Licitações púbicas e o pagamento do auxílio-alimentação – Lei 14.442/2022

 

 

Christianne Stroppa
 @chrisstroppa.professora

Assessora de Controle Externo no TCM/SP; Advogada especialista em Licitações e Contratos Administrativos; Professora Doutora e Mestre de Direito Administrativo na PUC/SP.

 

 

Ronny Charles L. De Torres

@ronnycharles
Advogado da União. Membro da Câmara Nacional de Licitações e Contratos da AGU. Doutorando em Direito do Estado (UFPE). Mestre em Direito Econômico (UFPB). Pós-graduado em Direito tributário (IDP) e em Ciências Jurídicas (UNP). Autor de diversos livros jurídicos, entre eles: Leis de licitações públicas comentadas (13ª Edição. Ed. JusPodivm).

 

 

 

 

1 - INTRODUÇÃO

 

No último dia 2 de setembro, foi expedida a Lei nº 14.442, resultado da conversão da Medida Provisória nº 1.108, dispondo sobre o pagamento do auxílio-alimentação de que trata o § 2º do art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei 5.452, de de maio de 1943, e alterando a Lei nº 6.321, de 14 de abril de 1976, e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943.

 

Para o objeto de análise do presente escrito, importa destacar que a referida Lei altera a Legislação do Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT, instituído pela Lei 6.321, de 14 de abril de 1976, e, atualmente, regulamentado pelo Decreto n 10.854, de 10 de novembro de 2021, com instruções complementares estabelecidas pela Portaria MTP/GM 672, de 8 de novembro de 2021. O Programa busca atender prioritariamente os trabalhadores de baixa renda e fomenta a concessão de benefícios alimentares aos trabalhadores.


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A Lei do Programa de Alimentação determina que o auxílio-alimentação seja destinado exclusivamente ao pagamento de refeição em restaurantes ou de gêneros alimentícios comprados no comércio. Porém, as alterações apresentadas pela referida Lei, embora motivadas por interesses legítimos, provocam sérias dúvidas sobre sua aplicação, notadamente em relação a contratos administrativos, que talvez não tenham sido devidamente ponderadas pelos autores de seu texto.

 

Pois bem, o presente escrito, de maneira sucinta, tem por objetivo trazer algumas luzes sobre o tema.

 

2 - AUXÍLIO ALIMENTAÇÃO

 

O artigo da Lei 14.442/2022 definiu que o empregador, ao contratar pessoa jurídica para o fornecimento do auxílio-alimentação, não poderá exigir ou receber: a) qualquer tipo de deságio ou imposição de descontos sobre o valor contratado; b) prazos de repasse ou pagamento que descaracterizem a natureza pré-paga dos valores a serem disponibilizados aos trabalhadores; c) outras verbas e benefícios diretos ou indiretos de qualquer natureza não vinculados diretamente à promoção de saúde e segurança alimentar do empregado, no âmbito de contratos firmados com empresas emissoras de instrumentos de pagamento de auxílio-alimentação.

 

O governo alega que a regra visa impedir que o auxílio, que tem tratamento tributário favorável, seja destinado à aquisição de produtos não relacionados à alimentação. Tal preocupação é questionável, por pressupor que os beneficiários recebedores do auxílio prescindirão de sua alimentação para gastos outros, com o referido auxílio. De qualquer forma, sendo este um risco possível, é legítima a regra que ao menos induza a utilização apropriada dos referidos créditos.

 

Ora, tendo em vista que há órgãos e entidades públicas que firmam contratações para fornecimento de auxílio-alimentação, questão a merecer


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resposta    é:   como a recente    Lei   nº   14.442/2022    afetará os   contratos administrativos em curso, com este objeto?

 

Pois bem, como descrito, a Lei proíbe as empresas de receber descontos na contratação de empresas fornecedoras de tíquetes de alimentação. A ideia, imagina-se, é evitar que a empresa contratante consiga pagar um valor menor do que aquele do crédito ofertado ao trabalhador que recebe o auxílio. Para alguns representantes do governo, o custo do desconto é, posteriormente, transferido aos restaurantes e supermercados por meio de tarifas mais altas, e destes aos trabalhadores.

 

Assim, para coibir o “uso inadequado” do auxílio-alimentação pelos empregadores ou pelas empresas emissoras dos tíquetes, a Lei prevê multa entre R$ 5 mil a R$ 50 mil, aplicada em dobro, em caso de reincidência ou embaraço à fiscalização (art. 4º).

