O assunto da margem de preferência para produto manufaturado e serviços nacionais não possuía previsão na redação originária da Lei nº 8.666/1993, porém foi acrescentado nela por intermédio da Medida Provisória nº 495/2010, posteriormente convertida em Lei nº 12.349/2010, e também pela Lei nº 13.146/2015. À época surgiram vários decretos regulamentadores, porém de pouca, ou quase nenhuma, aplicabilidade direta e prática para as contratações administrativas no Brasil.
Como já dito em outras oportunidades, o uso efetivo da margem de preferência deve ser acompanhado de uma política pública de direção e incentivo (fomento) à produção nacional, o que por óbvio reflete a postura ideológica dos governantes. Nesse sentido, percebe-se que nefastamente o tema por diversas vezes é acompanhado de dogmas não fundamentados em teorias, e sim em achismos a partir das bandeiras levantadas por cada grupo ou partido político.
Superado isso, no quadrante atual normativo brasileiro, a Lei nº 14.133/2021, conhecida como nova lei de licitações, normatizou um dever inafastável de as licitações, e estendo aqui para as contratações em geral, promoverem a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável, consoante se deduz do inciso IV do artigo 11. Desde já, é imperioso recordar que inexistem palavras vãs ou inúteis, mormente quando o texto normativo expressa de maneira clara, literal e cabal quais são os objetivos do processo da licitação e da contratação em si. Dito isso, assevero que sempre deverá ser incentivada e focada a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável.
O dever de perseguir e buscar a concretização do desenvolvimento nacional sustentável enseja a imperiosidade da sua decifração no tempo e na sociedade a ser aplicado, visto que a sua escorreita concepção é modificável.[1] Assim, e pela própria intelecção da nova lei de licitações, pode-se dizer que o desenvolvimento nacional sustentável é uma norma jurídica em suas espécies, regra e princípio jurídico.[2] Além de estar no suscitado artigo 11, também está elencado como princípio norteador no artigo 5º ao lado de outros inúmeros.
É justamente na regra e no princípio do desenvolvimento nacional sustentável que se pode consubstanciar em tese a margem de preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais, além de outros amparos normativos, inclusive na Constituição da República Federativa de 1988 e outras legislações infraconstitucionais. Ciente desse substrato, a questão a ser debatida e refletida com o Decreto Federal nº 11.890/2024, alterado pelo Decreto nº 12.218/2024, é se ele representa um avanço ou retrocesso para a sociedade brasileira.
O artigo 26 da Lei nº 14.133/2021 estipulou que poderá ser fixada margem de preferência para dois objetivos, quais sejam: (i) bens manufaturados e serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras e; (ii) bens reciclados, recicláveis ou biodegradáveis, conforme regulamento. Compreende-se nos termos do artigo 6º, incisos XXXVI e XXXVII, serviço nacional como aquele serviço prestado em território nacional, nas condições estabelecidas pelo Poder Executivo federal e produto manufaturado nacional como o produto manufaturado produzido no território nacional de acordo com o processo produtivo básico ou com as regras de origem estabelecidas pelo Poder Executivo federal.
Dita margem de preferência será definida em decisão fundamentada do Poder Executivo federal e poderá ser de até 10% (dez por cento) sobre o preço dos bens e serviços que não se enquadrem como bens manufaturados e serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras e/ou bens reciclados, recicláveis ou biodegradáveis. O referido percentual poderá ser estendido a bens manufaturados e serviços originários de Estados Partes do Mercado Comum do Sul (Mercosul), desde que haja reciprocidade com o País previsto em acordo internacional aprovado pelo Congresso Nacional e ratificado pelo Presidente da República.
No tocante aos bens manufaturados nacionais e serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica no País, definidos conforme regulamento do Poder Executivo federal, a margem de preferência poderá ser de até 20% (vinte por cento), diferenciando-se da Lei nº 8.666 que trazia o percentual de até 25% (vinte e cinco por cento).
A margem de preferência não se aplica aos bens manufaturados nacionais e aos serviços nacionais se a capacidade de produção desses bens ou de prestação desses serviços no País for inferior à quantidade a ser adquirida ou contratada ou aos quantitativos fixados em razão do parcelamento do objeto, quando for o caso.
Pode-se dizer que essa avaliação será realizada pelo Poder Executivo Federal quando da mensuração e da escolha da margem de preferência de acordo com o objeto/setor. Também será sopesada pelo órgão ou entidade licitador quando da realização da fase preparatória (interna) da licitação, já que os estudos técnicos preliminares podem indicar potencial ofensa à competitividade e frustração da necessidade pública por previsão editalícia nesse sentido.
Está determinada a possibilidade de os editais de licitação para a contratação de bens, serviços e obras, mediante prévia justificativa da autoridade competente, exigirem que o contratado promova, em favor de órgão ou entidade integrante da Administração Pública ou daqueles por ela indicados a partir de processo isonômico, medidas de compensação comercial, industrial ou tecnológica ou acesso a condições vantajosas de financiamento, cumulativamente ou não, na forma estabelecida pelo Poder Executivo federal.
E, ainda, que o certame destinado à implantação, à manutenção e ao aperfeiçoamento dos sistemas de tecnologia de informação e comunicação considerados estratégicos em ato do Poder Executivo federal, poderá ser restrito a bens e serviços com tecnologia desenvolvida no País, produzidos de acordo com o processo produtivo básico de que trata a Lei nº 10.176/2001.
Em que pese a novel legislação não disponha de uma periodicidade para a fixação de margem de preferência e os fatores que deverão ser sopesados para a confecção desta política pública, entende-se que é natural de qualquer política pública a existência daqueles fatores indicados na Lei nº 8.666,[3] bem como outros diversos quando da escolha de uma alternativa para executar, por exemplo, uma política pública de favorecimento de produtos de tecnonologia robótica ou nanotecnologia.
