O CONTEÚDO DO ANTEPROJETO DE ENGENHARIA NO REGIME DE CONTRATAÇÃO INTEGRADA[1]

1.   INTRODUÇÃO

 

A Lei nº 12.462 de 4 de agosto de 2011 instituiu o Regime Diferenciado de Contratações. Tal regime foi criado, a princípio, exclusivamente para aplicação às contratações necessárias à realização da Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol (FIFA) de 2013, da Copa do Mundo (FIFA) de 2014 e dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, bem como de obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeroportos das capitais dos Estados da Federação distantes até 350 km (trezentos e cinquenta quilômetros) das cidades sedes dos referidos eventos esportivos.

Porém, aos poucos sua aplicação se espraiou para outras ações, tais quais as integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), incluído pela Lei nº 12.688, de 12 de julho de 2012; as obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, incluídos pela Lei nº 12.745, de 19 de dezembro de 2012; as licitações e contratos necessários à realização de obras e serviços de engenharia no âmbito dos sistemas públicos de ensino, incluídos pela Lei nº 12.722, de 3 de outubro de 2012; as obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo, incluídos pela Medida Provisória nº 630, de 24 de dezembro de 2013.

Esse espraiamento ganha extrema importância à advocacia pública, não apenas da União, mas também dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, tendo em vista que os objetos passíveis de licitação pelo Regime Diferenciado de Contratações são também de interesse desses entes.

De acordo com o §1º do artigo primeiro da lei, o RDC objetiva ampliar a eficiência nas contratações públicas e a competitividade entre os licitantes; promover a troca de experiências e tecnologias em busca da melhor relação entre custos e benefícios para o setor público; incentivar a inovação tecnológica; e assegurar tratamento isonômico entre os licitantes e a seleção da proposta mais vantajosa para a administração pública.

Dentre as inovações do RDC, a que tem gerado maior polêmica é o Regime de Contratação Integrada que, de acordo com o § 1ª do art. 9º, da Lei nº 12.462, de 2011, “compreende a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto”. Logo vê-se que se trata de um novo regime, não constante na Lei nº 8.666, de 1993.

Assim, esse novel regime, diferentemente dos demais, não é um projeto básico ou executivo que acompanha o instrumento convocatório, mas um anteprojeto de engenharia.

A advocacia pública tem se confrontado com a dificuldade de definir o que vem a ser o anteprojeto de engenharia relativo a este regime, pois nem a lei, nem seu decreto regulamentador trouxeram com precisão e detalhes o seu conteúdo. Com o apoio da engenharia e arquitetura, é necessário trazer essa definição para os fins da contratação integrada. É esse o objetivo deste trabalho, pois é fundamental tal definição para nortear as práticas jurídicas ao estabelecer com clareza, o objeto de um contrato ou mesmo o alcance das obrigações contratuais, por exemplo.

 

2.                  REGIMES DE EMPREITADA NO RDC

 

Na execução indireta de obras e serviços de engenharia, no Regime Diferenciado de Contratação, de acordo como Art. 8º da Lei nº 12.462/2011, são admitidos os seguintes regimes:

a)             empreitada por preço unitário;

b)             empreitada por preço global;

c)             contratação por tarefa;

d)             empreitada integral; ou

e)             contratação integrada.

Ao se comparar esses regimes com os do inciso VIII, art. 6º da Lei nº 8.666, de 1993, percebe-se que os primeiros quatro regimes são os mesmos, e que, de novo, só há a contratação integrada.

 

2.1.     EMPREITADA POR PREÇO UNITÁRIO, POR PREÇO GLOBAL, TAREFA E EMPREITADA INTEGRAL

 

A “empreitada por preço unitário”, assim diz o inciso III, Art. 2º da Lei nº 12.462, de 2011, deve se dar “quando se contrata a execução da obra ou do serviço por preço certo de unidades determinadas”.

É importante a identificação de um ou outro regime de empreitada, isto é, qual a solução a ser adotada.

Quanto à adoção do regime de empreitada por preço unitário:

 

Adota-se esse regime de empreitada quando não é tecnicamente possível determinar com precisão a quantidade e/ou a qualidade do objeto a ser contratado. Tal determinação deve ser buscada na fase interna da licitação. Porém, torna-se impossível fazer tal estimativa, pois dependerá do andamento da obra para determinadas definições.

(...)

Verifique-se que a Administração não deve fazer uma opção a partir de elementos discricionários, mas sim de definição clara e objetiva que não é possível antever a quantidade e qualidade dos elementos que compõem o objeto a ser licitado. Não sendo possível essa determinação precisa a Administração adotará o regime de empreitada por preço unitário.[2]

A “empreitada por preço global” se adota quando se contrata a execução da obra ou serviço por preço certo e total.

Esse regime deve ser o escolhido quando é possível determinar qualitativa e quantitativamente, ainda na fase interna da licitação, com precisão, o objeto a ser executado.

(...)

Neste regime, as quantidades e a qualidade dos itens da planilha são estipulados com a necessária precisão ainda durante a fase interna do procedimento licitatório para a totalidade da obra.[3]

O regime por “tarefa” deve ser utilizado quando “se ajusta mão-de-obra para pequenos trabalhos por preço certo, com ou sem fornecimento de materiais”:

(...) na tarefa, o preço é certo e predefinido no contrato, cujo objeto é específico e só pode ser o da realização de pequenos trabalhos, com ou sem fornecimento de material; presta-se à escolha de profissionais autônomos ou de pequenas empresas para a execução de serviços técnicos de nível elementar ou médio, de breve duração.[4]

A “empreitada integral” é utilizada “quando se contrata um empreendimento em sua integralidade, compreendendo todas as etapas das obras, serviços e instalações necessárias, sob inteira responsabilidade da contratada até sua entrega ao contratante, em condições de entrada em operação, atendidos os requisitos técnicos e legais para sua utilização em condições de segurança estrutural e operacional e com as características adequadas às finalidades para que foi contratada” (art. 2º, I, da Lei nº 12.462/2011).

Este regime se presta para realização de obras de maior vulto e complexidade, abrangendo não só obras, mas também serviços. É o contrato no qual a contratada, encarregada de todos os serviços, materiais e equipamentos, entrega a unidade pronta para funcionar.

