NOTAS
PARA PENSAR AS COMPRAS PÚBLICAS E A PANDEMIA
NUMA VISÃO INTERNACIONAL
Juan Martin Atencio
Advogado. Consultor em Contratações Públicas. Especialista em Direito Administrativo. Professor na Faculdade de Direito da Universidad Nacional de Rosario. Ex Subsecretário de Contratações e Gestão de Bens da Província de Santa Fé - Argentina. E-mail: juanmartinatencio@gmail.com
Marina Fassini Dacroce
Advogada. Especialista em Direito Administrativo. Assessora Técnica e Subsecretária Substituta da Central de Licitações junto à Secretaria do Planejamento, Orçamento e Gestão do Estado do Rio Grande do Sul - Brasil. E-mail: ninadacroce@hotmail.com
1. INTRODUÇÃO
Atualmente, não é necessário descrever a situação que está sendo vivida em todo o mundo com relação à pandemia global causada pelo Coronavírus (COVID19). Simplesmente, a título de introdução, lembraremos que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou em 30 de janeiro de 2020 a existência de um risco à saúde pública de interesse internacional[1], de acordo com o disposto no Regulamento Sanitário Internacional e, mais tarde, em 11 de março, que a doença já era considerada uma pandemia devido ao grande número de pessoas infectadas e de mortes[2].
Nesse contexto, as contratações públicas tornam-se o centro das atenções dos governos, da sociedade e da mídia. Os compradores públicos estão sob forte pressão, pois, depois do pessoal médico e de segurança, ficam entre as primeiras linhas de ação em virtude de seu papel de garantir a disponibilidade de suprimentos e serviços necessários para o Estado enfrentar os efeitos da pandemia.
E essa entrega deve ser dada com a máxima celeridade, contudo, enfrentando não apenas a corrida contra o tempo, a emergência em si, como também a busca por fornecedores, pelo objeto que atenda de forma efetiva a necessidade, pelo preço justo, seguindo todos os trâmites legais impostos nas normativas vigentes e, via de regra, a excessiva burocracia.
Paralelamente a esta situação, como De Michele e Vieyra[3] apontam, “desastres naturais, epidemias, crises humanitárias ou atividades para estimular a economia são situações em que há altos riscos de uso indevido de recursos públicos”. E quando há esse uso indevido, dinheiro essencial é perdido para enfrentar a crise de maneira eficaz.
Não obstante, o objetivo deste documento é fazer uma breve descrição da situação das compras públicas (daqui em diante, C.P.) neste estado único e global de emergência, além de fazer perguntas e esboçar algumas sugestões de aprimoramento possíveis sobre o assunto. Vale esclarecer que a análise se limitará às formas de seleção de fornecedores de bens e serviços e não à gestão dos contratos.
Como Zuchovicki[4] ressalta, "é uma mentira que crise é oportunidade, crise é crise, e somente quando termina, somente então, muitas oportunidades aparecem para aqueles que estão preparados. Vamos começar a preparar então". Ainda que seja evidente, o primeiro passo para começar a nos preparar é ter uma idéia da situação o mais precisa possível e usá-la como ponto de partida para soluções plausíveis.
2. SITUAÇÃO GERAL DAS CP FRENTE À PANDEMIA
Conforme observado pela Comissão Europeia na sua comunicação intitulada "Diretrizes da Comissão Europeia sobre o uso do quadro de compras públicas em situações de emergência relacionadas à crise COVID-19”[5], a crise de saúde causada pelo Coronavírus requer soluções rápidas, inteligentes e ágeis para enfrentar um grande aumento na demanda por bens e serviços, enquanto algumas cadeias de suprimentos são interrompidas, principalmente aquelas ligadas ao Sistema de Saúde.
Na mesma linha, a maioria dos países emitiu declarações de emergência sanitária em todos os níveis de governo através atos normativos, que permitem CP teoricamente mais simplificadas, em regime de exceção aos processos de licitação. Isso significa que, em geral, os requisitos e prioridades das compras mudaram rapidamente, e os recursos devem ser focados no atendimento da emergência.