Ainda, considerando a competência legislativa sobre ciência, tecnologia e inovação, compreende-se que o regulamento do âmbito do executivo federal cinge-se à Administração Pública Federal Direta, Autárquica e Fundacional. Não alcança necessariamente os demais entes, que poderão legislar de modo diverso, e os demais poderes e órgãos constitucionalmente autônomos. Discorre-se “necessariamente”, porque nada impede deles adotarem por meio de ato administrativo formal o regulamento federal, inclusive isso foi ressaltado no Decreto Federal nº 11.890/2024 em seu artigo 3º, § 4º.[4]
Por fim, para fins de transparência e controle em geral, foi prescrito que a cada exercício financeiro deverá ser divulgada a relação de empresas favorecidas com a margem de preferência e indicação de volume de recursos destinados a cada uma delas, sendo que essa medida parece superinteressante para aferir quem são os destinatários da política pública, como e quantos representam os demais players do setor no mercado.
Para regulamentar a margem de preferência normal e a adicional de produtos manufaturados e serviços nacionais, o que dever ser compreendido como medida de compensação industrial, comercial ou tecnológica e as competências da Comissão Interministerial de Contratações Públicas para o Desenvolvimento Sustentável - CICS, foi editado o Decreto Federal nº 11.980/2024 e posteriormente alterado pelo Decreto Federal nº 12.218/2024.
Nele ficou consignado que:
(i) margem de preferência normal - diferencial de preços, a qual acontece entre (a) produtos manufaturados nacionais e produtos manufaturados estrangeiros, (b) serviços nacionais e serviços estrangeiros, ou (c) bens reciclados, recicláveis ou biodegradáveis e bens não enquadrados como tal, sendo que permite assegurar preferência à contratação de produtos manufaturados nacionais, de serviços nacionais ou de bens reciclados, recicláveis ou biodegradáveis;
(ii) margem de preferência adicional - diferencial de preços, a qual sucede entre (a) produtos manufaturados nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País e produtos manufaturados estrangeiros; (b) produtos manufaturados nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica no País e produtos manufaturados nacionais não resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica no País; (c) serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica no País e serviços estrangeiros; ou (d) serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica no País e serviços nacionais não resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica no País.
(iii) o conceito de produto manufaturado como o produto manufaturado produzido no território nacional de acordo com o processo produtivo básico ou com as regras de origem estabelecidas em resolução da CICS. Agora, no atual Decreto, permanece adstringindo ao aspecto de inovação e ao processo produtivo básico, mas deixa margem para uma definição a ser feita pela resolução da Comissão Interministerial responsável (CICS), desde que respeite as resoluções da Comissão Interministerial de Inovações e Aquisições do Programa de Aceleração do Crescimento (CIIA – PAC) – regulamentada pelo Decreto Federal 11.630/2023 - e envie anteriormente a proposta de definição ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Este Ministério, por seu turno, submeterá ao Presidente da República em coautoria com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para a chancela do conteúdo e dos elementos formativos para a definição de produtos manufaturados nacionais e dos serviços nacionais;
(iv) a margem de preferência adicional é um plus à margem de preferência normal e será concedida para dar maior benesse aos produtos manufaturados nacionais e serviços nacionais que foram desenvolvidos e inovados tecnologicamente no país;
(v) fixou a instituição da Comissão Interministerial de Contratações Públicas para o Desenvolvimento Sustentável - CICS -, de caráter permanente, com atribuições específicas relativas ao uso da demanda estatal para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, tendo como objetivos mobilizar e articular a demanda estatal para apoiar os objetivos de políticas públicas, promover o alinhamento entre diferentes políticas públicas e melhorar a qualidade da contratação pública;
(vi) previu claramente que a CICS será responsável para executar uma interlocução com outros vários atores governamentais, deixando evidente que a política pública de contratação administrativa é transversal e transcendental a todos os órgãos e entidades públicas, o que per si evidencia o poder e o uso da função socioeconômica dos contratos públicos;
(vii) a CICS estabelecerá critérios e elaborará proposições normativas para a aplicação de (a) margens de preferência normais e adicionais, (b) medidas de compensação comercial, industrial ou tecnológica e (c) instrumentos e políticas de fomento à inovação e ao desenvolvimento sustentável e inclusivo por meio de contratações públicas. Como se verifica, no Decreto ora vigente se enaltece a ideia de instrumentos e políticas de fomento (incentivo) à inovação e ao desenvolvimento sustentável por meio das contratações públicas, o que me parece um reflexo claro e amparado pelo artigo 11 da Lei nº 14.133/2021;
(viii) as margens de preferência normal e adicional não serão aplicadas aos bens manufaturados nacionais e aos serviços nacionais se a capacidade de produção ou de prestação no País for inferior (a) à quantidade de bens a ser adquirida ou de serviços a ser contratada; ou (b) aos quantitativos fixados em razão do parcelamento do objeto, quando for o caso, podendo ser levado para avaliação da capacidade de produção ou prestação os investimentos em expansão. Neste ponto, espera-se sempre a existência de uma decisão administrativa pautada em um processo baseado em dados e relatórios desenvolvidos por meio de uma metodologia sindicável, assim como de uma avaliação de impacto regulatório no setor ou produto do mercado atingido;
(ix) nas contratações destinadas à implantação, à manutenção e ao aperfeiçoamento dos sistemas de tecnologia da informação e comunicação, a licitação poderá ser restrita a bens e serviços com tecnologia desenvolvida no País e produzidos de acordo com o processo produtivo básico de que trata a Lei nº 10.176/2001, desde que considerados estratégicos por resolução da CICS;
(x) a mensuração de preferência e de medidas de compensação observarão as diretrizes gerais das políticas industrial, tecnológica, ambiental e de comércio exterior vigentes, além de respeitar e atender outras políticas públicas.
Conquanto não se tenha indicado com precisão os fatores externos e incidentais a serem sopesados para a criação de uma margem de preferência como preceituava o § 6º do artigo 3º da Lei nº 8.666, me parece que podem ser usados os critérios lá anteriormente indicados, além de outros. Isto quer dizer, por exemplo: potencial de geração de emprego e renda no País; o efeito multiplicador sobre a arrecadação de tributos federais, estaduais e municipais; o potencial de desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País; o custo adicional dos produtos e serviços; e em suas revisões, a análise retrospectiva de resultados.