A vantagem desse regime de empreitada é que somente uma empresa (ou consórcio) se responsabiliza por toda a rede. A desvantagem é que pode ser mais cara, em virtude da subcontratação de alguns elementos do objeto contratual.[5]

 

Em que pesem as diferenças apontadas, o traço comum existente entre os quatro regimes coincidentes com os regimes da Lei nº 8.666, de 1993, é o fato que em todos eles o instrumento convocatório deve ser acompanhado por um projeto básico que, de acordo com aquela lei, em seu inciso X do art. 6º é:

Um conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos:

a) desenvolvimento da solução escolhida de forma a fornecer visão global da obra e identificar todos os seus elementos constitutivos com clareza;

b) soluções técnicas globais e localizadas, suficientemente detalhadas, de forma a minimizar a necessidade de reformulação ou de variantes durante as fases de elaboração do projeto executivo e de realização das obras e montagem;

c) identificação dos tipos de serviços a executar e de materiais e equipamentos a incorporar à obra, bem como suas especificações que assegurem os melhores resultados para o empreendimento, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;

d) informações que possibilitem o estudo e a dedução de métodos construtivos, instalações provisórias e condições organizacionais para a obra, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;

e) subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendendo a sua programação, a estratégia de suprimentos, as normas de fiscalização e outros dados necessários em cada caso;

f) orçamento detalhado do custo global da obra, fundamentado em quantitativos de serviços e fornecimentos propriamente avaliados;

Os quatro primeiros regimes têm em comum o fato que para se licitar uma obra ou serviço de engenharia é necessário, antes, a Administração apresentar um projeto básico. É exatamente esta a exigência que não há no regime de contratação integrada, a prévia existência de projeto básico.

Ao analisar mais acuradamente aqueles regimes e compará-los com a contratação integrada do RDC, percebe-se uma grande semelhança entre este último e o regime de empreitada integral. Trata-se de fundamental importância realizar a comparação entre ambos os regimes para a compreensão do “detalhe” que os diferencia.

 

2.2.     EMPREITADA INTEGRAL E CONTRATAÇÃO INTEGRADA – SIMILARIDADES E DIFERENÇAS

 

A contratação integrada, assim estabelece a Lei do RDC, compreende a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e executivo pela contratada. No regime de execução por empreitada integral, a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e executivo cabem à Administração. Entretanto, convergem no sentido de que em ambas o empreendimento é contratado em sua integralidade, compreendendo a totalidade das etapas de obras, serviços e instalações necessárias, sob inteira responsabilidade da contratada até a sua entrega ao contratante em condições de entrada em operação.

Portanto, no Regime de Empreitada Integral, a contratada executa a obra com base nos projetos, básico e/ou executivo, fornecido pela Administração; enquanto que no Regime de Contratação Integrada, a contratada desenvolve os projetos, a partir de um anteprojeto fornecido pela Administração.

Assim, no regime do RDC, ao mesmo tempo em que a Administração dá uma maior autonomia técnica ao contratado, lhe transfere maiores responsabilidades e, consequentemente, maiores riscos, tendo em vista que é esta que elabora os projetos básico e executivo.

 

3.                  O REGIME DE CONTRATAÇÃO INTEGRADA

3.1.      ANTECEDENTES

O regime de contratação integrada, conhecido como “design-building”, em que pese ter surgido no Brasil como novidade, vem sendo utilizado em diversos países, “como França, UK, Grécia, Suécia, México, EUA, Austrália, Tailândia, Cingapura, Croácia e Indonésia. Sua utilização é ainda realizada em obras com os mais diversos graus de complexidade, destacando-se, entre esses, edificações, creches, escolas, hospitais, rodovias e ferrovias, instalações industriais. ”[6]

Para exemplificar, a Diretiva 18/04 da União Europeia prevê a execução da obra em conjunto com a concepção dos projetos; a “Federal Acquisition Regulation - FAR”, dos Estados Unidos define “design built” como a “combinação de projeto e construção em um único contrato. ”[7]

Mesmo no Brasil, o regime de contratação integrada não é inédito. A Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRÁS, por exemplo, já vem utilizando tal regime desde a publicação do Decreto nº 2.745, de 24 de agosto de 1988, o qual aprovou o regulamento do procedimento licitatório simplificado daquela empresa.

Ainda há semelhanças com a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1985, que “Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previstos no art. 175 da Constituição Federal”, a qual, em seu Art. 18, menciona que nos casos de concessão de serviços públicos precedida da execução de obra pública, os dados relativos à obra, dentre os quais os “elementos do projeto básico” que permitam sua plena caracterização.

Também a Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004 que “Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública”, estabelece que os “estudos de engenharia” para a definição do valor do investimento da PPP deverão ter nível de detalhamento de anteprojeto. Da mesma forma, o valor dos investimentos para definição do preço de referência para a licitação será calculado com base em valores de mercado considerando o custo global de obras semelhantes, no Brasil ou no exterior, ou com base em sistemas de custos que utilizem como insumo valores de mercado do setor específico do projeto, aferidos, em qualquer caso, mediante orçamento sintético, elaborado por meio de metodologia expedita ou paramétrica.

Portanto, percebe-se que não pode ser causa de espanto o regime de contratação integrada, uma vez que não é novidade, seja no Brasil ou em outros países do mundo, a não exigência de projeto básico para a definição do objeto a ser licitado, mas somente do anteprojeto de engenharia.

3.2.      CONDIÇÕES PARA A UTILIZAÇÃO DA CONTRATAÇÃO INTEGRADA

Primeiramente, observe-se que o Regime de Contratação Integrada não é obrigatório e só poderá ser utilizado, como estabelece o Art. 9º da Lei, se for técnica e economicamente justificado e quando o objeto envolver, pelo menos uma destas condições:

 

a)             inovação tecnológica ou técnica; 

b)             possibilidade de execução com diferentes metodologias; ou 

c)             possibilidade de execução com tecnologias de domínio restrito no mercado.

O gestor público, além de demonstrar as justificativas técnica e econômica, precisa indicar a presença de um dos requisitos acima. Assim, na forma da lei, julgou o TCU:

 

9.1.1. a obra ou o serviço de engenharia deve preencher pelo menos um dos requisitos elencados no art. 20, § 1º, da Lei 12.462/2011, quais sejam, a natureza predominantemente intelectual e de inovação tecnológica do objeto licitado (inciso I); ou que possam ser executados com diferentes metodologias ou tecnologias de domínio restrito no mercado, pontuando-se na avaliação técnica, sempre que possível, as vantagens e benefícios que eventualmente forem oferecidas para cada produto ou solução (inciso II);

9.1.1.1. a expressão "de domínio restrito de mercado" refere-se, especificamente, ao termo "tecnologias", e não, necessariamente, às "diferentes metodologias";[8]