Ocorre, que a necessidade de certos suprimentos e serviços serem entregues em grandes quantidades e em pouco tempo coloca desafios especiais para os órgãos públicos, uma vez que esses requisitos não são viáveis com a logística de fornecimento e a duração dos procedimentos estabelecidos pelas diferentes sistemáticas adotas, mesmo já simplificadas em alguns pontos.
Além disso, com poucas exceções, nem o mercado, nem os compradores estatais, nem os órgãos de controle estavam preparados para essa mudança de paradigma. Assim, são gerados problemas que, embora intimamente relacionados, por razões de exposição, serão divididos em três eixos principais:
· gestão e normativas das CP;
· controle de CP de emergência;
· fornecedores e suprimentos.
2.1 Gestão e Normativas das CP
Embora alguns países tenham emitido ou já possuiam atos normativos ou diretrizes específicos para CP de emergência (por exemplo, União Européia, Reino Unido, Brasil, etc.), em geral há apenas autorizações genéricas e alguns regulamentos complementares para orientar compradores públicos a executar procedimentos padrão e permitir a contratação direta, como já indicado no ponto anterior.
Com poucas exceções, são suprimidos aspectos que dificultam a seleção do contratado ou fornecedor, mas ainda assim exigências substancialmente burocráticas são mantidas, além de questões orçamentárias, cumprimento do contrato, recebimento e liquidação da despesa, as quais permanecem em vigor e sem alterações. Ou seja, por um lado, a contratação de emergência é autorizada, por outro os compradores são obrigados a cumprir todos os outros requisitos administrativos (geralmente complexos e longos) como se fossem períodos de calma.
A título exemplificativo citamos o rol dos documentos de habilitação jurídica, econômica, fiscal e técnica exigidos dos fornecedores os quais poderiam ser simplificados e unificados, na medida do possível, em procedimentos que visam atender emergências. Da mesma forma, etapas administrativas de aprovações e controles podem ser concentradas, seguindo uma sequência lógica e efetivamente enxuta de atos.
Como bem colocado por Pércio, Oliveira e Torres[6], “[...] em um ambiente de demanda extraordinariamente ampliada, com poucos fornecedores e prestadores de serviços disponíveis para os contratos que se necessita com urgência, a exigência de filtros habilitatórios não identificados com a função dada pelo constituinte de garantia do cumprimento das obrigações (art. 37, inciso XXI, da Constituição), apenas geram a disfunção de restringir as opções do mercado".
O Brasil seguiu na linha de tornar mais célere as CP voltadas a esta urgência, ao editar a Lei 13.979, de 06 de fevereiro de 2020[7], que dispõe sobre medidas de enfrentamento da emergência decorrente do coronavírus, a qual entre entre outras medidas estabelece: a redução pela metade dos prazos relativos à modalidade de licitação pregão; a dispensa de audiência pública exigida na lei geral para lictações de grande vulto; a possibilidade excepcional e justificada de dispensar estimativa de preços; a supressão do efeito suspensivo dos recursos; a permissão de aquisção de equipamentos usados, desde que o fornecedor se responsabilize pelo bom funcionamento; a apresentação de termo de referência, que é o principal documento de planejamento da licitação/dispensa, de forma simplificada; a dispensa da apresentação de alguns documentos de habilitação, na hipótese de haver restrição de fornecedor, embora a lei geral já possibilitava; a viabilidade de acréscimos e supressões nos contratos em até 50% do valor inicial; e a possibilidade de contratar com fornecedor que esteja cumprindo sanção administrativa, desde que comprovado ser o único no mercado.
E ao analisarmos de maneira ampla as características das regras das CP, especialmente nos países da América Latina, também podemos ver que seu principal objetivo é controlar os gastos públicos e evitar atos de corrupção, embora ao longo dos anos também tenham sido incorporadas as ideias de eficiência, sustentabilidade, visão de gênero, preferência aos pequenos empresários, inovação, dentre outras.
