A JUSTIFICATIVA DE PREÇOS EM CONTRATAÇÃO POR INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO E AS REGRAS DA NOVA IN Nº 73, DE 5 DE AGOSTO DE 2020, DO MINISTÉRIO DA ECONOMIA

 

Gabriela Pércio

@gabrielavpercio

Advogada e Consultora em Licitações e Contratos (GVP Parcerias Governamentais). Especialista em Direito Administrativo (Faculdade de Direito de Curitiba-PR). Mestre em Gestão de Políticas Públicas (Universidade do Vale do Itajaí-SC). Autora da obra “Contratos Administrativos – Manual para Gestores e Fiscais – Incluindo Sistema de Registro de Preços, RDC e Lei das Estatais”, 3ª ed., 2019, Ed. Juruá.

 

Ronny Charles Lopes de Torres

@ronnycharles

Advogado da União. Palestrante. Professor. Mestre em Direito Econômico. Pós-graduado em Direito tributário. Pós-graduado em Ciências Jurídicas. Coordenador (junto com o Prof. Jacoby Fernandes) da pós-graduação em Licitações e contratos, da Faculdade Baiana de Direito. Professor do Centro de Ensino Renato Saraiva (CERS). Coordenador da Comissão de licitações e contratos da Consultoria Geral da União. Atuou como Consultor Jurídico Adjunto da Consultoria Jurídica da União perante o Ministério do Trabalho e Emprego. Autor de diversos livros jurídicos, entre eles: Leis de licitações públicas comentadas (10ª Edição. Ed. JusPodivm); Administrativo (Co-autor. 9ª Edição. Ed. Jus Podivm); RDC:  Regime Diferenciado de Contratações (Co-autor. Ed. Jus Podivm); Terceiro Setor: entre a liberdade e o controle (Ed. Jus Podivm), Licitações e contratos nas empresas estatais (Co-autor. Ed. Jus Podivm). Improbidade administrativa (Co-autor. 4ª edição. Ed. Jus Podivm). Autor da coluna mensal “Direito & Política”, da Revista Negócios Públicos.

 

SUMÁRIO

 

I - INTRODUÇÃO. II - CONTRATAÇÃO POR INEXIGIBILIDADE E A COTAÇÃO COM OUTROS FORNECEDORES. II.1  O entendimento da Primeira Câmara do TCU e a Instrução Normativa nº 73, de 5 de agosto de 2020. II.2 Confronto da premissa com a compreensão de que há diferentes hipóteses de inexigibilidade. II.3. Inexigibilidade e justificativa de preços. II.4 Ponderação econômica sobre o preço da contratação por inexigibilidade. II.5 Da inadequação da adoção do parâmetro preço para a escolha de um fornecedor contratado por inexigibilidade. III -  CONCLUSÃO

 

 

 I - Introdução

O presente artigo objetiva analisar a premissa defendida por alguns de que, para as contratações por inexigibilidade, a realização de pesquisa de preços junto a outros fornecedores descaracteriza as permissivas para a contratação direta, lastreadas no artigo 25 da Lei nº 8.666/93.

Os autores deste escrito compreendem as preocupações que justificaram os entendimentos jurisprudenciais e disposições normativas que caminharam no sentido de conformação a esta premissa, mas buscaram trazer ponderações importantes para maior reflexão seja dada ao tema, de maneira a perceber-se que a supracitada premissa não deve ser compreendida como absolutamente verdadeira, sob pena, inclusive, de termos prejuízos a uma ação eficiente do gestor público.

 

II – A CONTRATAÇÃO POR INEXIGIBILIDADE E A COTAÇÃO DE PREÇOS COM OUTROS FORNECEDORES

 

II.1 O entendimento da Primeira Câmara do TCU e a Instrução Normativa nº 73, de 5 de agosto de 2020

O Tribunal de Contas da União já havia sedimentado Jurisprudência no sentido de que a justificativa do preço em contratações diretas, no caso de inexigibilidade, deve ser realizada, preferencialmente, mediante a comparação com os preços praticados pelo próprio fornecedor, junto a outras instituições públicas ou privadas[1]. Vale salientar que o julgado indicava uma adoção apenas preferencial deste formato de formalização da justificativa de preços.

