PESQUISA DE PREÇOS NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS, EM TEMPOS DE PANDEMIA
Marcos Nóbrega
@marcosnobrega48
Conselheiro Substituto do TCE-PE, Professor Adjunto IV da UFPE – Faculdade de Direito do Recife. Visiting Scholar Harvard Law School. Senior fellow Harvard Kennedy School of Government. Visiting Scholar Massachusets Institute of Technology – MIT.
Bradson Camelo
@bradsoncamelo
Procurador do Ministério Público de Contas (PB), Economista, Mestre em Direito Econômico e MPP pela Universidade de Chicago.
Ronny Charles L. de Torres
@ronnycharles
Advogado da União. Doutorando em Direito do Estado pela UFPE. Mestre em Direito Econômico pela UFPB. Pós-graduado em Direito tributário (IDP). Pós-graduado em Ciências Jurídicas (UNP). Membro da Câmara Nacional de licitações e contratos da Consultoria Geral da União. Autor de diversos livros jurídicos, entre eles: Leis de licitações públicas comentadas (10ª Edição. Ed. JusPodivm).
Resumo: A Administração
Pública realiza contratações públicas pautada por uma série de regras e
princípios de direito público. Um dos grandes desafios inerentes às
contratações cinge-se em torno dos preços diante dos diversos cenários que
possam surgir e que causem uma volatilidade no mercado. O presente artigo tem
como objetivo analisar o tema da pesquisa de preços nas contratações públicas,
contextualizando com a situação decorrente da pandemia COVID-19, ano de 2020, e
as principais consequências daí advindas ao Poder Público. Assuntos como os
parâmetros normativos da pesquisa de preços, a compreensão conceitual do
“preço” como transmissor de informações, bem como as dificuldades inerentes
encontradas pelos gestores públicos, no período de pandemia na saúde pública,
para aferir e justificar os preços das contratações de demandas urgentes,
representam importantes temas debatidos ao decorrer do artigo.
Palavras-chave: Contratações públicas.
Pesquisa de preços. COVID-19.
Abstract:. Governments contract based on a series of rules and principles of public law. One of the most important challenges inherent in public procurement is related to prices and the different scenarios that may arise and cause volatility in the market. This paper aims to analyze the theme of price research in public procurement contextualizing with a situation arising from the pandemic COVID-19, year 2020, and the main consequences that impact Governments. Themes such as normative parameters of price research, a conceptual understanding of “price” as a transmitter of information, as well as the inherent difficulties encountered by public managers, at the moment of the COVID-19 pandemic, to measure and justify the prices of hiring urgent demands, represent important themes discussed during the paper.
Keywords: Public
procurement. Price search. COVID-19.
INTRODUÇÃO
Pesquisa
de preços ou estimativa de custos é um tema deveras tormentoso na prática das
contratações públicas brasileiras. Possivelmente porque, ao estimar custos, o
agente público que representa a Administração é induzido a adotar métodos pouco
flexíveis e muito burocráticos, através de metodologia comparativa simplista,
para identificar a referência para algo extremamente dinâmico e flexível, que é
o preço.
O que
torna ainda mais complicado este quadro é a constatação de que há certa
incompreensão dos órgãos de normatização e de controle, justamente, sobre o
caráter dinâmico que é característico ao preço. Tal falha é demonstrada pela
voluntariosa pretensão de que o formato burocrático de estimativa de preços
seja uma fonte plenamente fidedigna a definir o preço de contratação,
notadamente em períodos de extraordinária oscilação; o que é uma presunção
equivocada.
Isso
tudo contribuiu para que a “pesquisa de preços” tenha se tornado um gargalo na
condução dos certames, merecendo detida reflexão e construção de propostas para
aperfeiçoamento das rotinas até então estabelecidas. Em períodos de pandemia, a
preocupação com o formato tradicional de estimar os custos ainda se exaspera,
tendo em vista fragilidades inerentes ao período excepcional vivenciado.
Neste
artigo, faremos uma análise sobre a adoção do formato tradicional de pesquisa
de preços nas contratações públicas, notadamente neste período de grande
oscilação decorrente da pandemia COVID-19, buscando algumas provocações sobre o
tema, que podem contribuir, ao menos, para a reflexão que se faz necessária.
1. Estimativa de preços NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS
O
fundamento lógico-econômico para a obrigatoriedade das pesquisas de preços, nas
licitações, é reduzir a assimetria de informação entre o agente (servidor
responsável pela contratação) e o principal (ente público). Assim, com uma
pesquisa de preços bem feita, é possível - em regra - registrar, através de uma
amostra, a situação aproximada do mercado.
Vale
salientar que como o processo de contratação passará pelo escrutínio de órgãos
de controle, a pesquisa também serve de sinalização de bom comportamento do
agente público responsável.
A Lei
nº 8.666/93 faz remissões explicitas ou implícitas que indicam a necessidade de
estimativa de custos, nas licitações ou mesmo durante a gestão contratual.
Nesta linha, o artigo 15 da Lei nº 8.666/93 firma que as compras, sempre que
possível, devem se balizar pelos preços praticados no âmbito dos órgãos e
entidades da Administração Pública, assim como define que o “registro de preços
será precedido de ampla pesquisa de mercado”, acrescentando, em seu §6º, que
qualquer cidadão é parte legítima para impugnar preço constante do quadro geral
em razão de incompatibilidade com o preço vigente no mercado.
Mais
adiante, o artigo 40, em seu inciso X, regra que o edital deve indicar,
obrigatoriamente, o critério de aceitabilidade dos preços unitário e global,
conforme o caso, permitida a fixação de preços máximos e vedada a fixação de
preços mínimos, critérios estatísticos ou faixas de variação em relação a
“preços de referência”. O §2º do referido artigo 40, por sinal, impõe que o
“orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários” deve
constar como anexo do edital, o que gera o comportamento da administração
pública licitante de sempre informar sua estimativa de custos e, comumente, o
preço máximo que admite pagar pelo objeto licitado, situação que alimenta
assimetria informacional e permite certa vantagem ao fornecedor em uma eventual
negociação. Por sua vez, o artigo 44 da Lei nº 8.666/93, ao tratar sobre o
julgamento das propostas, não admite a apresentação de preços global ou
unitário: simbólico, irrisório ou de valor zero, incompatíveis com os preços
dos insumos e salários de mercado[1].
Tais
informações sobre preços, constantes ou não no edital, serão firmadas,
exatamente, com base na estimativa de custos (pesquisa de preços).
Mesmo
nas hipóteses de contratação direta, o legislador indicou como um dos elementos
do processo de dispensa ou inexigibilidade, a “justificativa de preços”, a qual
é realizada, muitas vezes, através de pesquisa firmada junto ao mercado da
contratação interessada.
