O DIÁLOGO COMPETITIVO DO PROJETO DE LEI DE LICITAÇÃO E CONTRATO BRASILEIRO

 

 

Rafael Sérgio Lima de Oliveira

Doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa.

Mestre em Direito e Especialista em Direito Público.

Procurador Federal da AGU e Colaborador do Portal L&C. 

 

SUMÁRIO: Introdução; 1. Notas Históricas sobre o Diálogo Competitivo; 2. O Diálogo Competitivo na Diretiva 2014/24/UE; 2.1. Pressupostos de aplicação do diálogo competitivo; 2.2. Procedimento do diálogo competitivo; 3. A Regulamentação do Diálogo Competitivo no Brasil conforme consta do Projeto de Lei nº 6.814/2017; 3.1. O atual cenário da legislação da contratação pública no Brasil; 3.2. O Diálogo Competitivo no PL nº 6.814/2017; 3.2.1. Pressupostos de aplicação do diálogo competitivo no PL nº 6.814/2017; 3.2.2. Procedimento do diálogo competitivo no PL nº 6.814/2017; Considerações Finais.

 

RESUMO

O presente trabalho tem como foco o instituto do diálogo competitivo a ser positivado no Brasil conforme previsto no Projeto de Lei nº 6.814/2017 da Câmara dos Deputados. O diálogo competitivo é uma espécie de procedimento adjudicatório de contratos públicos, cuja origem é o Direito Europeu, especificamente a Diretiva 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004. Atualmente, em âmbito europeu, sua previsão tem base na Diretiva 2014/24/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014. O instituto já foi transposto para o ordenamento jurídico de vários países e já conta com experiência de aplicação maciça em alguns desses Estados. O presente trabalho investiga a regulamentação do diálogo competitivo no Projeto brasileiro, a fim de perceber se ele se assemelha com o do Direito Europeu e se mantém as características básicas de sua origem. As conclusões apontam que o Projeto de Lei brasileiro regulamentou o diálogo de modo muito semelhante ao previsto no Direito Europeu, mas com algumas alterações em relação ao foco do procedimento adjudicatório, bem como que a realidade brasileira carece de um instituto como o diálogo, mas que o seu êxito depende de empenho do Estado brasileiro para transformar algumas práticas administrativas.

 

PALAVRAS-CHAVES: Diálogo Competitivo; Diálogo Concorrencial; Licitação; Procedimento Adjudicatório; Contrato Público; Contrato Administrativo.

 

INTRODUÇÃO

A principal lei brasileira relativa à matéria de licitação e contrato é de 1993. A Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, é uma lei federal cujo objeto é a instituição de normas gerais de licitações e contratos da Administração Pública brasileira em todos os níveis da federação. Há alguns anos que se reclama uma atualização na legislação brasileira, tendo em vista que de 1993 até os dias atuais muitas foram as mudanças ocorridas na Administração Pública e no mercado de que ela necessita. Alteraram-se os serviços, os bens, as formas de fornecimento, o regime de execução dos serviços, a maneira de garantir os contratos e outros pontos mais.

Em 2013 começou a tramitar no Senado Federal o Projeto de Lei do Senado nº 559, de 2013 (PLS nº 559/2013), cuja ementa anuncia que o mencionado Projeto Institui normas para licitações e contratos para a Administração Pública e dá outras providências. A elaboração do projeto teve início com a constituição da Comissão Temporária de Modernização da Lei de Licitações e Contratos (Ato do Presidente do Senado Federal nº 19/2013), colegiado que elaborou o texto. O PLS nº 559/2013 foi aprovado no Plenário do Senado Federal no dia 13 de dezembro de 2016, dependendo agora de aprovação pela Câmara dos Deputados e de sanção do Presidente da República. Na Câmara, o PLS nº 559/2013 foi transformado em Projeto de Lei nº 6.814/2017, razão pela ele será mencionado neste trabalho como o PL nº 6.814/2017.

O intuito da nova legislação é, precipuamente, a modernização das leis brasileiras relativas à formação, formalização e execução dos contratos públicos. Para tanto, socorreu-se o Senado brasileiro de experiências vividas em todo o mundo, incluindo aí o Direito Europeu. Em relação a este, o que se destaca é o instituto do diálogo competitivo.

O diálogo competitivo veio ao Direito Europeu com a Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004. O artigo 29º da referida Diretiva trouxe o instituto para as normas de regência da formação dos contratos públicos como uma solução para as contratações consideradas pela Administração Pública como complexas. Ou seja, a ideia do diálogo competitivo é possibilitar que o Poder Público conte com a colaboração dos operadores econômicos para a definição do objeto do qual o Estado necessita e, em razão da sua complexidade, não tem condições de definir sozinho o objeto da contratação.

O instituto em estudo foi mantido na Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014 (artigo 30º), que revogou a Diretiva 2004/18/CE.

O presente trabalho busca investigar quais os pontos de convergência entre a regulamentação do diálogo competitivo previsto no PL nº 6.814/2017 e na Diretiva 2014/24/UE. Com tal análise, busca-se perceber se o projeto de lei brasileiro foi fiel ao histórico do instituto em suas características básicas no Direito Europeu.

O diálogo vive experiências diferentes nos países da Europa, já que cada um dos Estados componentes da Comunidade Europeia tem costumes e tradições jurídicas e administrativas díspares. Para a transposição de um instituto do direito alienígena ao direito interno de um país é recomendável a análise da sua prática no Estado que já o implantou para saber se a experiência vivida é exitosa e se o cenário no qual se deu o êxito é semelhante ao do Estado importador. Tal análise é importante também para que se faça as adequações necessárias ao ordenamento jurídico e aos costumes do país de destino. O presente estudo, por questões que o limitam, não irá investigar se o procedimento é aplicado nos países da Europa[1]. A análise feita neste artigo restringe-se ao campo normativo.

Tem-se por hipótese que o diálogo competitivo tenha recebido no projeto de lei brasileiro tratamento similar ao que possui em sua origem no Direito Europeu. Essa pesquisa é fundamental porque a importação de um instituto de direito estrangeiro para o ordenamento de um dado Estado requer respeito às suas características principais com as adaptações necessárias, pois se desnaturado o objeto da importação se perde toda a experiência vivida no Estado que o exportou.

Para percorrer o caminho da investigação proposta, será analisado no primeiro tópico o histórico do diálogo competitivo, especialmente o contexto prévio à Diretiva de 2004, a fim de perceber qual a ideia (intuito) que levou à criação do instituto. Posteriormente (ponto 2), será estudada a regulamentação do diálogo na Diretiva de 2014. Por fim, o ponto 3 deste trabalho traz uma análise comparativa da regulamentação do diálogo no PL nº 6.814/2017 com a Diretiva 2014/24/UE. O trabalho encerra com as considerações finais, onde se analisa os resultados da investigação tendo em conta a hipótese acima apontada.

Entende-se que estudos como o que ora se realiza são de suma importância para que o diálogo venha a ter uma aplicação de sucesso no Brasil, sobretudo porque o instituto ainda não virou lei e pode sofrer as alterações necessárias para o seu êxito. Fato é que a importação de um instituto jurídico de um ordenamento para outro carece de uma análise crítica de direito comparado, a fim de que essa transposição não ocorra sem as adaptações necessárias ou, por outro lado, sofra tantas adaptações a ponto de perde contato com suas origens.

 

1.     NOTAS HISTÓRICAS SOBRE O DIÁLOGO COMPETITIVO

O diálogo competitivo é um instituto do Direito dos Contratos Públicos cuja origem se encontra no Direito Europeu. Ele foi incluído inicialmente no artigo 29º da Diretiva 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004[2]. Essa Diretiva é “relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços”[3].

 De maneira sumária, é possível dizer que o instituto é uma modalidade licitatória voltada para a adjudicação de contratos em relação aos quais a Administração Pública tem a necessidade do objeto contratual, mas não sabe como a suprir. Ou seja, o uso do diálogo competitivo é possível quando o objeto do contrato é dotado de uma complexidade tal que a entidade adjudicante não consegue definir por si só qual a solução apta para atender à necessidade pública.

A Diretiva 2004/18/CE resultou de um longo processo de revisão das Diretivas europeias sobre contratação pública. O início de tal processo ocorreu em 1996 com a publicação do Green Paper, Public Procurement in the European Union: Exploring the Way Forward[4]. Na análise de Sue Arrowsmith e de Steen Treumer, o Green Paper de 1996 não trouxe grandes inovações para o sistema europeu, servindo mesmo para conferir uma certa estabilidade jurídica nas contratações públicas europeias[5].

A chamada de atenção para a construção de novos procedimentos veio em 1998 com a publicação, resultado do mesmo processo de revisão, da Comunicação da Comissão COM (1998) 143 Final[6]. Esse documento aponta a necessidade de flexibilização dos procedimentos de formação dos contratos de modo a admitir o diálogo entre a Administração Pública e os seus fornecedores – de serviços e de produtos – para a construção de soluções para as demandas do Poder Público[7]. O foco era os chamados contratos complexos, aqueles ligados a áreas nas quais sempre há mudanças, sendo mencionado como exemplo os contratos da área de tecnologia. Relata a Comissão Europeia ter recebido naquela época uma série de contribuições indicando que em muitas ocasiões as soluções para as demandas da Administração são complexas a ponto de os gestores públicos não saberem qual a solução adequada, apesar de terem consciência da necessidade do Estado. Para esses casos, as contribuições recebidas pela Comissão sugeriam a previsão de um procedimento no qual fosse possível o diálogo com a iniciativa privada, a fim de que esta pudesse contribuir, no âmbito do processo de formação do contrato, com a construção da solução[8].

Assim, ainda na Comunicação de 1998, a Comissão Europeia já informa que irá propor emendas nas Diretivas então existentes a fim de incluir um novo procedimento, chamado de diálogo competitivo[9], no qual o diálogo entre a Administração Pública e os operadores econômicos para a construção da solução adequada para o Poder Público seria possível[10].