Em 2019, contudo, o Acórdão no 2.280, da Primeira Câmara do TCU, gerou discussão ao divulgar o entendimento de que “a realização de cotação de preços junto a potenciais prestadores dos serviços demandados, a fim de justificar que os preços contratados estão compatíveis com os praticados no mercado, afasta a hipótese de inexigibilidade de licitação, por restar caracterizada a viabilidade de competição.”

Na oportunidade, afirmando a necessidade de atentar para o caso concreto tratado no acórdão[2] e evitar a aplicação generalizada da referida conclusão, nele contida, abordamos o tema em artigo intitulado “Ilegalidade da pesquisa de preços em contratação por inexigibilidade de licitação”[3], chamando atenção para necessidade de dar tratamento diverso à matéria, conforme se trate de inviabilidade de competição relativa ou absoluta, hipóteses contempladas no art. 25 da Lei nº 8.666/93 e, assim, evitar uma aplicação disfuncional das normas legais.

Por seu turno, a Instrução Normativa nº 73, de 5 de agosto de 2020, expedida pela Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, ao revogar a Instrução Normativa nº 5, de 27 de junho de 2014 e dispor sobre o procedimento administrativo para a realização de pesquisa de preços para a aquisição de bens e contratação de serviços em geral, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, trouxe novamente à tona a necessidade de uma abordagem clara sobre o assunto, com fins puramente didáticos e complementares aos fins da referida norma.

Segundo o normativo, os processos de inexigibilidade de licitação deverão ser instruídos com a devida justificativa de que o preço ofertado à administração é condizente com o praticado pelo mercado, em especial por meio de: a) documentos fiscais ou instrumentos contratuais de objetos idênticos, comercializados pela futura contratada, emitidos no período de até 1 (um) ano anterior à data da autorização da inexigibilidade pela autoridade competente; b) tabelas de preços vigentes divulgadas pela futura contratada em sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, contendo data e hora de acesso.

A IN 73/2020 admite a utilização de outros critérios ou métodos, desde que devidamente justificados nos autos pelo gestor responsável e aprovados pela autoridade competente, admitindo que, excepcionalmente, para o caso no qual a futura contratada não tenha comercializado o objeto anteriormente, a justificativa de preço possa ser realizada com objetos de mesma natureza.

Porém, por fim, a referida Instrução normativa conclui que, “caso a justificativa de preços aponte para a possibilidade de competição no mercado, vedada está a inexigibilidade”. Esse dispositivo pode ser, precipitadamente, interpretado à luz exclusivamente da premissa abraçada pelo Acórdão nº 2.280, da Primeira Câmara do TCU, a qual, respeitosamente, merece melhor reflexão.

 

II.2 Confronto da premissa com a compreensão de que há diferentes hipóteses de inexigibilidade de licitação

De plano, a assertiva que foi o cerne do nosso artigo anterior, já citado, será o ponto de partida: a pesquisa de preços com diferentes particulares é incompatível apenas e tão somente com a inviabilidade de competição absoluta, ou seja, aquela fundada na ausência de outros particulares a oferecer o produto ou serviço buscado pela Administração, a rigor em decorrência da exclusividade do fornecedor ou prestador. Nos casos de inviabilidade de competição relativa, é possível admitir pesquisa com a finalidade de parametrizar a análise de razoabilidade da contratação que será feita pela autoridade responsável e orientar a elaboração da justificativa da contratação, sem o objetivo, portanto, de definir quem será o contratado.

O §3º do art. 7º da IN nº 73/20-SEGES/ME estabelece que, “[c]aso a justificativa de preços aponte para a possibilidade de competição no mercado, vedada está a inexigibilidade”, podendo parecer ao leitor mais apressado que a pesquisa de preços, por si, é um indicativo da ilegalidade da contratação por inexigibilidade, qualquer que seja seu fundamento.

É fundamental entender o referido dispositivo à luz da diferença entre as duas hipóteses de inviabilidade de competição já referidas. A justificativa de preços será distinta em ambos os casos e, ainda, será sempre distinta em relação à justificativa de preços que instrui contratações via licitação ou hipóteses de contratação direta por dispensa.

