INOVAÇÕES PROCEDIMENTAIS DA MODALIDADE PREGÃO DE ACORDO COM A LEI FEDERAL Nº 13.979/2020[1]

 

 

VICTOR AGUIAR JARDIM DE AMORIM

Doutorando em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB) e em Direito Administrativo pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Professor dos cursos de pós-graduação do IDP, Instituto Legislativo Brasileiro (ILB) e do Instituto Goiano de Direito (IGD). Pregoeiro do Senado Federal. Site: www.victoramorim.com

 

 

1. ABRAGÊNCIA DE APLICAÇÃO

 

Em decorrência da pandemia da COVID-19 declarada pela Organização Mundial da Saúde, o Estado brasileiro adotou uma série de medidas normativas, administrativas e econômicas para o enfrentamento da crise multifacetária que vem assolando todas as regiões do país.

Dentre as medidas normativas até então editadas no âmbito da União, destaca-se a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que "dispõe sobre as medidas que poderão ser adotadas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019".

No tocante à gestão das contratações públicas, foi veiculada no art. 4º da referida lei uma hipótese de dispensa de licitação, de caráter temporário e circunstancial, restrita à "aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus".

Não obstante as sensíveis medidas originalmente previstas, por meio da Medida Provisória nº 926, de 20 de março de 2020, além da alteração da redação dos artigos 3º e 4º, foram introduzidos na Lei nº 13.979/2020, os artigos 4º-A a 4º-I e, ainda, os artigos 6º-A e 8º.

Os novos dispositivos inseridos por força da MP nº 926 versam sobre requisitos e procedimentos de contratação pública relacionados à pandemia do COVID-19.

A nosso ver, grande parte das disposições constantes da Lei nº 13.979/2020, já contemplando as alterações da MP nº 926, à luz do art. 22, XXVII, da Constituição Federal, podem ser qualificadas como "norma geral", portanto, de aplicação nacional[2], não obstante também serem reputadas, nos termos do art. 2º, 2º, do Decreto-Lei nº 4.657/1942, como “lei especial”, dada a especificidade da temática objeto de normatização.

Feita essa breve introdução, cumpre esclarecer que o objetivo deste artigo será estritamente a análise da repercussão do art. 4º-G da Lei nº 13.979/2020, notadamente as implicações procedimentais para os pregões que venha a ser realizados por órgãos e entidades públicos de todas as esferas federativas e que tenham por objeto aquisição de bens, serviços e insumos necessários ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.

 

Art. 4º-G Nos casos de licitação na modalidade pregão, eletrônico ou presencial, cujo objeto seja a aquisição de bens, serviços e insumos necessários ao enfrentamento da emergência de que trata esta Lei, os prazos dos procedimentos licitatórios serão reduzidos pela metade.        

§ 1º Quando o prazo original de que trata o caput for número ímpar, este será arredondado para o número inteiro antecedente. 

§ 2º Os recursos dos procedimentos licitatórios somente terão efeito devolutivo.

[grifou-se]

 

Ressalte-se, portanto, que o art. 4º-G da Lei nº 13.979/2020, como autêntica lei excepcional ou temporária[3], sem empreender alteração textual na Lei nº 10.520/2002, promove a redução dos prazos procedimentais "pela metade", além de retirar o "efeito suspensivo" dos recursos.

Mas, como dito alhures, as alterações procedimentais de que trata o art. 4º-G da Lei nº 13.979/2020 restringem-se àqueles pregões cujo objeto, seja para aquisição de bens ou contratação de serviços – inclusive os serviços comuns de engenharia[4], tenham correlação direta e intrínseca ao enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do COVID-19.

 

2. A REDUÇÃO DOS PRAZOS PROCEDIMENTAIS “PELA METADE”

 

O art. 4º-G da Lei nº 13.979/2020 preconiza, de forma geral, que "os prazos dos procedimentos licitatórios [exclusivamente na modalidade pregão] serão reduzidos pela metade".

Por ostentar caráter geral, é razoável compreender que a redução se aplicaria a todo e qualquer prazo inerente ao procedimento do pregão, seja previsto em ato normativo primário (como a Lei nº 10.520/2002), seja em ato normativo secundário (decretos e instruções normativas, por exemplo), inclusive aqueles prazos cuja fixação em edital ficariam ao alvedrio nas autoridades administrativas.