Em bom rigor, a previsão do diálogo competitivo veio para legitimar uma postura já adotada por alguns países membros da União Europeia no bojo de outra modalidade de licitação usual no velho mundo, o procedimento por negociação. Esse é o caso, segundo Sue Arrowsmith e Steen Treumer, do Reino Unido e da Alemanha que vinham utilizando o procedimento por negociação para projetos complexos, o que não era adequado[11]. O fato é que o procedimento por negociação é aplicável aos casos em que há dificuldade em se definir o critério de julgamento das propostas[12]. O instituto em estudo, entretanto, veio para solucionar os casos nos quais a dificuldade da Administração é a de encontrar a solução para a sua demanda. Uma vez encontrada a solução, o procedimento passa a ser o mesmo dos procedimentos tradicionais, sem possibilidade de diálogo e com parâmetros rígidos de julgamento das propostas.

Ainda sobre o período antecedente à Diretiva 2004/18/CE é importante mencionar que autores indicam semelhanças entre o diálogo competitivo e o instituto do appel d’offres sur performances[13] presente no Código de 2001 da França (Decreto 2001-210, de 7 de março de 2001)[14], que é um dos países com maior histórico de utilização do diálogo competitivo.

Importante notar que está na base de concepção do diálogo a ideia de cooperação do setor privado com os empreendimentos públicos. Por isso, alguns autores indicam que o procedimento em estudo veio ao ordenamento europeu como um mecanismo de viabilizar a política europeia de incentivo às parcerias público-privadas (PPP’s)[15]. A complexidade técnica, jurídica e financeira quase que inerente aos contratos de PPP seriam supridas com o procedimento do diálogo na medida em que os possíveis parceiros contribuiriam com a construção da solução.

Vistos esses antecedentes, verifica-se que o diálogo chega à Diretiva 2004/18/CE com o foco de conferir às entidades adjudicantes maior flexibilidade nos procedimentos de contratação, a fim de colher melhores resultados na formação dos contratos considerados complexos. O Considerando nº 31[16] da referida Diretiva menciona expressamente a necessidade de flexibilização dos procedimentos com o objetivo de possibilitar o debate com os operadores econômicos acerca da solução contratual, já que tal conduta não seria cabível pela via das modalidades tradicionais. O Considerando nº 31 chega a citar como exemplo o caso dos contratos de grandes redes de transporte, de redes integradas de informática e aqueles que envolvam financiamentos complexos, o que demonstra uma certa preocupação com a concretização das políticas de integração europeia[17].

Atualmente a Diretiva 2004/18/CE encontra-se revogada pela Diretiva 2014/24/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, que é relativa a contratos públicos. Essa nova Diretiva manteve o diálogo concorrencial basicamente com a mesma configuração prevista na Diretiva revogada, a 2004/18/CE. Nas próximas linhas será estuda a regulamentação do diálogo na Diretiva nº 2014/24/UE.

 

2.    O DIÁLOGO COMPETITIVO NA DIRETIVA 2014/24/UE

2.1.       Pressupostos de aplicação do diálogo competitivo

Inicialmente, é importante dizer que o instituto recebeu a denominação no português de Portugal de diálogo concorrencial, razão pela qual na versão oficial em português da Diretiva 2014/24/UE o instituto em estudo é tratado com essa nomenclatura (art. 26º, item 4)[18].

O diálogo foi previsto na Diretiva de 2014[19] com mais força que na de 2004, o que é possível perceber na forma como foi regulamentado[20]. É perceptível que o instituto ganha força porque foi previsto agora como um procedimento cuja adoção pelos Estados-Membros é obrigatória. O artigo 26º, item 4, da Diretiva 2014/24/UE, fala que os Estados da União Europeia devem prever a possibilidade de as autoridades adjudicantes utilizar o diálogo[21]. Ou seja, o instituto deixa de ser de adoção facultativa, como era na Diretiva de 2004[22], e passa a ser de previsão obrigatória. Com isso, os Estados-Membros estão obrigados a prever o diálogo competitivo em sua legislação interna com obediência à maneira como ele foi regulamentado no Direito Europeu.

O diálogo é previsto na Diretiva de 2014 como uma modalidade de licitação ao lado das duas espécies de concurso, o aberto e o limitado, das parcerias para inovação e do procedimento concorrencial com negociação (artigo 26º). A Diretiva mantém a regra da preferência pelo concurso (aberto ou limitado), na medida em que autoriza sua utilização sem especificar as hipóteses de aplicação, mas prever a possibilidade de uso dos demais procedimentos pelas autoridades adjudicatórias quando presentes as situações específicas descritas no diploma europeu.

As hipóteses de cabimento do diálogo competitivo estão fixadas no item 4 do artigo 26º da Diretiva 2014/24/UE. Nesse ponto é preciso observar que o legislador europeu descreveu, sem fazer qualquer distinção de maneira expressa, as situações nas quais são aplicáveis o diálogo competitivo e o procedimento concorrencial com negociação. Cabe ao intérprete da norma fazer essa distinção, valendo-se para tanto da adequabilidade dos referidos procedimentos à situação descrita.

De acordo com o que já foi dito em linhas atrás, o procedimento concorrencial com negociação é dotado de flexibilidade na análise das propostas, o que não ocorre no diálogo. O fato é que no procedimento concorrencial com negociação a Administração tem a solução para a sua necessidade, mas não tem um critério objetivo para análise das propostas dos concorrentes. Por isso, a fase de julgamento das propostas precisa ser de negociação baseada em critérios mínimos de adjudicação previamente fixados pela autoridade adjudicatória. Já no diálogo, a dificuldade da Administração Pública está na fixação do que irá contratar, pois, dada a complexidade – técnica, jurídica ou financeira – da solução apta a atender a sua necessidade, o Estado precisa da colaboração dos operadores econômicos na definição do objeto contratual. A flexibilidade do diálogo, então, está na fase que antecede o julgamento das propostas, isto é, na fase de definição da solução da qual o Poder Público carece[23].

Outro critério a ser utilizado para distinguir as hipóteses de aplicação do diálogo e do procedimento com negociação na forma descrita no item 4 do artigo 26º da Diretiva 2014/24/UE é a análise da Diretiva 2004/18/CE. Nesta última norma o legislador europeu cuidou de especificar expressamente as situações às quais o procedimento com negociação era aplicável (artigo 30º).

Seguindo essas orientações, conclui-se que das situações descritas no artigo 26º, item 4, da Diretiva de 2014, cabe o diálogo nos casos previstos nas três primeiras subalíneas da alínea a, que são os seguintes:

i) as necessidades da autoridade adjudicante não podem ser satisfeitas sem a adaptação de soluções facilmente disponíveis,

ii) os produtos ou serviços incluem a conceção ou soluções inovadoras,

iii) o contrato não pode ser adjudicado sem negociações prévias devido a circunstâncias específicas relacionadas com a natureza, a complexidade ou a montagem jurídica e financeira ou devido aos riscos a elas associadas.

As situações presentes na subalínea iv da alínea a e na alínea b, ambas do item 4 do artigo 26º da Diretiva de 2014, são típicas do procedimento com negociação. Primeiro, porque se trata de casos em que a dificuldade não está na determinação da solução necessária para o Poder Público, mas sim na definição dos critérios de julgamento das propostas. Segundo, porque essas hipóteses são semelhantes às especificadas na Diretiva 2004/18/CE como de aplicação do procedimento concorrencial com negociação, conforme se constata no artigo 30º, item 1, alíneas a e c, do diploma de 2004.

Além disso, enxerga-se na situação descrita na subalínea iii da alínea a do item 4 do artigo 26º da Diretiva de 2014 a possibilidade de aplicação do procedimento com negociação. O fato é que aspectos relativos à natureza, à complexidade e à montagem jurídica e financeira, bem como aos riscos relativos a esses elementos, podem se referir ao critério de julgamento das propostas, e não à definição das dimensões técnica, jurídica e financeira do objeto.

É importante realçar a alteração presente na Diretiva de 2014 na forma de determinação do cabimento da aplicação do diálogo concorrencial quando em comparação com a Diretiva 2004/18/CE. Nesta norma, o legislador europeu deixou expresso que o recurso ao diálogo competitivo só seria possível nos casos de contratos particularmente complexos e quando por meio do concurso, público ou limitado, não fosse possível a adjudicação do contrato (artigo 29º). Ou seja, em 2004 ficou explícito que o diálogo só seria utilizado pela exclusão das espécies de concurso. Na norma de 2014 não há essa expressa menção ao caráter subsidiário do diálogo concorrencial. O fato é que a Diretiva 2014/24/UE, optou por descrever os casos em que são cabíveis o diálogo, ao invés de prever sua aplicação pela regra da exclusão do concurso. Porém, como dito em linhas atrás, no sistema da Diretiva de 2014, também é lícito dizer que a regra é o concurso. Os demais procedimentos, entre eles o diálogo, são aplicáveis apenas aos casos especificados na norma, sendo patente que a tais casos não são aplicáveis ambas as espécies de concurso pela mais absoluta falta de adequação entre o objeto e o procedimento.

Da análise das subalíneas i, ii e iii da alínea a do item 4 do artigo 26º da Diretiva de 2014, verifica-se que o diálogo foi pensado para situações em que a solução necessária para cobrir a demanda da Administração Pública é bastante complexa em uma – ou mesmo em mais de uma – das seguintes dimensões: técnica, jurídica e financeira.

A complexidade técnica pode ser observada nas subalíneas i, ii e iii, pois nesses casos o Poder Público enfrenta problemas como os seguintes: a) dificuldade em definir a solução porque as existentes no mercado só atendem sua carência se adaptadas (hipótese da subalínea i); b) a solução inexiste no mercado, de modo que o suprimento da necessidade da Administração requer produtos ou serviços que incluem concepção ou solução inovadora (situação da subalínea ii); c) a natureza ou a complexidade do objeto do contrato não permite a sua adjudicação sem prévia negociação (situação da subalínea iii).

