responsabilidade concorrente entre empregador e empregado. Primeiro porque cabe ao empregador propiciar um ambiente de trabalho seguro e saudável para seus colaboradores, obedecendo às Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego referentes à Segurança e à Medicina do Trabalho (NR`s), e aos empregados cabe seguir as orientações que lhe são repassadas nesse sentido. Uma responsabilidade acentuada por ocasião dos protocolos de segurança das autoridades sanitárias em razão da pandemia da Covid-19, que impôs desde o fechamento de estabelecimentos até protocolos menos rígidos de segurança, com objetivo de conter o avanço da pandemia e proteger a população em geral, incluindo o ambiente de trabalho nas empresas. 

No que tange a terceirização de serviços em âmbito público ou privado, de acordo com o art.9, §1º, da Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017, e alterações promovidas pela Lei nº 13.467/2017, fica sob a responsabilidade da empresa contratante dos serviços garantir segurança, higiene e salubridade dos funcionários terceirizados. O local de trabalho em que o empregado terceirizado irá trabalhar deve conter um ambiente adequado para o desenvolvimento da atividade requisitada, seja nas próprias dependências da contratante dos serviços ou em determinada localidade de comum acordo entre as partes.

 

2 – DA EXIGÊNCIA DE COMPROVANTE DE VACINAÇÃO

O Supremo Tribunal Federal, no finalzinho de 2021, julgou 4 (quatro)[1] arguições de descumprimento de preceito fundamental ("ADPFs") ajuizadas pela Rede de Sustentabilidade, pelo Partido Socialista Brasileiro, pelo Partido dos Trabalhadores e pelo Partido Novo, quando firmou o posicionamento no sentido de que o Estado pode sim exigir da população a vacinação compulsória, por entender que se trata de um direito coletivo, que se sobrepõe ao interesse individual. Então, pela gravidade da situação em que nos encontramos, por se tratar de caso de saúde coletiva, o direito individual, nesse caso, seria afastado e privilegiado o direito coletivo, sendo, portanto, constitucional a exigência compulsória da vacinação da população.

 Em âmbito trabalhista, a situação tornou-se mais controversa porque, em 1º de novembro de 2021, foi publicada a Portaria nº 620 assinada pelo ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni, que considerava discriminatória a exigência do certificado de vacinação, proibia empresas de pedir comprovante da vacinação ao contratar empregados e de demitir por justa causa o funcionário que não tomasse vacinas.

Mas a mesma Portaria, de forma contraditória previa, em seu artigo 3º, que os empregadores podem oferecer aos trabalhadores a testagem periódica, e, nessa hipótese, torna-se obrigatória a apresentação do cartão de vacinação.

"Artigo 3º - Com a finalidade de assegurar a preservação das condições sanitárias no ambiente de trabalho, os empregadores poderão oferecer aos seus trabalhadores a testagem periódica que comprove a não contaminação pela Covid-19 ficando os trabalhadores, neste caso, obrigados à realização de testagem ou a apresentação de cartão de vacinação".

Essa polêmica Portaria considerada inconstitucional por alguns juristas desde a sua publicação, teve dispositivos suspensos liminarmente pelo STF em 12 de novembro de 2021, no que se refere aos trechos que proibia ao empregador exigir do trabalhador qualquer documento discriminatório e, em especial, comprovante de vacinação, considerando como prática discriminatória a obrigatoriedade de apresentação de certificado de vacinação, assim como a demissão por justa causa de empregado em razão da sua recusa.

Por outro lado, a própria Portaria já definia que cabe ao empregador estabelecer e divulgar orientações ou protocolos com a indicação das medidas necessárias para prevenção, controle e mitigação dos riscos de transmissão da Covid-19 nos ambientes de trabalho, incluindo o respeito à política nacional de vacinação e promoção dos efeitos da vacinação para redução do contágio da Covid-19 (artigo 2º).

Além disso, os empregadores podem estabelecer políticas de incentivo à vacinação de seus trabalhadores amparados expressamente pelo artigo 2º, parágrafo único, da Portaria nº 620/2021.