Ocorre que essas ideias foram adicionadas às legislações vigentes, em quase todos os casos, sem discussão e reformulação do propósito das CP como um todo. Isso sem falar na ótica da necessária simplificação decorrente da tendência de desburocratização da Adminsitração Pública de um modo geral. Em outras palavras, ainda continuamos com uma concepção geral da CP que prioriza o controle (por meio de etapas burocráticas e validações de diversos níveis hierárquicos) em detrimento - claramente - da simplicidade, eficiência e rapidez.
Essa situação gera no sistema de compras do Estado uma espécie de "esquizofrenia normativa" que surge claramente em situações de crise e/ou emergência, tornando-se um obstáculo a mais, podendo gerar responsabilidades legais, pressionando mais os compradores públicos e outras pessoas envolvidas na compra de bens e serviços pelo governo.
Além das questões normativas, não se deve esquecer que outra diretriz para uma boa gestão é ter compradores públicos treinados, informados e responsáveis, para que, nesses períodos, tenham as ferramentas intelectuais, regulatórias e materiais que lhes permitam agir com eficiência diante de situações de emergência. Ou seja, o treinamento dos agentes públicos viabiliza que eles atuem com visão estratégica de gestão, adequação normativa e resultado, bem como que as regras criadas para a situação de emergência sejam aplicadas respeitando o período em que ela esteja presente, a adequação do objeto a ser adquirido com a real necessidade em qualidade e quantidade, o procedimento legal preestabelecido e a efetiva gestão contratual.
2.2 Controle de CP de emergência
O sistema público de saúde, juntamente com as obras públicas, é um dos setores governamentais mais sujeitos a desperdícios decorrentes de inadequações ou desídia na gestão, seja no planejamento das necessidades, nas aquisições, na alocação de recursos ou no curso do contrato, devido à complexidade de fatores inerentes a esses bens e serviços.
Embora um Estado nunca possa se dar ao luxo de sofrer a doença do que alguns chamam de "os três Ds" (desmanche, desperdício e desfalque) em tempos de emergências agudas como a que estamos passando, isso é ainda mais pronunciado. Mas como controlar neste contexto sem dificultar o acesso ao que garante a vida das pessoas?
De Michele e Vieyra[8] ressaltam que as soluções dependem do tecido institucional de cada país e devem ser nutridas por vários ingredientes, como a divulgação dos dados dos beneficiários finais das empresas e subcontratados; o fortalecimento de práticas de auditoria e supervisão; e a criação de comitês especializados para monitorar o uso de recursos associados a emergências, entre outros aspectos.
Um ponto fundamental é entender que, na maioria dos países da América Latina, o controle das compras públicas se baseia em etapas e não em processos, no controle financeiro e não nos resultados. Portanto, em um contexto em que as etapas administrativas mudaram ou diminuíram substancialmente, onde o mercado entrou em colapso, a demanda excedeu a capacidade de oferta e produção, bem como não há preço que permaneça inalterado por um período considerável, os controles tradicionais perdem seu destaque e sua eficácia se torna escassa.
Com isso, não pretendemos sugerir que não haja controles ou requisitos administrativos ou legais para esse tipo de situação, apenas que, assim como a seleção do fornecedor é adaptada à emergência, isso também deve ser acompanhado pelo controle burocrático.
Agora, onde então devemos focar as medidas de controle? A resposta não será única, mas achamos que a principal medida é a transparência. Você precisa contratar como se estivesse em um aquário/em águas cristalinas, onde todos os detalhes podem ser vistos de fora e, no entanto, o exterior não interfere na vida dentro dele. Essa metáfora pode ser traduzida em algumas medidas concretas, como as recomendadas pelas ONGs e realizadas em alguns países, como mostraremos mais adiante.
Ou seja, a única maneira de garantir algum tipo de controle, neste contexto complexo que está mudando rapidamente, é guiada por princípios de governo aberto, com sistemas que geram e se alimentam de dados estruturados, comunicação eficiente, permitem rastreabilidade dos recursos e monitoramento em tempo real dos procedimentos de CP, incentivando o acesso do cidadão a todas as informações.
Nesse sentido, os sistemas de compras eletrônicas são a máscara que a Administração deve usar, nessa pandemia, reduzindo os riscos de gestão ineficiente e até de propagação da corrupção.