Considerando serem diversos os prazos procedimentais previstos em lei, decretos (como os Decretos Federais nº 3.555/2000 e nº 10.024/2019) e outras normas, foi veiculada importante regra no §1º do art. 4º-G da Lei nº 13.979/2020: quando o prazo originalmente previsto for número ímpar, será arredondado para o número inteiro antecedente para a incidência da operação de redução “pela metade”. Exemplo: o prazo previsto para apresentação das razões e contrarrazões recursais é de 3 (três) dias (inciso XVIII do art. 4º da Lei nº 10.520/2002). Por ser número ímpar, arredonda-se para o número interior antecedente, qual seja, 2 (dois) dias. A redução “pela metade” revela que o prazo para apresentação das razões e contrarrazões passaria a ser de 1 (um) dia.

Diante de tais pressupostos, é possível depreender os “novos” prazos em atenção ao art. 4º-G da Lei nº 13.979/2020:

 

EVENTO PROCEDIMENTAL

PRAZO ORIGINAL

NOVO PRAZO

Divulgação do edital

8 dias úteis

(art. 4º, V, Lei nº 10.520/2002)

4 dias úteis

Apresentação de razões recursais

3 dias

(art. 4º, XVIII, Lei nº 10.520/2002)

1 dia

Envio de documentação complementar no pregão eletrônico

2 horas

(art. 38, §2º, Decreto nº 10.024/2019)

1 hora

Suspensão em caso de desconexão do Pregoeiro

24 horas

(art. 35 do Decreto nº 10.024/2019)

12 horas

Suspensão para realização de diligências com vistas ao saneamento de erros ou falhas

24 horas

(parágrafo único do art. 47 do Decreto nº 10.024/2019)

12 horas

Resposta do Pregoeiro à impugnação e ao pedido de esclarecimento

Pregão Presencial: 24 horas

(art. 12, §1º, do Decreto nº 3.555/2000)

Pregão Presencial: 12 horas

Pregão Eletrônico: 2 dias úteis

(art. 23, §1º, e art. 24, §1º do Decreto nº 10.024/2019)

Pregão Eletrônico: 1 dia útil

 

Vale salientar, que a Secretaria de Gestão do Ministério da Econômica, em importante movimento de coordenação e padronização de entendimento, no dia 24/03/2020, publicou no Portal de Compras do Governo Federal, esclarecimentos acerca das "novas funcionalidades no COMPRASNET para apoiar no combate ao COVID-19"[5]. Destaca-se em tal comunicado a informação de manutenção de alguns prazos originais, considerando questões práticas de ordem operacional para os pregões eletrônicos:

 

FUNCIONALIDADE/RECURSO

PRAZO ORIGINAL

NOVO PRAZO

Prazos internos da disputa (da abertura do item ao seu encerramento antes do julgamento)

Conforme Decreto 10.024/2019

(2,5,10,15 minutos a depender do caso)

Serão mantidos os prazos originais

Prazo para intenção de recurso

20 minutos

Será mantido, por ter alto impacto no sistema e baixo ganho processual (10 minutos)

Prazo para novo lance de desempate ME/EPP

5 minutos

5 minutos

 

De todo modo, dada a peculiaridade de sua contabilização “para trás”, resta enfrentar uma questão pertinente: como se daria a redução “pela metade” do prazo impugnação e de pedido de esclarecimento?

 

3. A REDUÇÃO DO PRAZO DE IMPUGNAÇÃO E DO PEDIDO DE ESCLARECIMENTO: COMO FICA?

 

Ao contrário dos prazos referidos no tópico anterior, cuja contagem se dá de forma prospectiva (“para frente”), observando o art. 110 da Lei nº 8.666/1993[6], a tempestividade para o exercício do direito de impugnar o edital e de apresentar pedido de esclarecimento é estabelecida a partir da metodologia de contagem retroativa (“para trás”), dado o uso do termo “até” nos §§1º e 2º do art. 41 da Lei de Licitações, no art. 12 do Decreto nº 3.555/2000 e nos arts. 23 e 24 do Decreto nº 10.024/2019.

De plano, compreendemos que a lógica de redução meramente matemática (aplicando-se o divisor 2) seria incompatível, em termos jurídicos e práticos, com a metodologia dos prazos de impugnação e de pedido de esclarecimento.

