Resumo: Este artigo examina a relação entre o Certificado de Acervo Operacional - CAO, emitido pelos Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia - CREAs, e os requisitos de capacidade técnico-operacional previstos na Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Com foco nos artigos 67, II e 88, §3º, este trabalho explora a compatibilidade do CAO com as exigências legais, identificando lacunas e propondo alternativas para garantir a conformidade dos documentos apresentados em licitações públicas. Por fim, são analisadas implicações práticas e alternativas interpretativas para guiar a aplicação da norma.
1. Introdução
A Lei nº 14.133, de 2021 introduziu a necessidade de comprovação da capacidade técnico-operacional, com base em indicadores objetivos e avaliação de desempenho, conforme disposto no art. 67, II[1] e no §3º do art. 88[2]. Nessas circunstâncias, surge uma dúvida relevante: o Certificado de Acervo Operacional – CAO - é suficiente para atender às exigências da nova legislação? Este artigo analisa essa questão, propondo um enfoque interpretativo para auxiliar órgãos e entidades públicos na aplicação prática da norma.
2. O Certificado de Acervo Operacional (CAO)
O CAO é emitido pelo CREA com base nos Atestados de Responsabilidade Técnica - ARTs. Seu objetivo é certificar a participação de profissionais e empresas em obras e serviços específicos, conferindo autenticidade às informações sobre experiências passadas, isto é, “[t]em a finalidade de comprovar a existência de ARTs registradas no Crea, nas quais a empresa foi citada na ART no campo ‘Empresa Contratada’. É uma certidão, e não um acervo técnico”.[3] No entanto, o CAO possui limitações, tendo em vista que ele (i) não avalia o desempenho do contratado; (ii) não considera penalidades aplicadas; (iii) não inclui indicadores de desempenho estabelecidos pelo contratante.
Essas características tornam o CAO um documento útil para atestar a execução de serviços, mas insuficiente para atender às exigências completas da Lei nº 14.133, de 2021, em especial o art. 67, II e o § 3º do art. 88, pelo simples fato de que os CREA’s não acompanham diretamente a execução de obras e serviços, o que compromete a eficácia e a legitimidade do CAO como único documento comprobatório da capacidade técnico-operacional.
Há claras limitações práticas para que os CREA’s acompanhem diretamente a execução de obras e serviços, o que compromete sua capacidade de verificar a conformidade e a qualidade dessas execuções. Esse aspecto impacta na eficácia dos documentos emitidos para comprovar a capacidade técnico-operacional, conforme previsto na Lei nº 14.133, de 2021. Além disso, a Lei atribui ao contratante a responsabilidade pela avaliação da capacidade operacional, o que reforça a impossibilidade de atuação direta do CREA nesse contexto, como ocorre com o CAU.
O atesto da boa execução de uma obra deve ser realizado pelo contratante, assegurando que o serviço ou obra foi concluído de forma satisfatória e em conformidade com os requisitos contratuais. Esse atesto representa uma avaliação direta da qualidade e da eficácia da execução.
Confiar exclusivamente em certidões como o CAO para comprovar a capacidade operacional desconsidera a avaliação da qualidade real da execução, que somente pode ser devidamente atestada pelo contratante. Esse procedimento pode desestimular o uso de atestados emitidos pelos clientes, que frequentemente são mais representativos da satisfação com a execução do projeto.
3. Capacidade Técnico-Operacional na Lei nº 14.133/2021
O art. 67, II, da Lei nº 14.133/2021, estabelece que a capacidade técnico-operacional deve ser comprovada por meio de documentos que atestem:
Adicionalmente, o §3º do art. 88 exige a avaliação objetiva, pelo contratante, do desempenho do contratado, com emissão de documento comprobatório que:
Essa combinação de requisitos aponta para uma análise mais abrangente da capacidade técnico-operacional, que transcende o mero histórico de execuções registrado no CAO, mas se destina a analisar o desempenho pretérito executivo do licitante.
4. A compatibilidade entre o CAO e a Lei nº 14.133/2021
Embora o CAO seja importante para autenticar atestados técnicos, ele não atende plenamente aos requisitos da Lei nº 14.133/2021, em razão de que o CAO não contém indicadores objetivos de desempenho; não menciona penalidades aplicadas; e não reflete uma avaliação feita pelo contratante público.
O CAO, ao legitimar os atestados de capacidade técnica emitidos pelos contratantes, desempenha um papel complementar. Contudo, não substitui os atestados contratuais que refletem diretamente a qualidade da execução da obra ou serviço; a conformidade com as exigências contratuais; e o exame do desempenho executivo realizado pelo contratante.
Documentos como o CAO são importantes, mas insuficientes para atender plenamente aos requisitos da Lei nº 14.133/2021.
