IN Nº 01/2019 E A EVOLUÇÃO DAS NORMAS: UM NOVO PARADIGMA DE GESTÃO

 

 

Renato Fenili

Diretor da Central de Compras da Câmara dos Deputados

Doutor em Administração

Professor e Palestrante em Contratação Pública

 

 

Por volta das 21 horas da última sexta-feira, dia 11 de janeiro, edição extra do Diário Oficial da União publicou a Instrução Normativa nº 01/2019, que dispõe sobre o Plano Anual de Contratações (PAC) na Administração Pública federal. E, desta feita, revoga a instrução que anteriormente regia a matéria – a IN nº 01/2018.

Ok. Até aí, nada demais. Poderia este brevíssimo artigo ir adiante, narrando de maneira protocolar a relevância do PAC, ou a sua obrigatoriedade no corrente ano. Ou poderia abordar, em tom crítico, um conceito que se acostumou nominar de esquizofrenia normativa, uma espécie de ímpeto desenfreado por emitir normas sem necessidade, e não necessariamente aderentes à realidade dos órgãos e entidades a elas submetidos. Mas, assevero, não é o caso desta vez. E isso é merecedor de nossa atenção.

A confecção de tais planos anuais responderá por uma das principais mudanças culturais em sede de licitações e contratos dos próximos anos, conjeturo. É uma mudança cultural, em estritos termos conceituais, haja vista impingir alteração significativa nas práticas medulares ao rito de compras governamentais, o que, em perspectiva longitudinal, implicará correspondente modificação dos valores – o núcleo duro da cultura – das equipes de contratações. Não se olvida, ainda, que a falta de planejamento é justamente um dos aspectos mais corriqueiros apontados por quem labuta em compras públicas como vício primordial. O corolário que insurge a partir de inovação de tamanha envergadura é óbvio: não nos enganemos de que a mudança será realizada em curto prazo.

Grosso modo, ora ingressamos em curva de aprendizagem que alcançará patamar de estabilidade em alguns anos. Agora, as UASG aprenderão como fazer o PAC. Apenas quando tiverem que executá-lo, é que as falhas na sua gênese aparecerão. E isso é, ao mesmo tempo, natural e complicado. Natural, pois é imanente a um processo tão transversal e complexo. E complicado, pois envolve a necessidade de patrocínio da cúpula organizacional a todo tempo, de sorte a conferir o devido realce à iniciativa e a mitigar resistências, que certamente virão.

Pois bem... a ótica exposta reveste uma instrução normativa sobre o PAC de ímpar relevância. Afinal, a norma se sobrepõe a uma realidade heterogênea em camada federal, na qual convivem órgãos e entidades com distintas estruturas, capacidades, maturidades e, frise-se, com vetores políticos diversos. E, ao que parece, esse foi o Norte para a revisão, materializada na IN nº 01/2019. De mais relevante, suprimiram-se exigências que se desvelavam desprovidas do fundamental custo-benefício: os estudos preliminares e a gestão de riscos deixam de ser obrigatórios, sendo confeccionados tão somente quando da instrução do processo em si, na execução do PAC. Como consequência, não mais se menciona o papel da equipe de planejamento nessa nova IN. Um avanço, decerto.

Não menos importante é o avanço da norma ao interregno de execução do plano. Passa-se a exigir adaptação do PAC à lei orçamentária anual, em até quinze dias corridos contados de sua aprovação. É o razoável, a fim de se evitar um plano fictício. Da mesma sorte, o setor de licitações deverá observar se as demandas a ele encaminhadas constam do PAC, promovendo críticas, de acordo com regras de governança internas a cada órgão e entidade. O intuito é que que o não planejado seja, de fato, exceção, e não a regra. A IN nº 01/2019 e a listagem atualizada das FAQ podem ser acessadas aqui.

Ouso, contudo, mergulhar em exame com viés distinto. “Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia”, já alertava Hamlet a Horácio, instigando-nos, ao mesmo tempo, a um olhar mais subjetivo e menos cético da realidade que nos circunda. A IN nº 01/19 é a primeira entrega deste ano da Secretaria de Gestão do Ministério da Economia, no que concerne às compras públicas. A preocupação com a otimização de normas parece consubstanciar-se como uma das bandeiras regulares daquela Secretaria, nesse novo ciclo. Alia-se, atualmente, à minuta de decreto em prol da melhoria do Decreto nº 5.450/05, que versa sobre o pregão eletrônico, consoante consulta pública disponível aqui. A ênfase no binômio desburocratização + maior aderência ao contexto sociológico das organizações é bem-vinda. O terreno é fértil nesse sentido.

Faço, ainda, outro apontamento, em diagnóstico comportamental. Há de se depreender que as mudanças normativas em pauta não são motivadas por adequações legais. Por questionamentos jurídicos diversos. Não são oriundas de recomendações da Corte Federal de Contas. Fogem da passividade coercitiva, para ingressarem na proatividade imanente à melhoria da gestão pública. Tal conduta, contudo, exige a manutenção de um diálogo perene e um senso de diagnóstico apurado, a fim de que o arcabouço normativo possa ser constantemente atualizado e otimizado.

Findo este artigo com um gancho para um próximo, que talvez possa vir em breve futuro: como diminuir os custos de transação das otimizações normativas? Como inserir tal rotina de aprimoramento como variável independente da governança pública? Mais um traço a compor a agenda desse novo ciclo de gestão, certamente.