Afinal, na hipótese de se reduzir pela metade, tanto no caso do pregão presencial (“até” 2 dias úteis) como no caso do pregão eletrônico (“até” 3 dias úteis), teríamos um número objetivo: “até” 1 dia útil. Contudo, dada a contagem “para trás”, ao advogar que o novo prazo de impugnação e pedido de esclarecimento seja de “até” 1 dia útil antes da data de abertura do certame, recai-se em uma contradição, porquanto, como se compreender que o prazo está sendo reduzido “pela metade”, se o licitante terá, na verdade, um maior tempo efetivo para impugnar o edital a contar de sua disponibilização?

Tal paradoxo pode ser materializado no exemplo de um pregão eletrônico com prazo de divulgação de 8 dias úteis. No caso de pregão sem a afetação da Lei nº 13.979/2020, o licitante, por poder impugnar o edital até 3 dias úteis antes da data de abertura do certame, disporia de 5 dias úteis iniciais para exercer o seu direito. Contudo, em um pregão para aquisição de bem contemplado no escopo da Lei nº 13.979/2020, se aplicada a regra objetiva de 1 dia útil antes da abertura da licitação, o mesmo licitante disporia de 7 dias úteis iniciais para impugnar. Ou seja, defender que o “novo” prazo seja de 1 dia útil, implica em admitir o aumento do prazo para impugnar e não a sua redução “pela metade”, como parecer pretender o art. 4º-G da Lei nº 13.979/2020.

Ademais, há que se registrar um problema de ordem prática em tal entendimento: caso o licitante venha a impugnar o edital no prazo limite de até 1 dia útil antes da abertura do certame, não haveria prazo útil para a Administração responder à impugnação, já que a licitação seria aberta no dia útil seguinte à apresentação da impugnação...

Se levarmos em conta que a ideia de redução dos prazos do pregão pela metade tem o intuito de ir ao encontro da celeridade necessária para o atendimento da emergência decorrente do coronavírus, dada a metodologia retroativa de contagem de prazo de tais atos procedimentais, a fixação do prazo de “até” 1 dia, por representar o aumento efetivo do prazo para impugnar e solicitar esclarecimentos, não contribui em nada para o objetivo da agilidade do procedimento.

Em nossa avaliação, o que se há de considerar é a garantia de um tempo razoável para os licitantes e demais interessados impugnarem ou pedirem esclarecimentos, tendo sempre como referência a data da publicação do instrumento convocatório e a data prevista para a apresentação das propostas. Ressaltando-se que, em tal lapso de tempo, devem ser assegurados os prazos viáveis para a elaboração das respectivas respostas por parte do Pregoeiro.

Outrossim, ao se contemplar apenas o tempo para os licitantes e demais interessados impugnarem ou pedirem esclarecimentos, estabelecendo aí o prazo de 1 dia útil antes da data para o recebimento das propostas, correr-se-á o risco de constantes adiamentos da sessão do pregão, dada a necessidade lógica de o Pregoeiro promover, ainda antes da abertura do certame, as respectivas respostas. Isso ocorreria porque, a prevalecer o prazo de “até” 1 dia útil para impugnar ou solicitar esclarecimentos, a Administração receberia tais atos 1 dia útil antes da abertura da sessão, o que não garantiria o tempo hábil para a resposta, ocasionando, fatalmente, o adiamento da licitação.

Diante de tais pressupostos, tem-se como mais razoável e coerente com a finalidade do art. 4º-G da Lei nº 13.979/2020 (redução do tempo para realização de um pregão) que o prazo para impugnação e pedido de esclarecimento seja aferido não a priori e de forma indefectível (como, por exemplo, 1 dia útil), mas sim de forma dinâmica, vinculada ao caso concreto, a depender do prazo de divulgação conferido ao ato convocatório.

Para tanto, o prazo efetivo de impugnação e solicitação de esclarecimento seria apurado a partir da seguinte metodologia:

 

PREGÃO ELETRÔNICO

 

Proporção de tempo efetivo que dispõe o licitante para impugnar e solicitar esclarecimento em condições normais do pregão:

 

Se o prazo mínimo de divulgação é de 8 dias úteis e o licitante poderá impugnar ou solicitar esclarecimento até o 3º dia anterior à sessão de abertura do pregão, há, na verdade, o tempo efetivo de 5 dias úteis, o que equivale a 62,5% do tempo de divulgação do edital.

 

Com a redução dos prazos “pela metade”, de acordo com o art. 4º-G da Lei nº 13.979/2020, o tempo efetivo para impugnação e esclarecimento, em relação ao tempo de divulgação do edital, é reduzido de 62,5% para 31,25%.