De acordo com o Tribunal de Contas da União - TCU, ainda na vigência da legislação cogente revogada, não é possível exigir que a atestação de capacidade técnico-operacional de uma empresa participante de licitação seja registrada ou averbada no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea). No entanto, é possível solicitar certidões de acervo técnico – CAT - ou anotações e registros de responsabilidade técnica - ART/RRT - emitidas pelos conselhos de fiscalização. Essas Certidões de Acervo Técnico – CAT -, emitidas em nome dos profissionais vinculados aos atestados, servem para conferir a autenticidade e veracidade das informações prestadas.
Para fins de habilitação técnico-operacional das licitantes em certames visando a contratação de obras públicas e serviços de engenharia, devem ser exigidos atestados técnico-operacionais emitidos em nome da licitante, podendo ser solicitadas as certidões de acervo técnico (CAT) ou anotações/registros de responsabilidade técnica (ART/RRT) emitidas pelo conselho de fiscalização profissional competente em nome dos profissionais vinculados aos referidos atestados, como forma de conferir autenticidade e veracidade das informações constantes nos atestados emitidos em nome das licitantes[4]. (Grifamos)
Portanto, a legitimidade do atestado de capacidade técnica-operacional, feita por meio de Anotação ou Registro de Responsabilidade Técnica -ART/RRT ou Certidão de Acervo Técnico - CAT, conforme o disposto na Resolução nº 1.137, de 2023 do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia – CONFEA – pode, agora, ser realizada com a apresentação da Certidão de Acervo Operacional – CAO.
Nesses
termos, quando o edital exigir requisitos baseados no §3º do art. 88 da Lei nº
14.133, de 2021, será indispensável um documento para a qualificação de
desempenho emitido pelo contratante (atestado) e o CAO terá o escopo de
demonstrar a legitimidade deste documento.
5. Implicações Práticas e Alternativas Interpretativas
A aplicação prática dessa interpretação demanda atenção dos órgãos e entidades públicos e licitantes. Duas alternativas interpretativas surgem para a exigência editalícia:
Essa segunda interpretação, assim vemos, está alinhada aos princípios constitucionais para a Administração Pública da eficiência e da transparência, vez que possibilitam avaliar o desempenho dos licitantes. Isso confere coerência com a norma estampada na combinação entre as previsões do inciso II do art. 67 e o §3º do art. 88, da Lei nº 14.133/2021.
Observe-se que não há como avaliar a qualificação operacional de uma empresa apenas comprovando a existência de ARTs registradas no Crea, nas quais a empresa foi citada no campo “Empresa Contratada” da ART.
A razão de ser dessa exigência da capacidade operacional encontra fundamento na necessidade de garantir que o contratado tenha expertise comprovada, de modo a evitar que empresas sem a qualificação necessária assumam responsabilidades que não possam cumprir adequadamente. Esse cuidado visa a assegurar a qualidade da execução do contrato, minimizar os riscos de atrasos, falhas técnicas ou até mesmo a rescisão contratual, protegendo, assim, o interesse público e promovendo o uso eficiente dos recursos públicos. Em síntese, o objetivo é selecionar empresas que não apenas apresentem propostas competitivas, mas que também demonstrem competência técnica para entregar o que prometem.
No sentido prático, a qualificação técnico-operacional funciona como um filtro técnico no processo licitatório, permitindo à Administração Pública avaliar se o licitante tem capacidade operacional real de executar o contrato.
6. Conclusão
A Certidão de Acervo Operacional – CAO - é relevante no cenário das licitações públicas, especialmente como instrumento de autenticação de experiências técnicas. Entretanto, este documento não satisfaz integralmente os requisitos de capacidade técnico-operacional previstos na Lei nº 14.133/2021, sobretudo em relação à avaliação de desempenho e aplicação de penalidades. Para atender plenamente às exigências legais, é necessário que os contratantes emitam atestados baseados em indicadores objetivos e critérios definidos contratualmente. O atestado de capacidade operacional a Certidão de Acervo Operacional – CAO – são, portanto, documentos complementares.
A adoção de uma interpretação proativa pelos órgãos públicos fortalecerá a transparência e a segurança jurídica nos processos de licitação, além de promover uma análise mais acurada da capacidade técnico-operacional dos licitantes.
[1] Art. 67. A documentação relativa à qualificação técnico-profissional e técnico-operacional será restrita a: II - certidões ou atestados, regularmente emitidos pelo conselho profissional competente, quando for o caso, que demonstrem capacidade operacional na execução de serviços similares de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior, bem como documentos comprobatórios emitidos na forma do § 3º do art. 88 desta Lei;
[2] § 3º A atuação do contratado no cumprimento de obrigações assumidas será avaliada pelo contratante, que emitirá documento comprobatório da avaliação realizada, com menção ao seu desempenho na execução contratual, baseado em indicadores objetivamente definidos e aferidos, e a eventuais penalidades aplicadas, o que constará do registro cadastral em que a inscrição for realizada.
[3] CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA DO PARANÁ – CREA. Disponível em: https://www.crea-pr.org.br/portaldeservicos/certidao-de-acervo-operacional-cao/. Acesso em 13.11.2024.
[4] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 2326/2019 – Plenário. Relator: Ministro Benjamin Zymler.