 

O estabelecimento que comercializa produtos não relacionados ao auxílio-alimentação e a empresa que o credenciou sujeitam-se às mesmas multas.1

Com a devida venia, notadamente em relação às proibições previstas no artigo 3º, esta é uma regra que parece trazer mais problemas que soluções, notadamente em relação aos contratos administrativos.

 

De maneira curiosa, o Governo percebeu a obviedade de que, no capitalismo, custos tendem a ser transferidos pelo fornecedor, na definição do preço de um produto. Porém, parece ignorar que eventual empecilho a esta transferência acabará resultando em reflexos na própria definição do preço. Ao invés de deixar a resolução deste problema à livre negociação das partes e dos usuários, a Lei tenta criar um bloqueio a este tipo de pactuação entre o

 

 


1 Medida provisória regulamenta teletrabalho e muda regras do auxílio-alimentação. Agência Câmara de Notícias. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/861554-medida-provisoria-regulamenta- teletrabalho-e-muda-regras-do-auxilio-alimentacao/ . Acesso em: 27 Jun. 2022.


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empregador e a pessoa jurídica contratada para o fornecimento do auxílio- alimentação.

 

Hoje, é cediço que em licitações para a contratação do fornecimento de auxílio alimentação, a Administração Pública costuma conseguir desconto dos preços a serem oferecidos como crédito aos trabalhadores. Não é incomum que licitações com este objeto tenham descontos tais, que gerem propostas finais inferiores ao crédito a ser oferecido para os trabalhadores. Mas por que isso ocorreria? Altruísmo ou generosidade das empresas licitantes? Certamente que não.

 

Isso se dá, via de regra, por decorrência da própria organização do mercado. Neste, as empresas fornecedoras firmam contratos com as empresas fornecedoras dos produtos, buscando com elas descontos, comissões ou bônus pela compra gerada pelos usuários de seus créditos alimentares (auxílio alimentação).

 

Sendo este um excedente disponível, assim como uma margem de lucro, diante de uma pretensão contratual interessante, o fornecedor pode usar esse potencial retorno financeiro como algo a ser utilizado para vencer uma licitação.

 

Este tipo de situação gera aquilo que se costumou chamar de pregão negativo ou pregão com taxa negativas, nos quais, ao invés de acrescer um percentual excedente em sua proposta, em relação ao crédito que precisará ser dado ao trabalhador (auxílio-alimentação), o licitante oferece ainda um desconto, resultando em uma proposta que representa um teórico dispêndio, por parte da Administração contratante, inferior ao crédito a ser gerado pela empresa.

 

3 - EVOLUÇÃO DO ENTENDIMENTO SOBRE AS TAXAS NEGATIVAS

 

O Tribunal de Contas da União (TCU) todas as vezes que proclamou pela regularidade das taxas negativas se dizia em defesa da não presunção (objetividade) de inexequibilidade das propostas (subsidiando-se no art. 48, inciso II, §1º da Lei 8.666/1993 e na Súmula 262 TCU), orientando que


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fossem abertas demonstrações de execução, que, uma vez exequíveis essas propostas, representariam economicidade e vantajosidade ao contratante.

 

Neste sentido, o TCU entendeu que, nas licitações para operacionalização de vale-refeição, vale-alimentação, vale-combustível e cartão combustível, “não se deve proibir o oferecimento de proposta de preço com taxa de administração zero ou negativa”, embora fosse necessária a avaliação sobre a exequibilidade de proposta com taxa de administração negativa ou de valor zero, a partir de critérios previamente fixados no edital2.

Isso porque o TCU já compreendia que a organização do mercado específico pode permitir que a remuneração das empresas prestadoras dos serviços de fornecimento de vale-alimentação ou vale-refeição não se limite ao recebimento da taxa de administração, decorrendo “também da cobrança realizada aos estabelecimentos credenciados e dos rendimentos das aplicações financeiras sobre os repasses dos contratantes, a partir do seu recebimento até o efetivo pagamento à rede conveniada”3. O mesmo entendimento, inclusive, é identificado em licitações que tenham por objeto o gerenciamento de frota com tecnologia de pagamento por cartão magnético4.

Acontece que, em 2021, o Decreto Federal 10.854 alterou as regras envolvendo o auxílio alimentação dos inscritos no PAT. Em seu art. 175, seu texto proibiu o recebimento de deságios; a imposição de descontos sobre o valor contratado; além de alterações nos prazos de repasse que descaracterizassem a natureza pré-paga dos valores ou outras verbas e; ainda, qualquer benefício direto ou indireto desconectado das finalidades do programa.