 

Assim, no caso do pregão eletrônico (Decreto nº 10.024/2019), levantando-se em conta as possibilidades de prazos de divulgação inferiores a 8 dias úteis e orientações de arredondamento[7]:

 

Pregão com divulgação de 4 dias úteis:

31,25% equivale a 1,25 dia, ou seja, 1 dia de tempo efetivo para impugnar e solicitar esclarecimento, de modo que o prazo limite seria até o 3º dia útil antes da dada de abertura da sessão.

 

Pregão com divulgação de 5 dias úteis:

31,25% equivale a 1,56 dia, ou seja, 2 dias de tempo efetivo para impugnar e solicitar esclarecimento, de modo que o prazo limite seria até o 3º dia útil antes da dada de abertura da sessão.

 

Pregão com divulgação de 6 dias úteis:

31,25% equivale a 1,87 dia, ou seja, 2 dias de tempo efetivo para impugnar e solicitar esclarecimento, de modo que o prazo limite seria até o 4º dia útil antes da dada de abertura da sessão.

 

Pregão com divulgação de 7 dias úteis:

31,25% equivale a 2,18 dia, ou seja, 2 dias de tempo efetivo para impugnar e solicitar esclarecimento, de modo que o prazo limite seria até o 5º dia útil antes da dada de abertura da sessão.

 

PREGÃO PRESENCIAL

 

Proporção de tempo efetivo que dispõe o licitante para impugnar e solicitar esclarecimento em condições normais do pregão:

 

Se o prazo mínimo de divulgação é de 8 dias úteis e o licitante poderá impugnar ou solicitar esclarecimento até o 2º dia anterior à sessão de abertura do pregão, há, na verdade, o tempo efetivo de 6 dias úteis, o que equivale a 75% do tempo de divulgação do edital.

 

Com a redução dos prazos “pela metade”, de acordo com o art. 4º-G da Lei nº 13.979/2020, o tempo efetivo para impugnação e esclarecimento, em relação ao tempo de divulgação do edital, é reduzido de 75% para 37,5%.

 

Assim, no caso do pregão eletrônico (Decreto nº 10.024/2019), levantando-se em conta as possibilidades de prazos de divulgação inferiores a 8 dias úteis e orientações de arredondamento[8]:

 

Pregão com divulgação de 4 dias úteis:

37,5% equivale a 1,5 dia, ou seja, 1 dia de tempo efetivo para impugnar e solicitar esclarecimento, de modo que o prazo limite seria até o 2º dia útil antes da dada de abertura da sessão.

 

Pregão com divulgação de 5 dias úteis:

37,5% equivale a 1,87 dia, ou seja, 2 dias de tempo efetivo para impugnar e solicitar esclarecimento, de modo que o prazo limite seria até o 3º dia útil antes da dada de abertura da sessão.

 

Pregão com divulgação de 6 dias úteis:

37,5% equivale a 2,25% dia, ou seja, 2 dias de tempo efetivo para impugnar e solicitar esclarecimento, de modo que o prazo limite seria até o 4º dia útil antes da dada de abertura da sessão.

 

Pregão com divulgação de 7 dias úteis:

37,5% equivale a 2,62 dia, ou seja, 3 dias de tempo efetivo para impugnar e solicitar esclarecimento, de modo que o prazo limite seria até o 4º dia útil antes da dada de abertura da sessão.

 

 

Ou seja, no caso de pregão eletrônico, cujo prazo limite original para impugnação é de “até” 3 dias úteis da data de abertura do certame, diante das possibilidades concretas de redução do prazo de divulgação de que trata o inciso V do art. 4º da Lei nº 10.520/2002, seriam os seguintes prazos limites para impugnação e pedido de esclarecimento:

 

PREGÃO ELETRÔNICO

PRAZO DE DIVULGAÇÃO

PRAZO LIMITE PARA APRESENTAR A IMPUGNAÇÃO E/OU PEDIDO DE ESCLARECIMENTO

4 dias úteis

até 3 dias úteis antes da data de realização do pregão

5 dias úteis

até 3 dias úteis antes da data de realização do pregão

6 dias úteis

até 4 dias úteis antes da data de realização do pregão

7 dias úteis

até 5 dias úteis antes da data de realização do pregão

 

A seu turno, considerando a mesma metodologia informada anteriormente e tendo em vista que o prazo para impugnação e pedido de esclarecimento no pregão presencial é de “até” dias úteis da data de abertura do certame, os prazos seriam os seguintes:

