COVID-19 E OS IMPACTOS NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS DE SERVIÇOS TERCEIRIZADOS COM DEDICAÇÃO EXCLUSIVA DE MÃO DE OBRA

 

João Luiz Domingues

Especialista em Gestão Pública e em Orçamento Público.

Auditor Federal de Finanças e Controle da CGU.

Fundador e Colaborador do Portal L&C.

 

 

Introdução:

 

Desde 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia[1] do COVID-19, doença respiratória aguda causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2), em virtude da rápida difusão do vírus por vários países.

O COVID-19 traz impactos na saúde e economia mundial e demandam ações e decisões dos governos nacional e local que visem, principalmente, à não propagação da doença e, consequentemente, à redução do número de vítimas fatais.

Por isso, muitos países na Europa adotaram o confinamento da população em suas residências visando reduzir a velocidade de propagação do vírus e, com isso, evitar o colapso da saúde pública por falta de leitos no Centro de Terapia Intensiva (CTI) e de equipamentos para atendimento a pacientes infectados. Outras medidas identificadas foram: fechamento do comércio e fronteiras; suspensão de aulas escolares e de jogos de diversas modalidades esportivas; e cancelamento de eventos públicos e privados.

Ainda não sabemos por quanto tempo as medidas restritivas terão validade, haja vista a imprevisibilidade da velocidade de propagação do novo coronavírus em cada localidade e do desenvolvimento de técnicas de combate à pandemia. No Brasil, por exemplo, a informação repassada pelo Ministério da Saúde é que o ponto crítico do COVID-19 ocorrerá nos meses de maio e junho[2].

 

I - Das medidas protetivas

O Poder Executivo Federal, Estadual e Municipal brasileiro vem adotando medidas protetivas para combater o COVID-19. Nessa esteira temos a Portaria nº 188, de 3 de fevereiro de 2020, que declara Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN), expedida pelo ministério da Saúde, e as regulamentações do Ministério da Economia, como por exemplo, as Instruções Normativas nºs 19, 20 e 21, que estabelecem orientações aos órgãos e entidades do Sistema de Pessoal Civil da Administração Pública Federal (SIPEC), quanto às medidas de proteção para enfrentamento da emergência apontada.

Órgãos e entidades da administração pública também expediram orientações aos seus servidores, Portaria nº 125, de 16 de março de 2020, do Ministério da Justiça e Segurança Pública[3]; Portaria nº 373, de 16 de março de 2020, do Instituto Nacional do Seguro Social[4]; Portaria nº 711, de 16 de março de 2020, da Controladoria-Geral da União[5] ; e Portaria nº 84, de 17 de março de 20020, da Advocacia-Geral da União[6].

Dentre as medidas adotadas por esses normativos infralegais, destacam-se a redução e revezamento da jornada de trabalho, assim como a realização de teletrabalho para servidores, empregados públicos e estagiários.

No âmbito local, identificamos medidas  que evitam a aglomeração de pessoas, como a suspensão de aulas nas escolas e universidades; paralisação dos campeonatos esportivos; e a restrição de circulação de pessoas em ambientes fechados (fechamento do comércio).

Ambicionando a preservação do emprego e da renda, foi editada a Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020, dispondo sobre as medidas trabalhistas que poderão ser adotadas pelos empregadores para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública.

De modo a conter a proliferação do vírus, o Governador do Distrito Federal (GDF) decretou ponto facultativo, nos dias 18, 19 e 20 de março de 2020, ressalvadas as áreas de saúde, segurança, vigilância sanitária, comunicação e órgãos de fiscalização do consumidor, que deverão seguir as instruções das respectivas chefias.

Por outro lado, o Sindicato dos Empregados no Comércio e o Sindicato do Comércio Varejista do Distrito Federal, firmaram Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) em que orientam a concessão antecipada de férias, inclusive aos que não tenham completado o período aquisitivo. A medida visa conter a propagação da COVID-19 e a manutenção dos empregos.

 

 

II - Dos contratos de prestação de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra

Segundo Marçal Justen Filho[7], “os reflexos diretos das patologias decorrentes do COVID-19 e das políticas adotadas para combater a pandemia afetam de modo significativo a atividade administrativa estatal. Isso envolve uma pluralidade de questões no âmbito de contratações administrativas em curso de execução e que vierem a ser pactuadas para fazer face ao problema”.

Diante do contexto atual, em se tratando de contratos administrativos de prestação de serviços terceirizados com dedicação exclusiva de mão de obra, questiona-se quais as medidas que podem ser adotadas pela Administração Pública de forma célere, sem prejuízo da conformidade legal.