Se a lei não especifica o que seja “inovação tecnológica”, pode-se recorrer {a Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento – OCDE[9] que ajuda na tarefa de compreensão quando segmenta em três tipos:

a) Inovações tecnológicas em produto e processo (TPP) – é considerada implantada se tiver sido introduzida no mercado (inovação de produto) ou usada no processo de produção (inovação de processo). Uma inovação TPP utiliza atividades científicas, tecnológicas, organizacionais, financeiras e comerciais. Além disso, podem ser discriminadas entre produto e processos e por grau de novidade da mudança introduzida em cada caso.

b) Inovação tecnológica de produto pode ser dividida em dois tipos. O primeiro corresponde a produtos tecnologicamente novos, envolvendo tecnologias radicalmente novas, ou uma combinação de tecnologias existentes em novos usos ou derivada de novos conhecimentos. O segundo tipo diz respeito a produtos tecnologicamente aprimorado, isto é possui desempenho significativamente aprimorado ou elevado, (mesmo que seja simples) com relação ao desempenho ou a menor custo. É o caso de materiais ou componentes que podem aprimorar um subsistema ou uma etapa de processo produtivo.

c) Inovação tecnológica de processo – novos métodos de produção ou significativamente melhorados. O objetivo dos métodos é que os produtos não sejam entregues ou produzidos com métodos convencionais de produção

Percebe-se que a “inovação tecnológica de processo” trata da mesma questão do inciso II do Art. 9º da Lei, que prevê objeto que envolva possibilidade de execução por diferentes metodologias.

Ao se motivar a contratação integrada no emprego de metodologia diferenciada, deve haver justificativas técnica e econômica nos autos do processo. O Tribunal de Contas da União, em recente Acórdão assim decidiu:

9.1.1.2. Tendo em vista que uma obra licitada com base no anteprojeto já carrega em si a possibilidade de a contratada desenvolver metodologia e/ou tecnologia própria para a feitura do objeto, no caso de a motivação para a utilização da contratação integrada estiver baseada nessa viabilidade de emprego de diferenças metodológicas ... justifique, em termos técnico-econômicos, a vantagem de sua utilização, em detrimento de outros regimes preferenciais ...[10]

No que diz respeito à justificativa técnica vê-se a necessidade de se demonstrar o “know-how”, da possível futura contratada, para dar soluções à complexidade dos projetos e da obra, sem o qual não haveria possibilidade de contratá-la. Sem tal demonstração, não se justificaria a licitação pelo regime de contratação integrada.

Quanto à justificativa econômica faz-se necessário demonstrar que a concentração da elaboração dos projetos e a execução da obra numa mesma pessoa trará vantagens para a Administração em comparação à contratação em separado, considerados os riscos típicos da contratação integrada, como os relativos ao controle do objeto contratado, pois a Administração

abdica o controle total sobre o projeto do empreendimento, aceitando que o contratado o desenvolva sob os marcos contratuais; a definição menos detalhada do objeto contratual, a qual pode gerar , com a possível redução de custos pela contratada, eventual perda de qualidade do objeto; possível subjetividade da seleção baseada exclusivamente no preço pode conduzir à comparação de objetos de características distintas; possível subjetividade sobre as responsabilidades de cada parte; e a maior imprecisão no orçamento e preço inicial maior.[11]

A inovação tecnológica da construção, deve ser foco, por exemplo,

no desempenho, na tecnologia e sustentabilidade; energia e água; materiais da construção civil, com a introdução de um novo produto ou mudança qualitativa em produto existente; utilização de técnicas avançadas na construção civil com ganhos de produtividade e/ou qualidade; Inovação de processo que seja novidade para a indústria da construção civil; utilização de tecnologias que reduzam prazos e minimizem gastos no planejamento, execução e manutenção das obras com bons resultados; dentre outros[12].

Uma outra condição trazida pela lei é possibilidade de execução com tecnologias de domínio restrito no mercado, mas que podem trazer melhores resultados ao empreendimento, a exemplo, na área de edificações, de obras projetadas e construídas em “woodframe” e “stilframe”. Estas tecnologias podem trazer menores custos e prazos de execução da obra, a racionalização de materiais e mão de obra, melhor desempenho térmico e acústico, manutenção mais econômica, baixa emissão de CO2, menor produção de resíduos, dentre outras. Na área de infraestrutura, o uso de concreto centrifugado e a fabricação de supervigas, soluções de infraestrutura resistente, leve e de fácil transporte, apenas como exemplos.

Tais ganhos para a Administração só são possíveis se possibilitado à contratada utilizar seus próprios instrumentos para atingir o fim esperado pela contratante. Disso se denota que, enquanto os regimes tradicionais de empreitada implicam em obrigações de meios, isto é, de posse do projeto básico e executivo a contratada deverá entregar a obra pronta, tal qual projetada; no regime de contratação integrada as obrigações são de resultado, onde a contratada poderá escolher os meios para chegar no resultado pretendido pela contratante.

Na Lei nº 8.666/1993, no §2º do art. 7º, há a clara preocupação de que as obras e os serviços só sejam licitados quando houver projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados em participar do processo licitatório. Deve também existir orçamento, detalhado em planilhas, que expresse a composição de todos os custos unitários. Veda, ainda, a inclusão, no objeto da licitação, de fornecimento de materiais e serviços, sem previsão de quantidades ou quando os quantitativos não corresponderem às previsões reais do projeto básico ou executivo.

O não cumprimento de tais requisitos, prevê a lei, implica na nulidade dos atos ou contratos realizados e a responsabilidade de quem lhes tenha dado causa.

Outra característica dos regimes tradicionais é que está proibida a participação direta ou indireta do autor do projeto, básico ou executivo, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários, bem como da empresa, isoladamente ou em consórcio, responsável pela elaboração do projeto básico ou executivo ou da qual o autor do projeto seja dirigente, gerente, acionista ou detentor de mais de 5% (cinco por cento) do capital com direito a voto ou controlador, responsável técnico ou subcontratado.

A participação das pessoas acima elencadas só é permitida na licitação de obra ou serviço, ou na execução, como consultor ou técnico, nas funções de fiscalização, supervisão ou gerenciamento, exclusivamente a serviço da Administração interessada.

A licitação ou contratação de obra ou serviço pode incluir a elaboração tão somente de projeto executivo como encargo do contratado ou pelo preço previamente fixado pela Administração.

Na licitação de obras e serviços de engenharia pelo regime de contratação integrada, a existência de projeto básico não é requisito. A Lei nº 12.462, de 2011 faz outras exigências que, notoriamente, diminuem, em relação à Lei nº 8.666, de 1993, pois não há noção exata do que se deseja licitar, contratar e executar, isto é, há uma minoração de dados para a análise das propostas dos licitantes em função de que, em alguns casos fica dificultada a visualização do exato entendimento da melhor solução técnica a ser adotada quando da elaboração dos projetos.