As complexidades jurídica e financeira estão presentes na subalínea iii da alínea a do item 4 do artigo 26º da Diretiva de 2014, na medida em que a norma menciona a situação em que a adjudicação do contrato não é possível sem que haja prévia negociação em relação à sua montagem jurídica e financeira. Sobre esses aspectos da complexidade, é preciso lembrar que um dos fatores que mais inspiraram a criação do diálogo foi a complexidade jurídica e/ou financeira presente nos contratos relacionados com as PPP’s[24].

Nesse ponto, é elucidativa a lição de Mark Kirkby, que menciona a adequação do diálogo nos casos em que a entidade adjudicante tem “défices de informação”[25] em relação ao que há no mercado para satisfazer a sua demanda. O caso das PPP’s é bem ilustrativo das situações que justificam o recurso ao diálogo, pois nas parcerias entre o público e o privado o Estado quer uma solução, mas a quer com a colaboração do privado, que irá empreender assumindo parcela considerável dos riscos. Com isso, não será difícil a ocasião em que a autoridade adjudicante não terá conhecimento das soluções que o mercado tem para oferecer.

Imagine-se, a título de exemplo, uma situação em que o Poder Público necessita resolver um problema relacionado a abastecimento de água em um determinado município. É bem possível que, dada a particularidade do local, a solução seja revestida de complexidade que impossibilite o Estado de saber qual a alternativa adequada que o mercado tem para suprir a carência de água da localidade (poços artesianos, cisternas, construção de canal para escoar água de um reservatório próximo etc.). Nesse caso, o recurso ao diálogo competitivo é acertado, pois a dificuldade se encontra na definição da solução do problema a ser resolvido pela Administração.

 

2.2.       Procedimento do diálogo competitivo

O artigo 30º da Diretiva de 2014 traz regras sobre a tramitação do diálogo competitivo, definindo três fases para o procedimento: a) a qualificação; b) o diálogo; c) e o julgamento das propostas. Retirada a etapa de diálogo, o instituto em estudo se assemelha substancialmente às modalidades tradicionais.

Consoante já foi asseverado, os obstáculos identificados para a adjudicação do contrato que justificam o uso do diálogo competitivo dizem respeito à eleição da solução adequada para a necessidade da Administração, e não ao critério de julgamento das propostas. Esse aspecto é de fundamental importância para a compreensão do instituto, pois, se comparado com o procedimento regra da Diretiva de 2014 (o concurso, principalmente na modalidade limitada[26]), ver-se-á que a flexibilidade e o déficit de transparência presentes no diálogo competitivo só ocorrem na fase dialógica do procedimento (a segunda fase), que é exatamente a etapa na qual é eleita a solução para a necessidade da Administração.

A primeira fase, referente à qualificação dos candidatos interessados em participar do diálogo, e a última, a de julgamento das propostas, são rígidas e transparentes, uma vez que nessas etapas as decisões tomadas pela Administração ocorrem com base em critérios objetivos previamente fixados nos instrumentos de publicidade e sem o manto do sigilo. Como se verá mais adiante, é só na segunda fase do procedimento em estudo que os candidatos admitidos na primeira etapa (a qualificação) são chamados a dialogar exclusivamente com a Administração e com as seguintes flexibilidades: a) desnecessidade de esse diálogo ser publicizado; b) possibilidade de alteração de sua proposta inicial em razão do debate com a autoridade adjudicatória; c) considerável grau de discricionariedade da Administração em decidir pela solução adequada.

Como é natural dos procedimentos de adjudicação dos contratos públicos, é possível dizer que o diálogo tem uma fase interna, na qual o gestor público planeja e prepara todo o curso do procedimento. A etapa externa do procedimento, a que interessa a este trabalho, inicia-se com a publicação do anúncio da licitação. Nos termos dos itens 1 e 2, do artigo 30º, da Diretiva 2014/24/UE, a autoridade adjudicante deve indicar no anúncio do certame, ou em uma memória descritiva (ou mesmo em ambos), as necessidades que pretende suprir, os seus requisitos, o critério de adjudicação e um calendário indicativo do procedimento. Também no anúncio, a autoridade deve fixar um prazo, nunca inferior a trinta dias, para que os interessados em participar do diálogo apresentem suas candidaturas (item 1 do artigo 30º da Diretiva de 2014).

A fase da qualificação se inicia com a apresentação da candidatura dos interessados em participar da licitação, o que deve acontecer dentro do prazo fixado no anúncio. Neste momento, o candidato já deve demonstrar que preenche os requisitos determinados para a qualificação. A qualificação é feita com base nos motivos de exclusão (artigo 57º) e nos critérios de seleção (artigo 58º). Os primeiros dizem respeito à condição do candidato que impossibilita a sua participação no procedimento, como, por exemplo, envolvimento em organização criminosa, corrupção, trabalho infantil (artigo 57º, item 1, alíneas a, b e f).

Os critérios de seleção, ao contrário dos de exclusão, têm uma perspectiva positiva, na medida em que, se presentes em uma certa medida mínima, eles autorizam a participação do candidato no concurso. Segundo o artigo 58º, item 1, da Diretiva 2014/24/UE, são critérios de seleção: a) a habilitação para o exercício de atividade profissional; b) a capacidade econômica e financeira; c) e a capacidade técnica profissional. A Administração deve fixar no instrumento de divulgação do diálogo quais os requisitos mínimos de qualificação a serem atendidos para a participação no certame, sempre tendo em conta à proporcionalidade em relação ao objeto do contrato (artigo 58º, item 1). Em regra, os candidatos que preenchem os requisitos, podem participar do certame, seguindo para a segunda fase, que é a do diálogo.

Existe ainda a possibilidade de a autoridade adjudicante estabelecer um número máximo de candidatos a serem admitidos para a etapa do diálogo. A Diretiva de 2014 autoriza a fixação desse número máximo de candidatos, determinando que nunca poderá ser inferior a três (artigo 30º, item 1, combinado com o artigo 65º, item 2). Neste caso, deve ser estabelecido de forma objetiva uma gradação de cada um dos critérios de seleção previstos pela autoridade, de modo a se estabelecer uma pontuação para a formação da lista de classificação. O que deve ser notado quanto a essa possiblidade de limitação do número de participantes é que um número grande de candidatos pode inviabilizar o diálogo, uma vez que se trata de um procedimento complexo e trabalhoso, sobretudo na segunda etapa. A possibilidade de fixação de número máximo de candidatos a seguirem para a próxima fase encontra limites na Diretiva de 2014, que são os seguintes: a) os critérios de seleção e de classificação devem obedecer a um padrão objetivo (artigo 65º, item 2); b) o número máximo de candidatos deve ser fixado de modo a garantir uma quantidade de operadores econômicos suficiente para uma concorrência real (artigo 65º, item 2); c) o número máximo de candidatos a serem convidados nunca poderá ser inferior a três, ou seja, a Diretiva exige um número mínimo de três candidatos na fase do diálogo (artigo 65º, item 2).

Feita a qualificação, a autoridade adjudicante convida os candidatos que não apresentam qualquer dos motivos de exclusão e os que preenchem os requisitos mínimos de qualificação para participarem da segunda etapa, a do diálogo. No caso de a entidade adjudicatória fixar um número máximo de candidatos a serem convidados para a etapa seguinte, serão convidados os classificados dentro do número determinado que não tenham contra si qualquer dos motivos de exclusão. Importante mencionar que a Diretiva diz ser possível a continuação da marcha do procedimento mesmo se o número mínimo[27] de candidatos não for atingido na qualificação (artigo 65º, item 2, da Diretiva 2014/24/UE).

Os qualificados são convidados a participar da etapa do diálogo, momento no qual vão travar com a Administração um debate a fim de apresentarem uma solução para a necessidade da entidade adjudicatória. Frise-se, esta é a fase flexível do procedimento. Nela, segundo o artigo 30º, item 3, da Diretiva de 2014, a Administração pode debater com os selecionados todos os aspectos do concurso[28]. É aqui que ocorre o diálogo propriamente dito, pois nessa etapa, os candidatos apresentam ao Estado a solução que propõem para o caso com a garantia de que sua solução será mantida sobre sigilo. Ou seja, o debate que ocorre é entre a Administração e os candidatos individualmente, não sendo, em regra, permitido aos demais candidatos saber o que a Administração trata com seus concorrentes.

A Diretiva de 2014 garante aos concorrentes o sigilo das soluções apresentadas, o que faz concluir que o procedimento é essencialmente dialógico[29]. Assim é para que candidatos não se sintam inibidos em apresentar soluções interessantes para a Administração, pois se o sigilo não fosse garantido, os candidatos se retrairiam em apresentar as melhores soluções com o receio de perder a exclusividade do quanto construíram[30]. Ou seja, o sigilo é uma proteção ao interesse do concorrente com vistas a garantir a efetividade do procedimento de formação do contrato. Por se tratar da proteção de um interesse do candidato, a Diretiva 2014/24/UE admite que o operador econômico que sugeriu uma dada solução autorize a entidade adjudicante a revelar certos pontos de sua solução para os demais participantes[31]. Tal autorização não pode ser concedida de modo genérica, mas apenas de forma específica, relacionada a um certo aspecto da proposta[32].

Se por um lado a segunda etapa do certame é de fato dialógica, isso não indica que a Administração possa travar diálogos individuais tratando os participantes de maneira diferente. Conforme já afirmado em linhas anteriores, a flexibilização necessária para a adjudicação de contratos considerados complexos não foi consagrada no Direito Europeu com o abandono de princípios históricos dos procedimentos de formação dos contratos públicos, como é o caso do cânone da igualdade. O item 3 do artigo 30º da Diretiva de 2014 expressa que a autoridade deve prezar pela igualdade de tratamento entre os candidatos.