Em especial sobre o monitoramento da margem de preferência, aqui é visível que a referida política pública proposta deve estar em plena consonância com a governança pública, notadamente a governança das contratações, a fim de existir processos e estruturas aptos para avaliar, direcionar e monitorar o seu sucesso ou não. Como já dito em outras oportunidades, é imprescindível que a margem de preferência para determinado setor ou produto seja temporária e constantemente reavaliada a partir de dados obtidos via monitoramento.[5]
3.1 Regulamentações da Comissão Interministerial de Contratações Públicas para o Desenvolvimento Sustentável - CICS
Atualmente, existem vários bens que podem ser objeto de margem de preferência normal e adicional em licitações no Brasil, conforme se visualiza da recente Resolução CICS/MGI n. 08, de 31 de março de 2025. Além disso, já foram expedidas várias notas técnicas para explicar e justificar a escolha dos bens estipulados na resolução.
Para compreender sobre a margem de preferência, deve-se avaliar os custos marginais presentes na composição de custos e despesas de um objeto.
A imputação de uma diferença de valores durante uma disputa entre uma empresa beneficiada e outra não impregna peremptoriamente um favorecimento e nem a priori arrefece a concorrência efetiva.
Enquanto acobertada pelo manto da vantagem, a empresa nacional tenderá a aumentar a sua produção para atender a demanda do importante cliente que é a Administração Pública.[6] Doutro lado a empresa estrangeira para perdurar na peleia comercial responderá com a diminuição do seu lucro, acirrando assim a questão no valor.
De imediato, constata-se que a Administração Pública será beneficiada com a diminuição do preço a ser pago pelo objeto, porém a visão deverá ser planejada, o que induz um espectro a médio e longo prazo, inclusive sustentável para o desenvolvimento nacional.
Como alerta Nuno Cunha Rodrigues, uma das maiores dificuldades que deverá ser obtemperada aqui é como fixar uma margem de preferência proporcional e razoável se existe um notável “desconhecimento da origem dos custos de produção das empresas” e uma assimetria informacional entre os custos de produção entre as nacionais e as estrangeiras e quais seriam as vantagens para o bem-estar nacional.
Ainda, manifesta que a principal fraqueza dessa posição imediata de protecionismo, sob o raciocínio ora esposado é que: (i) a análise é feita embasada num modelo de equilíbrio parcial; (ii) poderá haver a captura por grupos domésticos de interesses favoráveis às margens de preferência, e, com isso, anulará qualquer incidência de redistribuição por essa medida de política econômica; e (iii) a nível internacional a sua fixação provocará retaliações por outros países e afastamento de possíveis acordos bilaterais ou multilaterais.[7]
Na mesma linha, Santiago Muñoz Machado aduz que o mercado possui falhas e é imperfeito, assim como o próprio Governo, o qual incorre por falta de informação (e assimetria informacional com o mercado) ou por possibilidade de captura por grupos de interesse.[8]
Somado a isso, a puclic choice seria mais uma causa para ser refratária à intervenção estatal, já que, na democracia representativa, quatro grupos de atores influenciam as iniciativas a serem adotadas nas funções ou missões estatais e poderão ser contaminados por interesses não públicos. Ao invés de agirem com propósitos coletivos e racionais, acabam ficando à mercê da manipulação. Referidos grupos são: (i) os cidadãos e a possibilidade até da ignorância racional em suas manifestações, (ii) a classe política e a forma de ascensão e manutenção de poder geram interesses sectários, (iii) a burocracia que poderá servir para manobras e arranjos não públicos e (iv) os grupos de interesse e suas formas de captura para cooptar agentes políticos para as suas tomadas de decisões.[9]
Qualquer estratégia restritiva ou reguladora incidental sobre os preços praticados no mercado, no raciocínio de Joseph Schumpeter, gera a necessidade de revisitar o desenvolvimento a médio e longo prazo da produção e a compreensão das circunstâncias e do grau que a indústria se controla em cada caso.
Sobre a rigidez do preço, “um preço é rígido se menos sensível às alterações da oferta e da procura do que seria numa situação de concorrência perfeita”, sendo que o método de medição e o material utilizado poderão ensejar dúvidas quanto ao efetivo resultado. Vários motivos justificam a rigidez como é o caso de uma mera política comercial. Vale ressaltar que o progresso tecnológico e a inovação contribuem para evitar qualquer tipo de excesso ou rigidez, isso porque a empresa poderá estar na condição de um monopólio ou de um cartel, porém o incentivo e a direção pelo Estado para que outros venham a conquistar condições similares, imitem ou criem novos produtos, fará com que as empresas numa concorrência imperfeita não possam gozar a longo prazo, já que o próprio mercado se organizará para competir.
Por tais razões, o autor destaca que “a concorrência perfeita é não apenas sistema impossível, mas inferior, e de nenhuma maneira se justifica que seja apresentada como modelo de eficiência ideal”, logo, não se visualiza qualquer empecilho para que o Estado regule o mercado, desde que entenda que deverá contribuir e não sacrificar interesses do bem-estar social ao colaborar com interesses sectários daqueles que estão em condição privilegiada num monopólio ou num cartel. [10]
Via de consequência, a política pública para o desenvolvimento de margem de preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais por intermédio das compras públicas deverá ser muito bem estruturada e fiel ao seu ciclo, acautelando-se de possíveis vícios que poderão gerar muito mais prejuízo do que benefício ao interesse público. Não se deve simplesmente rejeitar as funções estatais e a ampla participação democrática nas escolhas políticas pelo fato de serem passíveis de contaminação, mas que haja a máxima transparência e cuidados elevados para evitar qualquer disrupção na busca do interesse público.[11]
Atinente a esse ponto, insta apresentar algumas observações críticas que deverão ser depreendidas:
(i) a margem de preferência nunca poderá ser adotada de maneira uniforme em todos os setores e objetos, sob pena de se configurar um protecionismo sem finalidade;
(ii) a feitura de um estudo técnico, indispensável de ser executado pelo Poder Público, para explicar a estrutura atual do mercado para aquele objeto e qual o arranjo jurídico (margem de preferência e/ou outras medidas) deverá ser proporcionado para o atingimento da finalidade da política horizontal proposta;
(iii) abertura para que qualquer pessoa possa questionar, criticar ou apresentar soluções alternativas contra o estudo técnico;[12] e
(iv) sempre a margem de preferência deverá ter duração limitada, a qual dependerá para a sua continuidade das avaliações da política pública, da reanálise das condições mercadológicas e da manifestação a ser disponibilizada para que qualquer pessoa possa se manifestar.