 

Essas proibições ganharam mais visibilidade e reforço com a supracitada Lei 14.442/2022, resultado da conversão da Medida Provisória 1.108/2022 que, seguindo a linha interpretativa manifestada no Decreto Federal, vedou a taxa negativa em seu art. 3º:

 

2 TCU. Acórdão 2004/2018 - Primeira Câmara. Representação, Relator Ministro Walton Alencar Rodrigues.

3 TCU. Acórdão 1482/2019 Plenário. Denúncia, Relator Ministro-Substituto Augusto Sherman.

4 TCU. Acórdão 321/2021 - Plenário. Representação, Relator Ministro Augusto Nardes.


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Art. O empregador, ao contratar pessoa jurídica para o fornecimento do auxílio-alimentação de que trata o art. 2º desta Lei, não poderá exigir ou receber:

I  - qualquer tipo de deságio ou imposição de descontos sobre o valor contratado;

II   - prazos de repasse ou pagamento que descaracterizem a natureza pré-paga dos valores a serem disponibilizados aos trabalhadores; ou

III  - outras verbas e benefícios diretos ou indiretos de qualquer natureza não vinculados diretamente à promoção de saúde e segurança alimentar do trabalhador, no âmbito de contratos firmados com empresas emissoras de instrumentos de pagamento de auxílio-alimentação.

§ A vedação de que trata o caput não se aplica aos contratos de fornecimento de auxílio-alimentação vigentes, até seu encerramento ou até que tenha decorrido o prazo de quatorze meses, contado da data de publicação desta Lei, o que ocorrer primeiro.

§ 2º É vedada a prorrogação de contrato de fornecimento de auxílio-alimentação em desconformidade com o disposto no caput deste artigo.

 

Em resumo, as demonstrações de exequibilidade – possibilidade de se executar as propostas baseadas em taxas negativas se assentavam, justamente, em receitas indiretas/adicionais/acessórias à prestação dos serviços de facilitação/fornecimento do auxílio.

 

As empresas, uma vez executando os contratos, supriam o déficit decorrente da não remuneração direta pelo contratante e do complemento ao valor total que haviam se obrigado com a oferta negativa, através de tratativas com a rede de fornecedores ou com a rentabilidade dos valores depositados; na realidade, a prestação dos serviços se tornava uma oportunidade para outros negócios, e a Administração Pública, ao conferir a exequibilidade das propostas nestes termos, consentia com essa prática, o que, com as recentes alterações, deixa de ser viável.

 

Obviamente, em relação às licitações, a aplicação da Lei sustará o efeito dos arranjos de mercado na redução do preço proposto, tornando as contratações mais caras, embora isso não impeça, per si, que os arranjos de mercado continuem existindo.

 

Ademais, imaginando que os arranjos são normais nesse mercado, o obstáculo criado pela Lei trará dificuldades na definição do vencedor da licitação,


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uma vez que, provavelmente, diversos licitantes poderiam apresentar preços inferiores ao estabelecido artificialmente como mínimo.

 

Em uma comparação, seria como se o preço médio de mercado de um produto fosse 100 e a Administração estivesse impelida pela Lei a exigir propostas iguais ou superiores a 120. A identificação do vencedor desta licitação tende a se dar através de sorteio ou de acordo escuso entre os próprios licitantes, já que todos possuem condições de ofertar o preço artificialmente estabelecido como piso para as propostas.

 

Numa perspectiva econômica, com a aplicação das regras da Lei, a realização de licitação tenderá a ser uma solução ineficiente para a escolha do contratado, já que todos os interessados tenderão a ter o mesmo menor preço (desconto zerado).

 

4 - CONTRATOS ADMINISTRATIVOS VIGENTES E A LEI Nº 14.442/2022

 

O contrato administrativo pode ser entendido como “um tipo de avença travada entre a Administração e terceiros na qual, por força de lei, de cláusulas pactuadas ou do tipo de objeto, a permanência do vínculo e as condições preestabelecidas assujeitam-se a cambiáveis imposições de interesse público, ressalvados os interesses patrimoniais do contratante privado”5.

Em consequência, contém os seguintes requisitos: é sempre bilateral e, em regra, comutativo, sinalagmático, formal, oneroso e realizado intuitu personae. Com isto podemos afirmar que é um acordo de vontades (e não um ato unilateral e impositivo da Administração); é comutativo, porque estabelece compensações recíprocas e equivalentes para as partes; é sinalagmático, porque estabelece obrigações recíprocas; é formal, porque se expressa por escrito e com requisitos especiais; é oneroso, porque remunerado na forma

 

 

 


 

5 Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 35ª ed., , São Paulo: Malheiros, 2021, ps. 577.


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convencionada; e é intuitu personae, porque, a priori, exige a pessoa do contratado para sua execução.