É incontroverso que o requisito da inexistência de mais de um particular apto a atender à demanda da Administração e, portanto, a inviabilidade de competição absoluta, caracteriza a hipótese do inc. I do art. 25 da Lei 8.666/93, mas não as previstas nos incisos II e III, nem vincula, portanto, a noção de inexigibilidade de licitação. Especialmente em relação ao inc. II, é pacífico até mesmo na jurisprudência do TCU[4] que o conceito de singularidade “não pode ser confundido com a ideia de unicidade, exclusividade, ineditismo ou raridade” e que “o fato de o objeto poder ser executado por outros profissionais ou empresas não impede a contratação direta amparada no art. 25, inciso II, da Lei no 8.666/93”, já que a “inexigibilidade, amparada nesse dispositivo legal, decorre da impossibilidade de se fixar critérios objetivos de julgamento”[5].

Desse modo, diante de hipótese legal de inexigibilidade de licitação que admita a existência de vários potenciais contratados, não é possível afirmar que a mera consulta de preços junto a mais de um particular descaracteriza a inviabilidade de competição e, portanto, torna ilegal a contratação direta com tal fundamento.

Nessas hipóteses, como é sabido, a inviabilidade de competição funda-se na impossibilidade de selecionar um contratado mediante comparação objetiva de propostas, considerando a natureza do serviço a ser prestado, eminentemente atrelado às características individuais de cada executor. Não quer significar, em última análise, que somente um particular terá condições de executar o serviço a contento ou que somente um dentre os vários será digno da confiança da autoridade competente, mas, sim, que um deles será escolhido por ela porque, na sua percepção, oferece maiores chances de alcançar os resultados pretendidos. A discricionariedade é elemento intrínseco claro e irrefutável a essa hipótese de inexigibilidade de licitação, conforme igualmente reconhecido pela doutrina e pelo TCU na Decisão 439/1998 – TCU/Plenário, proferida em caráter normativo.[6]

Nessa toada, assaz reconhecer que, sendo maior a discricionariedade, maior será a sensação pessoal de perigo ao gestor e, por consequência, maiores serão os cuidados relacionados à legalidade da contratação em todos os seus aspectos, inclusive quanto ao preço. Por isso, é razoável que, diante de uma pluralidade de possíveis contratados em condições de executar um objeto que não permita uma comparação objetiva de propostas, o gestor busque conhecer os preços praticados por outros particulares, para uma melhor avaliação de riscos e motivação de sua escolha. Assim, a justificativa de preços nesses termos, se eventualmente realizada, não indicará, por óbvio, a ilegalidade de uma contratação por inexigibilidade, por não descaracterizar a inviabilidade de competição relativa admitida pela Lei.

Esse raciocínio não se aplica para inexigibilidades fundadas no inc. I do art. 25, por exemplo, para a qual não há e não pode haver outros fornecedores com quem pesquisar preços, caso em que a efetiva obtenção de orçamentos para um objeto com as mesmas características junto a mais de um fornecedor indicará, a rigor, o descabimento da contratação direta.

 

II.3. Inexigibilidade e justificativa de preços

No que concerne à justificativa de preços para a contratação direta por inexigibilidade de licitação, embora seja exigida como elemento de instrução processual até por força do art. artigo 26 da supracitada Lei no 8.666/93, não há uma definição legal de rito ou forma para sua concretização.

A conduta esperada do gestor responsável é, certamente, por uma questão de lógica, seguir a orientação firmada pelo TCU no sentido comparar os preços praticados pelo fornecedor junto a outras instituições públicas ou privadas[7].

Contudo, esta não é a única conduta possível, como enfatizado pela AGU[8] ao admitir a utilização de outros “meios igualmente idôneos” destinados a aferir a razoabilidade do valor das contratações decorrentes de inexigibilidade. Desse modo, embora seja esperado que o gestor se valha, para justificar o preço, de contratos similares celebrados pelo particular a ser contratado, outras formas com o mesmo propósito não podem ser afastadas. Neste sentido, inclusive, a IN 73/2020 admite a utilização de outros critérios ou métodos, “desde que devidamente justificados nos autos pelo gestor responsável e aprovados pela autoridade competente”.