Enfim,
há diversos momentos, no âmbito da construção do processo licitatório ou da
execução contratual, que exigem implícita ou expressamente, de alguma forma, a
realização da estimativa de custos, entre eles:
• Delimitação dos recursos orçamentários necessários à licitação;
• Definição da modalidade licitatória (ou mesmo a realização de licitação), quando o valor influencie tal escolha[2];
• Auxílio à justificativa de preços na contratação direta;
• Definição de competências sobre a contratação, quando o valor influencie a mesma;
• Definição do patamar para percepção de sobrepreços;
• Identificação de sobrepreços em itens de planilhas de custos;
• Identificação de proposta possivelmente inexequível;
• Identificação de possível inexequibilidade em itens das planilhas de custos;
• Auxílio à identificação de vantagem econômica na renovação (prorrogação) contratual[3];
• Auxílio à identificação de vantagem econômica na adesão a uma ata de registro de preços[4];
• Auxílio ao gestor na identificação da necessidade de negociação com fornecedores, sobre os preços registrados em ata, em virtude da exigência de pesquisa periódica[5];
• Estabelecimento de parâmetro para eventuais alterações contratuais[6];
Outrossim,
muitas vezes, a atuação dos órgãos de controle, para análise de eventual
existência de sobrepreço nas contratações, adota também, de certa maneira,
algum modelo de pesquisa de preços ou estimativa de custos.
De
qualquer forma, é fato que, nas contratações públicas brasileiras, a realização
da estimativa de custos tem se tornado um gargalo burocrático; seja pelo custo
de sua realização, seja pela imprecisão do resultado alcançado.
Por um
lado, ela não é precisa na representação do real valor médio de mercado. É
relativamente comum que o resultado final de uma
licitação através da modalidade pregão eletrônico alcance significativos
“deságios”, com impactantes diferenças entre o valor estimado e o alcançado no
resultado da licitação. Como ilustração, vale indicar licitação realizada por
órgão federal, para Álcool em gel, com teor alcóolico 70%, que teve valor
máximo aceitável de R$ 16,58, decorrente de pesquisa de preços, mas alcançou um
preço final (melhor lance) de R$ 8,52[7].
Diante
de alto percentual de deságio, é acentuado o risco de que o preço alcançado
seja inexequível ou de que a estimativa de custos não tenha representado com
fidedignidade o “preço de mercado”.
Além
disso, convém observar que os formatos de realização dessas pesquisas preços
geram ampliação de custos transacionais do processo. Para tanto, vale
sucintamente descrever as rotinas utilizadas para esta finalidade.
2.1
A ESTIMATIVA DE PREÇOS NA PRÁTICA ADMINISTRATIVA
Em
2014, com o objetivo de estabelecer parâmetro para a realização da pesquisa de
preços, classicamente realizada em seu formato tradicional (pesquisa de
mercado, através de, pelo menos, três orçamentos distintos), o então Ministério
do Planejamento, através de sua Secretária de Logística e Tecnologia da
Informação, elaborou a Instrução Normativa nº 05/2014, posteriormente alterada
pela Instrução Normativa nº 03/2017.
De
acordo com a Instrução Normativa nº 05/2014, com pertinentes alterações da IN
03/2017, a pesquisa de preços deve ser realizada mediante a utilização de um
dos seguintes parâmetros:
• Painel de Preços disponível no endereço eletrônico;
• contratações similares de outros entes públicos, em execução ou concluídos nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores à data da pesquisa de preços;
• pesquisa publicada em mídia especializada, sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que contenha a data e hora de acesso; ou
• pesquisa com os fornecedores, desde que as datas das pesquisas não se diferenciem em mais de 180 (cento e oitenta) dias.
A
indicação desses parâmetros, de certa forma, derivou da percepção de que a
pesquisa de preços através de, pelo menos, três orçamentos distintos, apresentava
diversas fragilidades, entre elas a de alto custo burocrático e baixa
fidedignidade[8].
Com essa mudança, o requisito deixa de ser uma formalidade e passa a
efetivamente retratar a realidade de mercado, em situações similares.
Segundo
o normativo, os parâmetros acima podem ser utilizados de forma combinada ou
não, sendo prioritários os dois primeiros. Como metodologia para obtenção do
preço de referência, a Instrução Normativa indica que podem ser utilizadas a
média, a mediana ou o menor dos valores obtidos na pesquisa de preços, desde
que o cálculo incida sobre um conjunto de três ou mais preços, oriundos de um
ou mais dos parâmetros adotados pelo normativo, desconsiderados os valores
inexequíveis e os excessivamente elevados.
Essa
multiplicidade de parâmetros caminhou no sentido defendido pelo Tribunal de
Contas da União, para que a estimativa de custos adotasse “cesta de preços
aceitáveis”, em que diversas metodologias possam ser utilizadas:
As
estimativas de preços prévias às licitações devem estar baseadas em cesta de
preços aceitáveis, tais como os oriundos de pesquisas diretas com fornecedores
ou em seus catálogos, valores adjudicados em licitações de órgãos públicos,
sistemas de compras (Comprasnet), valores registrados
em atas de SRP, avaliação de contratos recentes ou vigentes, compras e
contratações realizadas por corporações privadas em condições idênticas ou
semelhantes[9].
A
Instrução Normativa nº 03/2017 também deu ênfase à análise dos dados obtidos,
exigindo que os preços coletados sejam “analisados de forma crítica, em
especial, quando houver grande variação entre os valores apresentados”,
permitindo também a possibilidade da desconsideração dos preços inexequíveis ou
excessivamente elevados.
2.
A NORMATIZAÇÃO PARA PESQUISA
DE PREÇOS EM TEMPOS DE PANDEMIA
Com a
pandemia COVID-19, diversas medidas foram necessárias para dinamizar o procedimento
de contratação pública, tendo em vista os enormes desafios enfrentados para
municiar a estrutura administrativa com os bens e serviços necessários ao
enfrentamento da COVID-19.
Como
bem ressaltam Jacoby Fernandes, Teixeira e Torres,
uma das grandes dificuldades enfrentadas pelo gestor público, nas contratações
em tempos de pandemia, é justamente “justificar os preços estimados para a
contratação emergencial, mediante a dispensa de licitação ou por meio de
pregão, nos termos da Lei nº 13.979/2020”, tendo em vista que “determinados
objetos tiveram variações abruptas de preços, durante o período de Emergência
em Saúde Pública de Importância Nacional – ESPIN”[10].
Aparentemente,
com esta preocupação, o artigo 4º-E da Lei nº 13.979/2020, acrescentado pela
Medida Provisória nº 926/2020, trouxe regras de simplificação da fase de
planejamento, definindo a possibilidade de apresentação do termo de referência
simplificado ou projeto básico simplificado. Além da possibilidade de
simplificação dos referidos documentos de planejamento, o artigo 4º-E também
definiu três interessantes disposições acerca da estimativa de preços.
