O “NOVO” PREGÃO ELETRÔNICO:

FORMALISMO NA VERIFICAÇÃO PRELIMINAR DAS PROPOSTAS ORIGINALMENTE CADASTRADAS E LIMITES NA ADMISSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO A POSTERIORI

 

 

 

RAFAEL SÉRGIO DE OLIVEIRA

@rafaelsergiodeoliveira

Procurador Federal da AGU. Doutorando em Ciências Jurídico-Políticas. Mestre em Direito. Pós-Graduado em Direito da Contratação Pública pela Universidade de Lisboa. Participante do Programa Erasmus+ na Università degli Studi di Roma. Fundador do Portal L&C. Palestrante e Professor em diversos cursos de pós-graduação no Brasil.

 

 

VICTOR AMORIM

@prof.victor.amorim

Doutorando em Constituição, Direito e Estado pela UnB. Mestre em Direito Constitucional pelo IDP. Coordenador do Curso de Pós-graduação em Licitações e Contratos Administrativos do IGD. Professor de pós-graduação do ILB, IDP, IGD e CERS. Por mais de 13 anos, atuou como Pregoeiro no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (2007-2010) e no Senado Federal (2013-2020). Foi Assessor Técnico da Comissão Especial de Modernização da Lei de Licitações, constituída pelo Ato do Presidente do Senado Federal nº 19/2013, responsável pela elaboração do PLS nº 559/2013 (2013-2016). Membro da Comissão Permanente de Minutas-Padrão de Editais de Licitação do Senado Federal (2015-2020). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA). Advogado e Consultor Jurídico. Site: www.victoramorim.com

 

 

 

 

Em nossa atividade cotidiana e em conferências virtuais, temos recebido diversos questionamentos quanto à nossa compreensão acerca do alcance da verificação das propostas realizada pelo Pregoeiro antes do início da fase de lances e, ainda, da vinculação das propostas originárias em face de eventuais alterações supervenientes em sede de ajustes e diligências.

Para tanto, cumpre salientar que a questão é enfrentada, com o devido rigor e profundidade, em nossa obra “Pregão Eletrônico: comentários ao Decreto Federal nº 10.024/2019”, lançada em 2020 pela Editora Fórum[1].

Dessa forma, com vistas a compartilhar o conhecimento, passamos, a seguir, a reproduzir, com algumas adaptações e acréscimos, o conteúdo de parte das páginas 155 a 159 do livro: 

 

 

1. A VERIFICAÇÃO INICIAL DA CONFORMIDADE DAS PROPOSTAS CADASTRADAS NO SISTEMA

O art. 28 do Decreto Federal nº 10.024/2019 trata da providência a ser adotada pelo Pregoeiro antes de proceder à abertura da fase de lances: a chamada etapa de "verificação da conformidade das propostas", consoante dispõe o inciso VII, art. 4º, da Lei nº 10.520/2002.

Cadastrada a proposta na forma do art. 26 do regulamento, em tal etapa inicial, haverá o pleno sigilo em relação à autoria das propostas e, também, aos documentos encaminhados via sistema, de modo que eventuais tentativas dos licitantes de se identificarem indevidamente através dos registros, em campo livre, no sistema, acarretará a necessária desclassificação das propostas.

Em sede de pregão eletrônico, não é despiciendo frisar que o atual regulamento, assim como o Decreto nº 5.450/2005, deixou de implementar a faixa de classificação para a fase de lances de que trata o inciso VIII do art. 4º da Lei nº 10.520/2002, segundo o qual somente poderiam registrar lances “o autor da oferta de valor mais baixo e os das ofertas com preços até 10% (dez por cento) superiores àquela”. Dessa forma, não haverá respaldo para uma filtragem do Pregoeiro quanto à faixa de corte para o universo dos licitantes aptos a participarem da fase de lances.

Considerando que o sigilo quanto à autoria das propostas somente será afastado após a conclusão da fase de lances (art. 26, §8º), o Pregoeiro não terá condições práticas de realizar o afastamento de licitante por ausência de condição de participação, como, por exemplo, nas hipóteses previstas no art. 9º da Lei nº 8.666/1993 e nos casos de vigência de sanções administrativas e judiciais restritivas do direito de licitar e contratar com o Poder Público.