No Brasil, o Estado do Rio Grande do Sul possui o procedimento de cotação eletrônica, instituído pela Lei Estadual 13.179, de 10 de junho de 2009, para todas as compras públicas em que a lei federal geral, permite a dispensa de licitação. Esta tem sido utilizada para a atual situação de emergência e é operacionalizada em sua fase interna e externa por via eletrônica, sendo esta última acessível para qualquer interessado acompanhar em tempo real, a partir da divulgação do edital de dispensa de licitação[9]. A fase contratual, empenho e liquidação da despesa, também é processada em sistema eletrônico, estando devidamente integrado com os anteriores para acompanhamento do fluxo desde a definição do objeto a ser comprado até o pagamento.
Vale destacar, ainda, iniciativas como do Brasil[10], Paraguai[11] e Equador[12] de criação de um subsite no portal institucional no qual todas as informações sobre as ações realizadas diante da emergência decorrente do COVID-19, são centralizadas de maneira didática, para que os cidadãos possam monitorar as CP. O Paraguai também lançou um aplicativo móvel para receber notificações de tudo o que o Estado adquire na atual emergência sanitária[13].
Essas ações geram um duplo benefício: do ponto de vista da sociedade, facilita o acesso a saber o que e como seu governo gasta nessa emergência de uma maneira simples e, do ponto de vista da Administração, permite que muitas informações sejam canalizadas de uma única maneira.
A ONG, Poder do Cidadão[14], baseada no relatório da Transparência Internacional “Integridade diante de emergências: recomendações para a integridade de compras e contratos públicos”[15], afirma que a experiência da América Latina mostra que a falta de transparência, ou seja, a opacidade é um dos fatores que compromete a entrega dos bens necessários para atender às necessidades da população.
Por sua vez, recomenda uma série de medidas para tempos de emergência sanitária, dentre elas:
· publicidade máxima nas informações das CP;
· concentração das informações relacionadas às CP em uma única plataforma.
Vale ressaltar, que a transparência não é uma panacéia ou a solução para todos os problemas, mas é inquestionável que contribui com seu efeito de persuadir a um controle múltiplo e aberto.
Não obstante, mesmo que nenhum governo tenha se mostrado totalmente preparado para enfrentar o avanço do Covid-19, do ponto de vista das CP, podemos afirmar que países com anos de experiência em sistemas maduros de compras eletrônicas têm maior chance de obter soluções rápidas, implementar medidas para aliviar o choque que a emergência global gerou sobre as demandas e viabilizar um efetivo controle.
2.3 Fornecedores e suprimentos
A Comissão Europeia, nas diretrizes mencionadas, alertou que, em situações de aumento excepcional na demanda por bens, produtos e serviços similares, juntamente com uma interrupção significativa na cadeia de suprimentos, pode ser técnica ou fisicamente impossível contratar, mesmo através dos procedimentos mais abrangentes.
No mesmo sentido a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou, em 02.04.2020, sobre a escassez global e o aumento dos preços de equipamentos de proteção para combater o coronavírus, bem como pediu às empresas e governos que aumentassem a produção em 40% à medida que aumenta o número de mortes causadas pelo patógeno. Estimou-se que os profissionais de saúde precisem de 89 milhões de máscaras, 76 milhões de luvas e 1,6 milhão de óculos por mês[16].
A pandemia do COVID19 revelou algo intuído, mas que não foi aceito: que a Administração e o mercado de CP em muitos países não estão preparados para atender efetivamente às demandas urgentes do Estado e da sociedade.
Vamos tentar delinear o contexto de produção, fornecimento e comercialização de suprimentos médicos e de saúde em uma pandemia. Considere o cenário em que todos os setores da sociedade os exigem quase ao mesmo tempo e com alto grau de urgência.
Por um lado, temos compradores particulares que desejam adquirir produtos, de acordo com as regras do mercado privado. E geralmente é o comprador que está procurando o vendedor. Este, por sua vez, define suas condições de preço, forma de pagamento e o comprador aceita ou não. O vendedor tem quase todo o seu estoque presente e futuro comprometido.