Primeiramente,
a Lei fixou um modelo de realização da pesquisa de preços similar ao
preconizado pelas Instruções Normativas 05/2014 e 03/2017, da SLTI/MPOG, mas
sem se reportar à análise crítica dos preços obtidos. Nessa linha, o inciso IV
do §1º do artigo 4º-E define que as estimativas dos preços deve ser obtida por
meio de, no mínimo, um dos seguintes parâmetros:
a) Portal de Compras do Governo Federal;
b) pesquisa publicada em mídia especializada;
c) sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo;
d) contratações similares de outros entes públicos; ou
e) pesquisa realizada com os potenciais fornecedores; e
O
texto legal, aparentemente, teve a pretensão de indicar de maneira uniforme,
não apenas no âmbito federal, os parâmetros que poderiam ser utilizados para
estimar os custos das contratações, com modelo próximo ao das supracitadas
instruções normativas federais.
Convém
salientar, trata-se de norma materialmente específica, sob a qual a legislação
federal não tem o condão de vincular as demais esferas federativas[11]. Ademais, tratando-se de rotina
procedimental interna, vislumbra-se a desnecessidade da regulação do tema em
patamar legal, uma vez que o assunto poderia ser definido, como já o foi para
os períodos ordinários, através de manifestações do poder normativo dos órgãos
executivos.
Porém,
o mais importante é perceber que o modelo adotado pela Lei federal nº
13.979/2020 opta por uma pesquisa de preços baseada em metodologia de
comparação dos preços decorrentes de trocas praticadas por órgãos diferentes,
em momentos diferentes.
Adiante,
o §3º admite que os preços obtidos a partir da estimativa de custos “não
impedem a contratação pelo Poder Público por valores superiores decorrentes de
oscilações ocasionadas pela variação de preços, hipótese em que deverá haver justificativa
nos autos”. Sobre esta inovação, pontuam Jacoby
Fernandes e outros:
Nesse caso, a Administração enfrenta uma condição incomum: a de admitir pagar por preço muito acima do preço justo, de acordo com a nova realidade do mercado, principalmente quando comparado com aquisições feitas anteriormente. Aliás, não só Administração Pública vivencia esse fato como também os particulares.
Para que seja aceitável
a contratação, com valor acima do estimado, o administrador terá que motivar
adequadamente a sua escolha, demonstrando que dadas as alternativas e
circunstâncias do caso concreto, aceitar aquelas condições é a decisão mais
acertada.[12]
Esta
medida pode ser necessária, tendo em vista a grande oscilação de preços para
alguns produtos, aparelhos e insumos, durante o período de pandemia. Niebuhr também destaca a problemática decorrente da
oscilação de preços decorrente do aumento exponencial de muitos bens
necessários ao enfrentamento da COVID-19, enaltecendo a extrema relevância de
justificativa nos autos acerca desta oscilação, para que se admita a
contratação com valores superiores aos estimados[13].
Por
fim, vale registrar o §2º, o qual permite, excepcionalmente, que a estimativa
de preços seja “dispensada”, mediante justificativa da autoridade competente.
Tal
permissibilidade objetivou estabelecer resguardo para o gestor que precisa
concretizar uma contratação com excepcional celeridade e não consegue atender
esta necessidade pública urgente, submetendo-se ao procedimento formal de
pesquisa de preços, seguindo os parâmetros indicados pelo próprio artigo.
É
importante ressaltar, contudo, que essa permissiva deve ser concebida em uma
perspectiva formal, autorizando o gestor a não necessitar da obrigatória
realização da estimativa de custos de acordo com os ritos e parâmetros
definidos pela Lei nº 13.979/2020 e normatizações infralegais. Por outro lado,
não parece admissível negligência administrativa em relação à justificativa de
preços, pois, certamente, contratações com valores abusivos podem ser
compreendidas como ilegítimas, pelos órgãos de controle.
Porém,
diante de um período de pandemia que tornou bens outrora ordinários em
essenciais, desequilibrou a relação oferta x demanda de alguns produtos e foi
caracterizado por uma frenética oscilação de preços, em curto espaço de tempo,
como identificar o que seria o preço justo ou o que seria um preço abusivo?
3.
APONTAMENTOS SOBRE O PREÇO
Antes de
analisarmos a estimativa de preços, para as contratações públicas, neste
período de pandemia, uma indagação se faz necessária: o que é o preço?
4.1. O
que é o preço, afinal?
Um dos
aspectos centrais para entender o problema das compras durante a COVID-19 (e de
todas compras públicas) se refere à compreensão da insuficiência conceitual do
preço como transmissor de informação, porque o preço estipulado é imperfeito
para comunicar todas as características e intenções do licitante contratado.
Há de
se perguntar: o que determina os preços? Segundo a teoria geral dos preços e da
microestrutura de mercado, os preços são estabelecidos pela intersecção entre
as curvas de oferta e demanda para um determinado bem. Mas como se determinam
essas curvas? Elas são estáveis? Aqui é onde residem os maiores desafios. De
forma surpreendente, a teoria econômica apresenta poucas respostas a essa
questão que é ponto inicial de investigação da teoria da microestrutura de
mercado.
Segundo
Nobréga[14],
para os economistas, há duas abordagens tradicionais para explicar a formação
dos preços. A primeira trata da questão do equilíbrio (com um sistema de
equações simultâneas). Assim, a economia se envolve em descobrir o ponto de
equilíbrio per si, sem se importar com os fatores que levam ou levaram a
ele e como um específico preço foi determinado. As duas características dessa
abordagem são a simplicidade e a generalidade. Está implícita nessa análise que
o mecanismo de comércio e as características informacionais não afetam o
equilíbrio final. Essa é uma abordagem problemática em mercados onde as partes
possuem assimetrias informacionais. Esse é o caso da definição de preços licitados.
O foco
na pesquisa de preços se justifica apenas nas relações de mercado em que não há
custo de transação com a obtenção de informações sobre a oferta e demanda, como
ocorre em mercados competitivos (perfeitos ou não), uma vez que nesses mercados
compradores e vendedores são "tomadores de preços". Para explicar os
preços nesses mercados, León Walras usou a figura de
uma espécie de leiloeiro que forneceria informações sobre oferta e demanda,
questionando os agentes econômicos sobre suas atitudes em pagar e vender.
Esse
preço de equilíbrio (walrasiano[15]) é dado pelos lances sucessivos entre
aqueles que desejam vender e os que necessitam comprar. Nesse modelo não há
custos consideráveis para barganhar, bem como não existem assimetrias
informacionais. O sistema do economista francês é simples e elegante, mas não
captura as circunstâncias que levam à determinação dos preços[16]. O problema é que essa teoria dos preços
não apresenta uma visão muito realista dos mercados.
