1 – INTRODUÇÃO
O parágrafo único do
art. 131 da Nova Lei Geral de Licitações e Contratos (NLGLC) estabelece que o
pedido de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro deverá ser
formulado durante a vigência do contrato e antes de eventual prorrogação.
Como bem observa
Sidney Bittencourt[i], a tendência “é que o
dispositivo seja adotado como fundamento para rejeitar qualquer tipo de pedido
de reequilíbrio, seja por meio de reajuste, revisão ou repactuação, que não
tenha sido objeto de pedido prévio ao término da vigência contratual e à celebração
do aditivo de prorrogação”.
Mas qual seria a
natureza jurídica do instituto trazido pelo parágrafo único do art. 131 da
NLGLC?
2 – DA
NATUREZA JURÍDICA
Bom, para Hamilton
Bonatto[ii], tal dispositivo estabelece
uma hipótese de preclusão lógica[iii] ao direito de reequilibrar
o contrato administrativo decorrente de uma renúncia tácita por parte do
contatado. Para tanto, afirma o autor que: “quando o contratado não formula o
pedido de reequilíbrio econômico-financeiro durante a vigência do contrato e
antes de eventual prorrogação, configura-se renúncia a este direito. O
contratado tendo direito ao reequilíbrio econômico-financeiro, ao firmar termo
aditivo de prorrogação contratual sem solicitar esse direito, está ratificando
os preços anteriormente pactuados. Neste caso, portanto, ocorre a preclusão
lógica, caracterizada pela prática de atos contrários ao exercício desse
direito em momento pretérito. No caso, o contratado, ao assinar o termo aditivo
para a prorrogação, ou deixar de solicitar o reequilíbrio econômico-financeiro
durante a vigência contratual, aceita os termos anteriormente pactuados, não
podendo mais, em momento posterior, cogitara alteração do pacto. Da mesma
forma, se o contratado iniciar a execução do contrato sem que comisso requeira
a revisão contratual e estabeleça o preço revisado, reconhece que o preço que
ofertou durante o procedimento licitatório é adequado e exequível naquelas
condições, caracterizando-se, com isso, a renúncia ao reequilíbrio
econômico-financeiro, tendo em vista a preclusão lógica”.
Joel de Menezes Niebuhr
discorda de tal entendimento.
Para o autor[iv],
o parágrafo único do art. 131 da NLGLC reflete um caso de preclusão temporal, e
não de preclusão lógica. Neste particular, colham-se as suas lições: “Um dos
argumentos empregados na defesa do reconhecimento da preclusão lógica é que, se
o contratado pretendesse novos valores, deveria tê-los pleiteado antes do
aditivo de prorrogação, para que a Administração pudesse avaliar se a
prorrogação seria vantajosa sob essas novas condições. O pedido anterior seria uma espécie de
ressalva, que alertaria a Administração sobre a pendência da repactuação ou da
revisão e que teria o efeito de obstar a preclusão lógica. A tese não se
sustenta, pelo menos não num plano geral, sobretudo porque infantiliza a
Administração. Em especial no caso de repactuação, não há surpresa para a
Administração, que não precisa ser alertada de coisa alguma porque tem plena
ciência das datas-bases das categorias envolvidas no contrato. Não é plausível
a condescendência com a postura omissiva da Administração, que não suscita a
questão e firma o termo aditivo em silêncio, para não chamar a atenção do
contratado, procurando esconder-se numa corrente observação lacônica prevista
no final dos termos aditivos de que são mantidas as demais condições
contratuais, que não se confunde com renúncia ao direito à repactuação. A
Administração, que não é hipossuficiente, bem ao contrário, porque se vale de
uma série de prerrogativas, é quem teria a obrigação de fazer constar no termo
aditivo de forma expressa e direta que o contratado renuncia à repactuação, em
prestígio ao artigo 114 do Código Civil, aplicado de forma subsidiária para os
contratos administrativos. De toda sorte e por rigor, o parágrafo único do
artigo 131 da Lei n. 14.133/2021 deu outra dimensão ao assunto, porque
prescreveu hipótese de preclusão temporal, que ocorre quando o detentor do
direito goza de um prazo para exercê-lo. Essa preclusão se dá por força de lei,
não depende de previsão em contrato ou em termo aditivo nem de uma parte avisar
a outra. O decurso do prazo sem o exercício do direito importa na sua perda.