Diferencia-se a contratação integrada dos demais regimes, uma vez que nesta a análise e a aceitação do projeto deverá limitar-se a sua adequação técnica em relação aos parâmetros definidos no instrumento convocatório, devendo ser assegurado que as parcelas desembolsadas observem ao cronograma financeiro apresentado. É este o dizer do § 2º do Art. 76 do Decreto Federal nº 7.581, de 2011, que regulamenta a Lei do RDC.

Quando é exigido o projeto básico, como requisito para a licitação da execução da obra, não é dada a mesma autonomia ao contratado, uma vez que este está vinculado àquele. Por outro lado, quando é exigido apenas o anteprojeto, tal qual na contratação integrada, são dados apenas parâmetros ao contratado, e consequentemente, lhe é conferida uma maior autonomia.

Tal contratação, em função de entregar a obra em pleno funcionamento, é do tipo “turn-key”, numa tradução literal, “gire a chave”, também chamada de “chave na mão”, isto é, contrata-se o empreendimento em sua totalidade.

As contratações do tipo “turn key” também são denominadas EPC (do inglês “Engineering, Procurement and Construction”), cuja tradução é Engenharia, Suprimento e Construção. Nessa modalidade de execução contratual, a contratada é responsável pelo fornecimento integral do objeto, incluindo fornecimento de materiais e equipamentos, construção montagem e colocação em operação.

Esse modelo pode ocorrer com a elaboração prévia do projeto básico pela contratante ou com a atribuição à contratada de execução do projeto básico.[13]

Assim, quando se contrata uma obra do tipo “turn-key” com o projeto básico pronto, estamos diante da empreitada integral, onde a obrigação da contratada é de meio; quando se contrata passando a responsabilidade do contratado desenvolver o projeto básico, estamos diante do Regime de Contratação Integrada – RDC, onde a obrigação é de resultado.

3.3.      OS RISCOS DA CONTRATAÇÃO INTEGRADA

Uma vez que o projeto básico é desenvolvido pelo contratado vencedor da licitação, fica transferida a este os riscos provindos de possíveis erros na elaboração dos projetos, sendo, de acordo com o § 4º do Art. 9º da Lei do RDC, como regra, vedada a celebração de termos aditivos aos contratos firmados.

Os aditivos só serão permitidos para recomposição do equilíbrio econômico-financeiro decorrente de caso fortuito ou força maior; e por necessidade de alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos objetivos da contratação, a pedido da administração pública, desde que não decorrentes de erros ou omissões por parte do contratado, observados os limites previstos no § 1º, art. 65 da Lei nº 8.666/1993, isto é “contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos”. Não se verificam aí grandes alterações em relação à Lei nº 8.666/1993, mas o debate a respeito de aditivo em relação a erros de projetos deixa de existir, passando essa responsabilidade exclusivamente para o contratado.

Como o projeto é desenvolvido pelo contratado, o olhar será volvido para o controle dos resultados do processo, e a Administração deverá fiscalizar a eficiência do projeto apresentado pelo contratado com base no anteprojeto de engenharia e seus elementos constitutivos e a consequente execução da obra.

Com isso não implica que todos os riscos devam ficar com o contratado, mas somente aqueles que lhe são atribuíveis, de forma que a alocação dos riscos seja inerente a cada contrato. Por isso a importância da qualidade do conteúdo do anteprojeto e seus elementos técnicos instrutores que vai embasar a licitação, de modo a evitar prejuízos ao contratado ou, ao contrário, seu enriquecimento ilícito.

Em que pese a impossibilidade de prever todos os problemas, é possível, por meio da experiência profissional, antecipar muitos deles.

O Decreto nº 7.581/2011, no §1º do Art. 75, em função das maiores incertezas que cercam a contratação integrada, estabeleceu que na elaboração do orçamento estimado poderá ser considerada taxa de risco compatível com o objeto da licitação e as contingências atribuídas ao contratado, devendo a referida taxa ser motivada de acordo com metodologia definida em ato do Ministério supervisor ou da entidade contratante. E tal taxa de risco, assim diz o § 2º do mesmo artigo, não integrará a parcela de benefícios e despesas indiretas - BDI do orçamento estimado, devendo ser considerada apenas para efeito de análise de aceitabilidade das propostas ofertadas no processo licitatório.

Seria incoerente pensar em estabelecer uma taxa de risco referencial genérica, já que cada contrato, em razão de suas características e os elementos que o compõe tem riscos próprios e específicos. Aqui destaque-se a importância do desenvolvimento de metodologia científica com o escopo de construir matrizes de risco.

As matrizes de riscos, assim orienta o Tribunal de Contas da União, devem ser elementos instrutores do edital de licitação, isto é, devem ser um dos documentos técnicos a serem incluídos no anteprojeto de engenharia, onde se explicitará os riscos relativos a cada contrato e discriminar qual parte assume a responsabilidade correspondente a cada um deles:

 (...) a "matriz de riscos", instrumento que define a repartição objetiva de responsabilidades advindas de eventos supervenientes à contratação, na medida em que é informação indispensável para a caracterização do objeto e das respectivas responsabilidades contratuais, como também essencial para o dimensionamento das propostas por parte das licitantes, é elemento essencial e obrigatório do anteprojeto de engenharia, em prestígio ao definido no art. 9º, § 2º, inciso I, da Lei 12.462/2011, como ainda nos princípios da segurança jurídica, da isonomia, do julgamento objetivo, da eficiência e da obtenção da melhor proposta;[14]

Verifica-se que a não elaboração de uma matriz de risco pode trazer como consequência o ferimento do princípio da isonomia, da transparência e da segurança jurídica, bem como abre a possibilidade da transferência de alguns deles à Administração, surgindo a necessidade desta ser obrigada a reestabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, tendo em vista que deixou de atribuir tais riscos ao contratado.

9.2.1 preveja, doravante, nos empreendimentos a serem licitados mediante o regime de contratação integrada, previsto no art. 9º da Lei nº 12.462/2011, uma “matriz de riscos” no instrumento convocatório e na minuta contratual, de forma a tornar o certame mais transparente, fortalecendo, principalmente, a isonomia da licitação (art. 37, XXI, da Constituição Federal; art. 1º, § 1º, IV, da Lei nº 12.462/2011) e a segurança jurídica do contrato (art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal).[15]

Portanto, a matriz de risco surge um novo documento a acompanhar o instrumento convocatório, fazendo parte do anteprojeto de engenharia, o que antes não era exigido.

