O ACORDO SOBRE CONTRATOS PÚBLICOS DA OMC
Rafael Sérgio de Oliveira
Procurador Federal da AGU, Mestre em Direito,
Doutorando em Ciências-Jurídico Políticas e
Fundador do Portal L&C
Introdução
Nos últimos meses o universo das licitações e contratos administrativos brasileiro foi chamado a conhecer o Government Procurment Agreement – GPA, o Acordo de Contratos Públicos – ACP da Organização Mundial do Comércio – OMC. Tal convite decorreu de manifestações do Presidente da República e do Ministro da Economia, que indicaram interesse e ações do Brasil para a adesão ao referido acordo[1].
A prevalecer esse movimento apontado pelo Governo brasileiro, possivelmente o Brasil entrará fortemente na rota do Comitê de Contratação Pública da OMC e, com objetivo de adequar a legislação brasileira ao ACP, algumas mudanças no Direito interno poderão acontecer. Mas, o que é o Acordo de Contratos Públicos da OMC? Qual seu o conteúdo normativo? No que ele compromete os países aderentes? Essas são questões que acreditamos ser do conhecimento de todos os estudiosos e profissionais da área de licitação e contrato.
Já tivemos a oportunidade de publicar, em 2017, na Revista de Direito do Mackenzie um artigo sobre o ajuste em comento[2]. Agora, dado o interesse surgido no cenário brasileiro sobre o tema, procuramos sintetizar e atualizar o texto antes publicado para traçar as linhas gerais desse acordo internacional. Ressaltamos que não há aqui o intuito de, neste primeiro momento, avaliar eventuais vantagens ou desvantagens que o Brasil teria com a assinatura do ACP[3]. O presente texto tem o objeto de discorrer sobre o instrumento da OMC, com o intuito de dar aos interessados os conhecimentos introdutórios sobre o tema. Ao final, fazemos algumas poucas considerações sobre o cenário internacional e brasileiro no contexto da eventual adesão do Brasil.
I – Considerações gerais acerca do Acordo sobre Contratos Públicos
A Organização Mundial do Comércio é uma entidade internacional voltada para a liberalização do comércio internacional. A ideia da OMC é eliminar, ou ao menos reduzir consideravelmente, as barreiras ao mercado global, facilitando o acesso das empresas à economia dos países independentemente da nacionalidade da companhia. Para tanto, a OMC possui acordos multilaterais que vinculam todos os Estados que a integram. Destacam-se o General Agreement on Tariffs and Trade – GATT – acordo sobre comércio – e o General Agrrement on Trade in Services – GATS – acordo sobre serviço –. Para além dos documentos de natureza multilateral, a OMC se vale de outros de cariz plurilateral para tratar de temas mais setoriais. Os acordos plurilaterais se diferenciam dos multilaterais porque naquele tipo de ajuste só há a vinculação dos membros da organização internacional em comento que os assinam.
O tema da contratação pública tem sido tratado no âmbito da OMC fora dos acordos multilaterais[4]. O primeiro desses acordos plurilaterais sobre contratos públicos foi anterior à criação da própria OMC, organização cujo nascimento oficial ocorreu em 1995. Ainda sob a égide do GATT de 1947, sistema que originariamente regulou multilateralmente o comércio internacional, foi concebido o Acordo sobre Aquisições Públicas, assinado em 1979 para entrar em vigor em 1981[5]. Esse acordo foi concebido basicamente pelo reconhecimento da necessidade de eliminar a postura protecionista dos Estados em matéria de contração pública e de promover significativos ganhos com os recursos públicos pela competitividade em nível internacional[6]. Acontece, entretanto, que o Acordo de Aquisições Públicas tinha uma cobertura bem limitada, pois só se aplicava aos contratos de fornecimento de bens que superassem um determinado valor fixado no diploma.