De outra banda, o Ministério Público do Trabalho emitiu a nota técnica do GT Covid-19 nº 05/2021, na qual orientou os empregadores a fiscalizarem e exigirem a certificação da vacinação para o ingresso no ambiente de trabalho, assim como prestigiar o incentivo à vacinação.

O próprio Tribunal Superior do Trabalho, inclusive, através do ATO GP.GVP.CGJT 279/2021, passou a exigir para o ingresso e circulação em suas dependências a apresentação de comprovante de vacinação contra a Covid-19. Situação semelhante ocorre em boa parte dos Tribunais Brasileiros e Instituições Públicas do país, o que somado aos argumentos acima referidos acaba por contribuir para que os fiscais administrativos que acompanham contratos de serviços realizados mediante cessão de mão de obra nas dependências do tomador de serviço incluam em suas rotinas de trabalho a verificação dos comprovantes de vacinação dos empregados terceirizados.  Tal prática visa garantir a segurança de todos que circulam no ambiente de trabalho, sejam eles empregados, servidores ou a população em geral.

A exigência dos comprovantes de vacinação não se confunde com a ingerência na atividade terceirizada da empresa contratada. Os fiscais podem exigir os comprovantes de vacinação dos terceirizados, o que deverá ser feito mediante notificação com prazo para cumprimento por parte da empresa contratada. Caberá à empresa empregadora solicitar aos empregados os comprovantes e exigir destes o cumprimento das obrigações relacionadas ao cronograma nacional de vacinação. Caso haja recusa por parte dos empregados alocados no contrato, caberá ao contratante, no máximo, a exigência de sua substituição por outro empregado e a empresa poderá, inclusive, na pior hipótese, providenciar demissão por justa causa do empregado que se nega a apresentar os comprovantes solicitados.

Aliás, com relação à demissão por justa causa do empregado que se recusa a tomar a vacina contra a COVID-19, importante referir que o art. 482 da CLT, que trata da justa causa, não menciona a recusa em vacinar-se como expressa justa causa, mas diante da possibilidade do empregador poder exigir o atestado de vacinação de seus empregados, amparado pelos argumentos acima expostos, podemos classificar como ato faltoso do empregado a recusa injustificada à observância das instruções expedidas pelo empregador, por meio de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais (artigo 158, parágrafo único, "a", da CLT).

 

3 – CONCLUSÃO

Nesse sentido, constitui justa causa para extinção do contrato de trabalho o ato de indisciplina do empregado (artigo 482, "h", da CLT), ou seja, o descumprimento de ordens gerais estabelecidas pelo empregador no exercício do poder de direção (artigo 2º da CLT). Essas determinações podem ter como objetivo a redução dos riscos inerentes ao trabalho, para a preservação da saúde e segurança no meio ambiente laboral (artigo 7º, inciso XXII, da Constituição Federal de 1988), em respeito à função social da empresa.

No entanto, a recusa do empregado em relação a vacinar-se contra a COVID-19 deve ser injustificada para ser considerada como motivo para a justa causa. O STF, na citada decisão, entendeu que não são legítimas as escolhas individuais que atentem contra os direitos de terceiros. Com isso, decisões baseadas em convicção pessoal, posicionamentos ideológicos, políticos ou religiosos não são justificativas aceitas. É necessário haver atestado médico, por exemplo, que determine que a vacina não é recomendável para aquele paciente por apresentar riscos a sua saúde.

Tem se entendido que muito antes de tomar uma medida extrema de demissão por justa causa, caberia às empresas, de forma preliminar, adotar medidas de precaução e incentivo à política de vacinação, mostrando a importância deste ato para a proteção do ambiente de trabalho, o que poderia, inclusive, ser feito com a participação dos tomadores de serviços, uma vez que os serviços são prestados dentro de suas dependências.

Desta forma, antes da demissão por justa causa, o empregador deve estabelecer regras claras sobre a obrigatoriedade da vacina, inclusive podendo prever prazos para seu cumprimento pelo empregado que ainda não tenha completado todo esquema vacinal. Caso persista a recusa sem justificativa plausível, descumprindo os prazos concedidos para regularização, poderá proceder com a justa causa.

 

 



[1] ADPF 898, ADPF 900, ADPF 901, ADPF 905.