Uma
falha do modelo walrasiano é não considerar o fator
tempo. Uma importante crítica é que há variações intertemporais porque alguns
agentes desejam comprar e vender com mais urgência do que outros[17]. Isso parece intuitivo, porque se há
emergência para comprar algo, o indivíduo geralmente paga mais por isso
(experimente comprar uma passagem de avião no dia da viagem).
Essa
ideia de que o preço poderia conter um custo pelo imediatismo não foi
considerada no conceito de Walras. Assim, a visão de
um único equilíbrio fica comprometida, porque dependerá não apenas do desejo de
comercializar, mas também se as partes desejam comprar e vender em um dado
momento ou adiar suas opções.
Para
esclarecer esses aspectos, um importante componente deve ser considerado:
informação.
Vale
lembrar que falamos no início do texto que o objetivo da pesquisa de preços era
resolver um problema informacional, mas aqui tratamos de outro tipo de
informação. Essa relativa à operação contratual em espécie. Ou seja, uma
pesquisa de preços só atingiria seu verdadeiro objetivo se ela pudesse retratar
uma contratação nas mesmas condições da primeira usada como paradigma.
4.2
Informação e processo de determinação dos preços
Os
preços representam expectativas condicionais, ou seja, o preço em cada ponto
reflete toda a informação pública disponível, mas não necessariamente toda a informação
privada. Dessa forma, até o ajuste dos preços de acordo com informações
adicionais, o equilíbrio alcançado é semieficiente.
Daí é
importante observar como os preços se ajustam de acordo com a informação
liberada com o passar do tempo. Nos paradigmas de microestrutura que vimos
(ajuste imediato e walrasiano), os preços
eventualmente convergem para valores considerando a nova informação recebida,
mas como esse ajustamento ocorre no limite, esse mecanismo pode ser infinito.
Para
entender como os preços se tornam eficientes, é necessário saber mais sobre
como o ajustamento ocorre. Como diferentes estruturas podem ser afetadas
pelo ajustamento, entendê-lo pode prover insights de como os mercados podem ser
estabelecidos e estruturados. Se os comerciantes agem competitivamente, o
comércio resulta em um equilíbrio onde os preços “revelam” toda a informação
privada[18].
Nesse caso, os preços se ajustam instantaneamente a toda a informação e o
mercado é totalmente eficiente.
No
mercado real, no entanto, o ajustamento não é imediato, nem toda a informação é
captada e fica difícil isolar o efeito líquido de uma determinada informação na
definição do preço. A grande dificuldade em analisar o processo de ajustamento
de preços é que seu movimento depende de como os participantes do mercado
aprendem do mercado de informações. Dependem, portanto, de uma miríade de
fatores como predisposição dos agentes ao risco, natureza e extensão da
incerteza e até da estrutura do mercado em si.
Em um
modelo simples, onde a única incerteza é a inferência sobre o valor privados
dos agentes; os agentes não informados podem fazer inferências sobre a
informação. Em ambientes mais sofisticados (o que, de fato, ocorre na
realidade) esse problema de aprendizado é mais complexo, fazendo um necessário
link entre informação de mercado e valor aparente dos ativos.
A
teoria econômica clássica observa que, em um mercado competitivo, os preços são
determinados pelas forças de oferta e demanda. Também conclui que diante de
monopólios, os preços se elevam e as quantidades se deprimem. Esses fundamentos
básicos são importantes, mas não consideram vários elementos complexos
referentes à determinação dos preços.
Uma
boa pista para resolver essas imperfeições é utilizar a chamada Microestrutura
de Mercado (Market Microstructure), que é uma área da
teoria das finanças que estuda a dinâmica e o processo pelo qual os
investidores fazem previsões sobre o valor futuro dos ativos, com base no
volume atual dos negócios e nos preços correntes.
Assim,
a Microestrutura de Mercado especifica as características dos mecanismos de
troca que facilitam a descoberta do processo de determinação de preços entre
compradores e vendedores. Essa teoria também se preocupa com os mecanismos de
revelação de informação, ou seja, estuda o nível de transparência dos mercados
e, mais especificamente, no estudo do quanto de informação os preços carregam,
ou seja, a microestrutura de preços.
A
transparência quanto ao preço pode ser entendida analisando as regras que são
utilizadas para comercializar. Em uma licitação em leilão reverso (pregão), por
exemplo, há elevado nível de transparência, considerando a liberação das
informações pelos lances sucessivos dos licitantes. Essa transparência permite
ao Governo (no caso das licitações) ter uma melhor noção do preço de reserva
dos licitantes e da dinâmica das forças de oferta e demanda.
Há
vários tipos de transparência. A transparência dos vendedores (no nosso caso,
licitantes), se refere aos custos de produção, prazo de entrega ou capacidade
de executar. Também é importante evidenciar os custos de oportunidade e a
probabilidade de se conhecer o preço de reserva do licitante (inventory information), bem com o
custo dessa transparência.
Ainda
quanto ao preço, é importante diferenciá-lo de valor. Um guarda-chuva vendido
em uma esquina qualquer em um dia de chuva é bem mais caro do que o mesmo item
vendido em dia de sol, muito embora o produto seja exatamente o mesmo. O
conceito de valor aqui utilizado é o mesmo praticado pela teoria econômica
tradicional, convencionalmente chamado de valor utilidade, ou seja, o valor é
uma escala imaginária e subjetiva que pode mudar de acordo com o momento do
agente econômico. Se formos expressar monetariamente o valor, ele seria o preço
máximo que se estaria disposto a pagar no mercado.
Essa
dicotomia preço-valor é um ponto de grande importância quando o Governo decide
contratar serviços, por exemplo. Nesse caso, o uso irrestrito de tabelas mais
provoca problemas e exacerba a seleção adversa do que resolve conflitos. Isso
ocorre porque um dos pontos que faz com que o preço seja diferente do valor é a
quantidade de informação disponível.
Como
lembra Madhavan[19], a pesquisa de informação contida nos
preços (em um conceito mais amplo (Market Microstructure)
envolve um amplo espectro:
a)
formação do preço, incluindo aspectos estáticos (determinação dos custos de
comercialização, por exemplo) ou aspectos dinâmicos, como o processo pelo qual
os preços revelam a informação em determinado período de
tempo. Em essência, esse ponto de análise pretende olhar para dentro da
“caixa preta” dos preços.
b) estrutura
de desenho de mercados, incluindo a relação entre a formação dos preços e as
regras de comercialização. Nesse caso é discutido como diferentes regras afetam
a “caixa preta” e consequente liquidez e qualidade do mercado.
c)
informação e sua revelação, esse é um ponto relacionado à transparencia
de mercado que está ligada à capacidade dos participantes do mercado em
observar as informações sobre os seus competidores. Isso se refere em analisar
como a revelação das informações da “caixa preta dos preços” repercute o
comportamento e as estratégias dos outros participantes do mercado.