Nesse contexto, um cenário comumente encontrado é aquele em que, diante de vários profissionais notoriamente especializados, o gestor decide-se, desde logo, pela contratação de um deles. Para tanto, considera, por exemplo, a confiança formada in concreto em decorrência de trabalhos anteriores realizados junto à própria Administração contratante, sendo-lhe claro que essa alternativa, devidamente justificada no processo, é a mais adequada para o alcance dos objetivos da organização, na linha do que prescreve o §1º do art. 25 da Lei no 8.666/93. Então, a instrução do processo para a contratação segue independentemente dos preços praticados por outros profissionais notoriamente especializados e a justificativa de preços se dará a partir de informações referentes a outras contratações celebradas pelo profissional, comprovando que o preço praticado é o seu preço corrente.

Porém, esse mesmo gestor, por cautela, pode decidir consultar outros prestadores notoriamente especializados para o serviço, a fim de identificar um parâmetro financeiro e dar maior segurança à sua decisão ou mesmo conferir-lhe elementos para eventual negociação.

Imaginemos, para ilustrar, que há três profissionais (A, B e C) com notória especialização potencialmente suficiente para ministrar um treinamento avançado na área de licitações e contratos para uma empresa estatal, objeto evidentemente singular. Tendo em vista a notoriedade dos três profissionais, mesmo entendendo que A seria não apenas a melhor opção, como também a mais adequada, em virtude de desempenho anterior e publicações sobre temas de especial interesse da estatal para o pretendido treinamento, o gestor solicita orçamento aos outros dois. O objetivo do zeloso gestor não é realizar a escolha considerando tão somente o aspecto financeiro, ao qual não está vinculado, mas ter informações que possam auxiliá-lo na negociação e na tomada de decisão.

Duas situações podem, então, vir a ocorrer: a) todos os orçamentos apresentarem valores muito similares, deixando o gestor bastante confortável em sua decisão; b) os orçamentos apresentarem valores muito diferentes, levando o gestor a uma análise mais acurada, considerando os aspectos técnicos e, também, financeiros da contratação. Se realizada nesses termos, ou seja, com o objetivo de parametrizar a avaliação da economicidade da contratação e justificar de forma mais apropriada a opção administrativa, a pesquisa não se afigura inadmissível. E, como dito, ela é, de fato, possível mesmo diante de um objeto em que há inviabilidade de competição justificadora da inexigibilidade.

É absolutamente evidente que a conduta sugerida não elimina as condições de contratação direta por inexigibilidade de licitação, nem acarreta qualquer ilegalidade ao processo; ao contrário, demonstra a preocupação do gestor não apenas com a legalidade formalista, mas com a real vantajosidade da contratação, para além do fator preço.

 

III.4 Ponderação econômica sobre o preço da contratação por inexigibilidade

Muitos negligenciam que a contratação, mesmo a pública, envolve uma troca, influenciada por elementos dinâmicos, caracterizada por assimetrias informacionais.

Compreender adequadamente o Direito exige que se entenda “o movimento próprio das peças que é programado para reger”, sendo necessário conhecer o ser humano, o mercado e compreender suas interações[9].

A definição do preço é um processo dinâmico; o preço é “um encontro” impactado por diversos elementos, subjetivos e objetivos, o que o torna um produto complexo[10], resultado de valorizações que se harmonizam no momento da conclusão do acordo.[11]

A Análise Econômica do Direito, notadamente em sua perspectiva normativa, tendo como ponto de partida a compreensão de que o agente racional faz escolhas de acordo com incentivos, objetiva emitir opiniões e ponderações sobre a adequação ou não de determinadas regras jurídicas a fins últimos.[12]

O comportamento induzido por uma leitura precipitada do Acórdão no 2.280/2019 da Primeira Câmara do TCU e pelo artigo 7º da Instrução Normativa nº 73, de 5 de agosto de 2020, pode prejudicar a diligente atuação do gestor público de, mesmo diante de uma hipótese de inviabilidade relativa de competição, buscar parâmetros de preços entre outros notórios especialistas.