Convém ponderar que jamais se entende como possível a restrição de empresas estrangeiras no mercado das compras públicas nacionais, salvo em situações excepcionalíssimas em que haja risco para algum dos elementos mínimos do Estado, sob pena de ser um atentado à concorrência, além de inserir a Administração Pública como uma potencial destinatária da captura do mercado, o qual poderá aleatoriamente alterar as condições de compra e venda de acordo com os seus interesses egoísticos.[13]
Isso, além de gerar um enorme prejuízo financeiro à Administração Pública como consumidora, será deveras pernicioso aos demais consumidores, o que fará com que a Administração Pública induza e concorra com a perda de poder de compra das pessoas em geral com a possibilidade de aumento dos preços, majore a probabilidade de corrupção quando da captura de interesses, diminua o acesso das pessoas à satisfação das suas necessidades (mínimas, de subsistência, de comodidade ou até as voluptuárias) e frustre a felicidade, além de até impactar no valor da moeda (a depender do tamanho do setor protegido).[14]
A nova lei de licitações veda a inserção ou tolerância de qualquer ato que estabeleça preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou do domicílio dos licitantes (artigo 9º, I, alínea ‘b’) e que o edital estipule condições de habilitação, classificação e julgamento que constituam barreiras de acesso ao licitante estrangeiro (artigo 52, § 6º), ressalvadas as situações de margem de preferência e o discrímen de nacionais e estrangeiros para fins de desempate (artigo 60, § 1º, I).
Atingir o desenho ótimo das políticas discriminatórias é extremamente difícil.
Nesse sentido, a aplicação do segundo ótimo que gerou a teoria das distorções endógenas, cujo pioneiro foi Jagdish Bhagwati, pode ser utilizada para a explicação. Uma tarifa alfandegaria não é encarada como uma política de primeiro ótimo se as distorções de mercado forem originárias nas condições econômicas do próprio Estado analisado. Caso o motivo da distorção seja a relação com os outros Estados, a aplicação de tarifas é considerada como uma política de primeiro ótimo. Todavia, se a causa for interna ao próprio Estado, em seu território, logo a adoção de políticas discriminatórias em nível internacional é qualificada como política de segundo ótimo.
Nuno Cunha Rodrigues conclui que “o desenho óptimo das políticas discriminatórias nos contratos públicos é muito difícil de materializar”, porém entender que é difícil não significa, de maneira alguma, que é impossível. Os custos marginais precisam ser mensurados e decifrados para que os ganhos fiquem mais claros e viáveis de serem explicados na adoção de políticas horizontais, tal como acontece na margem de preferência.[15]
Nesse último ponto, pode-se aventar a teoria da agência para direcionar as escolhas da Administração Pública num ato convocatório ou num contrato público, mais precisamente para alinhar as suas preferências, a utilidade e os custos para obter o resultado pretendido.
Como dito por Francisco Renato Codevila Pinheiro Filho, no âmbito dessa teoria, a “assimetria de informações significa que o principal não consegue saber se o nível de comprometimento do agente é compatível com o grau de maximização de utilidade desejada”, o que pode ser refletido na formulação da política pública horizontal para incentivo e direção para dado escopo.[16]
Assim, como os bens não são homogêneos ou têm algum custo de informação relevante e outros custos associados, o Estado pode preferir um fornecedor ou objeto doméstico a estrangeiro, o que também de fato contribuirá para diminuir “as assimetrias de informação, os custos de monitorização ou a probabilidade de uma falha pós-contratual que o obrigue a renegociar, o que justifica uma política discriminatória a favor dos produtores locais.”[17]
Como se constata, pode-se concluir que quando a procura pública for inferior ou igual à oferta total nacional, os efeitos de uma política discriminatória por meio de margens de preferência serão iguais ao da proibição de importação; já se a procura pública é superior à oferta nacional, depende de como será a quantificação da margem de preferência: (i) se a margem é estabelecida de forma superior à diferença entre os preços nacional e estrangeiro, logo os contratos públicos serão ganhos apenas por empresas nacionais, o que gerará a consequência igual à proibição de importações; (ii) se a margem estatuída é inferior à diferença de preços, os preços e a margem de ganho das empresas nacionais de acordo com a proporção estipulada (lucro) a longo prazo será afastado, pois o mercado ficará aberto e haverá acirrada competição, inclusive com a diminuição de lucros excessivos, o que engendrará um equilíbrio e a futuro aumento de produção nacional, aumento de oferta nacional e diminuição de importações.[18]
Em exemplo didático, Rodrigues explica como a imposição de uma margem de preferência favorável para o objeto nacional poderá representar efeitos positivos sobre a produção nacional:
Consideremos agora que a produção doméstica total equivale a 55 euros, e que esta é destinada a 50 euros da procura pública doméstica; 200 euros da procura privada doméstica; 50 euros do governo estrangeiro e 200 euros da procura privada estrangeira. Neste cenário, o governo determina uma política discriminatória em que se privilegia a aquisição doméstica (acrescendo mais 50 euros à procura pública inicial e 50 euros). Aqui os produtores nacionais irão enfrentar uma procura total de 550 euros (mais 50 euros comparativamente com a procura anterior). A procura privada doméstica e a procura do país estrangeiro permanecem idênticas mas a procura pública domestica passa de 50 euros para 100 euros.[19]
Essas ponderações deverão servir quando dos estudos para a fixação de uma margem de preferência, evitando dessa maneira que haja deturpação no uso desta ferramenta da política pública das contratações.
Uma teoria que também tem sido utilizada para compreender o impacto de eventual preferência para os objetos nacionais em contratações públicas e as consequências em termos de aglomeração é a nova teoria do comércio internacional e a economia geográfica.[20]
As três forças de aglomeração que são destacadas são: as externalidades tecnológicas, a especialização dos trabalhadores e economias de escala e os custos de comércio com o transporte.