São dúvidas recorrentes entre os atores da gestão de contratações: poderia haver alteração na forma de execução contratual dos contratos vigentes? Como manter o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos frente às medidas restritivas adotadas? A Administração Pública pode promover apenação às empresas que não executarem os contratos nos termos estabelecidos no termo de referência e no contrato? A Administração Pública poderia promover glosas nos contratos administrativos em virtude da falta de prestação de serviços de forma regular? Quais as principais medidas a serem adotadas para adequação da execução contratual à situação atual de pandemia?

Primeiramente, é importante registrar que as normas orientadoras expedidas estão voltadas, em sua maioria, a disciplinar as condutas a serem observadas por órgãos e entidades em relação ao quadro de seus servidores e empregados, ressentindo-se da ausência de orientações às ações a serem adotadas acerca dos contratos de serviços terceirizados, em especial àqueles prestados com dedicação exclusiva de mão de obra, pelos órgãos centrais responsáveis pela normatização no âmbito dos três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

É sabida a sensibilidade desses contratos para o funcionamento da Administração Pública, inclusive a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, confere-lhes a condição de serviços continuados[8], que podem viger pelo período de até 60 (sessenta) meses.

Portanto, dada a urgência que o momento exige e a necessidade de orientações aos gestores e fiscais de contratos, alguns órgãos e entidades de diferentes poderes[9][10][11] têm regulamentado internamente as ações a serem observadas na execução contratual, tendo vista a alteração da rotina de funcionamento dos órgãos durante a vigência do estado de pandemia.

Entretanto, ressalta-se que a ausência de norma interna não autoriza os gestores e fiscais a se omitirem do dever funcional, sob pena de responsabilização, cabendo, portanto, efetuar comunicação da situação identificada, preferencialmente por escrito à Administração Superior, e solicitar orientação necessária para adequação da execução contratual às medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública internacional (COVID-19).

Não obstante as regulamentações internas precitadas, a falta de manifestação do órgão central quanto às medidas a serem adotadas pelos gestores e fiscais para adequação da execução contratual à nova realidade da administração traz incertezas e inseguranças, como por exemplo, no quantum as empresas contratadas devem ser remuneradas em virtude da alteração ou redução da jornada de trabalho de seus empregados.

Nesse diapasão, a Secretaria de Gestão (Seges) do Ministério da Economia, como Órgão Central do Sistema de Serviços Gerais (Sisg), expediu, no dia 16.03.2020, recomendações aos órgãos e entidades da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional para os contratos de prestação de serviços terceirizados, as quais foram complementadas em 21.03.2020.

 

III - Das recomendações da Seges

De acordo com as recomendações expedidas pela Seges, cabem aos órgãos e entidades, dentre outras medidas:

(i) reduzir a prestação de serviços presenciais à manutenção das atividades essenciais do órgão ou entidade;

(ii) solicitar a suspensão da prestação do serviços dos prestadores de serviços que se encontram no grupo risco, colocando-o em quarentena e avaliar a necessidade de promover a substituição temporária desses terceirizados;

(iii) avaliar, considerando a diminuição do fluxo de servidores, a necessidade de suspender ou reduzir o quantitativo até regularização da situação;

(iv) avaliar a adoção de medidas complementares por parte da contratada:

a)    antecipação de férias, concessão de férias individuais ou decretação de férias coletivas;

b)    fixação de regime de jornada de trabalho em turnos alternados de revezamento;

c)    execução de trabalho remoto ou de teletrabalho para as atividades compatíveis com este instituto e desde que justificado; e

d)    redução da jornada de trabalho com a criação de banco de horas para posterior compensação das horas não trabalhada.

(v) quanto ao auxílio alimentação, na hipótese de suspensão da prestação dos serviços:

a)    efetuar o pagamento apenas para os dias efetivamente trabalhados, salvo se houver disposição em contrário na CCT;

b)    efetuar o pagamento na prestação de trabalho remoto ou em escala de revezamento;

c)    proceder eventual negociação com a categoria, no caso de suspensão do contrato de trabalho; e

d)    efetuar, sempre que possível, a manutenção do pagamento durante o período de suspensão.

(vi) o pagamento do vale transporte só deve ser efetuado para os dias efetivamente trabalhado.