 

Ademais, em face do princípio da supremacia do interesse público, norteador de todo o agir da Administração Pública, o contrato administrativo atribui à contratante os poderes relacionados na legislação (como o artigo 58 da Lei nº 8.666/93), quais sejam: determinar modificações nas prestações devidas pelo contratante em função das necessidades públicas; acompanhar e fiscalizar continuamente a execução dele; impor as sanções estipuladas quando faltas do obrigado as ensejarem; e rescindir o contrato sponte propria se o interesse público o demandar.

 

Destarte, para que haja equilíbrio nas relações jurídicas, o mesmo contrato assegura à contratada alguns direitos oponíveis aos poderes da contratante, dentre os quais podemos destacar: preservação da identidade do objeto; alegação da exceção do contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus); e manutenção do equilíbrio da equação econômico-financeira do contrato, ou seja, integral proteção quanto às aspirações econômicas que ditaram seu ingresso no vínculo e se substanciaram, de direito, por ocasião da avença, consoante os termos ali estipulados.

 

Evidente, então, que o chamado contrato administrativo de modo algum configura relação em que assistem vantagens e poderes apenas para uma das partes. Nesse sentido, importante trazer à colação as lições de Caio Tácito quando alude a um traço imprescindível do contrato administrativo, consistente no resguardo dos interesses do contratante, designado direito ao equilíbrio econômico-financeiro:

 

Essa garantia do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo preserva a sua natureza comutativa (equivalência intrínseca entre as prestações) e sinalagmática (reciprocidade das obrigações)6.

 

 


 

6 TÁCITO, Caio. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 1975, p. 292.


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A equação econômico-financeira do contrato é “a relação que as partes estabelecem inicialmente, no ajuste, entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, do serviço ou do fornecimento”7. Para Marçal Justen Filho:

[...] significa a relação (de fato) existente entre o conjunto dos encargos impostos ao particular e a remuneração correspondente.

(...) abrange todos os encargos impostos à parte, ainda quando não se configurem como ‘deveres jurídicos’ propriamente ditos. São relevantes os prazos de início, execução, recebimento provisório e definitivo previstos no ato convocatório; os processos tecnológicos a serem aplicados; as matérias-primas a serem utilizadas; as distâncias para entrega dos bens; o prazo para pagamento etc.

(...) delineia-se a partir da elaboração do ato convocatório. Porém, a equação se firma no instante em que a proposta é apresentada. Aceita a proposta pela Administração está consagrada a equação econômico-financeira dela constante. A partir de então, essa equação está protegida e assegurada pelo Direito 8.

 

Ou seja, é a correlação entre o objeto do contrato e sua remuneração, originariamente prevista e fixada pelas partes em números absolutos ou em escala móvel, e que deve ser conservada durante toda a execução do contrato.

 

Até porque, enquanto a Administração visa o atendimento das necessidades públicas, o contratado objetiva o lucro, através da remuneração consubstanciada nas cláusulas econômico-financeiras. Nota Celso Antônio que:

“na teoria do contrato administrativo, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro é aceita como verdadeiro ‘artigo de fé’. Doutrina e jurisprudência brasileiras, em sintonia com o pensamento alienígena, assentaram-se pacificamente em que, nesse tipo de avença, o contratado goza de sólida proteção no que concerne ao ângulo patrimonial do vínculo, até mesmo como contrapartida das prerrogativas reconhecíveis ao contratante governamental. Este indiscutido direito, como é óbvio – mas importa dizê-lo – corresponde a uma garantia verdadeira, real, substancial e não a uma garantia fictícia, simulada, nominal.

(...)

O respeito a tal equação existe quando ambas as partes cumprem à fieldade o que nela se traduziu. Então, uma delas, o


7 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo, 12ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 181. 8 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 18. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2019, p. 1286-1290.


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contratado, tem que executar a prestação ou as prestações devidas com absoluto rigor e exatidão. A outra parte, o contratante público, está, de seu turno, adstrito a assegurar ao contratado, com o pagamento ou pagamentos, o valor que, à época da fixação de seus termos, por ambos foi havida como remuneração apta a acobertar o custo da prestação e o lucro que a ela corresponderia.

(...)

A proposta aceita consubstancia, então, a base econômica em vista da qual se compõe o equilíbrio do contrato. É dizer: aos encargos previstos corresponderá uma contrapartida econômica dessarte qualificada como idônea para acobertar os custos em que incorrerá o proponente com o contrato e para remunerar-lhe a atividade devida.