Um ponto interessante da etapa do diálogo é a possibilidade dela se desenrolar em subfases sucessivas com eliminação de candidatos entre uma subfase e outra[33]. A Diretiva autoriza que a autoridade adjudicante preveja já no instrumento de anúncio do concurso ou na memória descritiva se fará a fase do diálogo dividida em diversas etapas. Se optar por essa alternativa a Administração promotora do certame, deverá já prever quais os critérios de adjudicação que levará em conta para eliminar as soluções. É salutar recorrer a Diretiva 2004/18/CE, diploma que já autorizava a tramitação do diálogo em fases sucessivas, para compreender a divisão do diálogo em subfases. O Considerando nº 41 da mencionada norma fala da necessidade de flexibilidade do procedimento e chama a atenção ainda para “os custos demasiado elevados associados a esses métodos de adjudicação”. A eliminação de soluções de forma gradativa é um recurso dado ao gestor público que possibilita uma melhor avaliação das soluções que de fato interessam ao Estado. Como já dito, o diálogo é um procedimento flexível, mas complexo, o que requer, na medida do possível, que o gestor use de estratégias para simplificar o procedimento e, assim, alcançar o resultado de colher a melhor solução para a Administração.

O diálogo segue até a autoridade adjudicante encontrar a solução ou, como diz o próprio texto da norma[34], as soluções aptas a satisfazer a necessidade pública. Significa dizer que, pela Diretiva de 2014, é possível a eleição de mais de uma solução na fase do diálogo, restando para a etapa de julgamento das propostas a escolha da solução adotada pela definição da melhor proposta com a aplicação do critério de adjudicação.

Acerca da escolha da solução, não resta claro se a solução pode ser resultado da mescla de mais de uma das apresentadas pelos candidatos. A Diretiva de 2014, assim como a de 2004, não são claras acerca do assunto. Mark Kirkby enxerga que essa seria uma possibilidade e até diz ter mudado de opinião quanto a esse ponto por entender que a mescla é uma das grandes vantagens do procedimento do diálogo, no qual a ideia é a construção dialogada de uma solução com base na oferta de seus diversos participantes[35]. Essa, com certeza, é uma vantagem que pode ser retirada do procedimento, mas resta saber como o mercado responderia a essa postura. Além disso, a conjunção de elementos de diferentes soluções apresentadas pelos candidatos dependeria da autorização de cada um deles em revelar o sigilo dos pontos da sua solução, conforme o artigo 30º, item 3, da Diretiva 2014/24/UE.

Escolhida a solução, a Administração convoca os candidatos para apresentarem as respectivas propostas, que serão julgadas para a adjudicação do contrato com base no critério de julgamento previsto no instrumento de anúncio do concurso. Aqui é relevante notar que o comando do artigo 30º, item 1, da Diretiva de 2014, é que “Os contratos são adjudicados exclusivamente com base no critério da proposta economicamente mais vantajosa tendo em conta a melhor relação qualidade/preço nos termos do artigo 67º, nº 2” (grifo do autor). Não há flexibilidade na fase de julgamento das propostas. A Diretiva 2014/24/UE já fixa qual o critério de julgamento, que conta com regulamentação no artigo 67º da própria Diretiva.

Pode-se argumentar pela existência de uma certa flexibilidade porque o item 7 do artigo 30º da Diretiva 2014/24/UE diz que, desde que a autoridade adjudicante solicite, “podem ser conduzidas negociações com o proponente identificado como tendo apresentado a proposta com a melhor relação qualidade/preço nos termos do artigo 67º, para confirmar os compromissos financeiros ou outros termos nela constantes”. Entretanto, é preciso observar que essa negociação não ocorre para se alcançar a proposta com a melhor relação qualidade/preço. Como diz o texto normativo, essa negociação só pode se instalar depois de identificado o autor da melhor proposta. Trata-se de um momento destinado à confirmação do quanto proposto pelo candidato melhor classificado conforme os critérios de julgamento fixados no instrumento de convocação, bem como de uma ocasião dada ao gestor público de tentar algum melhoramento na proposta a bem do interesse público. É importante grifar que a própria diretiva diz que desta negociação não pode resultar alteração material dos aspectos essenciais da proposta ou do contrato[36].

Existe, ainda, a possibilidade de a Administração, já na fase de julgamento das propostas, solicitar ao candidato que esclareça, precise ou otimize sua proposta. Mas, mais uma vez é preciso asseverar que essa também não é uma postura da entidade adjudicante voltada para julgar a melhor proposta. O intuito dessa postura do gestor é o de esclarecer a proposta. Também quando do uso dessa prerrogativa, a Diretiva veda a possibilidade de haver alteração dos elementos fundamentais da proposta ou do certame[37].

É possível que o vencedor do procedimento, aquele a quem o contrato for adjudicado, não seja o autor da solução adotada pela Administração. É de se imaginar que essa situação é bastante desestimulante para os concorrentes. Imaginar que irão trabalhar para construir uma solução e não se beneficiarem do seu labor é um fator desestimulante para o operador econômico. Pensando nisso, a Diretiva abre a possibilidade de minimizar o risco do autor da solução, admitindo que a autoridade administrativa preveja prêmio ou pagamento para aqueles que participarem do diálogo[38].

 

3.    A REGULAMENTAÇÃO DO DIÁLOGO COMPETITIVO NO BRASIL CONFORME CONSTA DO PROJETO DE LEI Nº 6.814/2017

3.1.        O atual cenário da legislação da contratação pública no Brasil

Conforme já anunciado na introdução do presente trabalho, a principal lei brasileira de contratação pública, a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993[39], já conta com mais de vinte anos. A rigor, esse diploma deveria prever apenas normas gerais de licitação e contratação pública, mas a Lei nº 8.666/1993 desce a um nível de detalhes que é possível dizer que nela constam normas gerais e específicas[40].

Após a promulgação da Lei nº 8.666/1993, entraram no ordenamento jurídico algumas outras leis sobre contratação pública cujo objeto era a alteração de alguns pontos da própria Lei nº 8.666/1993 ou a previsão de institutos cuja regulamentação era prevista em um diploma paralelo à Lei de 1993. É possível dizer que, de um modo geral, as modificações realizadas na Lei nº 8.666/1993 não geraram grandes alterações no sistema. Por outro lado, algumas das leis promulgadas para vigorar paralelamente à Lei de Licitações e Contratos Administrativos – LCCA trouxeram  para o ordenamento jurídico significativas mudanças que terminaram por repercutir na prática da contratação pública brasileira.

Merecem destaque a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002[41] – a Lei do Pregão –, e a Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011[42], norma que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC. Ambas trouxeram normas relativas aos procedimentos adjudicatórios dos contratos públicos, tendo a primeira instituído a modalidade do pregão e a segunda trazido um regime diferenciado para as contratações necessária para a realização dos grandes eventos esportivos realizados nos últimos anos no Brasil, a Copa das Confederações da Fifa de 2013, a Copa do Mundo da Fifa de 2014 e os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. De se destacar que este regime diferenciado foi expandido mediante alterações legislativas e hoje também é aplicável a diversos setores considerados estratégicos pelo Estado brasileiro.

O cenário acima traçado requer mudanças: primeiro, para modernizar a legislação principal que já conta com mais de vinte anos; segundo, porque a legislação encontra-se prevista em diversos diplomas que devem ser compilados em uma única lei para conferir mais coerência e organização a todo o sistema de contratação pública.

Foi com o foco nesses objetivos que o Senado Federal brasileiro criou em 2013 a Comissão Temporária de Modernização da Lei de Licitações e Contratos (Ato do Presidente do Senado Federal nº 19/2013), de cujo trabalho resultou o Projeto de Lei do Senado nº 559/2013. Nesse Projeto há a proposta de incluir no ordenamento jurídico brasileiro o procedimento do diálogo competitivo como uma modalidade de licitação capaz de flexibilizar a adjudicação dos contratos considerados complexos. O PLS nº 559/2013 foi aprovado no Senado Federal em 13 de dezembro de 2016 e já foi encaminhado para apreciação da Câmara dos Deputados, onde tramita como Projeto de Lei nº 6.814/2017.

 

3.2.       O diálogo competitivo no PL nº 6.814/2017

O PL nº 6.814/2017 trouxe o diálogo competitivo como uma nova modalidade de licitação. Adotou-se no Brasil nomenclatura diferente da do português europeu, que designou o diálogo nas versões oficiais da União Europeia das Diretivas de 2004 e de 2014 em língua portuguesa, bem como no Código dos Contratos Públicos de Portugal, como diálogo concorrencial. O Brasil optou por transpor para o seu ordenamento jurídico o instituto com a tradução mais equivalente do termo em inglês, o competitive dialogue[43]. Por isso, é importante observar que os termos são sinônimos.

O projeto de lei em estudo insere o diálogo no ordenamento jurídico brasileiro ao lado das seguintes modalidades de licitação: concorrência; convite; concurso, leilão e pregão. Todos esses procedimentos são previstos praticamente com a mesma marcha que já têm no regime atualmente vigente, com a ressalva da inversão das fases de habilitação e julgamento das propostas, pelo que no regime do PL esta etapa passa a ser antes da habilitação – o que só ocorre no regime vigente nas modalidades do pregão e do RDC –. Ou seja, em relação aos procedimentos de formação dos contratos atualmente existentes no Brasil, poucas sãos as novidades em termos de flexibilização.

A novidade do PL em termos de procedimento adjudicatório é mesmo o diálogo competitivo, que vem definido no PL nº 6.814/2017 no artigo 5º, inciso XLI, como “modalidade de licitação em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento do diálogo”[44].

Os pressupostos de aplicação e o procedimento do diálogo estão previstos no artigo 29 do PL e serão analisados nos subitens seguintes.