Deve-se firmar: essa referência pode ser importante e até economicamente estratégica para reduzir assimetrias de informações e facilitar a negociação pelo órgão público. Bom, ainda, considerar que é plausível a hipótese em que um fornecedor detentor de comprovantes de contratações anteriores com preços mais elevados, diante de uma pretensão contratual caracterizável como inexigível, utilize os maiores preços entre as contratações anteriores e similares, apoiado no formato restritivo de demonstração indicado pelo referido Acórdão no 2.280/2019, para fixar os valores de suas contratações em patamares superiores aos atualmente identificados no mercado, praticados por outros profissionais. Assim, a coleta pode servir a mitigar os riscos desse comportamento, pela referência com outro fornecedor do mercado específico. Outras medidas poderiam ser também adotadas e até sugeridas.

Destaca-se ser racional e legítima a atitude do fornecedor ao apontar como parâmetro contratações similares com preços maiores em detrimento daquelas com preços menores. Também assim, deveria ser entendida como racional, legítima e até recomendável, a atitude do gestor que busca identificar parâmetros outros para valoração do preço a ser pago numa contratação, mesmo quando inexigível a licitação.

Imaginemos, para ilustrar, a contratação de um profissional do setor artístico nos termos do inc. III do art. 25 da Lei 8.666/93. Embora ressabido que a escolha desse artista não se presta ao modelo de licitação, certamente existirão profissionais que detenham similar consagração pública e pratiquem preços mais ou menos parecidos. É também sabido que há períodos em que, sazonalmente, os preços para contratações desses artistas possuem vieses de alta e outros períodos em que ficam mais reduzidos, em função da relação demanda x oferta.

Nesse quadro, um consagrado cantor de forró, música dançante que marca a cultura nordestina, costuma cobrar mais por seus serviços em períodos de festas juninas. Se a contratação ocorrer em período diferente, ou mesmo em um período junino de menor demanda de festas (como, infelizmente, tivemos no ano de 2020), haverá relevante impacto no preço de mercado, o que poderá não ser identificado se adotado o comportamento formalista de tão somente exigir-se prova de preços praticados pelo próprio contratado. Ademais, uma vez ser dado presumir que, racionalmente, os humanos escolhem, entre as opções disponíveis, aquela que lhe oferece a maior satisfação[13], parece razoável antever que, diante de diversas referências contratuais similares, com preços diferentes, o fornecedor, quando solicitado, apresentará aquelas de maior valor, ampliando a vantagem econômica de sua contratação.

Nesta senda, a consulta a outro artista consagrado pode proteger a Administração Pública e o próprio gestor de ser surpreendido por avaliações, seja do controle externo, da imprensa ou de cidadãos, que considerem inapropriados, excessivos ou até mesmo imorais os valores despendidos. Diante desta percepção, justifica-se a coleta de preços praticados por outros particulares como instrumento utilizado para reduzir a assimetria de informações, facilitando uma boa negociação pela Administração.

Reitere-se, então, diante de hipótese inviabilidade de competição relativa, que a coleta de preços praticados pode ser um comportamento racional estratégico para garantir uma contratação mais vantajosa.

 

II.5 Da inadequação da adoção do parâmetro “preço” para a escolha de um particular contratado por inexigibilidade

Importante ressalva deve ser feita, pois dela pode depender, aí sim, a legalidade ou ilegalidade da contratação: a busca de preços junto a outros profissionais ou empresas notoriamente especializadas não pode ser adotada com a finalidade de comparar preços e, a partir disso, escolher o contratado, optando, eventualmente, pelo particular que oferecer o menor valor.

A justificativa de preços que indicar essa linha de conduta estará fatalmente equivocada e poderá inquinar de ilegalidade a contratação direta, que não tem o menor preço como justificativa para a contratação, mas, sim, a busca do melhor executor possível para um objeto considerado diferenciado, cuja aferição objetiva através do menor preço foi excepcionada pelo legislador, justamente, por inadequada e incompatível.

Tome-se como exemplo a inexigibilidade de licitação prevista no inc. II do art. 25, que  autoriza a escolha discricionária de um determinado prestador de serviços notoriamente especializado sob o fundamento de que seu "conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato". Nessas condições, a realização da pesquisa com a finalidade de justificar o preço, sendo este o critério de escolha e, eventualmente, tendo-se como diretriz a contratação pelo menor valor, é incompatível com a caracterização da hipótese legal.

A pesquisa, independente da forma como realizada, deve ter a finalidade de parametrizar a análise de razoabilidade e orientar a elaboração da justificativa da contratação, jamais de definir quem será contratado.