A regulação que impõe uma política de discriminação em contratos públicos é uma externalidade positiva para as empresas periféricas, visto que poderão obter maiores vantagens econômicas a partir de menores custos para instalação e operação.
No entanto, nesse ponto, ainda mais num Estado tão extenso territorialmente como o Brasil, chama a atenção a questão da necessidade de infraestrutura para a distribuição dos objetos (seja para fornecer ou prestar), o que, per si, acaba sendo um óbice na realidade brasileira em virtude dos entraves logísticos e das péssimas e caras condições de transporte.
Doutro lado, se os custos fossem pequenos e se há especialização dos trabalhadores em várias regiões dentro do Estado, a aglomeração deve ser afastada, o que fará com que a política discriminatória inclusive regional e local sejam vantajosas, pois “a ineficiência da despesa governamental pode ser compensada pelo ganho resultante da estabilização do equilíbrio simétrico em detrimento do equilíbrio de aglomeração”, gerando, assim, um aumento no bem-estar geral com o benefício a zonas economicamente mais ressentidas.[21] Posto isso, figura como valiosa a conclusão de Nuno Cunha Rodrigues:
Quando aplicadas num país em vias de desenvolvimento, numa óptica de concorrência perfeita e economias de escala constantes e num sector que produz menos do que a procura pública verifica, a discriminação reduz as importações, aumentando a produção e a especialização doméstica. Em sectores com economias de escala constantes e concorrência monopolística, a discriminação gera uma perda de bem-estar social que é corrigível a longo prazo porque permite a entrada no sector de outras empresas (admitindo a inexistência de barreiras à entrada). Em sectores com economias de escala crescentes, a procura pública pode contrariar o efeito de aglomeração/dispersão do comércio livre, gerando um processo dinâmico que aumenta a produção local e o bem estar mundial.[22]
Em artigo específico sobre a vantagem ou não da proteção por meio das compras públicas, Francis Ssenoga explica que o equilíbrio crítico entre a abertura de mercado e o alcance de seus objetivos socioeconômicos deve ser a pauta.
Para tanto, se de um lado a inexistência de proteção gera aumento de capacitação das autoridades públicas para efetuarem as suas aquisições, menores custos em razão da amplitude de competição e possibilidade de estímulo indireto para a indústria nacional para competir com a estrangeira e continuar vendendo ao Estado; doutro lado, as políticas nacionais, regionais ou locais de um Estado podem propiciar até um desestímulo da eficiência econômica e uma distorção limitativa na escolha, entretanto desencadeia uma transferência de recursos ao setor doméstico, inclusive com valores maiores (aumento do custo de aquisição) e possibilidade de lucros maiores para as empresas domésticas, o que deverá ser corrigido por meio de regulação estatal.
Como existem vantagens e desvantagens, para o encontro do dito equilíbrio, o autor sugere que a escolha perpasse por três critérios: (i) abordagem setorial e social, a fim de aferir qual solução importará em maior empregabilidade às pessoas no Estado; (ii) ambiente competitivo, para que se avalie qual será o melhor método para aprimorar e aumentar a competitividade das empresas nacionais num ambiente global; e (iii) exame por fases, que deverá sopesar as possíveis etapas que deverão ser vivenciadas pelo Estado para melhor crescimento, sendo que tal tarefa será executada gradualmente até atingir um ponto em que o Estado já consiga competir com os estrangeiros.[23]
Rechaçando qualquer tipo de cota ou margem de preferência que vise à proteção nacional, Ejan Mackaay e Stéphane Rousseau explicam que a imposição regulatória nessa linha irrompe um abalo distorcido no mercado, isso porque os fornecedores “tutelados” tenderão a abusar dos preços, majorando-os a partir da proteção normativa, gerando um prejuízo aos fornecedores.[24]
De qualquer maneira, como já esposado anteriormente, não se nega que num período curto haverá repercussão de aumento de custo de aquisição pelo Poder Público e de margem de lucro dos fornecedores amparados por esse cobertor normativo, contudo, a médio e longo prazo, a tendência é a de que o mercado faça a devida readequação, diminuindo o lucro a partir da efetiva competição, inclusive com a criação de novas empresas e nacionalização de empresas estrangeiras, e o escopo de desenvolvimento nacional sustentável merece esse sacrifício temporário.
Como se percebe, as compras públicas têm recebido uma atenção relativamente recente, até porque, antes, não eram tão bem tratadas para avaliar possível impacto positivo no ambiente socioeconômico de um país em uma factível intervenção estatal nessa diretriz.[25]
O enfoque concorrencial e de melhorias sempre se lastreava pelo universo de consumidores privados, e não o consumidor público que é a Administração Pública. Por isso, cada dia mais se faz necessário o aprofundamento de pesquisas e investigações sobre o tema, porquanto o conhecimento contribuirá até mesmo para os cidadãos avaliarem a política estratégica comercial pretendida pelos futuros governantes em pleito eleitoral, para os formuladores e avaliadores de políticas públicas e para os gestores adotarem as suas tomadas de decisões.[26]
De qualquer forma, não se pode dissociar a dificuldade deste tópico pelo fato de cada país estar situado numa realidade socioeconômica e num patamar de desenvolvimento sustentável.[27] Ao tempo em que é fácil defender a não discriminação para um ambiente da União Europeia em que os custos de transação e as externalidades são cotizadas dentro de uma vivência de países desenvolvidos e com índices bons de competitividade do ponto de vista tecnológico, inovativo e científico, já em suportes fáticos de países subdesenvolvidos e países em desenvolvimento, a paisagem é diversa.[28]
A mais das questões de desenvolvimento nacional sustentável, não se pode olvidar que a dimensão da procura pública, da estrutura de custos, da especialização da mão-de-obra, das externalidades tecnológicas e do conhecimento condicionarão a escolha pelo caminho protecionista ou não.[29]
Além da questão da preferência pelo viés econômico e de possível influência sobre o mercado internacional, pode-se também avaliar sobre alguns institutos específicos que são habitualmente usados na análise econômica do direito, a qual pode ser definida como o “campo do conhecimento humano que tem por objetivo empregar os variados ferramentais teóricos e empíricos econômicos e das ciências afins para expandir a compreensão e o alcance do direito e aperfeiçoe o desenvolvimento, a aplicação e a avaliação de normas jurídicas”, em especial, quanto às suas consequências.[30]
Vários ferramentais podem ser usados incidentalmente para enfrentar o tema de proteção do mercado nacional, ainda mais na questão da margem de preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais, como, por exemplo, a incidência da teoria dos jogos na fixação de cláusulas especiais sobre compras públicas em convenções bilaterais ou multilaterais, a racionalidade limitada da escolha do governante e seu afastamento de questões ideológicas, a teoria dos leilões para a forma de precificação e orçamentação nas licitações, a própria definição de externalidades e custos de transação, a teoria da agência na definição do objeto, dentre outros.[31]
Apesar de ser viável e ancilar tais instrumentais, percebe-se que a dificuldade reside na mensuração de dados para apreciar a vantajosidade ou não da política pública horizontal em tela, visto que também dependerá da averiguação de Estado para Estado e em conformidade com o setor mercadológico apurado.