O movimento globalizante ocorrido na década de 1980 impulsionou o mercado internacional e chamou a atenção para a necessidade de incluir nesse contexto as compras governamentais por meio de um diploma dotado de maior abrangência e efetividade jurídica. No contexto de criação oficial da OMC foi assinado, em 15 de abril de 1994, o Governement Procurement Agreement – GPA, ou o Acordo sobre Contratos Públicos, o ACP, como o Anexo 4 do Acordo OMC. Trata-se de um acordo plurilateral cujo principal objetivo é a abertura dos procedimentos de contratação pública para o mercado internacional pela facilitação do acesso dos empreendedores estrangeiros ao mercado público nacional[7]. Este Acordo foi revisado em 2012, sendo o texto aprovado em 30 de março do mencionado ano o que atualmente se encontra em vigor (desde 6 de abril de 2014). A revisão do ACP em 2012 teve como objetivo incluir no ajuste demandas essenciais para o bom trato da coisa pública, pelo que se percebe no texto revisado a preocupação com a transparência, a imparcialidade (evitar conflitos de interesses) e com o melhoramento da integridade dos contratos públicos como um requisito da gestão eficiente dos recursos públicos[8] (art. IV, nº 4).
Atualmente o ACP conta com vinte partes, cobrindo assim quarenta e oito Estados-membros da OMC, já que uma das partes é a União Europeia, que carrega consigo vinte e oito Estados (ainda incluído o Reino Unido). Considerando que a OMC conta com cento e sessenta e quatro membros, é lícito dizer que a adesão ao ACP é baixa. Ainda resistem em aderir ao ajuste os países em desenvolvimento e os menos desenvolvidos, pois temem que suas empresas não consigam concorrer igualitariamente com as das grandes potências mundiais. Para se ter uma ideia, países como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul não são signatários do ACP. Deve-se registrar que desde a sua concepção[9] até o atual texto de 2012 o Acordo sobre Contratos Públicos admite ressalvas para ajustar a concorrência às economias dos países em desenvolvimento e menos desenvolvidos (art. V do ACP). Esses benefícios para os países em desenvolvimento e menos desenvolvidos foram ainda aperfeiçoados na revisão de 2012.
Apesar da baixa adesão, segundo o portal da internet da OMC[10], o ACP tem sob sua égide um valor estimado de 1,7 trilhão de dólares anualmente, o que é uma considerável cifra.
Percebe-se o interesse de alguns países que não são membros do ACP pela política de contratação pública da OMC. Além dos signatários do Acordo, integram o Comitê de Contratação Pública da OMC, na qualidade de observadores, trinta e cinco membros da Organização, o que lhes confere o direito de participar das reuniões do Comitê. Esse órgão é responsável pelo acompanhamento da execução do ACP. O Brasil é membro-observador do Comitê desde outubro de 2017.
Ademais, registre-se, que diversos observadores já se encontram em processo de negociação para adesão ao ACP, dos quais se destacam Rússia, China e Reino Unido[11].
A verdade é que a OMC tem se preocupado em fazer o movimento de recíproca influencia entre as ordens domésticas e a internacional (harmonização dos sistemas jurídicos nacionais e internacional). Percebe-se inclusive na reforma de 2012 que o ACP procurou se adaptar aos anseios de alguns Estados em matéria de contratação pública, compatibilizando-os aos objetivos do comércio internacional. Via-se no ACP de 1994 uma diferença entre os objetivos da OMC e os das nações[12]. O ACP de 2012, por sua vez, traz em si a preocupação com a abertura dos mercados públicos à competividade internacional, mas sem descurar de pontos caros à ordem interna e a outras organizações internacionais, a exemplo dos princípios da integridade e da imparcialidade (art. IV, nº 4) e da admissão da função horizontal da contratação pública (art. X, nº 9 – requisitos ambientais).
O ACP é estruturado e organizado basicamente em duas partes: o Acordo propriamente dito, no qual constam os princípios e regras gerais voltados para a padronização internacional dos procedimentos de contratação pública; e os apêndices, que se dividem em quatro e dizem respeito à definição das regras específicas para cada um dos Estados-partes (Apêndice I[13] – bens, serviços e obras e os entes e órgãos subnacionais abrangidos pelo ACP), aos meios de publicação eletrônica ou física das normas e jurisprudência nacionais em âmbito internacional (Apêndice II), à divulgação dos anúncios de concursos sujeitos às normas do ACP (Apêndice III) e aos dados relativos aos contratos públicos dos países signatários (Apêndice IV). A fim de ilustrar melhor o ACP, passa-se a analisar alguns pontos da parte principal do Acordo.