Destarte, como base de análise do Pregoeiro para a "verificação da conformidade das propostas" remanesceria apenas as informações básicas preenchidas pelos licitantes quando do cadastramento das ofertas no sistema, de modo que, no pregão eletrônico, somente se admitiria a desclassificação antes da fase de lances quando a desconformidade com os requisitos do edital for manifesta[2] ou quando se estiver diante de preços simbólicos, irrisórios, de valor zero ou que, diante das circunstâncias e das características do objeto, ostentem uma presunção absoluta de inexequibilidade.[3][4]

 

1.1. O caráter instrumental da proposta originalmente cadastrada

Há que se reconhecer que a sistemática implementada pelo sistema Comprasnet quanto ao cadastramento inicial das propostas confere um nítido caráter instrumental à etapa que antecede à disputa de lances, uma vez que os elementos de informação que teriam o condão de ensejar a exclusão precoce das propostas relacionados à eventual desconformidade manifesta com o edital (como a indicação de marca e modelo dos produtos) não estarão disponíveis ao Pregoeiro e aos demais concorrentes, restando o preço como a única informação relevante.

Em tal seara, o TCU, com base no que dispunha o então §2º do art. 22 do Decreto nº 5.450/2005 –[5]  com redação praticamente idêntica ao caput do art. 28 do Decreto nº 10.024/2019 – paulatinamente, vem reiterando que a análise definitiva acerca do real atendimento às especificações do edital somente deve se dar quando do julgamento das propostas – que acontece após a fase de lances e de negociação –, devendo o Pregoeiro, inclusive e quando cabível, realizar diligência ou oportunizar ao licitante em questão a apresentação de esclarecimentos e complementações acerca das especificações do bem ou serviço ofertado.

 

5. Quanto à primeira irregularidade, qual seja, a recusa da proposta da empresa XXX para os grupos 9 e 10 do Pregão Eletrônico 70/2012, em razão de a licitante não ter feito constar corretamente a marca dos produtos ofertados, manifesto minha concordância com a unidade técnica, no sentido de que se trata de medida de excessivo formalismo e rigor, que foi determinante para que os mencionados grupos fossem adjudicados à empresa YYY., que ofertou valores muito superiores à proposta da empresa XXX, indevidamente desclassificada (R$ 326.637,44, ou 13% superior, para o grupo 9; R$ 12.082.993,30, ou 151% superior, para o grupo 10).

6. Isso porque, apesar de o edital conter disposição no sentido de que cumpria ao licitante indicar, em campo próprio do sistema, a marca e o modelo do produto ofertado, e que o art. 41 da Lei nº 8.666/1993 fixa que a Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, não poderia o gestor interpretar os mencionados dispositivos de maneira tão estreita.

7. Na verdade, as citadas disposições devem ser entendidas como prerrogativas do poder público, que deverão ser exercidas mediante a consideração dos princípios basilares que norteiam o procedimento licitatório, dentre eles, o da seleção da proposta mais vantajosa para a administração.

8. No caso, portanto, caberia ao pregoeiro utilizar-se, zelosamente, da possibilidade de encaminhar diligência às licitantes, nos termos do art. 43, § 3º, da Lei nº 8.666/1993, e igualmente prevista no item 11.5 do edital, a fim de suprir as lacunas quanto às informações dos equipamentos ofertados, medida simples que poderia ter oportunizado a contratação de proposta mais vantajosa.

(Trecho do Voto do Min. Valmir Campelo no Acórdão nº 3.615/2013-Plenário)

 

 

10. Como visto, a representante foi desclassificada do certame em relação aos Grupos 8 e 10 por não haver inserido no Comprasnet todas as informações requeridas pelo item 5.7 do edital, quais sejam: prazo de validade da proposta, procedência do produto, prazo de validade ou garantia do produto, além da indicação indevida do nome do licitante no campo “Marca”, “Fabricante” e “Modelo”.