 

IV - Análise de cenário  

            Em regra, a Administração apresenta os seguintes contratos de prestação de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra: limpeza e conservação; vigilância patrimonial; brigadista civil; recepcionista; apoio administrativo; motorista; copeiragem; e garçom. Cada qual apresenta sua singularidade, essencialidade e forma de execução contratual.

Considerando que as medidas de proteção para enfrentamento da emergência decorrente do coronavírus direcionam para o esvaziamento dos órgãos e entidades, em virtude da realização do teletrabalho ou do revezamento entre servidores, cabe ao gestor e/ou fiscal de contratos avaliar a pertinência e a viabilidade da prestação de serviços durante o período emergencial e propor à autoridade superior, se for o caso, a redução, interrupção ou suspensão temporária dos serviços prestados pelas empresas terceirizadas.

Entretanto, recomenda-se, de modo que possam apresentar elementos/informações suficientes para a tomada de decisão pela autoridade competente, que os responsáveis pela execução contratual devam conhecer as diretrizes e as medidas adotadas pela Administração no combate à pandemia.

Contudo, antes de avançarmos, registra-se questão apontada em debate com os especialistas Rafael Sérgio de Oliveira[12] e Daniel Barral[13]: caberia ao ente contratante, frente ao cenário do COVID-19, manter o pagamento integral do contrato, mesmo sem que haja a respectiva prestação de serviços ou que ainda de forma parcial? Entendo que as respostas não serão simétricas e convergentes, uma vez que a análise deve ser realizada a partir da perspectiva jurídica, econômica e/ou social:

     Pelo aspecto jurídico, em não havendo a contraprestação pelo contratado, a Administração Pública estaria impedida de realizar o pagamento;

     A análise sob a perspectiva econômica deve considerar o papel do Estado como fomentador do desenvolvimento econômico do país. Assim, há que se ter um olhar para os impactos das medidas a serem adotadas e para o desemprego decorrente. Por outro lado, tais medidas podem esbarrar na longevidade da pandemia e na diminuição da arrecadação de receitas, que poderia impactar na continuidade da manutenção dos contratos de serviços terceirizados e os respectivos pagamentos às empresas contratadas; e

     A respeito do argumento social, impacto decorrente das medidas econômicas e jurídicas adotadas, a proteção ao trabalhador com a manutenção do salário alcança a dignidade da pessoa humana, vez que ao perder o emprego a possibilidade de alocação em nova frente de trabalho pode estar seriamente comprometida.

Entende-se que a manutenção do pagamento integral do contrato, mesmo sem que haja a respectiva prestação de serviços ou que ainda de forma parcial, encontraria respaldo  jurídico no art. 20[14] do Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, Lei de Introdução às normas do direito brasileiro, em que a decisão administrativa não se balizará apenas pelas normas jurídicas, mas também pelas consequências práticas da decisão, devendo avaliar os custos administrativos envolvidos nas hipóteses de suspensão e rescisão contratual, assim como da realização de nova contratação.

Não se pode olvidar que no cenário atual as alterações dos contratos de prestação de serviços terceirizados com dedicação exclusiva de mão de obra atraem questões trabalhistas e sobre as quais ainda não se tem manifestação do Poder Judiciário, tendo em vista a incipiência dos efeitos da pandemia no Brasil.

Portanto, questão a ser enfrentada pelos órgãos e entidades neste momento circunscrevem-se às medidas adotadas em seus contratos de terceirização. A Seges aborda em suas recomendações, essencialmente, o pagamento de auxílio alimentação e vale transporte, frente às hipóteses de redução de jornada, realização de trabalho remoto e suspensão.

Entretanto, existem situações que fogem a qualquer regulamentação prévia pelo órgão central e por isso cabe à própria autoridade superior dos órgãos e entidades decidir, a partir do caso concreto. Contudo, é importante registrar que não  há solução padronizada, tanto quanto solução inalterável, vez que a amplitude da pandemia, a duração do estado de calamidade pública e a disponibilidade orçamentária impactam na decisão final, inclusive   a solução a ser adotada pode sofrer alterações/modificações ao longo de todo o processo.

A opção pela concessão de período de férias dos empregados terceirizados, antecipada, coletiva ou individual, se mostra importante, inicialmente, para manutenção do contrato e da preservação do emprego. Todavia, a Administração, sempre que possível, deve dispensar a substituição do empregado em gozo férias, o que não impede a adequação na planilha de custos.