Dentro de um país, é plenamente possível que se tenha a concorrência perfeita ou a concorrência imperfeita a variar do setor mercadológico. De todo modo, o que não se pode esquecer jamais é o enfrentamento dessa dificílima e hercúlea missão de acordo com os propósitos da atuação estatal de bem servir à sociedade, e não a interesses sectários, como também recordar que o fundamento do Direito é a solidariedade social.[32]
Tudo isso remonta ao ideal proposto por Ronald Coase de que se deve levar em consideração os custos envolvidos para operar os vários arranjos sociais e para a mudança do sistema, sendo que a escolha e a projeção a partir das opções deve ser executada para o efeito total.[33] É a busca sempre de uma decisão estudada sempre equilibrada e sem excessos.[34] O mesmo se espera quando o Estado regula via compras públicas para que se perscrute o desenvolvimento nacional sustentável por meio da margem de preferência.
De todo modo, compreende-se que o Decreto Federal nº 11.890/2024 e a Lei nº 14.133/2021 possuem notáveis avanços ao Decreto Federal nº 7.546/2011 e à Lei nº 8.666/1993. Ainda, imperioso que o processo de tomada de decisão para a fixação da margem de preferência a produtos manufaturados e serviços nacionais seja realizado da maneira mais transparente, claro e motivado possível, assim como a própria atuação em si da Comissão Interministerial de Contratações Públicas para o Desenvolvimento Sustentável – CICS -, a qual deverá aproveitar (e abusar) do convite a ser feito para outros órgãos, entidades, pesquisadores e especialistas visando ao apoio no desempenho de suas atividades e no subsídio de suas deliberações, conforme regra prevista no § 3º do artigo 11 do Decreto Federal nº 11.890/2024.
Referências bibliográficas
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[1] Sobre o tema do desenvolvimento “em desenvolvimento” para fins de definição, tal como ocorre também com a sustentabilidade, já tive a oportunidade de explanar no seguinte artigo: REIS, Luciano Elias. O polissêmico desenvolvimento "em desenvolvimento" e sua reinterpretação após a pandemia da Covid-19. In: ANDRADE, Giulia de Rossi; SAIKALI, Lucas Bossoni.. (Org.). Eficiência, subsidiariedade, interesse público e novas tecnologias. 1ed.Curitiba: Editora Ithala, 2021, v. 1, p. 245-260.
[2] Acerca da natureza das normas jurídicas em si e da sua eficácia, vide REIS, Luciano Elias. Princípios jurídicos e sua eficácia jurídica. In: NICZ, Alvacir Alfredo; ANDREATO, Danilo. (Org.). Estado, Direito e Sociedade. 1ed.São Paulo: IGLU EDITORA, 2010, v. 1, p. 225-262.
[3] Ãrt. 3º ..... § 6º A margem de preferência de que trata o § 5º será estabelecida com base em estudos revistos periodicamente, em prazo não superior a 5 (cinco) anos, que levem em consideração: I - geração de emprego e renda; II - efeito na arrecadação de tributos federais, estaduais e municipais; III - desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País; IV - custo adicional dos produtos e serviços; e V - em suas revisões, análise retrospectiva de resultados.
[4] Art. 3º Nos processos de licitação realizados no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, os produtos manufaturados nacionais e os serviços nacionais que atendam aos regulamentos técnicos pertinentes e às normas técnicas brasileiras poderão ser objeto de margem de preferência normal, na forma prevista em resolução da CICS, de até dez por cento sobre o preço dos produtos manufaturados estrangeiros ou dos serviços estrangeiros. (...) § 4º Os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e os demais Poderes da União poderão adotar as margens de preferência estabelecidas pelo Poder Executivo federal, previstas no art. 26 da Lei nº 14.133, de 2021.
[5] Como já defendido no meu livro: REIS, Luciano Elias. Compras Públicas Inovadoras. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2022.
[6] Utilizar-se-á, neste tópico, a expressão empresa nacional para indicar a beneficiada por uma margem de preferência ou qualquer outro instrumento de política discriminatória horizontal e empresa estrangeira como aquela não alcançada.
[7] RODRIGUES, Nuno Cunha. A contratação pública como instrumento de política econômica. Coimbra: Almedina, 2015, p. 36-41. A regulação do Estado no mercado de compras públicas se faz necessária, ainda mais no cenário de concorrência imperfeita. “Frente a la creencia de que el mercado puede por sí mismo ordenador los intereses de todos los operadores y los consumidores, establecer equilibrios perfectos entre la oferta y la demanda, la doctrina a que me refiero parte de la inexistencia de una competencia perfecta; por el contrario, lo normal son las imperfecciones y los fallos del mercado. Ara corregirlos se justifica la regulación.” (MACHADO, Santiago Muñoz. Tratado de Derecho Administrativo y Derecho Público General: Libro XIV – La actividad regulatoria de la Administración. Madrid: Agencia Estatal Boletín Oficial del Estado, 2015, p. 29).