II – Âmbito de aplicação do ACP
Um dos grandes avanços do Acordo sobre Contratos Públicos em relação ao Acordo sobre Aquisições Públicas de 1979 foi a ampliação do campo de aplicação do ACP. Sob o aspecto objetivo, da abrangência restrita às compras passou-se a abarcar também os serviços e as obras (denominadas no acordo como serviços de construção). O art. II do ACP estabelece a sua aplicação a essas modalidades de contrato, deixando claro que o ajuste deve incidir independentemente do meio contratual eleito para a realização do negócio jurídico. Assim, o diploma se aplica às aquisições realizadas por meio de compra, de locação financeira, de arrendamento e outras (nº 2, alínea b, art. II).
No que toca ao âmbito de aplicação subjetivo, a ideia do ACP é a de maior abrangência possível. Por isso, tende a abarcar tanto os órgãos da administração central como os da subcentral. Esse ponto é sempre objeto de negociações que constam do Anexo 1 do Apêndice I do ACP (art. II, nº 4).
O Acordo só é aplicável se o valor estimado da contratação atingir um determinado patamar. Os valores aos quais se aplica o ACP são fixados por meio de Direitos Especiais de Saque – DES[14], que é um instrumento criado pelo Fundo Monetário Internacional – FMI para regulação das reservas dos países. Para se ter uma ideia, um DES hoje[15] equivale a R$ 6,43 (seis reais e quarenta e três centavos). Ressalte-se que esse limiar pode variar a depender do Estado que promova a contratação, pois é possível a negociação nesse aspecto (art. II, nº 2, alínea c). Entretanto, não é temerário falar em um patamar em torno do qual esses valores são negociados, o que seriam:
OBJETO |
ENTIDADE CENTRAL |
ENTIDADE SUBCENTRAL[16] |
OUTRAS ENTIDADES[17] |
Bens |
130.000 DES |
200.000 DES |
400.000 DES |
Serviços |
130.000 DES |
200.000 DES |
400.000 DES |
Obras |
5.000.000 DES |
5.000.000 DES |
5.000.000 DES |
Com isso, não é necessário que o ordenamento jurídico de um Estado Parte esteja totalmente em consonância com o ACP. O que importa é que as leis estejam de acordo com o ACP quando se trate de licitações relativas a “contratos abrangidos”. Entretanto, é costume na seara internacional que ocorra um mínimo de harmonização entre os ordenamentos das Partes, já que a diversidade normativa entre os sistemas jurídicos dos países é encarada como um obstáculo ao livre comércio. Nesse sentido, o art. XXII, nº 4, do ACP, que exige harmonização entre a legislação interna do Estado Parte do ACP e o Acordo.
III – Os princípios do ACP
Os princípios gerais do ACP estão previstos no art. IV e dizem respeito principalmente às questões relativas à não-discriminação, à utilização de meios eletrônicos, à condução do procedimento, à origem dos bens e serviços e às contrapartidas.
Na linha do que foi dito no item anterior, assevera-se que o princípio chave do ACP é a ampliação da concorrência ao campo internacional nos concursos de adjudicação dos contratos públicos. Por isso, a ideia de não-discriminação, calcada na igualde de tratamento entre nacionais e estrangeiros, é o valor central do ACP. Garante-se igualdade de tratamento entre empresas nacionais e estrangeiras dos Estados que são parte no Acordo e entre as empresas nacionais que forneçam bens ou serviços de origem nacional ou estrangeiras advindos de companhias de outras Partes (art. IV, nº 1). Há a previsão ainda do tratamento da Parte mais favorecida, cujo sentido é o de garantir às empresas originárias das partes do ACP qualquer tratamento mais benéfico atribuído a empresas estrangeiras por meio de outros acordos internacionais bilaterais eventualmente firmados entre as Partes do ACP (art. IV, nº 1, b).