Dessa forma, em não havendo a substituição do empregado em férias, a glosa envolve o auxílio alimentação, vale transporte, provisão para o empregado substituto e a remuneração do titular do posto. Os valores indenizatórios individuais, alimentação e transporte, devem ser excluídos do pagamento mensal à empresa contratada, vez que não houve fornecimento ao empregado. A glosa da férias se faz necessária caso haja a respectiva provisão na planilha de custos para o empregado substituto. A glosa referente ao valor da remuneração, Módulo I da planilha de custos, ocorre no retorno do empregado ao labor, tendo em vista que não haverá o respectivo pagamento de salário provisionado a nenhum trabalhador.

No que tange à publicação da  Medida Provisória nº 927/2020, esta produz efeitos de forma direta na relação de trabalho empregado-empregador, vez que possibilita a celebração de acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, oportunidade em que poderão ser adotadas pelos empregadores, dentre outras medidas o teletrabalho; antecipação de férias individuais e coletivas; aproveitamento e a antecipação de feriados; banco de horas; suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho;  o direcionamento do trabalhador para qualificação; e o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Em relação aos contratos administrativos de serviços terceirizados prestados com dedicação exclusiva de mão de obra, o alcance dos efeitos da medida provisória dependerá das ações adotadas pela Administração Pública no cenário de crise atual - manutenção, suspensão, interrupção, redução da jornada de trabalho, supressão ou rescisão contratual, vez que a relação empregatícia se faz presente entre a empresa contratada e o empregado. A Administração Pública, como tomadora de serviços, possui relação contratual com as suas contratadas.

 

V - Situações que ensejam tomada de decisão

A seguir são listadas situações hipotéticas que ensejam a tomada de decisão diante do fato concreto.

Hipótese 1. Suspensão da prestação de serviços.

Ação: Suspender a execução contratual por ordem escrita pelo prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias, sem a ocorrência da respectiva rescisão contratual, conforme dispõe o art. 78, inciso XIV[15].

Consequência: Esta possibilidade é extraída de um cenário de prestação de serviços na forma de escopo, como obra por exemplo. Nesta hipótese a Administração não efetuaria nenhum tipo de pagamento à empresa durante o período de suspensão. Tal medida impõe o empregador ficar à disposição da Administração, com o custo integral do trabalhador pelo período suspenso ou de arcar com os custos de eventual demissão, sem que receba qualquer parcela de remuneração contratual.

Esta hipótese se coaduna com a prestação de serviço terceirizado, considerando a possibilidade de fechamento total do órgão, em virtude de que 100% dos servidores encontram-se em trabalho remoto (teletrabalho), tendo aplicabilidade aos contratos de recepção, garçons e copeiragem. Não se aplicaria, por exemplo, às prestações de serviços de vigilância patrimonial e limpeza e conservação, vez que demandam as ações de guarda das instalações e limpeza da organização, ainda que em menores quantitativos de serviços.

Hipótese 2. Supressão de até 25% do valor atualizado do contrato.

Ação: A Administração celebra termo aditivo com a empresa contratada reduzindo o valor contratual.

Consequência: Há previsão na Lei nº 8.666/1993, art. 65, §1º[16] para a administração proceder alteração contratual, acréscimos ou supressões, que se fizer necessária em obras, serviços ou compras, até o limite de 25% do valor inicial atualizado do contrato. Contudo, traz um custo administrativo para Administração - análise jurídica da minuta do termo aditivo de supressão contratual e, talvez, posteriormente, de restabelecimento do quantitativo original. Lembrando que a supressão somente poderá ser concretizada com a assinatura do termo aditivo.

Hipótese 3. Rescisão contratual.

Ação: A Administração conclui pela desnecessidade da prestação de serviços e promove a rescisão contratual com base no art. 78, inciso XVII, da Lei nº 8.666/1993: “A ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada, impeditiva da execução do contrato”.

Consequência: Talvez a aplicação dessa hipótese ocorra de forma restrita, por exemplo, serviços de recepção, copeiragem e garçom, em virtude sua singularidade, caso não decida pela suspensão contratual. O cenário de incerteza do período de vigência das medidas de enfrentamento à pandemia, associado que os usuários desses serviços se encontram em trabalho remoto ou teletrabalho, podem demandar a rescisão contratual. Essa decisão traz grande impacto social  e econômico, vez que teremos o aumento do número de desempregados, e à Administração, que terá que realizar novo procedimento licitatório para contratar a prestação de serviços quando a situação se regularizar.

 

VI - Considerações finais

            Neste último tópico serão abordadas a possibilidade de alteração da execução contratual; a realização do equilíbrio econômico-financeiro; e a aplicação de penalidades às empresas que não executarem os contratos nos termos estabelecidos no termo de referência ou contrato.