Por outro lado, o Estado aparece com seus requisitos burocráticos (registros, pré-cadastros, rol de documentos, cláusulas exorbitantes), pagamentos meses após a entrega do produto e o risco próprio de um Estado que enfrenta uma crise e, além de tudo, acostumado ao fato de que o vendedor é quem se aproxima dele para vender.
O resultado é a crônica de uma "morte anunciada": para se apossar desses bens sem ter que usar medidas extremas, como confisco ou atos que forçam os fornecedores a vender apenas para a Administração (e mesmo assim será difícil obtê-los), esta geralmente paga mais caro e/ou adiantado pelo produto.
Em outras palavras, o Estado é forçado a seguir as regras do mercado privado, mas limitado por suas normas e controles projetados para outra realidade. É o que muitas vezes causa o atrito entre a legalidade, os controles e a necessidade de fornecimento. Assim, vemos que o famoso "poder de compra do Estado" é seriamente afetado pelo fato de muitos dos fornecedores que geralmente contratam com a Administração preferirem vender para compradores particulares.
Outra questão relevante é o baixo número de fornecedores que geralmente vendem para o Estado, muitos dos quais não são produtores, mas intermediários. Portanto, a introdução de fornecedores novos e alternativos deve ser acelerada, não apenas simplificando os processos de pré-cadastro e de seleção, mas também com outras medidas, tais como:
· mapear fornecedores e identificar os que se sabe estarem em regiões geográficas de alto risco, para entender o escopo do problema em potencial e construir uma solução de fornecimento;
· aprimorar a comunicação com o setor privado para estimular o fornecimento, principalmente com ecossistemas de inovação, redes empresariais e universidades, que possam propor alternativas que auxiliem na redução do impacto da situação de emergência;
· agir com outros entes federativos por meio dos Comitês de Emergência e realizar compras conjuntas, podendo incluir outros países;
Por fim, nesse contexto, três exemplos positivos da junção de forças entre países e entes federados.
O da Comissão Européia, que, juntamente com 26 Estados-Membros, lançou um procedimento acelerado de contratação, para a aquisição de suprimentos médicos (alças, equipamentos de proteção individual, respiradores) e testes rápidos para detecção de Covid 19.
O da Rede Interamericana de Compras Governamentais (RICG), em que os 33 países que fazem parte terão acesso ao Mecanismo Conjunto de Negociação para a compra de medicamentos e dispositivos médicos do Conselho de Ministros da Saúde da América Central (Comisca)[17].
E o do Brasil que dispôs na referida Lei 13.979/20, acerca da possibilidade de realizar as aquisições atinentes à pandemia, via dispensa de licitação, por registro de preços na forma de compra nacional, na qual os entes federados podem participar do consumo. Segundo representante da Secretaria de Gestão do Ministério da Economia, citado nas notícias do Portal L&C, “[...] traz um benefício enorme para estados e municípios, foi uma demanda que veio deles. O governo federal pode fazer uma ata de registro de preço para produtos de saúde, sem licitação, e ela ser aderida por diferentes órgãos, sem necessidade da realização de múltiplos processos diferentes de compra dos mesmos produtos”[18].
3. CONCLUSÕES
Por mais que cientistas, a OMS, as Nações Unidas[19] e até Bill Gates[20] estejam alertando o mundo para a possibilidade de uma pandemia, é só agora que a sociedade e os governos começam a perceber que um evento dessa magnitude pode voltar a ocorrer.
Segundo Blomm, Cadarette e Sevilla[21], esta e as epidemias/pandemias anteriores ocorreram com pouco aviso e, mesmo com meios tecnológicos, não é possível prever qual patógeno desencadeará a próxima, onde se originará ou quão graves serão as consequências. Mas enquanto co-existirem seres humanos e patógenos infecciosos, surtos e epidemias ocorrerão definitivamente e terão custos significativos.
Possivelmente, em um futuro não muito distante, teremos que nos acostumar a alternar períodos de normalidade relativa e situações de pandemias ou emergências ambientais. Em nosso tema, isso significa que pensar em uma sistemática de aquisições públicas que pode rapidamente entrar em um modo eficaz de emergência, sem tantas surpresas inconvenientes.