Ainda sobre a igualdade de tratamento, enxerga-se em diversos pontos do ACP a preocupação com esse cânone. A própria previsão do uso de recursos eletrônicos é voltada para a igualação dos nacionais e estrangeiros por meio da facilitação do acesso à competição nos procedimentos adjudicatórios (art. IV, nº 3). No mesmo sentido é a regra que obriga a publicação do edital da licitação em uma das línguas da OMC (art. VII, nº 3 – inglês, francês e espanhol). Há a preocupação com o tratamento igualitário também na disposição contida no art. X referente às especificações técnicas. O Acordo as direciona para a utilização de padrões internacionais exatamente com o objetivo de garantir igualdade de tratamento entre os concorrentes independentemente da pátria de cada um. O mesmo se pode dizer das regras de origem, na qual há o intento de garantir igualdade de tratamento (art. X, nº 5)[18].
Registre-se, entretanto, que há a ressalva expressa às especificidades dos países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, admitindo o art. V negociações que estabeleçam tratamento diferenciado a esses países de acordo com a evolução, as necessidades financeiras e comerciais e as circunstâncias desses Estados. É admitida a concessão dos seguintes benefícios para os países em desenvolvimento e para os países menos desenvolvidos:
a) Uma margem de preferência de preços para produtos e serviços nacionais;
b) Uma contrapartida;
c) Uma adesão em fases ao ACP, abarcando em cada fase determinados setores da economia;
d) Um limiar de incidência do ACP superior ao normal.
Por último, o ACP traz princípios ligados à integridade da contratação pública, prevendo a transparência e a imparcialidade como um dos requisitos da condução do procedimento adjudicatório (art. IV, nº 4). Há uma preocupação com eventuais conflitos de interesses das autoridades e com a prática de corrupção, o que vem ao encontro da efetiva concorrência, mas que também se liga a outros propósitos da contratação pública, como o bom e moral trato da coisa pública.
IV – Procedimentos e critérios de adjudicação do ACP
Ainda no intuito de oferecer uma visão geral do Acordo, expõe-se aqui os procedimentos nele previstos e os critérios de adjudicação admitidos pelo diploma. São basicamente dois procedimentos concorrenciais previstos no ACP: o concurso aberto e o concurso seletivo. Esses procedimentos equivalem a modalidades de licitação.
O concurso aberto está definido no art. I, alínea m, do ACP, como “um método de adjudicação de contratos pelo qual todos os fornecedores interessados podem apresentar uma proposta”. Neste tipo de procedimento basta a habilitação legal para o fornecimento do bem, prestação do serviço ou realização da obra para que a empresa venha a competir na licitação. No sistema brasileiro, essa modalidade de licitação se equipara ao pregão da Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002. Isso porque tanto o pregão como o concurso aberto do ACP são destinados para a contratação de objetos padronizados no mercado (objetos comuns). Dada a padronização, não haveria muita diferença entre as opções de fornecedores, motivo pelo qual se presume que qualquer um tem a qualidade necessária para a apresentação de proposta.
Já o concurso seletivo, consoante o art. I, alínea q, é “um método de adjudicação de contratos pelo qual unicamente os fornecedores qualificados são convidados pela entidade adjudicante a apresentar uma proposta”. Nesta espécie de procedimento seletivo, além da habilitação legal, exige-se dos interessados na licitação um determinado grau de qualificação (técnica e econômico-financeira), razão pela qual os candidatos passam por uma etapa anterior ao julgamento das propostas na qual comprovam que possuem as competências exigidas pela Administração Pública. Só os que comprovam as habilidades requeridas (técnica e econômico-financeira) é que são convidados a participar da etapa de apresentação das propostas.
Há ainda no diploma internacional a referência a um procedimento adjudicatório não competitivo, o concurso limitado. O art. I, alínea h, da norma em comento, define o referido procedimento: “um método de adjudicação de contratos pelo qual a entidade adjudicante contacta um fornecedor ou fornecedores da sua escolha”. Trata-se de uma contratação direta, isto é, a realização do negócio público ocorre sem a sua submissão à concorrência. O ACP limita as possibilidades em que isso pode acontecer, fazendo prevalecer a regra geral da competitividade (art. XIII). Há exigências severas no art. XIII do ACP para que haja uma situação de contração sem concorrência.