 

3.2.1.   Pressupostos de aplicação do diálogo competitivo no PL nº 6.814/2017

O escopo do diálogo veio previsto nos incisos do artigo 29 do PL nº 6.814/2017. É de se notar as palavras usadas pelo legislador antes de elencar as situações nas quais o diálogo seria aplicável. Diz o Projeto na cabeça do artigo 29: “O modo de diálogo competitivo é restrito a contratações em que a Administração: (...)” (grifo do autor). Repare-se que, ainda que para efeitos retóricos, ao utilizar o termo restrito, restou claro que o diálogo competitivo só cabe nas hipóteses descritas nos incisos que se seguem ao caput do dispositivo. Para efeito do PL em estudo, o diálogo é uma modalidade cuja aplicação é definida em estreitos termos na legislação, não havendo espaço para se recorrer a ela fora dos casos previstos no artigo 29.

Os casos em que o diálogo é cabível estão previstos em três incisos do artigo 29. Como será visto, o Projeto de Lei brasileiro contemplou as situações presentes na Diretiva de 2014/24/UE, mas também ampliou o escopo do instituto. As hipóteses previstas nos incisos são as seguintes:

I – vise a contratar objeto que envolva, pelo menos, uma das seguintes condições:

a) inovação tecnológica ou técnica;

b) possibilidade de execução com diferentes metodologias; ou

c) possibilidade de execução com tecnologias de domínio restrito no mercado;

II – verifique a necessidade de definir e identificar os meios e as alternativas que possam vir a satisfazer suas necessidades, com destaque para os seguintes aspectos:

a) a solução técnica mais adequada;

b) os requisitos técnicos aptos a concretizar a solução já definida; ou

c) a estrutura jurídica ou financeira do contrato; e

III – considere que os modos de disputa aberto e fechado não permitem apreciação adequada das variações entre propostas.

 

As situações descritas nos incisos I e II se assemelham aos casos previstos na Diretiva 2014/24/UE, artigo 26º, item 4, alínea a, subalíneas i, ii e iii. São os casos de aplicação do diálogo por excelência, pois se referem a aspectos técnicos, jurídicos e financeiros relacionados ao objeto da contratação. Embora o projeto de lei brasileiro tenha sido mais detalhista na descrição dos casos aos quais o diálogo competitivo é aplicável, as hipóteses definidas nos incisos I e II acima transcritos não diferem muito das contidas na alínea a do item 4 do artigo 26º da Diretiva 2014/24/UE. Tanto na diretiva como no projeto em estudo, especificamente nas hipóteses dos incisos I e II desse último, os casos se relacionam: a) com a definição da solução da qual a Administração necessita, sendo porque ainda se trata de uma solução a construir (inexistente no mercado) ou porque há dúvidas em relação a qual das soluções existentes é a mais adequada (a melhor) para a necessidade do Estado; b) com a metodologia de execução da solução existente ou com os requisitos técnicos da mesma; c) com a restrição de aspectos da solução no mercado; d) e com as questões jurídica e financeiras do contrato.

Devido ao fato de serem semelhantes às hipóteses europeias, é possível dizer que os casos dos incisos I e II são adequados ao diálogo competitivo, pois dizem respeito à complexidade do contrato em relação à definição da solução nos aspectos técnicos, jurídicos e financeiros. Isto é, para as situações definidas nos referidos incisos, é adequado um procedimento que conte com uma fase dialógica na qual a Administração tenha flexibilidade para definir certos termos relacionados ao próprio objeto do contrato.

A situação do inciso III, entretanto, não parece encontrar coerência com a história do instituto. O caso do inciso III se relaciona com a dificuldade de julgamento das propostas. Os modos de disputa aberto e fechado a que se refere o dispositivo em comento dizem respeito aos modos pelos quais as propostas serão apresentadas, conforme definido no artigo 50 do Projeto. Quando a disputa for aberta “os licitantes apresentarão suas ofertas por meio de lances públicos e sucessivos, crescentes ou decrescentes, conforme o critério de julgamento adotado”; quando ela for fechada “as propostas permanecerão em sigilo até a data e hora designadas para sua divulgação”[45].

Verifica-se nessa situação uma dificuldade em julgar a proposta pelo seu modo de apresentação. O obstáculo aqui, segundo o texto, não é a definição do critério de julgamento da proposta. O parâmetro de julgamento pode até ter alguma influência, pois o modo como foi definido pode ocasionar dificuldade de comparação entre as propostas se apresentadas na forma aberta ou fechada. De qualquer forma, o problema no caso do inciso III não é definir qual a solução a ser contratada, mas sim julgar as propostas.

O diálogo, se levado ao Brasil com respeito à sua origem europeia, não presta para transpor obstáculos relacionados ao julgamento das propostas. Conforme já se disse, na esteira da lição de Mark Kirkby, o diálogo é um procedimento voltado para solucionar problemas ligados à definição do que contratar[46]. Não se trata de procedimento adequado para enfrentar dificuldade com o julgamento da proposta. A este último caso o que é adequado, entre os procedimentos do Direito Europeu, é o procedimento concorrencial com negociação, previsto no artigo 29º, da Diretiva 2014/24/UE, e não o diálogo competitivo. A transposição de um instituto de direito alienígena para o ordenamento jurídico de um dado país deve passar pelas devidas adaptações a fim de que consiga cumprir sua missão. Porém, não se julga saudável importar um instituto e desfigura-lo a ponto de ele perder características básicas, pois se assim for feito também será perdido para a sua aplicação no país que o importou toda a cultura e experiência já vivida em solo estrangeiro. Por essa razão, entende-se que o caso do inciso III merecer ser revisado.

Ainda sobre os pressupostos de aplicação do diálogo competitivo, verifica-se que se o Projeto for promulgado como está o diálogo seria inaplicável aos tipos de contratos para os quais ele foi essencialmente pensado, os contratos de PPP. As parcerias público-privadas no Brasil estão reguladas na Lei nº 11.079/2004, cujo artigo 10 diz que os contratos de PPP deverão ser adjudicados por licitação na modalidade concorrência[47]. O PL nº 6.814/2017, porém, não revoga o referido dispositivo nem lhe confere nova redação a fim de se fazer o diálogo aplicável às PPP’s. No artigo 125 do PL se diz que a novel lei que resultará da sua eventual promulgação será aplicada subsidiariamente às situações reguladas pela Lei nº 11.079/2004. A prevalecer esse cenário, como a aplicação seria subsidiária e há na Lei nº 11.079/2004 comando expresso no sentido de que as PPP’s só podem ser licitadas por concorrência, o diálogo competitivo não poderia ser utilizado para a adjudicação das PPP’s, o que seria mais um ponto a ser lamentado na importação do instituto para o Direito Brasileiro.

 

3.2.2.   Procedimento do diálogo competitivo no PL nº 6.814/2017

O procedimento do diálogo competitivo está previsto no § 1º do artigo 29 do PL[48]. Os incisos do referido parágrafo estabelecem a marcha da modalidade de licitação em questão com contornos bem parecidos com os da Diretiva 2014/24/UE.

Primeiramente, o inciso X do § 1º do artigo 29 determina quem irá conduzir o procedimento do diálogo, colocando-o sobre a responsabilidade de três agentes públicos que possuam vínculo decorrente de cargos ou empregos públicos efetivos. Além disso, o mesmo inciso diz que a Administração pode contratar profissionais para assessorar tecnicamente os três agentes públicos que compõem a banca condutora do certame.

Antes de seguir na análise do § 1º do artigo 29 é necessário recorrer novamente à definição do diálogo contida no artigo 5º, inciso XLI, do Projeto, pois nesse texto existem elementos fundamentais para a compreensão do rito do instituto: “modalidade de licitação em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento do diálogo”.

Da definição já se verifica a necessidade de haver uma seleção prévia dos candidatos que irão participar do certame. Tal seleção é equivalente à etapa da qualificação do procedimento do diálogo previsto na Diretiva 2014/24/UE. Para efetivar essa seleção, a Administração deve publicar um edital no qual especifique suas necessidades e as exigências eventualmente já definidas, bem como os critérios que utilizará para a pré-seleção dos candidatos que participarão do certame (§ 1º, incisos I e II, do artigo 29).

Sobre a seleção dos candidatos aptos a participar do certame, o Projeto não traz detalhes quanto a esse processo. Seria importante detalhar tal ponto porque ele pode ser confundido com a própria habilitação, que no caso do diálogo ocorreria antes da fase de julgamento das propostas, conforme admitido pelo § 1º do artigo 15 do Projeto. Outra questão a ser levantada diz respeito à possibilidade de a Administração limitar o número de candidatos a serem admitidos para a fase seguinte à do diálogo. O Projeto silenciou sobre esse ponto, mas ele merece atenção em razão do fato de o diálogo competitivo ser um procedimento bastante trabalhoso e custoso para a Administração, o que é minimizado com a redução do número de candidatos nas fases subsequentes. Seria importante que o Projeto trouxesse essa opção e fixasse regras relativas aos critérios de seleção dos candidatos e acerca do número mínimo de candidatos a ser observado pela Administração. Relembre-se que, conforme exposto no item 2.2 deste estudo, a Diretiva 2014/24/UE traz regras sobre esses pontos, no que não foi acompanhada pelo PLS nº 559/13.

Feita a seleção, a Administração passa a realizar o diálogo com os licitantes selecionados. No diálogo, os candidatos devem ser tratados isonomicamente, de modo que não podem ser divulgadas informações de forma discriminatórias que implique vantagem ou desvantagem para algum dos candidatos (§ 1º, inciso III, do artigo 29 do Projeto). Aqui, é importante lembrar que o intuito de flexibilização que ocasionou a criação do diálogo no Direito Europeu não significou o abandono a valores históricos da contratação pública, como o tratamento isonômico de todos os participantes do certame. Tanto é assim que constou em ambas as Diretivas, a de 2004 e a de 2014, a regra que agora consta do PL 6.814/2017 no sentido de ser garantido o tratamento igualitário aos candidatos.