11. Bem se vê que, além de esses itens extrapolarem os que são usualmente exigidos no campo “Descrição Detalhada do Objeto Ofertado”, do Comprasnet, eles envolvem informações cujos requisitos mínimos já constavam do edital, a exemplo do prazo exigido para a validade da proposta (item 5.2 e o 5.7) e do prazo de garantia do produto (item 31.2 e 5.7.), configurando extremo rigor a desclassificação das empresas pela não inclusão no sistema, além de constituírem dados que já deveriam constar obrigatoriamente da proposta final ajustada pela licitante vencedora.

12. Na mesma linha, as informações inseridas nos itens “Marca” e “Fabricante”, do Comprasnet, tendo em vista a necessidade de manutenção do sigilo das propostas, somente se tornam visíveis nesse sistema oficial após a fase de lances, destacando-se, ainda, que a vencedora dos Grupos 2, 3, 4, 5 e 6 também preencheu esses campos com o seu próprio nome e, diferentemente da representante, não foi desclassificada.

(Voto do Min. André de Carvalho no Acórdão nº 1.807/2015-Plenário)

 

1.2. (Im)pertinência dos “anexos” de proposta a serem cadastrados no sistema

Com esteio nas premissas desenvolvidas nos tópicos anteriores, poder-se-ia questionar a pertinência jurídica e operacional da obrigatoriedade de upload, no ato de cadastramento da oferta, de arquivo referente à proposta formatada de acordo com o modelo previsto no ato convocatório ou mesmo eventual planilha de composição de custos, conforme estipulado em alguns editais desenvolvidos sob a égide do Decreto Federal nº 10.024/2019. Não se pode olvidar que, no pregão eletrônico, a proposta propriamente dita é aquela consignada nos campos próprios do sistema e não os seus eventuais “anexos”.

Afinal, considerando o caráter instrumental da proposta inicialmente cadastrada e a mutação da oferta (dada a possibilidade de lances), qual o sentido em se exigir (até mesmo sob pena de desclassificação!?) o upload antecipado de uma planilha ou modelo de proposta para, em momento posterior à fase de lances, na linha do que dispõe o §2º do art. 38 do regulamento, solicitar o mesmo documento devidamente ajustado? A nosso ver, além de desnecessária, tal exigência constitui excesso de formalismo, notadamente quando utilizada como embasamento para a desclassificação da melhor oferta, seja pela ausência de upload antecipado da planilha ou modelo de proposta, seja diante de eventual diferença formal entre o arquivo original e o arquivo “definitivo”.

O mesmo raciocínio seria aplicável aos chamados “anexos” da proposta (como declarações e folders, por exemplo), porquanto, compreendidos como “complementação” da oferta consubstanciada nas informações lançadas no próprio sistema, em consonância com o § 9º do art. 26 do regulamento e com a jurisprudência do TCU, são passíveis de diligenciamento e posterior consideração pelo Pregoeiro quando da aceitabilidade definitiva da proposta. Ou seja, a ausência de upload prévio de um anexo da proposta não poderia se constituir como um fundamento razoável para a desclassificação da melhor oferta.

 

1.3. Prevalência da proposta definitiva em relação àquela originalmente cadastrada no sistema

E quando, concluída a fase de lances, o licitante vencedor da disputa encaminha proposta ajustada com indicação de marca e/ou modelo diferente daquele consignado originalmente no sistema ou na planilha anexada no ato do cadastramento da proposta?

Nos pautando pelas premissas legais e jurisprudenciais analisadas nos tópicos anteriores, compreendemos, em termos objetivos, que a proposta ajustada, encaminhada, nos termos do § 2º do art. 38 do Decreto Federal nº 10.024/2019, após a conclusão da fase de lances, tem prevalência sobre a proposta originalmente cadastrada!

Ora, tendo em vista que a análise definitiva acerca do real atendimento às especificações do edital somente deve se dar quando do efetivo julgamento das propostas, é somente após a fase de lances que a informação atinente à marca e modelo do produto ofertado assume relevância jurídica e operacional. Assim, não se vê razão – como já vem apontando o TCU há muitos anos – na desclassificação de propostas quando há omissão ou obscuridade na indicação de marca e/ou modelo no ato de cadastramento da oferta.