Veja-se que o comando do parágrafo único do artigo 131 liga-se diretamente ao
prazo do contrato. O fim do prazo contratual, sem a prorrogação, opera a sua
extinção e, por via de consequência, diante da dicção legal, a perda do direito
de reequilíbrio econômico-financeiro não requerido antes dele. A questão não é
relativa a qualquer sorte de incompatibilidade lógica e sim de inação dentro do
prazo contratual”.
3 – DA EVENTUAL NATUREZA PRECLUSIVA
Em razão do novo caráter processual conferido pela
NLGC às licitações e aos contratos em contraponto ao caráter meramente
procedimental da Lei nº 8.666/1993, faz muito sentido discutir a eventual
natureza preclusiva.
Na lição de Elpídio Donizetti, a partir do texto do
CPC/2015 (cuja aplicação é supletiva e subsidiária aos processos
administrativos, lembremos) extraem-se três modalidades de preclusão:
“Preclusão temporal: decorre da inércia da parte que deixa de praticar um ato
no tempo devido. Preclusão lógica: decorre da incompatibilidade entre o ato
praticado e outro, que se queria praticar também (art. 1.000, parágrafo único).
Ao cumprir o julgado, perde a parte o interesse no recurso. Preclusão
consumativa: origina-se do fato de ter praticado o ato, não importa se bem ou
mal. Uma vez praticado, não será possível realiza-lo novamente”.
Já para Daniel Amorim Assumpção Neves, “a preclusão
consumativa se verifica sempre que realizado o ato processual. Dessa forma,
somente haverá oportunidade para realização do ato uma vez no processo e, sendo
esse consumado, não poderá o interessado realizá-lo novamente e tampouco
complementá-lo ou emendá-lo. Essa espécie de preclusão não se preocupa com a
qualidade do ato processual, limitando-se a impedir a prática de ato já
praticado, ainda que de forma incompleta ou viciada”, ao passo que “na preclusão
lógica, o impedimento de realização de ato processual advém da realização de
ato anterior incompatível logicamente com aquele que se pretende realizar”. Já
sobre a preclusão temporal, o autor afirma que “quando um ato não puder ser
praticado em virtude de ter decorrido o prazo previsto para sua prática sem a
manifestação da parte. Ao deixar a parte interessada de realizar o ato dentro
do prazo previsto, ele não mais poderá ser realizado, já que extemporâneo”.
Por fim, para Rennan Faria Krüger Thamay a preclusão temporal “consubstancia-se na perda,
pelo não exercício tempestivo ou intempestivo, do direito de praticar ato
processual”, enquanto a “preclusão consumativa é aquela que se concretiza por
já ter sido praticado determinado ato processual específico, sendo por isso
descabido querer realizá-lo novamente em momento posterior” sendo ao final a
preclusão lógica a que “se desenvolve pelo fato de que o sujeito que poderia
realizar determinado ato acaba realizando antes ato totalmente contrário ao que
pretende posteriormente realizar, tornando-se extinta a possibilidade de
realizar ato posterior contrário ao anterior”.
Mas, na prática, por
que se discutir se os pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro nos
contratos administrativos sofrem os efeitos da preclusão lógica, da preclusão
temporal ou da preclusão consumativa?