Nessa mesma linha de proteção dos interesses dos candidatos, o Projeto também acompanhou a Diretiva de 2014 para proibir a Administração de divulgar informações concedidas por um candidato acerca da solução por ele proposta para os demais participantes do certame sem a devida autorização (§ 1º, inciso IV, do artigo 29 do Projeto).

O Projeto também segue a linha da Diretiva de 2014 ao prever a possibilidade de a Administração já estabelecer no instrumento de convocação que a fase do diálogo será desenvolvida com subfases entre as quais serão eliminadas soluções ou propostas (§ 1º, inciso VI, do artigo 29 do Projeto). Como já foi afirmado no item 2.2 deste estudo, entende-se que essa possibilidade é pertinente em razão de o procedimento do diálogo ser trabalhoso e merecer, em algumas situações, um afunilamento para a sua simplificação a fim de que se enxergue a melhor solução para o interesse público.

Na regra do artigo 29, inciso V, do § 1º, do Projeto, parece que no Brasil o diálogo seria inserido para a eleição de uma única solução sobre a qual se baseariam as propostas a serem julgadas na última fase. O fato é que o referido dispositivo diz que o diálogo ocorrerá até que “a Administração identifique a solução”. No entanto, o texto da definição do diálogo diz que a Administração realiza o diálogo “com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades”. Pela redação do inciso XLI, do artigo 5º, do Projeto, é possível perceber que o intuito do legislador é acompanhar o legislador europeu – conforme exposto no item 2.2 deste trabalho – para admitir que do diálogo saiam mais de uma solução para basear as propostas a serem julgadas na fase seguinte ao diálogo propriamente dito. Porém, melhor seria se o texto fosse alterado na Câmara dos Deputados para que, a exemplo do que ocorre com o item 5 do artigo 29º da Diretiva 2014/24/UE, fosse dito que o diálogo deve prosseguir até que a Administração encontre a solução ou as soluções que atendam às suas necessidades.

Eleita a solução, ou as soluções, inicia-se a fase de julgamento das propostas para posterior adjudicação dos contratos. Esta última fase é aberta com a notificação dos candidatos para que apresentem suas propostas dentro do prazo oferecido pela Administração, que nunca poderá ser inferior a vinte dias (artigo 29, inciso VII do § 1º do Projeto). É nesta convocação que a Administração divulga os critérios de julgamento das propostas (artigo 29, inciso XI do § 1º do Projeto).

O inciso VIII do § 1º do artigo 29 do Projeto diz que a Administração pode solicitar esclarecimentos ou ajustes em relação às propostas apresentadas, sempre tendo o cuidado para que tal postura não prejudique ou implique tratamento favorável a qualquer licitante. Ao contrário do que faz a Diretiva de 2014 (artigo 29º, itens 6 e 7), o PL nº 6.814/2017 não detalha qual o momento no qual isso pode ocorrer, se antes de definida a melhor proposta ou se depois. Pela redação do inciso, parece que se refere ao momento em que as propostas ainda estão em julgamento, já que fala em “esclarecimentos ou ajustes às propostas apresentadas[49] (grifo do autor). Como se refere a mais de uma proposta, entende-se que essa postura pode ocorrer no momento que antecede à eleição da melhor proposta. Seria bom que o legislador brasileiro acompanhasse o legislador europeu e fosse expresso no sentido de admitir o pedido de esclarecimento e a negociação da proposta mesmo após eleito o adjudicatário do contrato, conforme exposto no item 2.2 deste estudo.

O PL nº 6.814/2017 não acompanha o legislador europeu para dizer que o critério de julgamento das propostas no diálogo será necessariamente o da proposta economicamente mais vantajosa, tendo em conta a relação qualidade e preço[50]. Na verdade, o PL não previu esse critério de julgamento das propostas. Em relação ao diálogo, a prevalecer como está o Projeto, as propostas nele oferecidas poderiam ser julgadas com base em quaisquer dos critérios previstos no seu artigo 30[51] e que seria definido no documento de convocação dos licitantes para apresentar suas propostas finais (artigo 29, § 1º, incisos VII e IX). O silêncio do projeto em relação ao critério de julgamento das propostas pode indicar que o procedimento do diálogo foi concebido no Brasil como uma modalidade de licitação destinada a transpor barreiras ligadas às dificuldades de determinar a solução para a necessidade da Administração e de estabelecer o critério de julgamento das propostas.

A ausência no Projeto de determinação legal do critério obrigatório de julgamento das propostas no curso do diálogo competitivo, como ocorre na Diretiva de 2014 (item 2.2 deste estudo), se somada a hipótese de aplicação do diálogo prevista no artigo 29, inciso III, do Projeto (item 3.2.1 deste trabalho), aponta para um desenho do diálogo no Brasil diferente do da sua origem europeia. Se o legislador brasileiro pretende resolver problemas ligados à dificuldade de determinação do critério de julgamento das propostas, que importe para o Direito Brasileiro o procedimento concorrencial com negociação previsto no artigo 29º da Diretiva 2014/24/UE, pois este procedimento sim foi pensado com esse intuito e tem uma marcha adequada para esse tipo de problema.

Por fim, o Projeto de Lei traz expressa menção à possibilidade de os órgãos de controle da Administração brasileira acompanharem o diálogo competitivo. É lícito dizer que se trata de um dispositivo inócuo, já que os órgãos de controle podem acompanhar a marcha do diálogo independentemente dessa autorização, pois as leis que regulam suas atividades já lhes garantem esse poder. Porém, do dispositivo se extrai um significado importante, que é a preocupação do legislador com o mau uso do instituto. O Brasil é um país com forte histórico de corrupção[52], principalmente na contratação pública, o que faz com que procedimentos adjudicatórios flexíveis sejam sempre vistos com muitas ressalvas quanto à sua aplicação.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se asseverou anteriormente, a adoção de um instituto do direito alienígena por uma dada nação é salutar porque o Estado receptor se vale de toda a experiência vivida pelo país de onde a regra é importada. Atente-se que, para isso ocorrer, é preciso que o processo de importação: a) verifique se o instituto é adequado para resolver os problemas a serem enfrentados no novo ordenamento jurídico; b) e respeite o instituto em suas características básica, mas sofra as adaptações necessárias à cultura do povo que o acolhe.

É indene de dúvidas que o diálogo competitivo é apto a contribuir com os procedimentos de formação dos contratos públicos brasileiros, pois o Brasil enfrenta problemas parecidos com os vividos na Europa e que levaram à criação e à aplicação da modalidade do diálogo. O Brasil enfrenta problemas cuja solução envolve grandes investimentos nas áreas de saúde, transporte, comunicação, educação, estabelecimento prisional, abastecimento de água, moradia popular etc.. O Estado, sobretudo no momento atual de crise que enfrenta, não é capaz de fazer esses investimentos sozinho. A parceria com a iniciativa privada é fundamental, razão pela qual as PPP’s são estratégicas para o Estado brasileiro.

Se pelos aspectos afirmados no parágrafo anterior é possível dizer que o diálogo é adequado ao Brasil, por outros ele poderá enfrentar problemas. O fato é que se por um lado a flexibilidade dos procedimentos de formação dos contratos é adequada para solucionar problemas enfrentados pelo Brasil, por outro ela é inadequada devido a aspectos ligados à cultura da Administração Pública brasileira.

 Primeiramente, a corrupção. O Brasil atualmente passa por um momento no qual várias autoridades públicas, que ocupam ou ocupavam há pouco tempo atrás postos chaves na Administração do país, estão sendo presas por envolvimento em corrupção associada a contratos públicos[53]. Com isso, o Brasil sofre o risco de o instituto não colher os benefícios que ele é capaz de gerar.

Por outro lado, nesse ponto, entende-se que o Projeto procurou fazer as adaptações necessárias, impondo, por exemplo, a condução do procedimento por uma comissão formada por três agentes públicos dotados de vínculo permanente com o Estado e sendo claro – para não dizer enfático – na autorização para os órgãos de controle acompanhar os passos do procedimento. Essas posturas não eliminam os riscos de corrupção, mas diminuem as possibilidades de práticas corruptas.

Segundo ponto, o gestor público brasileiro, principalmente aqueles que trabalham com contratação pública, não são acostumados com um elevado grau de discricionariedade nos procedimentos adjudicatórios. Na verdade, eles praticamente não têm campo para fazer esse tipo de gestão, já que a lei tradicionalmente desce a um nível de detalhe que sobra pouco espaço para discricionariedade. Sem contar a forte presença dos órgãos de controle e da consultoria jurídica na fixação da interpretação das normas, o que reduz mais ainda a governança do gestor da área de contratação pública.

Com isso, é possível que no Brasil aconteça com o diálogo competitivo o que ocorreu em alguns Estados da União Europeia em que o diálogo foi transposto para o ordenamento jurídico, mas não foi aplicado. Procedimentos dotados de flexibilidade tendem a ter mais aplicação e sucesso em ambientes nos quais os gestores públicos estão acostumados a lidar com a discricionariedade, como é o caso da Inglaterra[54]. Enxerga-se que a eficácia do diálogo no Brasil dependerá de um empenho do Estado brasileiro na qualificação dos agentes públicos que lidam com a área de licitação e contrato, pois a flexibilidade requer capacidade de administração.

Por fim, há de se empreender esforços para que Câmara dos Deputados não deixe de revisar alguns dispositivos do Projeto na forma como aprovado no Senado, a fim de que, como já dito no item 3.2, o instituto não perca sua natureza na importação para o Direito Brasileiro.

 

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_____. O Diálogo Concorrencial. In: Revista de Contratos Públicos. JAN./ABR. de 2011, N. 1. Coimbra: Cedipre, 2011, p. 105-124.