            A alteração contratual é uma prerrogativa conferida à administração, art. 58, inciso I, da Lei nº 8.666/1993[17], de modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado. É a chamada cláusula exorbitante.

            O art. 65 da mesma Lei traz as hipóteses, espécies e os limites de alteração contratual. De acordo com o §1º, o contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% para os seus acréscimos.

            Por seu turno, o §2º estabelece como exceção aos limites anteriores a supressões superior a 25%, desde que resultantes de acordo celebrado entre os contratantes. Entretanto, as cláusulas econômico-financeiras dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado (art. 58, §1º, Lei nº 8.666/1993)[18].

            Sendo assim e considerando a situação atual – COVID-19, e em havendo a necessidade de alteração contratual em virtude do combate à pandemia, deve ser avaliado, no caso concreto, a possível existência do desequilíbrio econômico-financeiro em desfavor da empresa contratada. A base legal é o art. 37, inciso XXI[19], da Constituição Federal.

            Nesse sentido, cita-se o contrato de limpeza e conservação, que poderá sofrer alteração da lista de materiais e equipamentos utilizados, tendo em vista a necessidade da intensificação da limpeza de áreas com maior fluxo de pessoas e o reforço da higienização de superfícies mais tocadas, o que demandará a aquisição de materiais e equipamentos necessários à proteção individual recomendados pelas autoridades sanitárias não previstos inicialmente na listagem apresentada pela empresa no momento da contratação ou se previstos sofreram alteração de quantidade e de preços, onerando em demasia à empresa contratada.

            Portanto, é possível a concessão do equilíbrio econômico-financeiro, por meio de revisão contratual, encontrando tutela legal no art. 65, inciso II, alínea d, da Lei nº 8.666/1993: fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado; caso de força maior; caso fortuito; ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.

            Na concessão do equilíbrio, cabe à empresa demonstrar, de forma inequívoca, a relação entre a causa e efeito, que impede ou retarda a execução contratual. Nestes termos, teríamos como causa a pandemia e como efeito a elevação dos preços, por exemplo, do álcool em gel, de forma onerosamente indevida.

Por fim, a aplicação de penalidades. Trata-se do PODER-DEVER da Administração apurar a conduta da empresa em virtude de possível descumprimento contratual. Cabe à Administração apontar o fato, indicar a cláusula desrespeitada, conceder o contraditório e ampla defesa e aplicar a penalidade prevista contratualmente, se for o caso.

Entretanto, deve ficar demonstrada na apuração dos fatos a culpabilidade (negligência, imperícia e imprudência) ou a conduta ativa ou omissiva dolosa da empresa contratada resultante do descumprimento contratual.

Portanto, se a empresa não consegue cumprir os prazos estabelecidos para executar alguma atividade ou entregar algum equipamento e material em virtude da pandemia (COVID-19), e este fato está devidamente comprovado nos autos do processo, exclui-se a aplicação da penalidade prevista contratualmente em virtude da ausência de culpabilidade da contratada.

 

VII - Conclusão

            A declaração da pandemia – COVID-19 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) deixou o mundo em estado de alerta. O novo coronavírus traz impacto à área da saúde; à economia, com a desaceleração e incertezas quanto ao futuro; e por conseguinte grande repercussão social.

            Em se tratando de contratos administrativos, o COVID-19 impacta diretamente na execução contratual. A partir do confinamento da população, realização de trabalho remoto e teletrabalho dos servidores da Administração Pública, há a consequente necessidade de adequação da prestação de serviços à nova realidade administrativa.

A prestação de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra pode ter a jornada de trabalho interrompida, suspensa  ou reduzida. Além disso, a Administração pode realizar a supressão contratual até 25% ou proceder a rescisão contratual. Portanto, os gestores e fiscais de contrato devem avaliar a pertinência de qual medida adotar, conforme o caso, e submeter à Alta Administração para tomada de decisão, considerando os seguintes fatores:

(i) as orientações expedidas pelos órgãos centrais responsáveis pela normatização no âmbito de cada Poder;

(ii) as medidas de combate à pandemia COVID-19 adotadas pela Alta Administração de cada órgão ou entidade;

(iii) a incerteza do período de duração da pandemia COVID-19;

(iv) a singularidade e relevância das atividades prestadas;

(v) o impacto pela ausência da prestação de serviços (interrupção, suspensão ou redução da jornada de trabalho);

(vi) a data do encerramento da vigência contratual; e

(vii) a disponibilidade orçamentária como fonte de custeio dos diversos contratos de terceirização (serviços prestados com e sem dedicação exclusiva de mão de obra).