 

 

PREGÃO PRESENCIAL

PRAZO DE DIVULGAÇÃO

PRAZO LIMITE PARA APRESENTAR A IMPUGNAÇÃO E/OU PEDIDO DE ESCLARECIMENTO

4 dias úteis

até 2 dias úteis antes da data de realização do pregão

5 dias úteis

até 3 dias úteis antes da data de realização do pregão

6 dias úteis

até 4 dias úteis antes da data de realização do pregão

7 dias úteis

até 4 dias úteis antes da data de realização do pregão

 

Note-se que o resultado dos prazos-limite é proporcional à redução “pela metade” do tempo efetivo de impugnação e pedido de esclarecimento a contar da disponibilização do edital, conforme os prazos originais previstos nos Decretos nº 3.555/2002 e nº 10.024/2019.

 

 

4. O AFASTAMENTO DO “EFEITO SUSPENSIVO” DOS RECURSOS

 

Ao tratar do recurso na modalidade pregão, a Lei nº 10.520/2002, não dispõe, de forma expressa, acerca de seu efeito suspensivo, como faz, por exemplo, o §2º do art. 109 da Lei nº 8.666/1993 acerca dos recursos nas modalidades concorrência, tomada de preços e convite.

No tocante ao pregão presencial, estranhamente, o inciso XVIII do art. 11 do Decreto Federal nº 3.555/2000 estabelece que "o recurso contra decisão do pregoeiro não terá efeito suspensivo". Já o Decreto Federal nº 10.024/2019, que regulamenta o pregão eletrônico no âmbito federal, é silente quanto aos efeitos do recurso.

De todo modo, pela leitura do inciso XXI do art. 4º da Lei do Pregão, considerando que a adjudicação do objeto ao licitante vencedor e a homologação do certame estão condicionadas ao julgamento dos pleitos recursais, a conclusão mais razoável seria no sentido de que o recurso na modalidade pregão possui sim efeito suspensivo.

Quanto ao tema, cumpre transcrever trecho do voto do Min. Vital do Rêgo exarado no Acórdão TCU nº 567/2015 – Plenário:

 

É comum aos recursos que tenham efeito suspensivo. Significa dizer que uma vez interposto e recebido o recurso, não pode o procedimento prosseguir em seu fluxo até que seja resolvida a questão (ou questões) objeto do inconformismo. Para o pregão (e a regra vale tanto para o eletrônico quanto para o presencial), em se interpondo recurso, não poderá haver adjudicação antes de decidido o mérito recursal. A lei de regência do pregão não atribuiu qualquer efeito ao recurso. O Decreto nº 5.450/2005, por sua vez, deixa inferir a suspensividade do fluxo procedimental do pregão eletrônico, no que não é seguido textualmente pelo Decreto nº 3.555/2000 (art. 11, XVIII). Obviamente que há equívoco no decreto que disciplina o pregão presencial. Não há a menor lógica em receber o recurso, determinar o seu processamento, e não suspender o fluxo da licitação. Mais tarde, com o julgamento do recurso, poderia haver alteração na ordem de classificação dos licitantes, e os atos praticados até então deveriam todos ser anulados. Nesse sentido, é evidente que tanto o efeito suspensivo quanto o efeito devolutivo se encontram presentes nos pregões eletrônico e presencial.

[grifou-se]

 

Por conseguinte, há muito a doutrina e a jurisprudência do TCU convergiram em considerar que o recurso no pregão, seja presencial, seja eletrônico, ostenta efeito suspensivo.

Mas, em termos práticos, o que representa o efeito suspensivo para a duração do pregão? Entendemos que sua influência é considerável, pois, interposto recurso, considerando os prazos normais de razões e contrarrazões, de manifestação do Pregoeiro e de decisão da autoridade competente [na sequência: 3 dias + 3 dias + 5 dias + 5 dias[9]], ter-se-ia um tempo total de até 16 dias úteis[10].

Portanto, a retirada expressa do “efeito suspensivo” do recurso por parte do §2º do art. 4º-G da Lei nº 13.979/2020 terá repercussão significativa no tempo de duração do pregão, ainda que venha a representar certo risco caso o pleito recursal venha, após a adjudicação e homologação, ser julgado procedente. Nesse caso, os atos subsequentes, como a reserva orçamentária e a assinatura do termo contratual ou instrumento equivalente, terão de ser desconstituídos, além da própria homologação e adjudicação.