4.                  O CONTEÚDO DO ANTEPROJETO DE ENGENHARIA NO REGIME DE CONTRATAÇÃO INTEGRADA

Nada é mais determinante para o êxito da contratação integrada do RDC do que a compreensão do que realmente seja um anteprojeto e o conteúdo dos elementos técnicos que o compõem. Por esta razão é determinante que o advogado público saiba analisar se estão ou não presentes tais elementos, com o fito de verificar o cumprimento do princípio da legalidade.

Reza o §2º do Art. 9º da Lei do RDC, que o instrumento convocatório deverá conter anteprojeto de engenharia que contemple os documentos técnicos destinados a possibilitar a caracterização da obra ou serviço, incluindo a demonstração e a justificativa do programa de necessidades, a visão global dos investimentos e as definições quanto ao nível de serviço desejado; as condições de solidez, segurança, durabilidade e prazo de entrega; a estética do projeto arquitetônico; e os parâmetros de adequação ao interesse público, à economia na utilização, à facilidade na execução, aos impactos ambientais e à acessibilidade.

Há forte e importantes vozes defendendo que não é possível se realizar uma contratação pública sem que haja projeto completo:

Se a Administração Pública deixar de estabelecer, de maneira completa, o conjunto de elementos suficientes para caracterizar o que está pretendendo contratar, não haverá torneio possível, pois, em verdade, estarão sendo oferecidas propostas para alguma coisa que não se sabe ao certo o que efetivamente é: trata-se de um pressuposto lógico do certame.[16]

Assim, é importante verificar se essas vozes estão corretas no sentido de não ser possível a licitação com base em anteprojeto de engenharia e seus elementos técnicos instrutores, por serem insuficientes, o objeto a ser contratado.

O que se pretende é, a partir das fronteiras trazidas pela lei, a advocacia pública, com o apoio da engenharia e arquitetura, verificar a possibilidade de um anteprojeto de engenharia conter informações e requisitos técnicos destinados a possibilitar a caracterização do objeto contratual. A Lei 12.462, de 2011 exige que seja demonstrado e justificado o programa de necessidades, se obtenha a visão global dos investimentos, que haja definições quando ao nível de serviço desejado; as condições de solidez, segurança, durabilidade e prazo de entrega; a estética do projeto arquitetônico; e os parâmetros de adequação ao interesse público, à economia na utilização, à facilidade de execução, aos impactos ambientais e à acessibilidade.

Evidentemente, só tais indicações legais são insuficientes para definir como essas informações podem estar contidas no anteprojeto de engenharia.

Por este motivo o Decreto nº 7.581, de 2011, no §1º de seu art. 74, estabeleceu os documentos técnicos necessários, isto é, documentos que demonstrem:

I - concepção da obra ou serviço de engenharia;

II - projetos anteriores ou estudos preliminares que embasaram a concepção adotada;

III - levantamento topográfico e cadastral;

IV - pareceres de sondagem; e

V - memorial descritivo dos elementos da edificação, dos componentes construtivos e dos materiais de construção, de forma a estabelecer padrões mínimos para a contratação. 

Ainda assim, mesmo com o regulamento, tais definições não traduzem o que realmente seja um anteprojeto de engenharia para os fins da contratação integrada.

O que este trabalho produz de novo é trazer à advocacia pública, sob a luz da engenharia e da arquitetura, todos os elementos que caracterizam os documentos exigidos pelo Decreto 7.581, de 2011, e que traduzem as informações necessárias que a Lei nº 12.462, de 2011 requer.

Talvez, a verificação dos itens a serem discutidos abaixo, permita que aqueles que são frontalmente contra a utilização do regime de contratação integrada, por encará-lo como um documento de pouca consistência, revejam seus conceitos no sentido de não excluir de antemão esse regime, permitindo a utilização nos casos especiais que lei admite.

4.1.      A CONCEPÇÃO DA OBRA OU SERVIÇOS DE ENGENHARIA

Perceba-se que o Decreto Regulamentador da Lei nº 12.462, de 2011 chegou até esse ponto: exigiu que houvesse a “concepção da obra ou serviços de engenharia” e não estabeleceu como seria essa concepção, que documento a caracterizaria.

O trabalho que demonstra a concepção da obra e serviços de engenharia não é algo simples e sem detalhes, ao contrário, essa demonstração só se concretiza a partir de complexos estudo de viabilidade e termo de referência para a elaboração do anteprojeto, da concepção arquitetônica, e das concepções preliminares dos projetos complementares.

Ainda é preciso definir o que vem a ser esses documentos.

4.1.1.   O ESTUDO DE VIABILIDADE

O estudo de viabilidade do empreendimento público, “permite responder se o empreendimento é viável, isto é, se atende aos critérios pré-estabelecidos pela Administração, tais quais os socioeconômicos, socioambientais, socioculturais e sociopolíticos”[17]

Nesta fase ... se fará análises e avaliações do ponto de vista técnico, legal e econômico e que promove a seleção e recomendação de alternativas para a concepção dos projetos. Permite verificar se o programa, terreno, legislação, custos e investimentos são executáveis e compatíveis com os objetivos do órgão ou entidade.[18]

É neste momento que se estuda as questões sociais associadas às econômicas, verificando se está se atingindo o critério socioeconômico eleito. Aqui se verifica a existência e as características do terreno onde será executado o empreendimento público, estudando a necessidade de remoção de eventuais ocupantes, de terraplanagem, de custos com corte de vegetação, com sondagem geológica, gastos com realocação de fios de alta tensão, com adutoras, córregos e emissários. Ainda, como critério socioeconômico, deve ser estudado a existência e qualificação de mão de obra, fornecedores e empreiteiras locais, disponibilidade de serviços públicos, a situação econômica da população do entorno. Todos esses elementos, fornecerão, além de importantes ferramentas de planejamento social, condições de se fazer uma estimativa de custos dos projetos, da obra em si e do preparo do terreno.

Os aspectos socioambientais a serem analisados durante o estudo de viabilidade fornece informações para a realização do anteprojeto. Nesse estudo se verifica possíveis impactos ambientais eventualmente observados durante a execução da obra, as condições ambientais do terreno e de seu entorno, bem como, é nesta fase que são consultados os órgãos ambientais.

Os critérios socioculturais, a serem pesquisados durante o estudo de viabilidade, podem prever os impactos culturais do empreendimento durante a execução e a ocupação da obra. Assim, é necessário se estudar os valores do lugar: paisagístico, estético, arquitetônico, arqueológico, tecnológicos e emocionais. Fundamental também que se verifique os costumes locais e a forma de construir daquele lugar, os métodos construtivos, os materiais utilizados, os equipamentos e a forma de trabalho. Finalmente cabe ainda o estudo a respeito de possíveis tombamentos de edificações, de obras vizinhas e paisagens.