De acordo com a Corte de Contas, havendo omissão ou obscuridade na indicação de marca e/ou modelo, deve o Pregoeiro, antes de proceder a desclassificação, assegurar à licitante o esclarecimento ou complemento da informação, porquanto tratar-se-ia de matéria passível de diligência.

Assim, diante da incisividade do entendimento pretoriano, convencionou-se que o licitante que venha a apresentar a melhor proposta, praticamente terá o direito adquirido a complementação das informações, ainda que, nos campos próprios do sistema, tenha se limitado a registrar: “conforme o edital”.

Dito isso, cumpre indagar: se para o licitante que omite a indicação de marca/modelo deve ser assegurada a possibilidade de consumar, de forma posterior, sua proposta, por qual razão aquele licitante que, ao se ater às informações mínimas exigidas no edital (ou no sistema), indica, de modo inequívoco, a marca e modelo, não terá o mesmo tratamento?

A nosso ver, a aplicação do entendimento do TCU (com a qual concordamos, diga-se de passagem) não pode conduzir a um paradoxo ou tautologia. Afinal, viola os princípios elementares das concorrências públicas, em especial a isonomia, a concessão de tratamento benéfico àquele que “burla” ou age com “esperteza”, negando o mesmo proceder àquele que cumpriu “à risca” o edital. A prevalecer essa discriminação odiosa, a modelagem do sistema conduzirá a uma disfunção na lógica de alocação de incentivos, gerando grave desequilíbrio ao “jogo”.

 

A grande importância do desenho de mecanismo em licitações é encontrar formas que façam com que os jogadores não tenham incentivos para mentir sobre os seus verdadeiros tipos, suas verdadeiras intenções

[...]

Um jogo dessa natureza somente será possível se a combinação de estratégias nas quais todos informam os seus verdadeiros tipos sejam um equilíbrio de Nas Bayesiano. Se isso não ocorrer, um jogador mais ganhará se falsear as suas informações, mentindo sobre o seu verdadeiro tipo.[6]

 

É preciso ser claro: o tratamento desigual atualmente praticado por alguns Pregoeiros (com receio do dogma acerca da impossibilidade de “alteração” da proposta) incentiva a prática sorrateira de não revelação do real produto a ser ofertado pelo licitante (marca/modelo), de modo que, ao registrar no sistema a expressão “conforme o edital” ou indicar uma marca/modelo inexistente, o “esperto” licitante sabe que, encerrada a disputa, contará com a possibilidade de revelar (ou descobrir) qual sua marca e modelo. E por qual motivo não seria dada a mesma oportunidade àquele que previamente indicou a marca e modelo e, ciente do preço final, tenha interesse em readequar sua proposta para ofertar um produto que, ainda que tenha um menor preço de custo, atenda às exigências mínimas do edital?

O fato é que a indicação da marca e modelo definitivos após o encerramento da fase de lances em nada prejudica a Administração, porquanto, no final das contas, a proposta somente será aceita se o produto atender às especificações mínimas do edital. E sabendo que o comportamento do licitante é no sentido da maximização de seu lucro, a antecipação da “regra do jogo” de definição da marca/modelo pós-fase de lances gerará um incentivo para registro de melhores ofertas, dada a inexistência de uma âncora de produto ou um piso de preço desnecessariamente imposto em razão da indicação prévia do produto a ser, de fato, entregue à Administração.

Em suma, enquanto o sistema impor o registro de marca e modelo para cadastramento da proposta, permanece a nossa defesa quanto a possibilidade de alteração da informação por parte do licitante detentor da proposta mais vantajosa, não havendo, quanto a tal aspecto, uma vinculação absoluta da proposta originalmente cadastrada, em especial pelo fato de tal informação não ter influenciado em nada a disputa durante a fase de lances.

Para pavimentar um melhor caminho decisório ao Pregoeiro, sugere-se que os editais deixem de veicular, no capítulo atinente ao cadastro da proposta, a exigência, “sob pena de desclassificação”, da indicação de marca e modelo do objeto.

Por fim, entendemos como uma evolução necessária do sistema, a exclusão, como informação obrigatória, da prévia indicação de marca e de modelo e demais “detalhamentos” do objeto, restando pertinente, apenas e tão somente, o registro do “valor”.