No
caso das licitações, mais uma vez, a quantidade de informação revelada afeta a
oferta dos outros licitantes e o grau de seleção adversa.
Recentes
trabalhos em microestrutura de mercados (Market Microstructure)
consideram avanços no campo da economia da informação, expectativas racionais e
competição imperfeita com o fito de construir modelos que mensurem o impacto da
informação nos preços.
Em
outras palavras, por trás da grande simplificação do modelo linear de
equilíbrio de preços esconde-se uma hidra com (muitas cabeças) inúmeras
variáveis informacionais e dinâmicas. Vale lembrar que o modelo é uma
simplificação da realidade, mas, em certas situações, essa redução não é o
suficiente para resolvermos as questões que almejamos.
4. 3 Preco de Referencia , preço de
mercado e preço licitado.
A
relação entre o preço de um bem, seu valor e seu custo representa um problema
para o jurista[20].
O preço é ordinariamente conceituado como valor monetário expresso
numericamente e associado a uma mercadoria, serviço ou patrimônio,[21] o que pode ser
sintetizado na definição coloquial de que o preço é “o quanto que se admite
pagar por algo que se quer”.
Ocorre
que a definição deste “quanto” é afetada por diversos elementos objetivos e subjetivos,
envolvendo também a disposição das partes envolvidas, tanto daquele que quer
adquirir como daquele que pretende vender o bem ou serviço almejado.
Ao que
se sabe, o preço não é definido por uma força divina. Fatores como escassez e
abundância são muito mais importantes para sua definição do que valores nobres,
morais ou mesmo a importância vital do objeto. É já popular a abordagem feita
por Adam Smith acerca do paradoxo da água e do diamante. Realmente, embora a
água seja um bem de vital utilidade, seu preço ordinariamente é infinitamente
inferior a uma pesagem similar de diamantes. Contudo, talvez esta proporção
fosse alterada em uma condição especial, na qual o detentor da água e dos
diamantes estivesse perdido no deserto e sem recursos hídricos à disposição.
Se um
cidadão possui um veículo e quer vendê-lo, sua necessidade de efetivar a troca,
seu especial carinho por ele, a existência de vários interessados no veículo, a
intensidade da necessidade do bem, a concorrência concomitante de outros proprietários
com veículo similar, entre outros fatores, certamente impactarão no preço da
operação. Como explicam Mackaay e Rousseau, o valor
de um bem, definido em uma troca, não pode ser mensurado “senão à luz de um
acordo livremente aceito pelas partes, cada um levando em consideração as
outras opções possíveis”. Em face disso, os autores lapidam bela frase, ao
definir que o preço é o resultado de duas valorizações subjetivas que se
harmonizam, no momento da conclusão do acordo[22].
Sob
essa perspectiva, o preço deve ser compreendido como um “encontro”, e como todo
encontro, é impactado pelas diversas nuances que o envolvem e, possivelmente,
numa reflexão mais filosófica, não seria exatamente o mesmo em nenhum outro
momento. Isto porque, traçando um paralelo com a reflexão proposta por
Heráclito, assim como ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, no mundo
real, dificilmente todas as condições que influenciaram a formação do preço
irão se reproduzir de forma exatamente igual. O pressuposto teórico de manter
todo o resto como constantes (ceteris paribus) não existe na realidade, está tudo mudando
seja no lado da oferta ou no lado da demanda.
A
definição do preço, ou o “encontro” que o define, é então impactada por diversos
elementos, subjetivos e objetivos, o que o torna um produto complexo.
Imagine-se, então, em um período de pandemia, com frenética oscilação dos
preços praticados em relação alguns aparelhos e insumos!
Mesmo
fugindo à tentação de imiscuir em divagações filosóficas, importante pontuar
que é imprescindível ao Poder Público contratante a definição prévia de
“preço”, para que se tenha um parâmetro, antes que este “encontro” ocorra.
Mas de
que preço estamos falando?
Primeiramente,
uma vez que estamos tratando de contratações públicas, importante fixar que, ao
realizar uma pesquisa de preços ou estimativa de custos, a Administração não
está realizando o “encontro” acima indicado, mas preparando-se para ele.
Definindo um parâmetro ou limite de sua valoração inicial, que não se confunde
com o preço da troca, o qual poderá sofrer influências de fatores objetivos e
subjetivos impactantes à definição deste “encontro”.
A este
parâmetro, esta preparação para o “encontro”, chamamos de preço de referência.
O preço propriamente dito, para os fins da análise aqui precipitada,
denominamos de “preço transacional”, que decorre da harmonização dessas
valorizações subjetivas necessárias à conclusão da troca. Túlio Barbosa[23] indica ser fundamental perceber que o
preço de referência se diferencia do preço de mercado e do efetivo preço
transacional, já que é neste último que certos elementos reais são agregados
para sua definição:
Entender
a diferença entre preço de mercado, preço transacional e preço de referência é
muito importante para definir objetivos. O preço de mercado de um bem ou
serviço tende sempre para o seu preço de equilíbrio, onde as intenções de
compra igualam as intenções de venda, podendo ter tendência de alta ou baixa em
função da oferta e da demanda.
O
preço transacional, soma ao conceito do preço de mercado a carga da negociação
e fatos reais para se concretizar a compra. Já
definição de preço de referência, não carrega em si conceito do preço de
mercado, a carga da negociação ou mesmo fatos reais para concretização a
compra, contudo, se utiliza de técnicas estatísticas, além de outras
disciplinas que possam ser necessárias, fundamentadas no objetivo único de
servir de parâmetro à tomada de decisão, ou seja, o preço referencial é uma
unidade estimada a partir de premissas[24].
Via de
regra, a pesquisa de preços nas licitações públicas pretende identificar o
preço de referência, para determinada contratação. É ilusório imaginar que ela,
no mais das vezes, encontrará exatamente o preço transacional ou mesmo o
propalado preço justo da contratação. A função dessa pesquisa é apresentar um
parâmetro, uma referência necessária à valoração pelo poder público, elemento
importante para a definição do preço contratado. Assim, a precificação envolve
diversos fatores e a estimativa de custos nas contratações públicas, em regra,
indica um parâmetro (preço de referência), uma baliza do valor potencialmente
apresentado pelo mercado. Apenas ao final do procedimento de uma licitação ou
mesmo de uma contratação direta, podemos falar que alcançamos o preço
transacional.