É bem de ver, pois que a equação econômico-financeira tem seus termos definidos antes do travamento do contrato, pois são ditos termos que recebem a avaliação de preço, em vista da qual alguém se qualifica para ser o contratado. Em conclusão: nas licitações em que o preço é fator final e decisivo, a adjudicação traz consigo o reconhecimento de que a composição econômica proposta é a contrapartida adequada dos encargos previstos no certame, motivo pelo qual deverá ser intransigentemente preservada a igualdade que disto resulta. Daí que a citada igualdade é pra ser mantida até conclusão do contrato, pois aqueles termos econômicos (correlatos aos encargos supostos) é que credenciaram o ofertante à constituição do vínculo. Por força disto, a Administração só não pode, mas deve, mediante os necessários reajustes, manter a equação econômico que proclamou satisfatória, inclusive porque impotentes para obstar- lhes a aplicação” 9 (g.n.).

 

É certo que durante toda a vigência do contrato deve a Administração Pública manter intangível (protegida) a proposta apresentada pelo contratado. Destarte, caso esse mesmo contrato tenha sofrido inúmeras alterações, não se pode imaginar que a proposta ainda seja suficiente para cobrir todos os novos custos. Imperioso, então, que se proceda à devida revisão dessa relação jurídica.

 

Referida correlação deve ser mantida durante todo o período de vigência do contrato. Isto significa dizer que os Contratos Administrativos, da mesma forma que os regidos pelo direito privado, são de certa forma também impactados atingidos pela pacta sunt servanda (imutabilidade do inicialmente pactuado no contrato – embora o regime o jurídico de direito público outorgue à Administração de alterar, mesmo que unilateralmente, tais contratos).


9 Licitação Leis de Mercado e Preços Equilíbrio Econômico-Financeiro, artigo publicado na RTDP 09/2005, ps. 78-95.


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Entretanto, situações podem ocorrer que venham a causar desequilíbrio e que permitem o acerto da equação econômico-financeira.

 

Dentre as cláusulas contratuais, identifica-se as que são mutáveis unilateralmente e as que são consensualmente.

 

As cláusulas mutáveis unilateralmente são aquelas pertinentes à adequação do objeto à satisfação da finalidade buscada por meio da contratação. Isso envolve o projeto e suas decorrências, tais como o local, o material, o prazo, a tecnologia, os quantitativos. As cláusulas mutáveis consensualmente são aquelas que envolvem a alteração do equilíbrio econômico- financeiro do contrato, o qual não pode ser alterado unilateralmente pela Administração.10

 

Como as obrigações contratuais hão de ser entendidas em correlação com o estado das coisas ao tempo em que se contratou, quando algum dos lados da balança se altera, surge um desequilíbrio que pode ser resolvido de duas maneiras: por meio de um reajuste (aléa11 econômica ordinária) ou através de revisão de preços (álea econômica extraordinária e extracontratual).

 

Isto porque, quando afeta a álea econômica ordinária, o desequilíbrio é absorvido, pelo decorrer de situações normais da execução, presumidamente previsíveis e calculáveis. Nesse caso, basta o reajustamento contratual de preços, que se faz em atendimento à condição do próprio contrato, como pactuação prévia para a devida recomposição.

 

na hipótese de álea extraordinária e extracontratual, inexiste previsibilidade sobre a ocorrência do fato jurídico ou sobre suas consequências econômicas, o que prejudica uma prévia definição dos termos para sua recomposição, exigindo que o pertinente acerto econômico se após a ocorrência do respectivo fato gerador (fato jurídico com relevantes e imprevisíveis consequências econômicas, desequilibradoras das condições inicialmente pactuadas).

 


10 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 18. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2019, p. 1279.

11 Álea probabilidade de perda concomitante à probabilidade de lucro.


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Pois bem, com relação aos contratos vigentes, a intelecção do art. 3º, § 1º, da Lei 14.442/2022, os excepciona da vedação, porquanto indica expressamente que ela não se aplica aos contratos de fornecimento de auxílio- alimentação vigentes até seu encerramento ou até que tenha decorrido o prazo de quatorze meses, contado da data de publicação desta Lei, o que ocorrer primeiro.

 

Entretanto, o § do mesmo dispositivo, veda a prorrogação de contratos em desacordo com as novas regras.

 

Qual a solução, na prática, para a aplicação deste dispositivo?

 

Para uma primeira corrente, haveria, então, necessidade de adequação dos contratos administrativos formalizados, tendo como fundamento o fato do príncipe previsto na alínea ‘d’, inciso II, art. 65 da Lei nº 8.666/1993, o que implicaria ser formalizada por acordo entre as partes, que afeta diretamente o equilíbrio econômico-financeiro12.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, apenas poderia ser enquadrado como fato do príncipe se a ordem geral, não relacionada diretamente com o contrato, mas que nele repercute, provocasse desequilíbrio econômico- financeiro em detrimento do contratado. Além disso, segundo a autora, somente será aplicável se a autoridade responsável for da mesma esfera de governo em que se celebrou o contrato; se for de outra esfera, aplica-se a teoria da imprevisão13.