[8] MACHADO, Santiago Muñoz. Tratado de Derecho Administrativo y Derecho Público General: Libro XIV – La actividad regulatoria de la Administración. Madrid: Agencia Estatal Boletín Oficial del Estado, 2015, p. 31. Ejan Mackaay e Stéphane Rousseau complementam como causas da imperfeição as externalidades e a racionalidade limitada nas informações. (MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise econômica do direito. Trad. Rachel Sztajn. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 122).
[9] MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise econômica do direito. Trad. Rachel Sztajn. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 161-178.
[10] SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Trad. Ruy Jungman. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1961, p. 116-136.
[11] De forma contrária e incrédula, Ejan Mackaay e Stéphane Rousseau aduzem: “”a public choice propõe leitura mais pessimista dos processos democráticos. Sua análise leva em conta, de forma convincente, grande número de fenômenos e comportamentos que caracterizam a ordem política nas democracias representativas. Globalmente, inspira desconfiança a respeito do discurso do interesse geral, considerando as dificuldades das autoridades públicas de adotarem políticas que, honestamente, possam ser qualificadas como tal, e que não sejam mais do que a correção das imperfeições do mercado.” (MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise econômica do direito. Trad. Rachel Sztajn. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 179).
[12] Por óbvio tais manifestações em geral deverão ser respondidas sobre o porquê do acatamento ou não. Não havendo qualquer possibilidade de a Administração Pública silenciar sobre toda e qualquer ilação apresentada. O princípio da boa-fé, da confiança legítima, da motivação, da indisponibilidade do interesse público e da transparência determinam a oitiva, a análise e a resposta justificada do Poder Público.
[13] Ainda que bastante antigo e dentro de uma realidade díspar da atual, J. Nascimento Franco e Nisske Gondo explanam que a exigência de nacionalidade brasileira não ofenderia qualquer dispositivo legal e entenderiam como cláusula razoável e inofensivo à isonomia, desde que justificado no edital. (NASCIMENTO, J. Nascimento; GONDO, Nisske. Concorrência Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1969, p. 48-49).
[14] Em geral, a captura de interesses sempre é preocupante para a livre concorrência, tanto que Agustí Cerrillo i Martínez em sua palestra no Congreso Español de Profesores de Derecho Administrativo alertou sobre essa possibilidade diante das compras públicas inovadoras a partir de uma determinada tecnologia ou produto (MARTÍNEZ, Agustí Cerrillo i. Los servicios de la ciudad inteligente. XV Congreso Anual de la Asociación de Profesores de Derecho Administrativo, 07 e 08 de febrero de 2020, disponível no site http://www.aepda.es/AEPDAEntrada-2518-XV-CONGRESO-DE-LA-AEPDA.aspx. Acesso em 09 de fev. de 2020.)
[15] RODRIGUES, Nuno Cunha. A contratação pública como instrumento de política econômica. Coimbra: Almedina, 2015, p. 44.
[16] PINHEIRO FILHO, Francisco Renato Codevila. Teoria da agência: problema agente-principal. In: RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; KLEIN, Vinicius (coord.). O que é análise econômica do direito: uma introdução. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 97-109, p. 103-105.
[17] RODRIGUES, Nuno Cunha. A contratação pública como instrumento de política econômica. Coimbra: Almedina, 2015, p. 58.
[18] RODRIGUES, Nuno Cunha. A contratação pública como instrumento de política econômica. Coimbra: Almedina, 2015, p. 52. Para complementar, recorda-se da explicação de Fernando Araújo: “as divergências fundamentais emergem de um entendimento distinto quanto às razões últimas para a existência de contratos: para a teoria da agência, as motivações básicas da contratação são a transferência de riscos e o alinhamento de incentivos, combinando-se num trade-off entre incentivos e seguro, em especial em relação em que o resultado envolva a dependência dos interesses de um parte (o principal) da conduta da contraparte (o agente), enquanto que para a Economia dos Custos de Transação o que avulta num contrato é, como vimos, uma combinação de soluções institucionais, como: - a estruturação de ajustamentos ex post, especialmente os modos de desincentivo à pressão oportunista que surge no <lock-in> contratual (seja a que termina num impasse de <hold-up>, seja a que chega à solução de renegociação); - a minimização de ineficiências ex ante, como <custos de busca> ou <dissipações de renda> que não tivessem senão efeitos redistributivos, sem incrementos do bem-estar total.” (ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato. Coimbra: Almedina, 2007, p. 216-217).
[19] RODRIGUES, Nuno Cunha. A contratação pública como instrumento de política econômica. Coimbra: Almedina, 2015, p. 60.
[20] Como dito por Marius Brülhart e Frederico Trionfetti: “A teoria do comércio internacional é dominada por dois grandes paradigmas. Um paradigma pertence ao mundo neoclássico com bens homogêneos e mercados de produtos perfeitamente competitivos (PC). O segundo paradigma, freqüentemente chamado de ‘Nova teoria do comércio’, assenta na hipótese de produtos diferenciados e mercados competitivos monopolisticamente (MC).” (BRÜLHART, Marius; TRIONFETTI, Frederico. A test of trade theories when expenditure is home biased. European Economic Review, n. 53, 2009, p. 830-845, p. 830. Ainda sobre o assunto, vide: TRIONFETTI, Frederico. Public Expenditure and Economic Geography. Annales d’Economie et de Statistique, n. 47, 1997, p. 101-120.
[21] RODRIGUES, Nuno Cunha. A contratação pública como instrumento de política econômica. Coimbra: Almedina, 2015, p. 62-67.
[22] RODRIGUES, Nuno Cunha. A contratação pública como instrumento de política econômica. Coimbra: Almedina, 2015, p. 68-69. O mesmo autor enfatiza às fls 67 sobre a postura num ambiente de concorrência perfeita e economia de escala constante: “a procura pública deve ultrapassar a oferta doméstica para que as políticas discriminatórias sejam eficientes, no sentido de garantirem um aumento de bem-estar nacional – ainda que se verifique uma perda de bem-estar nacional a curto prazo decorrente do aumento ineficiente do aumento da produção local – decorrente do aumento da produção nacional.”