Além das deficiências, essa crise demonstrou à sociedade e aos políticos o papel estratégico e vital que as CP têm no desenvolvimento de qualquer ação governamental, pois governar é contratar. Não há ação governamental que, em maior ou menor grau, não implique na aquisição ou contratação de um bem ou serviço fornecido por terceiros.
Agora que o mundo está em situação de emergência, temos a oportunidade de aprimorar sistemas e processos de CP, ou seja, o modo como a Administração adquire bens e serviços para atender às necessidades da sociedade.
Em 1999 a OMS[22] já havia relatado que nenhum plano de pandemia preparado será 100% eficiente para qualquer situação dessa natureza. Portanto, o processo e os resultados propostos para responder a uma pandemia possível ou real devem ser mais importantes do que os detalhes específicos que podem ser inaplicáveis a uma nova situação.
Nesse sentido, consideramos que existem algumas diretrizes importantes a serem lembradas para alcançar esse ajuste nas CP, para o futuro e para os tempos de emergência:
· Repensar seriamente a filosofia das CP no sentido de levá-las para uma meta de gerenciamento, através de uma análise orientada principalmente ao resultado e não apenas para o cumprimento do procedimento administrativo em si;
· Entender as CP como verdadeiro instrumento estratégico, que pode ser usado pelos poderes políticos para investir em setores-chave do país, e fazê-lo de maneira a reforçar indústrias básicas, como empresas que projetam e fabricam o material sanitário mais moderno;
· Incentivar processo de CP conjunto transfronteiriço, em especial no campo de aquisição de produtos e fornecimento de insumos;
· Criar normas e regulamentos específicos, padronizando e simplificando no que couber os procedimentos, implantando sistemas eletrônicos que envolvam todo o processo de aquisição e gestão contratual, facilitando o controle pelos órgãos responsáveis e pela sociedade;
· Treinar aos compradores públicos, fornecendo a eles as ferramentas e habilidades para lidar com situações críticas;
· Ampliar parcerias com universidades e demais instituições que possam contribuir no avanço de estudos e na busca de soluções de mercado para o atendimento de situações de emergência;
· Atualizar as estratégias de compras do COVID-19 rapidamente para formar um plano global, digital e orientado a dados, para deixarmos de ser reativos para proativos na obtenção dos produtos certos, para o paciente certo, na hora certa.
Enfim, essa experiência que estamos vivenciado deve significar uma quebra de paradigma e assim nos prepararmos e pensarmos sobre o que nos tornará mais eficientes na busca de soluções para futuras pandemias. E, por sua vez, isso desenvolverá e fortalecerá a capacidade de compra do Estado, bem como de um mercado versátil para nos fortalecer nas próximas encruzilhadas. Não devemos esquecer que, como Confúcio disse, "o sucesso depende da preparação prévia e, sem essa preparação, certamente haverá fracasso".
REFERÊNCIAS
BILL GATES: UM NOVO tipo de terrorismo pode acabar com 30 milhões de pessoas em menos de um ano - e não estamos preparados. Business Insider, New York, 18 fev. 2017. Disponível em: https://www.businessinsider.com/bill-gates-op-ed-bio-terrorism-epidemic-world-threat-2017-2?r=UK. Acesso em: 06 maio 2020.
BLOOM, D. E.; CADARETTE, D.; SEVILLA, J. P. EPIDEMIAS: Las enfermedades infecciosas nuevas y recurrentes pueden tener amplias repercusiones econômicas. Finanzas & Desarrollo, p. 46-49, jun. 2018. Disponível em: https://www.imf.org/external/pubs/ft/fandd/spa/2018/06/pdf/bloom.pdf. Acesso em: 06 maio 2020.
BRASIL. Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Lei/L13979.htm . Acesso em: 06 maio 2020.
BRASIL. Ministério da Economia. Portal de Compras. Transparência dos dados de Dispensa para o COVID-19. Brasília: ME, 04 maio 2020. Disponível em: https://www.comprasgovernamentais.gov.br/index.php/transparencia/1284-transparencia-dos-dados-de-dispensa-no-combate-ao-covid-19. Acesso em: 06 maio 2020.