O
momento vivenciado no mercado específico, a situação subjetiva do fornecedor
(que influencia seu interesse na contratação), situação subjetiva do órgão/ente
contratante perante o mercado (como tradicional “pagamento tardio” feito pela
Administração ou até a incerteza sobre o adimplemento), além do nível de
competitividade do certame e diversos outros fatores, afetam o custo da
contratação e não são precisamente apurados na estimativa de custos[25].
Ora,
se todos esses fatores já afetam ordinariamente o preço, é razoável admitir que
em tempos de enfrentamento à pandemia, com escassez de produtos e acentuada
ampliação da essencialidade de bens até então ordinários, o preço passa a ser
um elemento fortemente afetado.
Esta condição
deve ser compreendida, para evitar comparações equivocadas ou mesmo uma
presunção de similaridade entre o preço de referência e o preço de transação,
desmentida pela realidade.
4.
A PANDEMIA E OS PREÇOS
NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS
Como
suscitado, o período de pandemia gerou diversos reflexos econômicos que
impactaram nas contratações públicas, com oscilações nos preços de alguns
produtos e insumos ordinários que passaram a ser identificados como essenciais.
Além disso, os preços destes bens foram também afetados por uma impactante
variação cambial no ano de 2020, que de janeiro a maio oscilou enormemente[26].
Ocorreu
uma situação atípica de choque de oferta e choque de demanda. No lado da
oferta, houve uma redução inicial seguida de um aumento posterior de alguns
bens que passaram a ser produzidos por novos agentes pelos altos (e atrativos)
preços praticados. Por sua vez, no flanco da demanda, houve um aumento brusco
inicial (medo de crise de abastecimento) seguido de uma pequena redução
posterior (realinhamento das expectativas). Isto é, ambas as partes oscilaram
bastante em suas funções nos mercados de forma não simétrica ou previsível,
como em uma dança frenética sem seguir nenhum ritmo.
Assim,
por exemplo, produtos como álcool em gel, máscaras de proteção e respiradores,
entre outros, tiveram uma ampliação abrupta da demanda, que não foi
imediatamente acompanhada pela ampliação da oferta, o que gerou escassez,
desequilíbrio na relação demanda x oferta e majoração dos preços.
Em
alguns casos, contudo, fatores agiram rapidamente para equilibrar a suscitada
relação, fazendo com que os preços voltassem a reduzir, em poucas semanas.
Cite-se
o álcool em gel. No início da pandemia, ele, que era um produto ordinário e
pouco consumido nas residências brasileiras, foi catapultado a um bem
essencial, indicado que foi como uma das principais armas para reduzir o risco
de contágio. Com isso, as pessoas se apressaram a adquirir o produto, gerando
escassez e dificuldade dos fornecedores na reposição dos estoques, resultando
em elevação dos preços. Com a alta do preço do álcool em gel, fabricantes de
outros produtos, com linha de produção compatível, interessaram-se pelo seu
fornecimento, o que ampliou a disponibilidade para os consumidores, melhorando
o equilíbrio da relação demanda x oferta e induzindo uma posterior redução dos
preços. Mais adiante, tal redução foi acentuada pela percepção dos consumidores
de que o produto álcool em gel poderia ser substituído pela higienização com
água e sabão, uma vez que, diante das medidas de restrição social, estavam na
maior parte do tempo confinados em suas próprias residências, onde este bem
substituto, mais barato, está disponível.
Ciclo
semelhante ocorreu com outros produtos. As máscaras de proteção, por exemplo,
sofreram repentino aumento de demanda, escassez e elevação dos preços, por
motivos semelhantes, atraindo incremento da produção por outros fabricantes
interessados, o que induziu uma posterior redução de preços, acentuada com o
recrudescimento do confinamento social (já que em casa as pessoas não costumam
utilizar máscaras) e, sobretudo, com a informação de que mesmo as máscaras
artesanais de pano seriam suficientes a reduzir sensivelmente o risco de
transmissão, sendo recomendáveis para os cidadãos comuns.
Neste
período, influenciaram também a variação de preços outros fatores, entre eles a
adoção de requisição administrativa por alguns órgãos (desestimulando a produção),
demora no pagamento, aumento do preço dos insumos, problemas na importação e
variação cambial.
Ora,
nos dois exemplos citados, os preços praticados pelo mercado foram fortemente
influenciados, com sequenciais oscilações de majoração e de redução. Neste
ritmo, variações que ordinariamente ocorriam em semestres, passaram a ocorrer
em semanas, motivo pelo qual em um período de três meses, podemos identificar
sensíveis mudanças nos preços praticados pelo mercado.
Com
base nesta variação diferenciada, autores têm admoestado que o uso do Sistema
de Registro de Preços, que gera vinculação de preços por período de até dozes
meses, deve ser “obtemperado com bastante parcimônia”, tendo em vista o cenário
anormal do mercado, a volatilidade dos estoques, a variação rápida do custo dos
produtos e serviços, de acordo com as condições vivenciadas pelos operadores
públicos e privados, no momento da operação, além de “uma série de
externalidades positivas e negativas impactantes sobre o comprador e o
fornecedor”[27].
Vale lembrar, inclusive, que não cabe reajuste, repactuação ou reequilíbrio
econômico (revisão econômica) em relação ao instrumento Ata de registro de
preços, embora esses direitos possam ser reconhecidos no bojo da respectiva
contratação[28].
Já em
relação à pesquisa de preços, notadamente para análise posterior acerca da
correção dos preços contratados pelo Poder Público, convém compreender que em
um período de três meses, por exemplo, aquele produto terá extraordinários
vieses de alta e de baixa.
Adotando
ferramenta de pesquisa, para identificar o preço de frasco de 500 ml de álcool
em gel, pode-se identificar preços extremamente variados em períodos
relativamente próximos, contratados por órgãos diversos:
Órgão |
Data |
Preço |
PREFEITURA MUNICIPAL DE
INHUMAS-GO |
26/04/2020 |
R$ 6,30 |
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANA |
27/04/2020 |
R$ 4,34 |
SUPERINTENDENCIA REG.DEP.POLICIA
FEDERAL- RS |
27/04/2020 |
R$ 8,52 |
CENTRO DE INTEND.DA MARINHA EM RIO GRANDE |
27/04/2020 |
R$ 9,00 |
UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS/MEC/MG |
26/04/2020 |
R$ 15,25 |
CENTRO DE EDUCAÇAO E SAUDE DA UFCG |
04/05/2020 |
R$ 4,84 |
Não é a
pretensão deste artigo realizar auditagem, comparação ou mesmo tratamento dos
preços identificados, mas apenas demonstrar como há oscilação nos preços
contratados, justamente estes que são a principal fonte para a pesquisa de
preços no modelo tradicional de estimativa de custos nas contratações públicas.