O último critério, o sociopolítico, diz respeito ao necessário contato da Administração com a comunidade local e à necessidade de cumprimento da legislação local. Aqui surge a oportunidade de construir, junto com a população envolvida, o Programa de Necessidades preliminar, bem como, aprovar o documento final do estudo de viabilidade.

4.1.2.   O TERMO DE REFERÊNCIA

Mas, como se viu acima, não é só o estudo de viabilidade que compõe a concepção da obra ou serviços de engenharia. O segundo documento que a caracteriza é o termo de referência. Com a sua elaboração se definem os projetos e elementos técnicos a serem exigidos da contratada para a elaboração dos projetos e a execução da obra pelo regime de contratação integrada, bem como seus preços máximos, prazo de entrega, estudo de necessidades final, obrigações e matriz de riscos do contratante e da contratada, resultados a serem exigidos na obra quanto às inovações tecnológicas, a acessibilidade, preservação do patrimônio cultural, paisagístico e ambiental, dentre outros.

4.1.3.   AS CONCEPÇÕES ARQUITETÔNICA E DOS PROJETOS COMPLEMENTARES

Para compor o anteprojeto, como um terceiro documento, é necessária a concepção arquitetônica, que deve ter as plantas dos pavimentos e da cobertura, os cortes e elevações, os detalhes de elementos que influenciam no orçamento, a indicação de elementos existentes, a demolir e a executar, em caso de reforma e ampliação, além de especificações preliminares relativas a materiais, equipamentos, elementos e sistemas construtivos.[19] E ainda, complementam os documentos relativos à concepção da obra ou serviço de engenharia, a concepção dos projetos complementares, ou seja, a concepção dos seguintes projetos: de acessibilidade, de restauro, de paisagismo, de fundação, estrutural, hidráulico, de captação de águas pluviais, de drenagem, de tratamento de resíduos, de instalações elétricas, de telefonia, de lógica, de prevenção contra incêndio e pânico, de climatização (Ar Condicionado e Ventilação), de radioproteção, acústico, ambientais, do canteiro de obras dentre outros necessários a cada empreendimento específico. Essa concepção deve conter, no mínimo, plantas, “layouts”, estimativas de quantitativos e especificações preliminares.

4.2.      OS PROJETOS ANTERIORES OU ESTUDOS PRELIMINARES QUE EMBASARAM A CONCEPÇÃO ADOTADA E O MEORIAL DESCRITIVO,

Os projetos anteriores ou estudos preliminares se existirem devem fazer parte do anteprojeto de engenharia para embasara concepção adotada.

Compõe também o anteprojeto de engenharia o memorial descritivo, com o escopo de estabelecer padrões mínimos de contratação, favorecendo para que, na ausência ou pouco detalhamento de desenhos, possa contribuir para dar uma visão mais precisa do empreendimento. Nesse memorial devem constar os padrões mínimos dos elementos da edificação, dos componentes construtivos e dos materiais de construção.

4.3.      O LEVANTAMENTO TOPOGRÁFICO E CADASTRAL E O PARECER DE SONDAGEM

É elemento obrigatório para o anteprojeto o levantamento topográfico e cadastral, conforme estabelece a NBR-13.133, contendo o levantamento planimétrico; o desenho; o conhecimento geral do terreno, com relevo, limites, confrontantes, área, localização, amarração e posicionamento; todas as informações sobre o terreno destinadas a estudos preliminares de projetos e a projetos executivos.

A lei exige também que o anteprojeto contenha parecer de sondagem, no sentido de proporcionar uma ideia muito próxima do tipo de fundação que será utilizada em função das características do solo, o que permitirá um orçamento estimativo mais aproximado do real.

4.4.      O ORÇAMENTO ESTIMATIVO

O orçamento estimativo, de acordo com a Orientação Técnica OT-002/2014-IBRAENGE[20] - deverá ser composto por orçamento preliminar, a ser desenvolvido ainda no estudo de viabilidade, e os orçamentos paramétrico e expedito, conforme exige a lei do RDC. Esses elementos permitem a elaboração de um cronograma preliminar de execução, que descreverá as etapas e respectivos serviços da obra, os prazos de cada etapa e serviços e o prazo total.

A elaboração do orçamento a partir de um anteprojeto de engenharia tem sido uma das mais polêmicas questões da contratação integrada, especialmente pela impossibilidade de se realizar um orçamento analítico da obra, com a utilização, por exemplo, de tabelas referenciais, como a SINAPI – Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil.[21]

O Tribunal de Contas da União, com a intensão de possibilitar a melhor estimativa de preço possível para a obra a ser executada se encaminhou no sentido de exigir os maiores detalhes possíveis e a utilização das tabelas de preços oficiais (SINAPI e/ou SICRO), bem como a utilização de estimativas paramétrica ou expeditas como alternativa diante da impossibilidade de orçar analiticamente determinadas frações da obra. Mesmo com a utilização daquelas estimativas, menos precisas, deve se optar pela de maior precisão:

9.1.5. sempre que o anteprojeto, por seus elementos mínimos, assim o permitir, as estimativas de preço a que se refere o art. 9º, § 2º, inciso II, da Lei 12.462/2011 devem se basear em orçamento sintético tão detalhado quanto possível, balizado pelo Sinapi e/ou Sicro, devidamente adaptadas às condições peculiares da obra, conforme o caso, devendo a utilização de estimativas paramétricas e a avaliação aproximada baseada em outras obras similares serem realizadas somente nas frações do empreendimento não suficientemente detalhadas pelo anteprojeto ...

9.1.6. quando utilizada metodologia expedita ou paramétrica para abalizar o valor do empreendimento - ou fração dele -, consideradas as disposições do subitem anterior, dentre duas ou mais técnicas estimativas possíveis, utilize a que viabilize a maior precisão orçamentária;

 A Lei previu ainda, no §6º do Art. 8º que no caso de contratações realizadas pelos governos municipais, estaduais e do Distrito Federal, desde que não envolvam recursos da União, o custo global de obras e serviços de engenharia poderá também ser obtido a partir de outros sistemas de custos já adotados pelos respectivos entes e aceitos pelos respectivos tribunais de contas.