De fato, sendo, a inexigibilidade de licitação, fundada na impossibilidade de comparação objetiva entre propostas, a escolha não pode se dar em razão do preço. Feita nesses termos, a seleção do executor resulta de uma comparação simples e objetiva e, portanto, frontalmente avessa à hipótese tratada. Ademais, se o preço for fator preponderante na escolha do contratado, caberá questionar se o objeto possui a singularidade necessária para justificar uma contratação por notória especialização, já que, a rigor, um objeto peculiar, diferenciado, com especial grau de dificuldade e incerteza na produção de resultados, a ponto de exigir a contratação de profissional ou empresa notoriamente especializada, não comporta a escolha do seu executor pautada simplesmente no preço.

Isso significa que, a despeito da consulta a outros profissionais ou empresas notoriamente especializadas e da influência dos valores obtidos sobre a decisão do agente, os aspectos fundamentais da contratação precisam estar justificados adequadamente, de modo que não exsurja do processo a conclusão de que foi o preço, tão-somente, a definir seu resultado.

Assim, a singularidade do objeto, os atributos de notória especialização do executor e a relação de dependência entre ambos, que condicionam o sucesso da contratação, devem estar demonstrados mediante justificativa formal. Os agentes responsáveis pela sua instrução e aprovação devem caracterizar corretamente a singularidade do objeto de modo que a contratação de profissional ou empresa notoriamente especializada seja, conforme o objetivo da Lei, uma garantia de sua execução a contento. A escolha do executor, que se dará de forma discricionária, mas motivada, não se baseará no preço, mas, conforme já reconhecido pelo TCU em diversos acórdãos, na confiança, formada pelo conjunto de elementos trazidos ao processo, de que ele, indiscutivelmente, possui as condições necessárias para produzir os resultados esperados com a contratação.

Tais condições devem constar de justificativa formal, em que o gestor explicite de forma coerente sua opção. Como consequência desta especial situação concreta, não haverá comparação de preço possível, senão considerando contratos já celebrados pelo próprio executor com outros contratantes, pois o preço estará atrelado às condições de trabalho e à situação de notória especialização que lhe são próprias.

Contudo, a depender da situação concreta, a busca de parâmetros junto a outros profissionais ou empresas notoriamente especializadas poderá ser útil à parametrização da escolha feita pelo gestor, conforme demonstramos, sem qualquer reflexo na comprovação dos requisitos legais necessários a caracterizar a hipótese de inexigibilidade de licitação.

 

III - Conclusões

Nada obstante o respeito à posição adotada pela Primeira Câmara do TCU no Acórdão nº 2.280/19 e considerando o disposto na recente Instrução Normativa nº 73, de 5 de agosto de 2020, o presente artigo objetivou suscitar maior reflexão sobre a inadequação da premissa de que a realização de pesquisa de preços junto a outros fornecedores descaracteriza, como regra, a inviabilidade de competição, independentemente de seu fundamento.

A compreensão de que há diferentes hipóteses de inexigibilidade de licitação e de que a coleta de preços, quando não se tratar de inviabilidade de competição absoluta, pode ser uma ação legítima e estratégica do gestor público robustece a necessidade de maior reflexão sobre o tema e relativização da premissa jurisprudencial firmada.

Os autores deste escrito compreendem as preocupações que justificaram a premissa ora confrontada, mas buscaram trazer ponderações importantes para maior reflexão do tema, de maneira a perceber-se que ela não deve ser compreendida como absolutamente verdadeira, sob pena, inclusive, de prejuízos a uma ação eficiente do gestor público.

Outrossim, como bem explica o artigo, deve o gestor público estar capacitado para não utilizar de forma equivocada a coleta de preços e, então, desvirtuar a demonstração da inviabilidade de competição, uma vez que a adoção do parâmetro “preço” para a escolha de um fornecedor a ser contratado por inexigibilidade de licitação prejudica o uso desta forma de contratação direta, qualquer que seja o seu fundamento.