José dos Santos Carvalho Filho, embora professe a convicção de que o fato do príncipe pode restar configurado por medidas de autoridade alheia à estrutura da administração contratante, contrapõe-se à restrição anteriormente apontada. Fundamenta: “com a devida vênia, entendemos que o ‘príncipe’ é o


12 OLIVEIRA, Ricardo Alexandre Pinheiro de. O equilíbrio econômico-financeiro lato sensu dos contratos administrativos e as suas múltiplas espécies. Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 216, p. 125-137, fev. 2012.

13 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Curso de Direito Administrativo. 35. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022,


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Estado ou qualquer de suas manifestações internas”14. Esse parece ser o mesmo entendimento de Jessé Torres Pereira Junior: “pode ser tanto da Administração Pública contratante como de qualquer outra esfera de poder”15. Essa se afigura como a postura doutrinária dominante e agasalha, certamente, maiores traços de razoabilidade.

 

Nada obstante, entende-se como teoria da imprevisão “todo acontecimento externo ao contrato, estranho à vontade das partes, imprevisível e inevitável, que causa um desequilíbrio muito grande, tornando a execução do contrato excessivamente onerosa para o contratado”16.

Como consequência da teoria da imprevisão, deve o contrato ser revisado, como forma de recomposição da equação econômico-financeira eventualmente violada, desde que presentes os seguintes requisitos:

 

(i)         evento    imprevisível    ou    previsível,    mas    de    consequências incalculáveis;

 

(ii)   não pode ter culpa de qualquer das partes;

 

(iii)      nexo causal entre o evento e o retardamento ou a situação impeditiva;

 

(iv)   onerosidade excessiva, pensando globalmente na mesma.

 

(v)   evento tem que ser extracontratual.

 

De qualquer forma, como reequilíbrio econômico decorrente de fato do príncipe ou aplicação da teoria da imprevisão, para a primeira corrente, considerando os requisitos acima, o contexto da edição da Lei 14.442/2022 e, em especial, a situação descrita no § 2º, do seu art. 3º, nos contratos firmados,


14 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 191.

15 PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei de licitações e contratações da administração pública.

7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 656.

16 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Curso de Direito Administrativo. 35. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022,


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seria obrigatória a revisão do percentual negativo de desconto originalmente indicado pela contratada, o que implica, em princípio, no não impedimento da aceitação do novo percentual, no montante de 0,00% (zero por cento).

 

Uma segunda corrente, contudo, identifica dificuldade na aplicação deste entendimento, compreendendo que o §2º do artigo da Lei 14.442, ao vedar a prorrogação de contrato de fornecimento de auxílio-alimentação em desconformidade com o disposto no caput, acaba prejudicando a continuidade desses pactos contratuais, não sendo possível a aplicação da teoria da imprevisão ou reequilíbrio econômico.

 

Isso ocorreria porque, nada obstante a regra do artigo 3º, os acordos entre as empresas prestadoras dos serviços de fornecimento de vale- alimentação ou vale-refeição e os estabelecimentos credenciados, bem como os rendimentos das aplicações financeiras sobre os repasses dos contratantes, persistiriam. Nesta feita, a aplicação do obstáculo definido pelo referido dispositivo não teriam o condão de impactar economicamente o contrato.

 

Ter-se-ia na espécie, um fato do príncipe que não teria repercussão econômica direta nos custos da contratação. Assim, a aplicação do reequilíbrio para alterar o percentual de desconto para uma alíquota zero, ao invés de equilibrar, traria desequilíbrio à equação econômica do contrato, notadamente em prejuízo ao órgão público contratante.

 

Assim, para esta segunda corrente, não seria possível a respectiva alteração contratual, o que resultaria no impedimento à continuidade da contratação, nos termos definidos pela licitação, solução gerada pela despropositada redação do §2º do artigo 3º.

 

5 - MAS E O FUTURO?

 

A modelagem definida pela Lei nº 14.442/2022 ignora os arranjos do mercado, prejudicando a eficiência do modelo tradicional de licitação para a contratação desses serviços.


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Como já explicado, a aplicação das regras da Lei tende a tornar a realização de licitação, nos moldes tradicionais, uma solução ineficiente para a escolha do contratado, uma vez que cria uma barreira artificial à redução das propostas de preços, prejudicial à identificação de um preço transacional compatível com o melhor preço de mercado possível, para este tipo de negócio.