Além
da oscilação do preço de mercado, ainda contribuem para a definição dos preços
as demais “variáveis de custos”, que são todos os fatores que afetam o custo de
aquisição do material ou do serviço, tais como a quantidade, o frete, os
impostos, o método e a estratégia de suprimentos, o valor local da mão de obra,
das máquinas e equipamentos, depreciação e capacidade de produção[29]. Nessa linha, se uma empresa de Brasília
é chamada ao fornecimento de bens ou serviços a um órgão de Brasília, ela
possui um custo de logística de entrega reduzido. Mas se ela tiver que se
comprometer a fornecer cumulativamente a outros órgãos, em diversas regiões do
Brasil, terá que diluir os custos de logística majorados em sua proposta. Para
tanto, ela precisará ampliar o preço ofertado.
Além
disso, outros aspectos subjetivos podem impactar o preço transacional, como,
por exemplo, eventual risco de inadimplemento por um dos órgãos participantes,
diante de seu histórico de pouca responsabilidade com seus compromissos
financeiros ou contratuais.
Por
fim, e ainda mais grave, há oportunismo (moral hazard)
por parte de fornecedores que, diante da incerteza do comprador sobre o real
preço de mercado (assimetria informacional) e a necessidade emergencial de
aquisição do produto, inflam suas propostas de maneira ardilosa e artificial.
Este comportamento oportunista, embora não seja propriamente uma regra geral,
não é um monopólio de fornecedores no Brasil. Nos Estados Unidos e no Reino
Unido também foram identificados diversos casos de estranhas variações de
preços, com tentativas de enfrentamento, pelas próprias plataformas de e-marketplace, como eBay e Amazon
Marketplace, para reprimir abusivo aumento da lucratividade dos vendedores
devido ao coronavírus[30]. Na China, também, as autoridades
ameaçaram punições severas contra os vendedores considerados culpados de
manipulação de preços, tendo, plataformas chinesas de comércio eletrônico
ordenado que seus fornecedores não aumentassem os preços[31].
Realmente,
a ideia de que acordos voluntários levam ao preço adequado e ao ponto de ótimo
social pode ser prejudicada pelas chamadas “falhas de mercado”, entre elas as
externalidades; as assimetrias de informação e os custos de transação[32]. Em termos econômicos, sabe-se que o primeiro
teorema do bem-estar[33]
não se mantém na presença de uma falha de mercado (como é o problema de
informação), ou seja, a alocação final diverge do equilíbrio (ótimo) de Pareto[34],
havendo um prejuízo social.
Causa
espécie imaginar que fornecedores estejam se aproveitando da situação caótica
vivenciada em relação ao mercado de alguns insumos e produtos de extrema
necessidade em um período de pandemia; por outro lado, contudo, a tentativa
estatal de controlar esses preços pode gerar efeitos colaterais indesejados.
Um dos
efeitos indesejados pode ser uma distorção do mercado, desestimulando a
ampliação de oferta e, com isso, ampliando a escassez e gerando um mercado
paralelo que tornará aqueles produtos essenciais ainda mais caros[35].
De
qualquer forma, alguma ação deve ser feita para evitar atitudes oportunistas
ilegítimas. Neste sentido, o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco
desenvolveu metodologia para auxiliar o trabalho de auditoria referente às
aquisições emergenciais realizadas para o enfrentamento à Covid-19, objetivando
apuração de sobrepreço ou superfaturamento. Esta metodologia consistiria “na
identificação do preço de mercado por meio da aplicação de cálculo
estatístico”, sendo o valor calculado “a partir de ampla pesquisa dos preços
públicos praticados no mercado durante o período de pandemia e considerando a
data da aquisição”.[36]
Na metodologia tradicional, o “preço de mercado” é calculado a partir da média da pesquisa de preços. Entretanto, a equipe técnica do Tribunal entende que esse valor deve ser encontrado a partir da análise dos preços mais comuns do mercado, não necessariamente por todos os existentes. Quando todos os valores são considerados, aqueles que porventura sejam discrepantes (muito altos ou muito baixos) podem distorcer a média aritmética e, consequentemente, o “Preço de Mercado”.
Nesse contexto, a metodologia utilizada pelo TCE envolve um mapeamento do mercado através de uma ampla pesquisa de preços, utilizando-se das mais diversas fontes de pesquisa disponíveis, tais como Painel de Preços do Governo Federal e demais bancos de preços disponíveis, bem como consultas a sítios oficiais e propostas de possíveis fornecedores dos produtos.
Ressalte-se que na pesquisa dos dados é realizada criteriosa verificação das especificações dos produtos obtidos para que atendam às características do produto a ser adquirido, bem como são ponderados aspectos como a escala da compra, o período da aquisição e o local onde ocorreram. Tudo para que haja segurança de que os dados obtidos são relevantes e em quantidade razoável para a boa aplicação do modelo. Em seguida é aplicado tratamento estatístico para que os dados discrepantes (outliers[37]) sejam expurgados da amostra.
Por fim, nos dados restantes, com o objetivo de determinar o preço que melhor reflete a pesquisa, nova estatística é aplicada aos dados restantes, chegando ao “Preço de Mercado” do produto, por meio do qual poderá ser realizada a análise acerca da ocorrência do sobrepreço ou do superfaturamento da contratação.[38]
Segundo
publicado no Portal do próprio TCE/PE, um dos grandes desafios para a
fiscalização é a apuração de sobrepreço ou superfaturamento nas contratações
relacionadas ao enfrentamento da Covid-19, tendo em vista a urgência e da
escassez dos insumos no mercado[39].
Contudo,
é fundamental refletir se, diante de tantas variáveis de custos e fatores
objetivos e subjetivos que afetam a precificação, em um período de acentuada
oscilação, não seria pouco fidedigna a pesquisa de preços baseada em
metodologia de comparação dos preços decorrentes de trocas praticadas por
órgãos diferentes, em períodos diferentes.
Afirmações
precipitadas da existência de sobrepreço ou superfaturamento podem gerar medo
de ação, pelos agentes envolvidos nas contratações públicas, que tenderão a não
realizar as contratações diretas, para contratação de bens e insumos
relacionados ao COVID-19, mesmo quando esta opção for a melhor para o
atendimento da demanda urgente, pois a ausência de procedimento licitatório
torna mais sensível a defesa do preço transacional pactuado, ou, em outras
palavras, a justificativa do “encontro” realizado.
6. DA
CONCLUSÃO
As
pesquisas de preços são uma importante ferramenta para resolver a assimetria de
informação na relação do agente público e do Estado, entretanto, o modelo usual
de preço pressupõe uma relação estável e previsível (quase linear) da oferta e
da demanda, desconsiderando as inúmeras peculiaridades envolvidas.
Entretanto,
a pandemia gerada pelo COVID-19 fez com que as relações de mercado ficassem
ainda mais acentuadas, dando maior relevo para as questões que tradicionalmente
passavam despercebidas pelos operadores do processo de contratação e
fiscalização.