[23] SSENNOGA, Francis. Examining Discriminatory Procurement Practices In Developing Countries. Journal of Public Procurement, volume 6, Issue 3, 2006, p. 218-249, p. 244-245. A respeito das tensões entre Estado e Sociedade, bem como entre sociedade, mercado e Estado, por isso é necessário que se evite riscos ou se controle tais tensões, vide MIGDAL, Joel S. Estados débiles, estados fuertes. México: Fondo de Cultura Económica, 2011, p. 164 e seguintes.
[24] MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise econômica do direito. Trad. Rachel Sztajn. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 672
[25] QIAO, Y.; THAI, K. V..;CUMMINGS, G. State and Local Procurement Preferences: A Survey. Journal of Public Procurement, n. 9, 2009, p. 371-410, p. 398.
[26] ABUTABENJEH, Sawsan; GORDON, Stephen B.; MENGISTU, Berhanu. International Trade Protectionist Policies And In-State Preferences: A Link. Journal Of Public Procurement, Volume 17, 2017, issue 1, p. 31-52, p. 47.
[27] A título ilustrativo, Fukuyama explica ainda a diferença de concepção entre a busca do Estado mais forte para a Europa e para os Estados Unidos. O primeiro anseia o fortalecimento por critérios de justiça e o segundo por força. De qualquer maneira, o fato é que o Estado-nação soberano, forte e eficaz por intermédio da arte de construção revela-se essencial. (FUKUYAMA, Francis. Construção de estados: governo e organização mundial no século XXI. Trad. Nivaldo Montingelli Jr. Rio de Janeiro: Rocco, 2005, p. 155-157).
[28] “Os custos de transação são todos os encargos que impedem que uma troca (no sentido econômico) aparentemente desejável, seja feita. Incluem as despesas de organização, de pesquisa, de negociação, de fiscalização, incerteza, de precauções contra o potencial oportunismo da outra parte contratante, que aparece sob forma de desperdício, risco moral, baluarte.” (MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise econômica do direito. Trad. Rachel Sztajn. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 672).
[29] “De uma forma geral, nos países desenvolvidos, a procura pública é inferior à oferta local pelo que a adoção de política discriminatória é , na maior parte dos casos, desnecessária. Mas, nos países em vias de desenvolvimento – que produzem maioritariamente bens intermediário, matérias privas e produtos agrícolas e em que a procura pública relativamente a estes produtos é praticamente nula – é de esperar que a procura pública seja superior à oferta privada quanto aos bens principalmente procurados pelo Estado. Consequentemente, será nestes países que se verificará maioritariamente o uso de práticas discriminatórias.” (RODRIGUES, Nuno Cunha. A contratação pública como instrumento de política econômica. Coimbra: Almedina, 2015, p. 50).
[30] GICO JR, Ivo T. Introdução à análise econômica do direito. In: RIBEIRO, Marcia Carla Ribeiro; KLEIN, Vinicius (Coord.). O que é análise econômica do direito: uma introdução. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 17-26, p. 17-18. Em definição similar, “usando conceitos da ciência econômica, atualiza uma racionalidade subjacente das normas jurídicas e os principais efeitos previsíveis de suas mudanças. Propõe leitura das regras jurídicas que as avalie pelos seus efeitos de estímulo e pelas mudanças de comportamento das pessoas em resposta aos mesmos. Oferece elementos para julgamento iluminado das instituições jurídicas e das reformas propostas. É, por isso, ferramenta preciosa para o legislador, para o juiz e para a doutrina convidada a exercer a nobre missão de trazer à luz os fundamentos do direito e mostrar os caminhos para sua adaptação às novas realidades. Ao mesmo tempo oferece aos economistas uma ferramenta para compreender o direito.” (MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise econômica do direito. Trad. Rachel Sztajn. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 665). Em sentido similar, vide PASCUAL, Gabriel Domínech. Por qué y como fazer análisis económico del derecho. Revista de Administración Pública, Madrid, n. 195, sep./dic. 2014, p. 99-133.
[31] Irineu Galeski Júnior e Marcia Carla Pereira Ribeiro descrevem como premissas fundamentais para a aplicação da análise econômica do direito a compreensão da: escolha racional, eficiência, falhas do mercado, teoria dos custos de transação e teoria dos jogos. (RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; GALESKI JÚNIOR, Irineu. Teoria Geral dos Contratos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 91-131).
[32] - Quando discorre sobre o revisitar do serviço público, Jacques Chevallier explica que a imperiosidade de uma visão diferente do Estado, mais precisamente de como deve atuar e ser compreendido pela sociedade, já que se antes era erigido a uma ideia de instancia superior, com poder incondicionado e irresistível, atualmente deve assujeitar-se ao direito e colocado a disposição e serviço dos cidadãos como um “comissário social”. Chevallier complementa que “seu papel não é outro senão fornecer as prestações reivindicadas pelo desenvolvimento da solidariedade social”, abandonado a ideia de mero árbitro para assumir a sua posição de protagonista ao lado da sociedade. (CHEVALLIER, Jacques. O serviço público. Trad. Augusto Neves Dal Pozo e Ricardo Marcondes Martins. Belo Horizonte: Fórum 2017, p. 34-35). Na mesma linha de solidariedade social, Santiago Muñoz Machado a coloca como meta a ser alcançada pelos governantes públicos, tanto o seu desenvolvimento quanto a sua realização. (MACHADO, Santiago Muñoz. Tratado de Derecho Administrativo y Derecho Público General: Libro XIV – La actividad regulatoria de la Administración. Madrid: Agencia Estatal Boletín Oficial del Estado, 2015, p. 21).
[33] COASE, Ronald H. The problem of social cost.The Journal of Law and Economics, n. 3, p. 1-44, 1960. Traduzido para o português em: SALAMA, Bruno Meyerhof (Org.). Direito e Economia: textos escolhidos. São Paulo: Saraiva, 2010.
[34] Assim como propõe Emerson Baldotto Emery ao invocar a teoria de Posner para medir o custo de oportunidade na tomada de decisão em uma licitação sustentável, ainda que se deve tomar cuidado com a possibilidade de escolha do dano-eficiente ao operador econômico em detrimento da sociedade. (EMERY, Emerson Baldotto. Desenvolvimento sustentável: princípio da eficiência em procedimentos licitatórios. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 108-109)