 

2. ACEITABILIDADE INICIAL QUANTO AO VALOR DA PROPOSTA

No tocante ao valor como parâmetro de análise preliminar do Pregoeiro, haveria três situações possíveis:

a) o valor da proposta é superior ao valor estimado na licitação;

b) o valor da proposta encontra-se em patamar bastante inferior ao valor estimado, gerando uma presunção absoluta de inexequibilidade;

c) o valor da proposta encontra-se em patamar consideravelmente inferior ao valor estimado, gerando uma presunção relativa de inexequibilidade.

 

2.1. Propostas originalmente cadastradas com valor superior ao estimado da licitação

Ainda que seja fixado, no ato convocatório, o valor estimado da contratação como critério de aceitabilidade das propostas (preço máximo), o cadastro de ofertas com valor superior a tal patamar não enseja a eliminação da proposta antes da etapa de lances, uma vez que os preços ofertados estarão sujeitos à redução durante a disputa[7]. Note-se que a desclassificação motivada por preço superior ao máximo permitido somente se faz possível em sede de julgamento definitivo da proposta, após tentativa de negociação com o licitante.

 

2.2. Propostas originalmente cadastradas com valor superior bastante inferior ao estimado da licitação, gerando presunção absoluta de inexequibilidade

Dada a presunção absoluta de inexequibilidade, há uma manifesta e inequívoca constatação de inviabilidade econômica e comercial da oferta, de modo que, a priori, o valor cadastrado mostrar-se-ia inapto à futura contratação. Logo, sob o prisma da eficiência procedimental, desde que devidamente fundamentado, entende-se que o mais adequado seria a desclassificação de tal proposta. Cumpre salientar que a manifesta inexequibilidade poderá estar encampada pelas situações referidas no §3º do art. 44 da Lei nº 8.666/1993 (preços simbólicos, irrisórios ou de valor zero) ou na evidenciação, face às particularidades do caso concreto, de flagrante inviabilidade econômica e comercial da proposta face ao estimado no edital[8].

 

2.3. Propostas originalmente cadastradas com valor consideravelmente inferior ao estimado da licitação, gerando presunção relativa de inexequibilidade

Tal hipótese demanda um maior desenvolvimento, incluindo uma recomendação de caráter operacional para os Pregoeiros.

O TCU possui entendimento consagrado na Súmula nº 262[9] no sentido de que, havendo indícios de inexequibilidade da proposta, antes da realização de eventual desclassificação, deverá ser assegurada à licitante a demonstração da viabilidade econômica da oferta.

Quanto aos indícios de inexequibilidade da proposta, o subitem 9.6 do Anexo VII-A da Instrução Normativa – IN SEGES nº 5/2017 estabelece que há necessidade de diligência compulsória nos casos em que o preço final do licitante for inferior a 30% da média dos preços oferecidos no certame para o mesmo item. Diz a norma:

9.6. Quando o licitante apresentar preço final inferior a 30% da média dos preços ofertados para o mesmo item, e a inexequibilidade da proposta não for flagrante e evidente pela análise da planilha de custos e formação de preços, não sendo possível a sua imediata desclassificação, será obrigatória a realização de diligências para aferir a legalidade e exequibilidade da proposta.[10]

 

O dispositivo acima transcrito deixa claro que: a) que a proposta pode, no caso de ela ser manifestamente inexequível, desclassificada de imediato; b) que a proposta cujo preço seja inferior em 30% ao valor da média de todas as propostas é conta com a presunção relativa inexequibilidade e, por isso, de diligência obrigatória. Esse parâmetro é trazido na IN/SEGES nº 5/2017 para o caso de serviços, mas é razoável aplicá-lo também a bens.

Diante de tal panorama, no bojo de um pregão eletrônico, verificada a presunção relativa de inexequibilidade de determinada proposta, o Pregoeiro se vê impossibilitado de realizar a desclassificação preliminar do licitante antes de oportunizar a comprovação da viabilidade do preço ofertado.