A esses métodos de adjudicação de contratos se somam outros mecanismos que podem ser utilizados com ele, como é o caso da negociação (art. XII), da lista de utilizações múltiplas[19] (art. I, alínea j, c/c o art. IX, nº 7) e o leilão eletrônico[20] (art. I, alínea f, c/c o art. XIV). Sempre que a autoridade adjudicante desejar recorrer a um desses mecanismos deverá assim anunciar, prevendo as respectivas regras.
Cabe aqui apenas algumas palavras sobre o uso de procedimentos negociais. Em nível internacional e no Direito Comparado a negociação é bem vinda aos procedimentos de contratação. Diversos países possuem procedimentos de adjudicação (modalidade de licitação) cuja seleção do contratado se dá mediante negociação. O ACP admite a negociação quando prevista desde o início no edital ou nas ocasiões em que a aplicação do critério de julgamento previsto no edital não ocasionar a seleção da proposta mais vantajosa (art. XII). Essa negociação ocorre com todos os concorrentes, e não apenas com o previamente classificado em primeiro lugar. Todos apresentam uma proposta inicial, que será negociada para em seguida os licitantes apresentarem novas propostas.
Por último o ACP estabelece que as propostas devem ser julgadas sempre tendo em conta meios que garantam a equidade e a imparcialidade, bem com a sua confidencialidade (art. XV, nº 1). Nesse sentido, o nº 5 do art. XV determina que as propostas devem ser julgadas exclusivamente com base nos critérios previstos no anúncio e que tenham como critério a maior vantajosidade ou o preço mais baixo. Há no ACP uma preocupação com o best value for money, pelo que considera que outros critérios além do preço devem ser postos em concorrência.
Considerações Finais: a realidade da contratação pública brasileira no cenário da globalização
A Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, prevê a igualdade de tratamento entre as empresas estrangeiras e as brasileiras nas licitações (art. 3º, § 1º, inciso II). Porém, não há um compromisso brasileiro em âmbito internacional de garantir essa igualdade, de modo que uma lei brasileira pode criar exceções a essa regra de isonomia. Além disso, os compromissos assumidos nas normas de caráter internacional não se restringem à igualdade formal entre nacionais e estrangeiros. Há uma preocupação com a igualdade material, ou seja, com a criação de condições fáticas que facilitem a participação de empresas estrangeiras nas licitações. Por isso, principalmente no âmbito da OMC, há uma preocupação com o uso da contratação eletrônica e um cuidado com a língua na qual são escritos os documentos e com os meios de publicação do certame. Na verdade, a ideia é de harmonização do sistema de contratação pública global em termos legais e operacionais e é neste aspecto que o Brasil ainda não se abriu internacionalmente para as compras governamentais.
Reparemos, ainda, que o principal diploma sobre contratação pública brasileiro, a Lei nº 8.666/1993, já conta com mais de vinte anos. Após a sua promulgação foram editadas outras normas sobre licitação e contrato com o intuito de modificar topicamente a própria Lei nº 8.666/1993 ou para criar institutos novos em leis paralelas. O quadro acima desenhado demanda alterações pelos seguintes motivos: a) a legislação principal já completou mais de vinte anos sem sofrer alterações significativas para a sua modernização; b) a legislação sobre contratos públicos brasileira é bastante complexa, inclusive porque está espalhada por diversas leis, merecendo ser compilada em uma única norma para garantir coerência e organização a todo o sistema[21].
É fato que os princípios básicos da contratação pública internacional são seguidos pelo Brasil, como a igualdade, a competitividade, a transparência, a imparcialidade na condução dos procedimentos e outros. Porém, o desenho brasileiro ainda carece de alterações para se harmonizar com os padrões procedimentais do ACP. Nesse aspectos, é possível afirmar, em linhas gerais, que o Projeto de Lei nº 1.292/1995 avança, já que traz instrumentos mais modernos para o sistema brasileiro de compras governamentais.
O Brasil não é signatário do ACP, tendo passado a integrar o Comitê de Contratos Públicos da OMC em 18 de outubro de 2017 na qualidade de observador. Há no Brasil quem defenda a adesão do país ao ACP, sobretudo porque os escândalos de corrupção atualmente vivenciados dão conta de que as grandes empresas de obra dividem o mercado público entre si minando os benefícios da concorrência para a Administração Pública. Há a ideia de que a abertura do mercado interno iria promover a concorrência e impedir condutas corruptivas de conluios dessa natureza[22].