4 – DO EVENTUAL AFASTAMENTO DA PRECLUSÃO TEMPORAL
Pois bem, Daniel Amorim Assumpção Neves nos dá a resposta, vez que ele bem esclarece que a "preclusão temporal pode ser excepcionalmente afastada diante do descumprimento de um prazo próprio se a parte convencer o juiz de que não praticou o ato processual por justa causa, ou seja, em razão de evento alheio à vontade da parte suficiente para impedir a ela ou a seu mandatário de praticar o ato processual". Veja, ainda sob a processualística do CPC/1973, o STJ já tinha o entendimento de que "esgotado o prazo estipulado para a prática do ato processual, tem-se a preclusão temporal, a qual, todavia, poderá ser afastada, desde que a parte prove que não o realizou por justa causa". Ora, prevalente o entendimento de Niebuhr, não são necessárias maiores elucubrações para imaginar o surgimento de diversas alegações de "justas causas" para o afastamento daquela que seria a preclusão temporal prevista no parágrafo único do art. 131 da NLGLC. Justificada a importância de saber se o parágrafo único do art. 131 da NLGLC veicula a incidência de preclusão lógica, de preclusão temporal ou de preclusão consumativa nos pedidos de reequilíbrio econômico financeiro, resta agora tentarmos saber qual desses tipos de preclusão de fato decorre do excogitado dispositivo. O art. 200 do CPC que estabelece que "os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais" é associado como a base normativa da preclusão consumativa, sendo a da preclusão temporal, o art. 223 daquele diploma que, por seu turno, preconiza que, "decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa". Por derradeiro, aponta-se o art. 1000 do CPC como a base normativa da preclusão lógica, vez que ele estabelece em seu caput que "a parte que aceitar expressa ou tacitamente a decisão não poderá recorrer" e em seu parágrafo único que "considera-se aceitação tácita a prática, sem nenhuma reserva, de ato incompatível com a vontade de recorrer". 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS Da leitura das bases normativas da preclusão lógica, da preclusão temporal e da preclusão consumativa no CPC, nos parece que não há como sustentar que o parágrafo único do art. 131 da NLGLC consubstancie a incidência de uma preclusão temporal sobre o direito de pleitear o reequilíbrio da equação econômico financeira de um contrato administrativo. A preclusão prevista no parágrafo único do art. 131 da NLGLC está atrelada pragmaticamente a dois eventos: o fim da vigência contratual e o termo aditivo que instrumentaliza uma eventual prorrogação. No caso do fim da vigência contratual, até poder-se-ia cogitar uma "fungibilidade" entre os conceitos contidos no art. 223 e 1000 do CPC. Mas no caso da celebração de termo aditivo de prorrogação, só os conceitos do art. 200 e do art. 1000 fazem sentido. Então, sim: pela adequação tanto ao fim da vigência contratual, quanto a prorrogação dos contratos, o parágrafo único do art. 131 da NLGLC veicula uma hipótese de preclusão lógica e não de preclusão temporal, não se podendo, por consequência, se cogitar na existência de "justas causas" elisivas. |
[i] Bittencourt, Sidney, Nova Lei de Licitações passo a passo, Belo Horizonte: Fórum, 2021, pág. 794.
[ii] Bonatto,
Hamilton, comentários ao Artigo 131., In: Fortini, Cristiana;
Oliveira, Rafael Sérgio Lima de; Camarão, Tatiana (Coord.). Comentários à
Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei nº 14.133, de 1º
de Abril de 2021 - Volume 2. Belo Horizonte: Fórum,
2022, pág. 393.
[iii]
Ronny Charles Lopes de Torres também entende que o parágrafo único do art.
131 da NLGLC veicula uma hipótese de preclusão lógica e que tal tipo de
preclusão também afeta eventual direito ao reequilíbrio em favor da
Administração: “Não parece legítimo que a preclusão lógica seja exigida apenas
em detrimento do contratado. Nesse raciocínio, em contratos de fornecimentos
contínuos, caso a Administração aceite a prorrogação (renovação) sem iniciar o
procedimento para alteração econômica do contrato, tendo em vista fato gerador
de reequilíbrio (por exemplo, redução dos custos relacionados a tributo
extinto), ela estaria abdicando, tacitamente, dessa prerrogativa, ao menos em
relação àquele período.” (Torres, Ronny Charles Lopes de,
Leis de licitações públicas comentadas, 12ª ed., rev., ampl. e atual., São Paulo: Ed. Juspodivm,
2021, pág. 656). E, muito embora seja crítico ao parágrafo único do art. 131 da
NLGLC, Marçal Justen Filho entende, tal como Ronny
Charles, que, se aplicável a preclusão aos pleitos de reequilíbrio do
contratado, a mesma também deve afetar o Poder Público: “A prevalência da
concepção da preclusão implica que, se a Administração deixar de manifestar a
sua discordância quanto a determinados itens ou remunerações e a prorrogação
for formalizada, não se admitirá a renovação da discussão em momento
posterior.” (Justen Filho, Marçal, Comentários à Lei
de Licitações e Contratações Administrativas, São Paulo: Thomson Reuters
Brasil, 2021, pág. 1.455)
[iv] Niebuhr, Joel de
Menezes, Licitação pública e contrato administrativo, 5ª. ed., Belo Horizonte:
Fórum, 2022, págs. 1.160/1.161.