Assim,
com as bruscas alterações do mercado, torna-se virtualmente impossível haver
uma total resolução do problema informacional que envolve o preço, o que há de
dificultar o processo fiscalizatório (e receio dos gestores) das aquisições
ocorridas durante a pandemia.
Desse
modo, parece-nos que a pesquisa de preços nas contratações públicas não é o instrumento
apto a resolver a questão das informações da contratação, podendo ser um
indicador enviesado da relação negocial, percepção, que, acreditamos, pôde ser
bem demonstrada neste artigo.
7.
REFERÊNCIAS.
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TORRES.
Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 10ª edição.
Salvador: Jus Podivm, 2019.
[1] TORRES. Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 10ª edição. Salvador: Jus Podivm, 2019. P. 94.
[2]. TCU. Acórdão nº 860/2011-1ª Câmara.
[3]. TCU. Acórdão nº 3.351/2011-2ª Câmara.
[4]. TCU. Acórdão nº 65/2010-Plenário.
[5]. TCU. Acórdão nº 65/2010-Plenário.
[6]. TCU. Acórdão nº 1.089/2011-1ª Câmara.
[7]http://comprasnet.gov.br/livre/Pregao/AtaEletronico.asp?co_no_uasg=200372&uasg=200372&numprp=32020
[8] TORRES. Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 10ª edição. Salvador: Jus Podivm, 2019. P. 598.
[9]. TCU. Acórdão 2637/2015-Plenário. No
mesmo sentido, Acórdão 2352/2016 Plenário.
[10] JACOBY FERNANDES, Jorge Ulysses; JACOBY FERNANDES, Murilo; TEIXEIRA, Paulo; TORRES, Ronny Charles Lopes de. Direito provisório e a emergência do coronavírus. Belo Horizonte: Fórum, 2020. P. 84.
[11] AMORIM, Victor. O que "sobra" para estados e municípios na competência de licitações e contratos? https://www.conjur.com.br/2017-jan-22/sobra-estados-municipios-licitacoes-contratos. Acesso em 22/06/2020.
[12] JACOBY FERNANDES, Jorge Ulysses; JACOBY FERNANDES, Murilo; TEIXEIRA, Paulo; TORRES, Ronny Charles Lopes de. Direito provisório e a emergência do coronavírus. Belo Horizonte: Fórum, 2020. P. 85
[13] NIEBUHR, Joel de Menezes. Regime emergencial de contratação pública para o enfrentamento à pandemia COVID-19. Belo Horizonte: Fórum, 2020. P. 113.
[14] Nobrega, Marcos. A contratação integrada no Regime Diferenciado de Contratação – Inadequação da teoria da imprevisão como critério para o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Revista de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 12, n. 45, p. 111-141, jan./mar. 2014
[15] Essa idéia de preços é um modelo simplificado, mas bastante adequada para uma visão geral (da maioria das situações). Ela serve de base para toda a teoria do bem-estar e das escolhas sociais.
[16] Nobrega, Marcos. A contratação integrada no Regime Diferenciado de Contratação – Inadequação da teoria da imprevisão como critério para o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Revista de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 12, n. 45, p. 111-141, jan./mar. 2014
[17] Nobrega, Marcos. A contratação integrada no Regime Diferenciado de Contratação – Inadequação da teoria da imprevisão como critério para o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Revista de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 12, n. 45, p. 111-141, jan./mar. 2014
[18] Nobrega, Marcos. A contratação integrada no Regime Diferenciado de Contratação – Inadequação da teoria da imprevisão como critério para o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Revista de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 12, n. 45, p. 111-141, jan./mar. 2014
Madhavan, Ananth, Market Microstructure: A Survey (March 16, 2000). Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=218180 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.218180
[20] MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2015.p. 117.
[22] MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2015.p. 119.
[23]
BARBOSA, Túlio. Preços para licitações públicas. IN TORRES, Ronny Charles L.
de. Licitações Públicas: homenagem ao jurista Jorge Ulisses Jacoby
Fernandes. Curitiba: Negócios Públicos, 2016. P. 149-164.
[24].
BARBOSA, Túlio. Preços para licitações públicas. IN TORRES, Ronny Charles L.
de. Licitações Públicas: homenagem ao jurista Jorge Ulisses Jacoby
Fernandes. Curitiba: Negócios Públicos, 2016. P. 149-164.
[25] TORRES. Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 10ª edição. Salvador: Jus Podivm, 2019. P. 607.
[27] REIS, Luciano; ALCÂNTARA, Marcus. Sistema de Registro de Preços na COVID-19. http://rcl.adv.br/site/wp-content/uploads/2020/03/CONTRATA%C3%87%C3%83O-P%C3%9ABLICA-EXTRAORDIN%C3%81RIA-NO-PER%C3%8DODO-DO-CORONAV%C3%8DRUS-19-Luciano-Reis-e-Marcus-Alc%C3%A2ntara.pdf.
[28].
Parecer n. 00001/2016/CPLC/CGU/AGU.
[29] BARBOSA, Túlio Bastos. Preços nas licitações públicas. In. TORRES, Ronny Charles L. de (Coord.). Licitações Públicas: homenagem ao jurista Jorge Ulisses Jacoby Fernandes. Curitiba: Negócios Públicos, 2016.
[30]https://amp.theguardian.com/business/2020/mar/25/amazon-and-ebay-failing-to-stop-covid-19-profiteers-says-which.
[31] https://qz.com/1793749/wuhan-coronavirus-mask-shortage-illustrates-basic-economic-theory/
[32] Timm, Luciano Benetti. Direito Contratual Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. P. 187.
[33] Esse
teorema afirma que, se a estrutura do mercado é uma concorrência perfeita, a solução resultante é a que
maximiza a utilidade da sociedade.
[34] O Ótimo de Pareto é a situação em que a condição de que nenhum agente pode melhorar sem piorar a situação dos outros
[36] https://www.tce.pe.gov.br/internet/index.php/mais-noticias-invisivel/302-2020/junho/5453-tce-desenvolve-metodologia-de-verificacao-de-sobrepreco-nas-auditorias-da-covid-19
[37] Vale destacar que não existe um conceito padronizado sobre outlier, mas a medida tradicionalmente usada é o “interquartile range rule”.
[38] https://www.tce.pe.gov.br/internet/index.php/mais-noticias-invisivel/302-2020/junho/5453-tce-desenvolve-metodologia-de-verificacao-de-sobrepreco-nas-auditorias-da-covid-19
[39] https://www.tce.pe.gov.br/internet/index.php/mais-noticias-invisivel/302-2020/junho/5453-tce-desenvolve-metodologia-de-verificacao-de-sobrepreco-nas-auditorias-da-covid-19