[1] https://veja.abril.com.br/economia/bolsonaro-autoriza-adesao-ao-acordo-que-abre-licitacao-a-estrangeiros/ https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/01/23/bolsonaro-autoriza-adesao-a-acordo-de-compras-governamentais.ghtml
[2] OLIVEIRA, Rafael Sérgio de. Globalização e Contratação Pública: o nascimento de um Direito Internacional dos Contratos Públicos. Revista Direito Mackenzie. V. 11. N. 2., p. 228-248. Disponível em: <<http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/rmd/issue/view/572>>.
[4] Cf. JIANG, Lili. Regulating Public Procurement in International Trade. In: ARROWSMITH, Sue (Coord.). Public Procurement Regulation: an introduction. Nottingham: University of Nottingham, 2011, p. 178. Disponível em: <<https://www.nottingham.ac.uk/pprg/documentsarchive/asialinkmaterials/publicprocurementregulationintroduction.pdf >>. Acesso em: 10/9/2017.
[5] O Acordo de Aquisições Pública ainda sofreu uma revisão em 1987.
[6] Para mais detalhes sobre o tema: VIANA, Cláudia. Op. cit., 2008, p. 26.
[7] Cf. CASAVOLA, Hilde Caroli. Public Procurement and Globalization. In: Ius Publicum Network Review. Nº 3-4. Dec. 2013. Disponível em: <<http://www.ius-publicum.com/repository/uploads/04_06_2014_13_02_Public-procurement-and-globalization_defENG.pdf>>. Acesso em: 20/10/2017, p. 5; JIANG, Lili. Op. cit., p. 181; VIANA, Cláudia. A Globalização da Contratação Pública e o Quadro Jurídico Internacional. In: GONÇALVES, Pedro Costa (Org.). Estudos de Contratação Pública. Vol. I. Coimbra: Coimbra, 2008, p. 30.
[8] Cf. CASAVOLA, Hilde Caroli. Op. cit., p. 6.
[9] Cf. VIANA, Cláudia. Op. cit., 2008, p. 31.
[10] Cf. https://e-gpa.wto.org/
[11] Cf. https://www.wto.org/english/tratop_e/gproc_e/memobs_e.htm
[12] Cf. JIANG, Lili. Op. cit., p. 181.
[13] O Apêndice I é dividido em 7 anexos, que detalham a incidência do ACP para cada um dos seus signatários, de modo que cada Estado-parte tem um Apêndice com as regras que o vinculam.
[14] Em inglês, Special Drawing Rights – SDR. O valor os DES é fixado de acordo com a variação das cinco moedas mais relevantes no mercado internacional (dólar americano, euro, libra esterlina, iene e yuan chinês).
[15] 6/3/2020
[16] Estados, municípios e o Distrito Federal.
[17] Entidades da Administração Indireta.
[18] Também se ligam com a não-discriminação as regras relativas aos anúncios dos concursos (art. VII), às condições de participação (art. VIII) e à qualificação dos fornecedores (art. IX).
[19] As Listas de utilizações múltiplas seriam equivalentes à pré-qualificação do art. 79 do Projeto da Nova Lei de Licitação, o PL nº 1.292/1995.
[20] Os leilões eletrônicos é a licitação dinâmica, aquela em que há uma proposta inicial com a possibilidade de os licitantes apresentarem lances relativos ao preço em uma sessão subsequente à entrega da proposta. É o que ocorre no Brasil, por exemplo, com o pregão eletrônico.
[21] Foi com base nessa visão que o Senado Federal brasileiro criou em 2013 a Comissão Temporária de Modernização da Lei de Licitações e Contratos (Ato do Presidente do Senado Federal nº 19/2013), de cujo trabalho resultou o Projeto de Lei do Senado nº 559/2013. O PLS nº 559/2013 foi aprovado no Senado Federal em 13 de dezembro de 2016 e já foi encaminhado para apreciação da Câmara dos Deputados do Brasil, onde recebeu a numeração de Projeto de Lei nº 6.814/2017. Se aprovado, deverá seguir para sanção ou veto do Presidente da República (artigo 66, da Constituição de 1988).