Acresce-se que, conforme orientações expedidas pela Seges e considerando o cenário de crise, a Administração poderá adotar as seguintes medidas paliativas, visando a manutenção dos contratos administrativos e as respectivas condições contratuais, até uma avaliação mais aprofundada sobre a melhor solução para o caso concreto:

(i) antecipação de férias, concessão de férias individuais ou decretação de férias coletivas;

(ii) fixação de regime de jornada de trabalho em turnos alternados de revezamento;

(iii) execução de trabalho remoto ou de teletrabalho para as atividades compatíveis com este instituto e desde que justificado; e

(iv) redução da jornada de trabalho com a criação de banco de horas para posterior compensação das horas não trabalhada.

Assim, compete à Alta Administração deliberar, fundamentada na manifestação dos gestores de contrato, sobre a melhor medida a ser adotada no âmbito de seus contratos administrativos, podendo a opção se mostrar de forma distinta para cada tipo de contrato: limpeza e conservação; vigilância patrimonial; copeiragem; recepcionista; garçom; e apoio administrativo, por exemplo.

A partir da decisão tomada, que deve ser monitorada de perto, podendo levar à sua alteração ao longo do período de pandemia, será estabelecido o quantum que será devido mensalmente à empresa contratada, assim como em relação aos pagamentos devidos ao auxílio alimentação e vale transporte.

Registra-se, por fim, a importância de acompanhar as orientações ou recomendações oriundas dos órgãos regulamentadores de cada Poder, bem como dos órgãos de controle e fiscalizadores.

Em caso de dúvida, o gestor do contrato deve realizar consulta jurídica ou solicitar assessoramento jurídico ao órgão consultivo da Administração, de modo a obter as informações/orientações necessárias à tomada de decisão pela Autoridade Superior.

 



[1] Epidemia que se dissemina por toda uma região. Doença infecciosa e contagiosa que se espalha muito rapidamente e acaba por atingir uma região inteira, um país, continente etc.

[2]Informação do dia 19.03.2020 (600 infectados e 07 mortes)

[3] PORTARIA Nº 125, DE 16 DE MARÇO DE 2020. Estabelece medidas quanto ao exercício de atividades por servidores do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em caráter excepcional, em razão da pandemia de COVID-19.

[4] Portaria nº 373, de 16 de março de 2020. Estabelece orientações quanto às medidas protetivas, no âmbito do INSS, para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia do coronavírus (COVID 19).

[5] Portaria CGU  nº 711/2020. Determinar que os trabalhos da Controladoria-Geral da União - CGU sejam realizados preferencialmente por meio do Programa de Gestão de Demandas – PGD.

[6] Dispõe sobre medidas de proteção e redução de riscos para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus (COVID-19).

[7] Efeitos jurídicos da crise sobre as contratações administrativas.

[8] Art. 57.  A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos: [...]

II - à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses.

[9] Portaria nº 65, de 16 de março de 2020, expedida pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo, de Segurança e Medicina do Trabalho.

[10] Portaria Presidência-Corregedoria nº 04, de 17 de março de 2020, do Tribunal Regional do Trabalho, da 9ª Região.

[11] Portaria GPR nº 568 de 18 de março de 2020, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, complementada pela Portaria GPR nº 582, de 19 de março de 2020.

[12] Procurador Federal da Advocacia-Geral da União (AGU), Fundador e Colaborador do Portal L&C.

[13] Procurador Federal da Advocacia-Geral da União (AGU), Fundador e Colaborador do Portal L&C.

[14] Art. 20.  Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.                   

Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.

[15] Art. 78.  Constituem motivo para rescisão do contrato: [...]

XIV - a suspensão de sua execução, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 (cento e vinte) dias, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, ou ainda por repetidas suspensões que totalizem o mesmo prazo, independentemente do pagamento obrigatório de indenizações pelas sucessivas e contratualmente imprevistas desmobilizações e mobilizações e outras previstas, assegurado ao contratado, nesses casos, o direito de optar pela suspensão do cumprimento das obrigações assumidas até que seja normalizada a situação.

[16] Art. 65.  Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: [...]

§   O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos.

[17] Art. 58.  O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:

I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;

[18] Art. 58.  O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:[...]

§ 1º  As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado.

[19] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.