Note-se que a ausência de “efeito suspensivo” qualificará a adjudicação e a homologação como atos jurídicos condicionados, somente lhe atribuindo o caráter de definitivos após o indeferimento do eventual recurso. Daí a relevância de a Administração, para evitar transtornos e a geração de expectativa reforçada de direito a terceiros, se esforçar ao máximo para apreciar o recurso, pelo menos, antes da assinatura do instrumento contratual.   

No mais, o procedimento do recurso, inclusive a necessidade de registro de intenção recursal motivada e o exercício do juízo de admissibilidade pelo Pregoeiro, não são afetados pela Lei nº 13.979/2020.

Por fim, advoga-se apenas que, ante o exposto no inciso XX do art. 4º da Lei nº 10.520/2002, havendo interposição de recurso, ainda que destituído de “efeito suspensivo”, o Pregoeiro não terá competência para adjudicação, cabendo a autoridade superior fazê-lo, mesmo que anteriormente ao julgamento do recurso. 

 



[1] Dedico este artigo a André Henrique dos Santos Castro e Rafael Sérgio Lima de Oliveira, que, através de profícuas e respeitosas discussões, me despertaram para temas sensíveis envolvendo a repercussão da Lei n 13.979/2020 no procedimento da modalidade pregão.

[2] Vide, para tanto: AMORIM, Victor Aguiar Jardim de. O que "sobra" para estados e municípios na competência de licitações e contratos? Consultor Jurídico, 22/01/2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-jan-22/sobra-estados-municipios-licitacoes-contratos>.

[3] A doutrina apresenta certa diferenciação entre “lei temporária” e “lei excepcional”. As primeiras já teriam período de início e término de vigência pré-determinado, enquanto as segundas, por estarem atreladas a circunstâncias excepcionais (guerra, calamidade, etc.), teriam vigência enquanto perdurarem tais condições, sem que seja possível predeterminar, de antemão, o término da vigência. Para tanto, vide: LEAL, Victor Nunes. Classificação das normas jurídicas. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, 1945. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/8761/7489>.

[4] Acerca da problemática relacionada ao cabimento da modalidade pregão para serviços de engenharia, vide: AMORIM, Victor Aguiar Jardim de. Resolução quer inviabilizar uso do pregão para serviços de engenharia. Consultor Jurídico, 14/05/2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-mai-14/victor-amorim-norma-inviabilizar-pregao-area-engenharia>.

 

[5] Disponível em: <https://www.comprasgovernamentais.gov.br/index.php/noticias/1275-novas-funcionalidades-no-comprasnet-para-apoiar-no-combate-ao-covid-19>.

[6] Art. 110.  Na contagem dos prazos estabelecidos nesta Lei, excluir-se-á o dia do início e incluir-se-á o do vencimento, e considerar-se-ão os dias consecutivos, exceto quando for explicitamente disposto em contrário.

[7] Conforme regra de arredondamento contida nas "Normas de Apresentação Tabular" do IBGE (Resolução nº 886/1967), em relação números inteiros, quando há casa decimal até 0,49, deve haver redução para o número interior antecedente. Quando há casa decimal de 0,50 a 0,99, deve haver o arredondamento para o número inteiro imediatamente posterior.

[8] Conforme regra de arredondamento contida nas "Normas de Apresentação Tabular" do IBGE (Resolução nº 886/1967), em relação números inteiros, quando há casa decimal até 0,49, deve haver redução para o número interior antecedente. Quando há casa decimal de 0,50 a 0,99, deve haver o arredondamento para o número inteiro imediatamente posterior.

[9] Entende-se, por aplicação subsidiária do §4º do art. 109 da Lei nº 8.666/1993, que tanto o Pregoeiro (autoridade recorrida) quanto a autoridade superior (competente para o efetivo julgamento do recurso), dispõem, cada qual, de até cinco dias úteis para se manifestar/decidir sobre o recurso.

[10] A despeito da inexistência de qualificação expressa do prazo para apresentação de razões e contrarrazões em dias úteis na Lei nº 10.520/2002 e no Decreto Federal nº 10.024/2019 – ao contrário do Decreto nº 3.555/2000, que, em seu art. 11, VII, prevê o prazo em dias úteis –, em termos práticos tal é o prazo que vem sendo adotado na Administração Federal, inclusive pelo próprio sistema COMPRASNET.