Ante a inviabilidade17 de competição para a contratação do oferecimento do Auxílio-Alimentação pela Administração Pública, uma solução apta se daria com a realização de Credenciamento, instaurado por chamamento público, que permita ao usuário a escolha da credenciada que lhe oferecerá o vale- alimentação ou vale-refeição.

O credenciamento não é propriamente uma hipótese de inexigibilidade, mas sim um procedimento auxiliar necessário para ulteriores contratações diretas, em relação a pretensões contratuais para as quais atenda ao interesse público a oportunidade de contratação de todos os fornecedores interessados e aptos para a contratação.

Não se deve confundir o credenciamento com os contratos ou contratações que serão firmados a partir dele. A natureza jurídica do credenciamento não equivale à do contrato administrativo; ele é um procedimento auxiliar, produzido para justificar ulteriores contratações. Esta percepção é fundamental para perceber que o credenciamento, enquanto procedimento auxiliar para registro de fornecedores aptos, não se submete estritamente ao regime jurídico do contrato administrativo, embora, obviamente, submeta-se integralmente ao regime jurídico de direito público18.

Uma das hipóteses para a realização do credenciamento (conforme, inclusive, consta expressamente na Nova Lei de Licitações) se nas situações em que, embora os fornecedores sejam credenciados pela Administração, a licitação pública é inviável porque o agente público não selecionará o contratado,

 


17 no sentido de imprestabilidade, de inépcia.

18 TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações comentadas. 11ª edição. Salvador: Juspodivm, 2020. p. 441.


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que tal escolha será feita pelo próprio beneficiário. Exemplo típico pode ocorrer no credenciamento de serviços médicos e de exames, em que, nada obstante os profissionais, os laboratórios e as clínicas sejam credenciados pela Administração, sua efetiva contratação será provocada pelo usuário.

Nessa linha, uma vez credenciadas as empresas interessadas, poderá o servidor público escolher a empresa que melhor lhe convier, fazendo com que a transferência de benefícios se dê diretamente ao usuário, para atrair sua escolha. Assim, reduz-se a ineficiência gerada pela artificial barreira legal à competitividade, pois será possível absorver os ganhos advindos dos arranjos de mercado, em favor dos beneficiários do auxílio.

Esta parece ser uma modelagem adequada à contratação desses serviços, diante das equivocadas barreiras criadas pela Lei 14.442/2022.

Outro ponto importante, na reflexão sobre o futuro dessas contratações, envolve a compreensão dada pelos Tribunais de Contas, diante das regras da novel legislação.

Nessa linha, interessante destacar decisão exarada pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, que, embora não tenha como referência a incidência da Lei nº 14.442/2022, entendeu pela não possibilidade do uso do Credenciamento para essas contratações, nos seguintes termos:

3.3.    Conhecer a representação formulada pela empresa V/R Benefícios e Serviços de Processamento S.A., (“VR”), com fundamento no §1º do art.113 da Lei Federal 8.666/93, contra o Edital de Credenciamento 22/00461, promovido pela CELESC DISTRIBUIÇÃO S.A, que visa a contratação de empresa(s) para o gerenciamento e fornecimentos de vale alimentação e vale-refeição na forma de cartões eletrônicos e/ou magnéticos com tecnologia de chip de inserção ou aproximação, com segurança para validação das transações através de senha numérica individual, e respectivas recargas mensais de crédito (item 2.3 do presente Relatório).

3.4.    Deferir a concessão da medida cautelar de suspensão contra o Credenciamento 22/00461, promovido pela CELESC DISTRIBUIÇÃO S.A, em face do seguinte fato:

3.4.1.    Utilização do Credenciamento para a contratação de empresa(s) para o gerenciamento e fornecimentos de vale alimentação e vale-refeição, não se enquadra no disposto do artigo 30 da Lei Federal 13.303/2016 e contraria o princípio da


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seleção da proposta mais vantajosa prevista no artigo 31 do mesmo diploma Legal (item 2.4.1 do presente Relatório).19

 

 

Com o devido respeito, este julgado não enfrentou adequadamente os desafios atuais para este tipo de contratação e o Colendo Tribunal será provavelmente provocado a revisar este entendimento.

Por sua vez, em recente decisão, o Tribunal de Contas da União, já analisando as consequências da edição do Decreto Federal 10.854/2021 e da Medida Provisória nº 1.108/2021 (atual Lei nº 14.442/2022), entendeu pela possibilidade da utilização do Credenciamento, nos termos indicados no inciso II, art. 79 da Lei nº 14.133/2021 – Nova Lei de Licitações e Contratos, inclusive por empresas estatais, para contratação de serviço de gerenciamento e fornecimento de vales alimentação e refeição, em substituição à licitação com critério de julgamento pelo menor preço, que restou inviabilizada para esse tipo de contratação.