Nesse ponto, cabe uma indagação: como observar a Súmula nº 262 do TCU se, antes da abertura da fase de lances, ainda persiste o sigilo quanto aos licitantes que cadastraram propostas? Ora, nesse caso não haveria como assegurar o contraditório prévio.

Como resolução do impasse, propõe-se a seguinte conduta ao Pregoeiro[11]: na etapa de aceitação preliminar das propostas, constatada a existência de proposta com presunção relativa de inexequibilidade, deverá informar no chat tal ocorrência, alertando os licitantes que, em observância ao enunciado da Súmula nº 262 do TCU, seria inviável a desclassificação da proposta em tal momento, sendo imprescindível a conclusão da fase de lances para identificação da licitante responsável pela oferta. Somente a partir daí, mostra-se faticamente possível oportunizar ao licitante a comprovação da viabilidade de sua oferta.

Feita tal comunicação, o Pregoeiro deverá alertar os concorrentes que a existência de proposta supostamente inexequível não afeta a fase de disputa, tendo em vista a possibilidade de lances intermediários no pregão eletrônico.

Encerrada a disputa de lances e findo o sigilo sobre a autoria das propostas participantes, o Pregoeiro concederá à respectiva licitante a oportunidade de comprovação da viabilidade econômica e financeira da oferta, decidindo motivadamente a respeito e com subsídio do setor técnico (art. 17, parágrafo único).

 

 

Clique na imagem abaixo ver a nossa Live com os autores, transmitida no dia 14/07/2020.

 



[2] Nesse sentido, vide Acórdãos TCU nº 1.807/2015 e nº 2.131/2016, ambos do Plenário.

[3] Nesse sentido, Acórdão TCU nº 1.620/2018 - Plenário.

[4] Nesse sentido, com o objetivo de conferir ao Pregoeiro embasamento editalício para a adequada verificação de conformidade inicial das propostas, a partir de sugestão formulada por Victor Amorim, foi adotada, na minuta-padrão de edital de pregão eletrônico do Senado Federal, a seguinte redação:

 

6.1 – Em sede de verificação de conformidade formal das ofertas cadastradas, o Pregoeiro

somente poderá realizar a desclassificação das propostas antes da fase de lances quando:

6.1.1 – as descrições do objeto estiverem em manifesta desconformidade com o edital;

6.1.2 – os valores ofertados configurarem preços simbólicos, irrisórios ou com presunção absoluta de inexequibilidade;

6.1.3 – as informações registradas na descrição do objeto evidenciarem, de forma flagrante, a identificação da licitante.

[5] "O pregoeiro verificará as propostas apresentadas, desclassificando aquelas que não estejam em conformidade com os requisitos estabelecidos no edital".

[6] NÓBREGA, Marcos. Direito e Economia da Infraestrutura. Belo Horizonte: Fórum, 2020, p. 30-31.

[7] Nesse sentido, Acórdão TCU nº 2.131/2016 - Plenário.

[8] Nesse sentido, Acórdão TCU nº 1.620/2018 – Plenário.

[9] Enunciado da Súmula nº 262 do TCU: “O critério definido no art. 48, inciso II, §1º, alíneas “a” e “b”, da Lei nº 8.666/1993 conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços, devendo a Administração dar à licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade da sua proposta”.

[10] No caso dos serviços de engenharia, a proposta inferior nesse mesmo percentual de 30% dá causa à desclassificação de pronto. O § 1º do art. 48 da Lei nº 8.666/1993 determina que, nas obras e nos serviços de engenharia, consideram-se manifestamente inexequíveis as propostas inferiores a 70% do menor dos seguintes valores: “a) média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% (cinqüenta por cento) do valor orçado pela administração, ou; b) valor orçado pela administração”.

[11] Tal procedimento foi desenvolvido por Victor Amorim, desde 2015, em razão de sua atuação como Pregoeiro do Senado Federal (2013 a 2020), tendo, inclusive, sido referenciado como padrão de boa prática em relatório da SECEX/BA-TCU, no bojo do Processo TC nº 035.032/2017-0, acatado no voto da Relatora, Min. Ana Arraes, no Acórdão nº 5.966/2018-TCU-2ª Câmara.