[1] Sobre a utilização do diálogo competitivo na Europa, vale mencionar trabalho de autoria própria: OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de. As Diretivas Europeias da Contratação Pública no Cenário Internacional: o caso do Diálogo Concorrencial. In: GONÇALVES, Rubén Miranda; PORTELA, Irene Maria; VEIGA, Fábio da Silva. Paradigmas do Direito Constitucional Atual. Barcelos: IPCA, 2017, p. 639-649. Ainda nessa perspectiva da aplicação do diálogo: ARROWSMITH, Sue; TREUMER, Sten. Competitive Dialogue in EU Procurement. Cambrige: Cambrige University Press, 2012.

[2] A referida Diretiva já não se encontra em vigor, pois foi revogada pela Diretiva 2014/24/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014. É de relevo ainda anotar que juntamente com a Diretiva 2004/18/CE foi editada a 2004/17/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais, os chamados setores especiais. Esta última foi revogada em razão da revisão empreendida em 2014 que culminou com a Diretiva 2014/25/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014.

[3] Importante dizer que o instituto recebeu a denominação no português de Portugal de diálogo concorrencial: EUROPA. Parlamento Europeu e Conselho. Diretiva 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/ALL/?uri=CELEX:32004L0018>. Acesso em 10 de janeiro de 2017.

[4]  EUROP. Commission of the European Communities. Green Paper, Public Procurement in the European Union: Exploring the Way Forward, COM (96) 583 final. Disponível em: <http://aei.pitt.edu/1219/1/procurement_gp_COM_96_583.pdf>. Acesso em 23 de fevereiro de 2017.

[5] ARROWSMITH, Sue; TREUMER, Sten. Competitive Dialogue in EU Procurement. Cambrige: Cambrige University Press, 2012, p. 25-26.

[6] EUROP. Commission of the European Communities. Public Procurement in The European Union, COM (98) 143 final. Disponível em: <http://ec.europa.eu/internal_market/publicprocurement/docs/green-papers/com-98-143_en.pdf>. Acesso em 23 de fevereiro de 2017.

[7] Cláudia VIANA relata, em linhas gerais, a ideia contida na Comunicação de 1998: “Em 1998, a Comissão, na Comunicação apresentada sobre os contratos públicos, analisa os resultados da consulta pública e propõe-se simplificar e clarificar o quadro actual e flexibilizar algumas das regras aplicáveis. Assim, e para além da elaboração de comunicações interpretativas, a Comissão reconhece a necessidade de proceder a uma alteração do quadro jurídico actual, e, por isso, anuncia a intenção de apresentar um ‘pacote legislativo’, de modo a dotar as entidades adjudicantes e os operadores económicos de regras jurídicas mais claras e flexíveis, incluindo a utilização de tecnologias e de informação e de comunicação” (Os Princípios Comunitário na Contratação Pública. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 340).

[8] EUROP. Commission of the European Communities. Public Procurement in The European Union, COM (98) 143 final. Disponível em: <http://ec.europa.eu/internal_market/publicprocurement/docs/green-papers/com-98-143_en.pdf>. Acesso em 23 de fevereiro de 2017.

[9] O PL nº 6.814/2017 não adota a nomenclatura do português de Portugal e se vale da tradução literal da expressão utilizada em inglês pela Comissão: competitive dialogue. Na versão em língua portuguesa das Diretivas de 2004 (artigo 29º) e de 2014 (artigo 30º) e na legislação portuguesa o instituto recebe o nome de diálogo concorrencial (artigo 16º, item 1, alínea e, do Código de Contratos Públicos Português: PORTUGAL. Decreto-lei nº 8/2008, de 29 de janeiro. Código dos Contratos Públicos. Disponível em: <http://www.base.gov.pt/mediaRep/inci/files/base_docs/CCPTextoconsolidadojan2016.pdf>. Acesso em 20 de janeiro de 2017).

[10] Pelo seu valor histórico, julga-se conveniente transcrever o texto da Comissão: “The Commission will therefore propose amendments to the existing texts of the Directives with a view to making procedures more flexible and allowing dialogue in the course of such procedures and not just in exceptional circumstances. It will propose a new standard procedure, the competitive dialogue , which would operate alongside open and restricted procedures and would replace the existing negotiated procedure with prior publication of a notice”. A tradução do autor do presente trabalho é a seguinte: “A Comissão, portanto, irá propor emendas nos textos das Diretivas existentes com vistas a construir procedimentos mais flexíveis e que autorizem o diálogo no curso de alguns procedimentos e não apenas em circunstâncias excepcionais. Propor-se-á um novo procedimento padrão, o diálogo competitivo, que operaria ao lado dos procedimentos abertos e restritos e que substituiria o existente procedimento por negociação com prévia publicação” (EUROP. Commission of the European Communities. Public Procurement in The European Union, COM (98) 143 final. Disponível em: <http://ec.europa.eu/internal_market/publicprocurement/docs/green-papers/com-98-143_en.pdf>. Acesso em 23 de fevereiro de 2017).

[11] ARROWSMITH, Sue; TREUMER, Sten. Op. cit., p. 22-23.

[12] A esse propósito, é elucidativa a lição de Mark KIRKBY, O Diálogo Concorrencial. In: GONÇALVES, Pedro (Org.). Estudos de Contratação Pública – I. Coimbra: Coimbra Editora: 2008, p. 286-287: “No procedimento por negociação a entidade adjudicante consegue definir os contornos essenciais da prestação característica que visa adquirir. Num termo corrente, diríamos que neste caso a Administração ‘sabe o que quer’, isto é, tem uma necessidade a prover e sabe como a prover. Sente, no entanto, dificuldades em definir critérios que lhe permitam diferenciar qualitativamente propostas no contexto de uma avaliação comparativa, ou, no limite, em fechar completamente o contrato sem uma negociação definitiva com os concorrentes, que lhe permita chegar a uma solução integrada num cenário em que os aspectos submetidos à concorrência são inúmeros e, por vezes, definidos de forma muito aberta, como sucede frequentemente nos projectos a realizar através de PPPs com project finance”.

[13] O que pode ser traduzido como concurso por desempenho.

[14] Cf. RAGANELLI, Biancamaria. Il Dialogo Competitivo dalla Direttiva 2004/18/CE al Codice dei Contratti: verso una maggiore flessibilità dei rapporti tra publico e privato. In: Rivista Italiana de Diritto Pubblico Comunitario. Nº 1/2009. Roma: Giuffrè Editore, 2009, p. 136. No mesmo sentido: ARROWSMITH, Sue; TREUMER, Sten. Op. cit., p. 29.

[15] Cf. KIRKBY, Mark. Op. cit., p. 281. No mesmo sentido: BURNETT, Michael. Using Competitive Dialogue in EU Public Procurement: early trends and future developments. Disponível em: <www.eipa.eu>. Acesso em 20 de janeiro de 2017.

[16] Vale a pena a transcrição do mencionado Considerando nº 31: “As entidades adjudicantes que realizam projectos particularmente complexos podem, sem que tal seja imputável a carências da sua parte, estar na impossibilidade objectiva de especificar os meios aptos a satisfazer as suas necessidades ou de avaliar o que o mercado pode oferecer em termos de soluções técnicas e/ou soluções financeiras/jurídicas. Tal pode, nomeadamente, verificar-se no caso da realização de projectos de infra-estruturas de transportes integrados em larga escala, grandes redes informáticas ou projectos que obriguem a financiamentos complexos e estruturados, cuja montagem financeira e jurídica não possa ser determinada antecipadamente. Na medida em que o recurso a concursos públicos ou limitados não permitiria a atribuição de tais contratos, convém prever um processo flexível que salvaguarde simultaneamente a concorrência entre operadores económicos e a necessidade de as entidades adjudicantes debaterem com cada um dos candidatos todos os aspectos do contrato. Todavia, este processo não deve ser utilizado de uma forma que limite ou distorça a concorrência, designadamente através de alterações de elementos fundamentais das propostas ou impondo novos elementos substanciais ao proponente seleccionado, ou ainda envolvendo qualquer outro proponente diverso daquele que apresentou a proposta economicamente mais vantajosa” (EUROPA. Parlamento Europeu e Conselho. Diretiva 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/ALL/?uri=CELEX:32004L0018>. Acesso em 10 de janeiro de 2017).

[17] Cf. BURNETT, Michael. op. cit..

[18] Cf. EUROPA. Parlamento Europeu e Conselho. Diretiva 2014/24/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32014L0024&from=PT>. Acesso em 26 de fevereiro de 2017.

[19] É de relevo ainda anotar que, assim como ocorreu em 2004, em 2014 foi publicada juntamente com a Diretiva 2014/24/UE a 2014/25/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais. A União Europeia manteve a proposta de revisar em conjunto a contratação dos setores clássicos (Diretiva 2014/24/UE) e a dos setores especiais (Diretiva 2014/25/UE).

[20] Sobre esse ponto, é elucidativa a lição de Nuno Cunha RODRIGUES no sentido de que a Diretiva de 2014 manteve o propósito de simplificação e flexibilização dos procedimentos ligados à contratação pública: “As novas diretivas de 2014 visam essencialmente a simplificação e flexibilização das regras existentes em matéria de contratos públicos; criar incentivos à contratação pública transfronteiriça e à participação de pequenas e médias empresas e, por fim, estimular o desenvolvimento de políticas secundárias, horizontais ou públicas mediante a contratação pública” (O Princípio da Concorrência nas Novas Diretivas sobre Contratação Pública. In: ESTORNINHO, Maria João (Coord.). A Transposição das Diretivas Europeias de 2014 e o Código de Contratos Públicos. Lisboa: ICJP, 2016, p. 59).