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[1] ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE-OPAS. OMS declara emergência de saúde pública de importância internacional por surto de novo coronavírus. OPAS/OMS: Genebra, 30 jan. 2020.
[2] BRASIL. Ministério da Saúde. UNA-SUS. Organização Mundial de Saúde declara pandemia do novo Coronavírus. UNA-SUS: Brasília, 11 mar. 2020.
[3] DE MICHELE, Roberto; VIEYRA, Juan Cruz. COVID-19: Transparencia para asegurar políticas efectivas en momentos de crisis. BID/IADB, 24 mar. 2020. p. 2.
[4] ZUCHOVICKI, Claudio. El día después del día después. La Nacion, Buenos Ayres, 05 abr. 2020.p.1
[5] COMISIÓN EUROPEA. Comunicación De La Comisión. Orientaciones de la Comisión Europea sobre el uso del marco de contratación pública en la situación de emergencia relacionada con la crisis del COVID-19. Diario Oficial de la Unión Europea, Espanha, 01 abr. 2020. p. 1.
[6] PÉRCIO, Gabriela; OLIVEIRA, Rafael Sérgio De; TORRES, Ronny Charles Lopes De. A dispensa de licitação para contratações no enfrentamento ao coronavírus. Portal L & C, 31 mar. 2020.p.14
[7] BRASIL. Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.
[8] DE MICHELE, Roberto De.; VIEYRA, Juan Cruz, 2020.
[9] RIO GRANDE DO SUL. Compras Eletrônicas. [2020].
[10] BRASIL. Ministério da Economia. Portal de Compras. Transparência dos dados de Dispensa para o COVID-19. Brasília: ME, 04 maio 2020.
[11] DIRECCIÓN NACIONAL DE CONTRATACIONES PÚBLICAS-DNCP. Acciones a tomar ante el COVID-19. Assunción-PY, [2020].
[12]SERCOP HABILITA sitio web para que ciudadanía vigile las contrataciones públicas durante la emergencia sanitária. El Universo, Equador, 04 abr. 2020.
[13] DIRECCIÓN NACIONAL DE CONTRATACIONES PÚBLICAS-DNCP. DNCP lanza una aplicación móvil como herramienta de control de licitaciones relacionadas al COVID-19. Assunción-PY, [2020]. 03 abr. 2020.
[14] PODER CIDADANO. La emergencia no es excusa para la transparencia. Riesgos de corrupción y medidas de integridad en contrataciones públicas en la emergencia de COVID-19. Buenos Aires, 26 mar. 2020.
[15] PODER CIDADANO. CONTRATACIONES PÚBLICAS EN ESTADOS DE EMERGENCIA: elementos mínimos que los gobiernos deben considerar para asegurar la integridad de las adjudicaciones que realicen durante contingencias. Buenos Aires, 26 mar. 2020. p. 14
[16] OMS ADVIERTE escasez de insumos para combatir Coronavirus. CLUSTER SALUD, Santiago, 04 mar. 2020.
[17] EN CONJUNTO, 33 países americanos negociarán compras públicas de materiales para combatir el COVID-19. Newsweek, México, 15 abr. 2020.
[18] UTILIZAÇÃO de SRP nas contratações emergenciais. Portal L & C, 16 abr. 2020. p. 1
[19] LA ONU pide a los países aumentar los esfuerzos para evitar una pandemia de gripe. Médicos y Pacientes, Madrid, 23 out. 2008.
[20] BILL GATES: UM NOVO tipo de terrorismo pode acabar com 30 milhões de pessoas em menos de um ano - e não estamos preparados. Business Insider, New York, 18 fev. 2017.
[21] BLOOM, D. E.; CADARETTE, D.; SEVILLA, J. P. EPIDEMIAS: Las enfermedades infecciosas nuevas y recurrentes pueden tener amplias repercusiones econômicas. Finanzas & Desarrollo, p. 46-49, jun. 2018.
[22] WORLD HEALTH ORGANIZATION – WHO. PLAN DE PREPARACIÓN PARA LA PANDEMIA DE INFLUENZA: El Rol de la Organización Mundial de la Salud y Guías para la Planificación Nacional y Regional. Genebra, 1999.