O Plenário do TCU, em sede de representação, tratou sobre credenciamento realizado pela Infraero para a contratação de empresa especializada com vistas a prestação de serviços de gerenciamento, implementação, administração e disponibilização de crédito em cartões eletrônicos/magnéticos, nas modalidades refeição e alimentação, para os funcionários da estatal federal.

Ao instruir o feito, a unidade técnica destacou que o Decreto 10.854/2021 e a Medida Provisória 1.108/2021 proibiram o deságio na contratação de vales refeição e alimentação, ou o uso de taxa de administração negativa aplicada sobre valor dos aludidos benefícios, inviabilizando “o emprego de licitação baseada no critério de julgamento do menor preço, em que as empresas competiam ofertando as menores taxas de administração”. A mesma unidade técnica ponderou que “a opção pelo julgamento de melhor técnica encontraria problemas no estabelecimento de critérios de comparação e


19 TCESC. Processo @PAP 22/80047564. Representação, Rel. Cons. José Nei Alberton Ascari. Disponível em: https://consulta.tce.sc.gov.br/Diario/dotc-e2022-07-12.pdf . Acesso em: 11 out. 2022.


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pontuação entre as empresas”, motivo pelo qual o credenciamento surgiria como alternativa viável para a contratação, permitindo “a efetiva escolha da contratada a cargo do usuário do serviço” 20.

Por conseguinte, o Ministro relator destacou em seu voto que:

 

“o credenciamento tem sido a alternativa encontrada pela Administração Pública para contratar serviços de gerenciamento e fornecimento de vales alimentação e refeição após a proibição do emprego da taxa de administração negativa, veiculada no Decreto 10.854/2021 e na Medida Provisória 1.108/2021. Até então o objeto era licitado pelo critério de julgamento do menor preço, e vencia a empresa que fornecesse a menor taxa de administração, inclusive negativa. A impossibilidade de uso de tal critério doravante impõe à Administração o dever de encontrar modelos alternativos”. E prosseguiu: “embora não coincida com as hipóteses ordinárias de inexigibilidade previstas na Lei 13.303/2016, tratadas no Acórdão 351/2010-TCU- Plenário, cujos pressupostos centrais são a impossibilidade de competição e a necessidade da prestação de serviços por diversos prestadores concomitantes, é necessário reconhecer a subsunção da situação ao credenciamento previsto no art. 79, inciso II, da Lei 14.133/2021” 21.

 

 

Em nossa opinião, o julgado do TCU indica um potencial caminho acertado para a solução do dilema.

Essa inclusive, já era a posição por nós defendida ao escrever sobre o tema, quando inicialmente publicada a ainda Medida Provisória nº 1.108, que trouxe a criticada barreira aos arranjos de mercado, prejudicando a eficiência do modelo tradicional de licitação para a contratação desses serviços22.

Por fim, será possível a formulação de outras soluções, como a compreensão, por estados e municípios, de que as regras da referida Lei relativas aos contratos administrativos vinculariam apenas órgãos e entes federais, diante de sua natureza materialmente não geral, conforme baliza definida pelo constituinte para tratamento da matéria, ou a própria revogação de


20 TCU. Acórdão 5495/2022 – Segunda Câmara, Representação, Rel. Min. Bruno Dantas.

21 TCU. Acórdão 5495/2022 Segunda Câmara, Representação, Rel. Min. Bruno Dantas.

22 Vide: STROPPA, Christianne. TORRES, Ronny Charles Lopes de. LICITAÇÕES PÚBLICAS E O PAGAMENTO DO           AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO                                          -          Medida          Provisória          1108.          Disponível          em: https://ronnycharles.com.br/licitacoes-publicas-e-o-pagamento-do-auxilio-alimentacao-medida- provisoria-1108/


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dispositivos da Lei 14.442/2022, afastando sua aplicação aos contratos administrativos.

De qualquer forma, os agentes públicos responsáveis por tal tipo de contratação devem se apressar no planejamento e preparação dos respectivos processos, evitando cometimentos de ilegalidades ou mesmo alterações contratuais que podem ser prejudiciais ao interesse público.

Esperamos que este artigo possa, de alguma forma, ajudá-los em mais um dos tantos desafios impostos ao mundo das contratações públicas, com a compatibilização de regras formalmente definidas pelo Estado (muitas vezes de maneira irrefletida) às necessidades concretas do serviço público e à realidade vivenciada no dia a dia da Administração.