Em conclusão, há que se ter cautela ao aplicar o §3º do art. 7º da nova IN 73/20-SEGES/ME, respeitando-se as diferentes realidades concretas das quais se originam as contratações por inexigibilidade de licitação, as diferentes hipóteses de inexigibilidade de licitação previstas em lei e, por fim, a autonomia do gestor para atuar da forma que lhe parecer mais apropriada ao atendimento do interesse público e à tomada da melhor decisão.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. São Paulo: Saraiva, 2015.

NÓBREGA, Marcos; CAMELO, Bradson; TORRES, Ronny Charles Lopes de. Pesquisa de preços nas contratações públicas, em tempos de pandemia. Disponível em http://www.licitacaoecontrato.com.br/artigo_detalhe.html. Acesso em: 10/08/2020.

OLIVEIRA, Rafael Sérgio de; TORRES, Ronny Charles Lopes de. A dispensa de licitação para contratações no enfrentamento ao coronavírus. Portal L & C. Disponível em http://www.licitacaoecontrato.com.br/artigo/a-dispensa-licitacao-contratacoes-enfrentamento-coronavirus-31032020.html. Acesso em 9.8.2020.

PÉRCIO, Gabriela; TORRES, Ronny Charles Lopes de. A ilegalidade da pesquisa de preços na contratação por inexigibilidade de licitação. Revista Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 18, n. 210, p. 22-25, jun. 2019.

TIMM, Luciano Benetti. Direito Contratual Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015.



[1] Acórdão 1565/2015-TCU/Plenário, Relator: Ministro Vital do Rêgo.

[2] Tratava-se de um Pedido de Reexame interposto contra decisão que, ao apreciar auditoria realizada para verificar o funcionamento do modelo de concessão de bolsas e a execução de projetos custeados com recursos do Sesi/PR e do Senai/PR, dentre outras medidas, aplicou a multa do art. 58, inciso II, da Lei 8.443/1992 aos responsáveis. O Tribunal considerou irregular a contratação, por inexigibilidade de licitação, de uma empresa para ministrar treinamentos, entre outras razões, por ter sido realizada pesquisa de preço com outras empresas do ramo. Na ocasião, os responsáveis alegaram que “o preço não se constituiu em fator decisivo, visto que as contratações se fundamentaram em inexigibilidade de licitação ante a inviabilidade de competição decorrente da superioridade técnica das empresas sobre as demais. Justificaram que, apesar disso, os preços praticados estavam dentro dos parâmetros de mercado.” Não obstante, foi negado provimento ao recurso, mantendo-se a multa aplicada.

[3]Publicado na Revista Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 18, n. 210, p. 22-25, jun. 2019.

[4] Súmula nº 252: “A inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos, a que alude o inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, decorre da presença simultânea de três requisitos: serviço técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do serviço e notória especialização do contratado”.

[5] Acórdão 2616/2015-TCU/Plenário. Relator Min. Benjamin Zymler.

[6]“10. Destarte, partilho do entendimento esboçado pelo Ministro Carlos Átila no sentido do reconhecimento de que há necessidade de assegurar ao Administrador ampla margem de discricionariedade para escolher e contratar professores ou instrutores. Discricionariedade essa que deve aliar a necessidade administrativa à qualidade perseguida, nunca a simples vontade do administrador. Pois, as contratações devem ser, mais do que nunca, bem lastreadas, pois não haverá como imputar à legislação, a culpa pelo insucesso das ações de treinamento do órgão sob sua responsabilidade.”

[7] Acórdão 1.565/15-TCU/Plenário e Acórdão 2.993/18-TCU/Plenário.

[8] Orientação Normativa nº 17, de 1º de abril de 2009, alterada pela Portaria AGU nº 572, de 13 de dezembro de 2011.

[9] MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. São Paulo: saraiva, 2015. P. 5.

[10] NÓBREGA, Marcos; CAMELO, Bradson; TORRES, Ronny Charles Lopes de. Pesquisa de preços nas contratações públicas, em tempos de pandemia. Disponível em: http://www.licitacaoecontrato.com.br/artigo_detalhe.html. Acesso em: 10/08/2020, às 10:52.

[11] Mackaay, Ejan; Rousseau, Stéphane. Análise Econômica do Direito. São Paulo: saraiva, 2015. P. 119

[12] TIMM, Luciano Benetti. Direito Contratual Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. P. 178.

[13] MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. São Paulo: saraiva, 2015. P. 45