A metodologia paramétrica “consiste na orçamentação do objeto com base em custos históricos, índices, gráficos, correlações ou comparações com projetos anteriores”, enquanto que na metodologia expedita “com grau de precisão intermediário ... serão utilizados os mesmos procedimentos, porém aplicando-se em segmentos do objeto ... cabe a avaliação expedita de cada unidade/etapa/parcela do objeto relevante financeiramente”.[22]

Um orçamento paramétrico possui, de acordo com o IBRAENGE, a descrição dos serviços, os quantitativos calculados e/ou estimados, os custos unitários paramétricos, a composição ou indicação dos encargos sociais de referência, a composição do BDI – Bônus e Despesas Indiretas, e o preço global. Enquanto que um orçamento expedito contém o CUB adotado, com fonte e valor, o cálculo da área equivalente, as estimativas e acréscimo dos custos dos elementos  não integrantes do CUB e a composição do BDI.

Como se vê, um anteprojeto não é apenas “ quase um rabisco daquilo que é contratado”[23], mas se bem feito, pode, em casos especiais, ser uma excelente opção para a execução de um empreendimento público.

O fato é que, assim exige a lei do RDC, no parágrafo 7º do art. 8º, “é vedada a realização, sem projeto executivo, de obras e serviços de engenharia para cuja concretização tenha sido utilizado o RDC, qualquer que seja o regime adotado”. Portanto, mesmo da contratação integrada deverá haver projeto executivo. O que diferencia dos demais regimes é que este projeto não será apresentado antes da licitação, pela própria Administração, enquanto que no regime de contratação integrada será apresentado pela contratada e será de sua responsabilidade. Portanto, em hipótese alguma se iniciará obra sem os projetos completos.

5.                  CONSIDERAÇÕES FINAIS

 A Contratação Integrada do Regime Diferenciado de Contratações é uma alternativa que pode ser de muita utilidade para a Administração Pública brasileira e não pode passar ao largo do interesse da advocacia pública. Ao mesmo tempo, deve ser vista com olhos diferentes daqueles que veem as licitações a partir da lei nª 8.666, de 1993, pois o paradigma é outro, o tipo de obrigação a ser contratada é outra.

Para que a Lei nº 12.462/2011 gere empreendimentos públicos exitosos, ainda prevalece a capacidade de a Administração realizar um bom planejamento, uma vez que o Estado não perde sua prerrogativa de realizar o planejamento de suas obras com a contratação integrada, e o faz via anteprojeto de engenharia. Sob esse enfoque, cabe a cada órgão da Advocacia Pública, no exercício das atribuições de que a Constituição os incumbiu e, em relação à consultoria e assessoramento, de acordo com Gustavo Binenbojm (i) viabilizar, no plano jurídico, as políticas públicas definidas pelos agentes políticos eleitos – e nisso reside o seu compromisso democrático; e (ii) ajustar os atos dos gestores públicos e do aparato administrativo ao quadro de possibilidades e limites oferecidos pelo ordenamento jurídico, na realização de um controle de juridicidade que é tanto prévio quanto sucessivo – o que constitui o seu compromisso jurídico[24].

Dizer que a Administração pública brasileira, com base na Lei 8.666, de 1993, é quem faz seus projetos de engenharia e arquitetura não é verdade. Via de regra, quem elabora os projetos são escritórios de projetos de engenharia e arquitetura contratados por licitações públicas. A Administração, por vezes apresenta um anteprojeto, porém, na maioria das vezes, traz como um dos elementos instrutores anexos ao edital, um termo de referência. Com base no anteprojeto ou no termo, os escritórios de engenharia e arquitetura desenvolvem os projetos básico e/ou executivo e, normalmente após reuniões com os fiscais da Administração em fases distintas de recebimentos parciais, os entregam à Administração. Esta deve recebê-los se os projetos estiverem de acordo com o termo de referência.

Na contratação integrada, a licitante recebe um anteprojeto e demais elementos instrutores, nos moldes apresentados acima, anteriores ao projeto básico. Com base nestes documentos técnicos o adjudicado e contratado desenvolve o projeto básico e executivo e submete à Administração, a qual deve fazer a verificação da conformidade com o anteprojeto e demais elementos constantes do edital e possível aprovação. Uma vez não conforme o projeto básico, não respeitados os requisitos editalícios, o contratado deverá adaptá-lo aos requisitos do instrumento convocatório.

Não se pode confundir a mudança de momento do projeto básico e executivo com as suas ausências.

O êxito de uma contratação integrada está, fundamentalmente, na definição do detalhamento dos elementos mínimos necessários para a caracterização do anteprojeto de engenharia, tal qual prevê para a União o § 4º do Art. 74 do Decreto nº 7.581/2011, e conforme os detalhes descritos nesses trabalhos, os quais poderão ser normatizados pelos órgãos e entidades contratantes.

REFERÊNCIAS

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1993. p. 337.

BONATTO, Hamilton. Coletânea de Cadernos de Orientação para a Contratação de Obras e Serviços de Engenharia – edificações: Termo de Referência. Curitiba: NJA/PGE/SEIL.

BONATTO, Hamilton. Licitações e Contratos de Obras e Serviços de Engenharia. 2ª Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão – 1465/2013 - Plenário, rel. Ministro José Múcio  Monteiro, 12.6.2013.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1510/2013, Plenário, rel. Ministro Valmir Campelo. 19/06/2013.

BINENBOJM, Gustavo. Parecer exarado no Fórum Nacional da Advocacia Pública Federal sobre a constitucionalidade de dispositivos do Projeto de Lei Complementar nº 205, de 2012 (“PLC”).

CAMAROSANTO, Márcio; DAL POZZO, Augusto Neves; VALIM, Rafael. Regime Diferenciado de Contratações – RDC: Lei nº12.462/2011; Decreto nº 7.581/2011. Aspectos Fundamentais. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

HOLANDA, Frederico de. Notas Sobre a Dimensão Estética da Arquitetura. http://www.portalseer.ufba.br/index.php/rua/article/view/3107/2224. Acesso em 15/de05/2014. p.77.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários ao RDC. São Paulo: Dialética, 2013.

PEIXOTO, Berto Luiz Freitas; GOMES, Maria de Lourdes Barreto. Ganhos em produtividade decorrentes de inovação tecnológica na construção civil: o uso dos distanciadores plásticos no sub-setor de edificações. XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006. http://www.coplas.com.br/upload/artigos/artigos_6-pt.pdf Acesso em 16/05/2014.

PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei das licitações e contratações da Administração pública. 7. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com as Emendas Constitucionais promulgadas até 2006, inclusive, com a Lei complementar nº 101/2000, com o Código Civil de 2002, com a Lei Complementar nº 123/2006, com as Leis de nº 9.648/98, 9.854/99, 10.259/01, 10.438/02, 10.520/02, 10.973/04, 11.077/04, 11.079/04, 11.101/05, 11.107/05, 11.196/05, 11.445/07 e 11.481/07, e seus respectivos decretos de regulamentação, quanto ao pregão, incluindo modelos de editais, contratos e rotinas administrativas. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

OCDE - Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento; Manual de Oslo. Proposta e Diretrizes para Coleta e Interpretação de Dados sobre Inovação Tecnológica. Traduzido por FINEP;136 p. Brasília-DF:2004.

ZYMLER, Benjamin; DIOS, Laureano Canabarro. Regime Diferenciado de Contratação – RDC. Belo Horizonte: Fórum, 2014.



[1] Artigo apresentado ao Instituto para o Desenvolvimento Democrático como parte das exigências para a conclusão do Curso de Especialização em Direito Público. Publicado na Revista Jurídica “Direito do Estado em Debate”, da Procuradoria Geral do Estado do Paraná, V.7 - 2016.

[2]          BONATTO, Hamilton. Licitações e Contratos de Obras e Serviços de Engenharia. 2ª Ed. Belo Horizonte: Fórum. 2012. p.188.

[3]          Idem. p. 185/186.

[4]          PEREIRA JUNIOR. Comentários à lei das licitações e contratações da Administração pública, 7. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com as Emendas Constitucionais promulgadas até 2006, inclusive, com a Lei complementar nº 101/2000, com o Código Civil de 2002, com a Lei Complementar nº 123/2006, com as Leis de nº 9.648/98, 9.854/99, 10.259/01, 10.438/02, 10.520/02, 10.973/04, 11.077/04, 11.079/04, 11.101/05, 11.107/05, 11.196/05, 11.445/07 e 11.481/07, e seus respectivos decretos de regulamentação, quanto ao pregão, incluindo modelos de editais, contratos e rotinas administrativas. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 115.

[5]          BONATTO, Hamilton. Op. Cit. p.189.
 

[6]          Conf. PESSOA NETO, José Antônio. COSTA CORREIA, Marcelo Bruto da. RDCÇ Comentáios ao Regime Diferenciado de Contratações – Lei 12.462/2011. Uma perspectiva gerencial. Curitiba: ed. Negócios Públicos. 2015. p. 115.

[7]          PESSOA NETA, José Antônio. COSTA CORREIA, Marcelo Bruto da. RDC Comentários ao Regime Diferenciado de Contratações – Lei 12.462/2011. Uma perspectiva gerencial. Curitiba: ed. Negócios Públicos. 2015. p. 116-117.
 

[8]          BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1510/2013, Plenário, rel. Ministro Valmir Campelo. 19/06/2013.

[9]          OCDE, Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento; Manual de Oslo. Proposta e Diretrizes para Coleta e Interpretação de Dados sobre Inovação Tecnológica. Traduzido por FINEP;136 p. Brasília-DF:2004.

[10]        BRASIL. TRIBUNAL DE Contas da União. Acórdão nº 1510/2013, Plenário, rel. Ministro Valmir Campelo. 19/06/2013.

[11]        Conf. PESSOA NETO, José Antônio. COSTA CORREIA, Marcelo Bruto da. RDCÇ Comentáios ao Regime Diferenciado de Contratações – Lei 12.462/2011. Uma perspectiva gerencial. Curitiba: ed. Negócios Públicos. 2015. p. 122.

[12]        Conf. PEIXOTO, Berto Luiz Freitas; GOMES, Maria de Lourdes Barreto. Ganhos em produtividade decorrentes de inovação tecnológica na construção civil: o uso dos distanciadores plásticos no sub-setor de edificações. XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006. http://www.coplas.com.br/upload/artigos/artigos_6-pt.pdf Acesso em 16/05/2014.
 

[13]        ZYMLER, Benjamin; DIOS, Laureano Canabarro. Regime Diferenciado de Contratação – RDC. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p.189.
 

[14]        BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1510/2013, Plenário, rel. Ministro Valmir Campelo. 19/06/2013.

[15]        BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão – 1465/2013-Plenário, rel. Ministro José Múcio  Monteiro, 12.6.2013.
 

[16]        CAMAROSANTO, Márcio; DAL POZZO, Augusto Neves; VALIM, Rafael. Regime Diferenciado de Contratações – RDC: Lei nº12.462/2011; Decreto nº 7.581/2011. Aspectos Fundamentais. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p.71.


 

[17]        BONATTO, Hamilton. Critérios Éticos Para a Construção de Edifícios Sustentáveis. Ed. Negócios Públicos. No prelo.

[18]        BONATTO, Hamilton. Licitações e Contratos de Obras e Serviços de Engenharia. Belo Horizonte: Fórum. 2010. p. 198.
 

[19]        INRAENGE. OT-002/2014. Elementos Mínimos para Projetos de Engenharia. http://www.ibraeng.org/public/uploads/publicacoes/OT-002-2014-IBRAENG_Elementos_M%C3%ADnimos_Para_Anteprojetos_de_Engenharia_vers%C3%A3o2_em_consulta_p%C3%BAblica1.pdf. Acesso em 27/06/2015.

[20]        http://www.ibraeng.org/public/uploads/publicacoes/OT-002-2014-IBRAENG_Elementos_M%C3%ADnimos_Para_Anteprojetos_de_Engenharia1.pdf. Acesso em 28/06/2015.

[21]        O Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (SINAPI) tem gestão compartilhada entre Caixa e IBGE e divulga mensalmente custos e índices da construção civil. A Caixa é responsável pela base técnica de engenharia (especificação de insumos, composições de serviços e projetos referenciais) e pelo processamento de dados, e o IBGE, pela pesquisa mensal de preço, metodologia e formação dos índices. http://www.caixa.gov.br/poder-publico/apoio-poder-publico/sinapi/Paginas/default.aspx. Acesso em 28/06/2015.


 

[22]        ZYMLER, Benjamin; LAUREANO, Canabarro Dios. 2 ed. Revista, atualizada e ampliada, 1ª reimpressão – Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 195-196.

[23]        Expressão usada por Carlos Eduardo Lima Jorge, presidente da Comissão de Obras Públicas da CBIC (Camara Brasileira da Indústria da Construção) e diretor-executivo da APEOP (Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas). In http://www.caubr.gov.br/?p=33094. Aceeso em 28/06/2015.
 

[24]        BINENBOJM, Gustavo. Parecer exarado no Fórum Nacional da Advocacia Pública Federal sobre a constitucionalidade de dispositivos do Projeto de Lei Complementar nº 205, de 2012 (“PLC”).