[21] Diz o artigo 26º: “4. Os Estados-Membros devem prever a possibilidade de as autoridades adjudicantes utilizarem um procedimento concorrencial com negociação ou um diálogo concorrencial nas seguintes situações: (...)” (grifo do autor).

[22] Cf. VIANA, Cláudia. O Diálogo Concorrencial. In: Revista de Contratos Públicos. JAN./ABR. de 2011, N. 1. Lisboa: 2011, p. 112.

[23] Sobre a distinção entre o diálogo e o procedimento com negociação: KIRKBY, Mark. Op. cit., p. 286-287.

[24] Cf. SAVIDES, Demetris. The Effectiveness of the Competitive Dialogue Procedure under the EU Consolidated Public Procurement Directive (2004/18/EC) as an Award Procedure for Public Private Partnerships. In: European Public Private Partnership Law Review – EPPPL. Nº 1/2011. Berlin: Lexxion, p. 24.

[25] KIRKBY, Mark. Op. cit., p. 291.

[26] Sobre o assunto, diz Mark KIRKBY. Op. cit., p. 289: “Em síntese, o procedimento segue de perto a tramitação do concurso limitado por prévia qualificação, a que acresce a importante fase do diálogo sobre as soluções apresentadas”.

[27] Segundo a regra do artigo 65º, item 2, da Diretiva 2014/24/UE o número mínimo é de três candidatos.

[28] Julga-se relevante transcrever o mencionado dispositivo: Artigo 30º (...) “3. As autoridades adjudicantes iniciam, com os participantes selecionados nos termos das disposições pertinentes dos artigos 56º a 66º, um diálogo que terá por objetivo identificar e definir os meios que melhor possam satisfazer as suas necessidades. Nesse contexto, podem debater com os participantes selecionados todos os aspetos do concurso”.

[29] Cf. Artigo 30º, item 3, da Diretiva 2014/24/UE.

[30] A doutrina menciona que essa obrigação de sigilo é fundamental para evitar o cherry-picking, que seria o fato de um candidato se valer de boas ideias apresentadas por um concorrente. Sobre esse ponto: SAVIDES, Demetris. Op. cit., p. 36. KIRKBY, Mark. Op. cit., p. 320.

[31] Cf. Artigo 30º, item 3, da Diretiva 2014/24/UE: “Em conformidade com o artigo 21º, as autoridades adjudicantes não podem revelar aos outros participantes as soluções propostas nem outras informações confidenciais comunicadas por um candidato ou proponente que participe no diálogo sem o consentimento deste último. Esse consentimento não pode ser dado em termos gerais, mas sim referir-se especificamente à projetada comunicação de informações específicas.”.

[32] Pelo que se observa na doutrina, a questão do sigilo das soluções é bastante problemática, havendo quem defenda que se adote mecanismos de publicização mediante compensação por ser a publicidade garantidora do interesse público: SAVIDES, Demetris. Op. cit., p. 35.

[33] Sobre esse ponto, diz o texto do artigo 30º da Diretiva 2014/24/UE: “4. Os diálogos concorrenciais podem desenrolar-se em fases sucessivas, de modo a reduzir o número de soluções a debater durante a fase de diálogo, aplicando os critérios de adjudicação definidos no anúncio de concurso ou na memória descritiva. A autoridade adjudicante deve indicar, no anúncio de concurso ou na memória descritiva, se irá utilizar esta opção”.

[34] Diz o texto do artigo 30º da Diretiva 2014/24/UE: “5. A autoridade adjudicante prossegue o diálogo até estar em condições de identificar a solução ou soluções suscetíveis de satisfazer as suas necessidades”.

[35] KIRKBY, Mark. Op. cit., p. 324-325.

[36] Item 7 do artigo 30º da Diretiva 2014/24/UE.

[37] Diz o texto da Diretiva de 2014 no artigo 30º, item 6: “A pedido das autoridades adjudicantes, essas propostas podem ser clarificadas, precisadas e otimizadas. Todavia, estas especificações, clarificações, ajustamentos ou informações complementares não podem alterar elementos fundamentais da proposta ou do concurso público, incluindo as necessidades e os requisitos estabelecidos no anúncio de concurso ou na memória descritiva, quando as variações relativamente a estes aspetos, necessidades e requisitos sejam suscetíveis de distorcer a concorrência ou de ter um efeito discriminatório”.

[38] Item 8 do artigo 30º da Diretiva 2014/24/UE.

[39] BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 1 de março de 2017.

[40] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 17 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 25.

[41] BRASIL. Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002. Institui, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns, e dá outras providências. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 1 de março de 2017.

[42] BRASIL. Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011. Institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC; altera a Lei no 10.683, de 28 de maio de 2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, a legislação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a legislação da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero); cria a Secretaria de Aviação Civil, cargos de Ministro de Estado, cargos em comissão e cargos de Controlador de Tráfego Aéreo; autoriza a contratação de controladores de tráfego aéreo temporários; altera as Leis nos 11.182, de 27 de setembro de 2005, 5.862, de 12 de dezembro de 1972, 8.399, de 7 de janeiro de 1992, 11.526, de 4 de outubro de 2007, 11.458, de 19 de março de 2007, e 12.350, de 20 de dezembro de 2010, e a Medida Provisória no 2.185-35, de 24 de agosto de 2001; e revoga dispositivos da Lei no 9.649, de 27 de maio de 1998. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 1 de março de 2017.

[43] Esse foi termo adotado pela legislação de muitos dos países da Europa:

·         No Reino Unido recebeu o nome de “competitive dialogue” em Regulation 30 do Public Contracts Regulations 2015 (UNITED KINGDOM. Public Contracts Regulations 2015. Disponível em: <http://www.legislation.gov.uk/uksi/2006/5/pdfs/uksi_20060005_en.pdf>. Acesso em 28 de fevereiro de 2017);

·         Na Itália de “dialogo competitivo”, conforme Articolo 64 do Codice dei Contratti Pubblici (ITALIA. Decreto Legislativo 18 aprile 2016, nº 50. Disponível em: <http://www.gazzettaufficiale.it/atto/serie_generale/caricaDettaglioAtto/originario?atto.dataPubblicazioneGazzetta=2016-04-19&atto.codiceRedazionale=16G00062>. Acesso em 1 de março de 2017);

·         Na Espanha de “diálogo competitivo”, de acordo com a Sección 5ª da Ley de Contratos del Sector Público (ESPAÑA. Ley de Contratos del Sector Público. Disponível em: <http://www.boe.es>. Acesso em 1 de março de 2017).

[44] BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 6.814, de 2017. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2122766>. Acesso em 14 de maio de 2017.

[45] Artigo 50, inciso I e II, do PL nº 6.814/2017.

[46] KIRKBY, Mark. Op. cit., p. 286.

[47] Cf. BRASIL. Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 1 de março de 2017.

[48] Diz o artigo 29:

Artigo 29 (...)

§ 1º Na hipótese de diálogo competitivo, será observado o seguinte:

I – quando da publicação do instrumento convocatório, a Administração divulgará apenas suas necessidades e as exigências já definidas;

II – os critérios empregados para pré-seleção dos licitantes deverão ser previstos em edital;

III – é vedada a divulgação de informações de modo discriminatório que possa implicar vantagem para algum licitante;

IV – a Administração não poderá revelar a outros licitantes as soluções propostas ou as informações sigilosas comunicadas por um licitante sem o seu consentimento;

V – o diálogo poderá ser mantido até que a Administração identifique a solução que atenda às suas necessidades;

VI – o edital poderá prever a realização de fases sucessivas, caso em que cada fase poderá restringir as soluções ou as propostas a serem discutidas;

VII – ao declarar que o diálogo foi concluído, a Administração abrirá prazo não inferior a 20 (vinte) dias para que os licitantes apresentem suas propostas finais, que deverão conter todos os elementos necessários para a realização do projeto;

VIII – a Administração poderá solicitar esclarecimentos ou ajustes às propostas apresentadas, desde que não impliquem discriminação ou distorçam a concorrência entre as propostas;

IX – a Administração definirá a proposta vencedora de acordo com critérios a serem divulgados a todos os licitantes no momento da abertura do prazo para apresentação de propostas finais;

X – o diálogo competitivo será conduzido por banca composta de pelo menos 3 (três) servidores ou empregados públicos efetivos, admitindo-se a contratação de profissionais para assessoramento técnico da banca;

XI – órgãos de controle poderão acompanhar e monitorar os diálogos.

[49] Inciso VIII do § 1º do artigo 29 do Projeto.

[50] Item 1 do artigo 29º da Diretiva de 2014/24/UE.

[51] O artigo 30 do PL elenca como critérios de julgamento das propostas os seguintes: a) menor preço; b) maior desconto; c) melhor técnica ou conteúdo artístico; d) técnica e preço; e) maior lance, no caso de leilão; f) e maior retorno econômico.

[52] O forte histórico de corrupção no Brasil não é um elemento a ser desprezado. Segundo Sue Arrowsmith e  Sten Treumer, os Estados com histórico forte de corrupção tendem a colher poucos benefícios dos procedimentos mais flexíveis por causa dos riscos associados à prática da corrupção (ARROWSMITH, Sue; TREUMER, Sten. Op. cit., p. 24).

[53] A operação Lava Jato tem descortinado uma série de atos de corrupção em procedimentos de formação de contratos.

[54] Sobre a utilização do diálogo competitivo na Europa, vale mencionar trabalho de autoria própria: OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de. As Diretivas Europeias da Contratação Pública no Cenário Internacional: o caso do Diálogo Concorrencial. In: GONÇALVES, Rubén Miranda; PORTELA, Irene Maria; VEIGA, Fábio da Silva. Paradigmas do Direito Constitucional Atual. Barcelos: IPCA, 2017, p. 639-649. Ainda nessa perspectiva da aplicação do diálogo: ARROWSMITH, Sue; TREUMER, Sten. Competitive Dialogue in EU Procurement. Cambrige: Cambrige University Press, 2012.