MAIS ALGUMAS NOTAS SOBRE A CONTRATAÇÃO DE FACILITIES NOS TERMOS DA LEI Nº 14.011/2020

 

 

Rafael Sérgio de Oliveira

@rafaelsergiodeoliveira

Procurador Federal da AGU. Doutorando em Ciências Jurídico-Políticas. Mestre em Direito. Pós-Graduado em Direito da Contratação Pública pela Universidade de Lisboa. Participante do Programa Erasmus+ na Università degli Studi di Roma. Fundador do Portal L&C. Palestrante e Professor em diversos cursos de pós-graduação no Brasil. Co-autor, juntamente com Prof. Victor Amorim, do livro Pregão Eletrônico: Comentários ao Decreto Federal nº 10.024/2019, publicado pela Editora Fórum, 2020.

 

 

INTRODUÇÃO

 

O tema de facilities tem cada vez mais tomado espaço no âmbito da Administração Pública. Esse movimento cresceu com a publicação da Lei nº 14.011, de 12 de junho de 2020, que expressamente admitiu a contratação reunida em um só ajuste de serviços necessários para o uso, o gerenciamento e a manutenção dos espaços onde funcionam as organizações públicas. O modelo autorizado pelo diploma legal referido é correspondente à contratação de facilities e, por isso, o tema tem ganhado mais força ainda.

Já tivemos a oportunidade de publicar um pequeno artigo em coautoria com a Profa. Cristiana Fortini no qual fizemos alguns apontamentos sobre essa Lei.[1] Agora, dado o fato de algumas outras questões terem sido levantadas, resolvemos escrever mais algumas notas sobre a interpretação e aplicação do art. 7º da Lei nº 14.011/2020.

Esse diploma legal foi resultado da conversão da Medida Provisória nº 915, de 27 de dezembro de 2019, cujo foco é o aprimoramento da gestão e alienação dos imóveis públicos da União. Nesse sentido, a norma traz diversas alterações para a legislação vigente, assim como estabelece no seu próprio corpo um novo modelo de contratação de serviços terceirizados para toda Administração Pública brasileira, que é o contrato de gestão para ocupação de imóvel público (art. 7º).

Esse instituto, previsto no art. 7º da Lei nº 14.011/2020, é de grande utilidade para a gestão dos espaços onde funcionam as organizações públicas. É uma nova modelagem de contratação, capaz de explorar as competências do mercado no melhoramento da gestão dos serviços terceirizados relacionados ao uso, ao gerenciamento e à manutenção dos imóveis onde funcionam os órgãos e entidades das Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal.

 

1 – O QUE É O CONTRATO DE FACILITIES?

 

O primeiro ponto a enfrentar no presente trabalho é a conceituação do termo facilities. Partindo da simples tradução do termo inglês para o português se tem a palavra “facilidades”. O sentido empregado aqui é o do ponto de vista da organização contratante que, focada no seu objeto de negócio, busca viabilizar sua atuação pela contratação de certos serviços que “facilitam” o desempenho de sua atividade principal. Assim, aquelas atividades necessárias para o funcionamento da organização, sobretudo quando relacionadas à operação e manutenção do edifício onde ela funciona, são chamadas de facilities.

Nesse prumo, limpeza, segurança, recepção, manutenção do prédio e dos seus equipamentos e outros são todas atividades consideradas como “facilidades”. Esses serviços descolados da gestão da sua execução são considerados como facilities services.

O fato é que o mercado de facilities tem cada vez mais evoluído e hoje já há o facility management, identificado pela sigla FM e cuja tradução é “gerenciamento de facilidades. Nesse modelo, além dos tradicionais serviços necessários para a operação e manutenção do prédio, há a contratação da gestão de todos esses serviços. No gerenciamento de facilidades há uma preocupação com a prestação dos serviços integrados às pessoas, às tecnologias e ao prédio da organização, o que conduz a uma gestão dos processos de inter-relacionamento de cada um desses elementos, tudo com foco no atingimento dos objetivos da organização.[2]

Ressaltamos que esse modelo admite a reunião de todas as facilities (os serviços) em um único contrato, inclusive o gerenciamento. Quando este último é incluído no ajuste, temos o facility management, o FM. A decisão de quais serviços reunir é resultado de um ato de gestão, tomado com base na oportunidade e conveniência, pelo que varia de contratante para contratante. No caso de se decidir pela reunião de todos os serviços em um único contrato, tem-se o denominado facilities full, padrão que, como se verá adiante, já é praticado em algumas entidades da Administração Pública brasileira.

 

2 – O QUE É O CONTRATO DE GESTÃO PARA OCUPAÇÃO DE IMÓVEIS PÚBLICOS?

 

A Lei nº 14.011/2020 positivou no ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade de a Administração Pública nacional vir a explorar esse mecanismo de contratação de facilities, admitindo a reunião em um único contrato das “facilidades” relacionadas a manutenção, uso e gerenciamento do imóvel, além de eventuais obras e do fornecimento de equipamentos e materiais ligados às atividades necessárias ao funcionamento do imóvel.

Segundo o art. 7º da referida Lei, esse contrato se denomina de contrato de gestão para ocupação de imóveis públicos e se caracteriza da seguinte forma:

 

Art. 7º (...)

§ 1º O contrato de gestão para ocupação de imóveis públicos consiste na prestação, em um único contrato, de serviços de gerenciamento e manutenção de imóvel, incluído o fornecimento dos equipamentos, materiais e outros serviços necessários ao uso do imóvel pela administração pública, por escopo ou continuados.

 

Inicialmente, cabe dizer que essa espécie de contrato não faz parte da categoria “contrato de gestão”, previsto no art. 51, II, da Lei nº 9.649/1998 (Agências Executivas) e na Lei nº 9.637/1998 (Organizações Sociais). Trata-se de instituto totalmente diverso.

A definição dessa espécie de contrato posta no § 1º do art. 7º supratranscrito aponta para o modelo de contrato de facilities, ou seja, trata-se contratação de serviços. Desse modo, o “contrato de gestão para ocupação” é um contrato administrativo, nos termos do art. 54 e seguintes da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993,[3] cujo objeto preponderante são serviços como os de limpeza, recepcionista, copeiragem, vigilância, brigadista, manutenção predial, outros e, ainda, o gerenciamento de todos esses. Em suma, o contrato de gestão para ocupação é um contrato de facilities, que, a depender da sua extensão, pode ser um contrato de facilities full (no qual se incluem todos os serviços) ou de facility management (com a inclusão da gestão desses serviços por parte da contratada).

Essa espécie de contrato já é bastante difundida na iniciativa privada e vem ganhando espaço no setor público. No âmbito do próprio Tribunal de Contas da União – TCU, já havia o Acórdão nº 1214/2013 – Plenário, que expressamente admitia a reunião de diversos serviços necessários para o funcionamento dos órgãos e entidades públicas em um único contrato. Na oportunidade desse julgado, o TCU afirmou:

 

9.1.16 deve ser evitado o parcelamento de serviços não especializados, a exemplo de limpeza, copeiragem, garçom, sendo objeto de parcelamento os serviços em que reste comprovado que as empresas atuam no mercado de forma segmentada por especialização, a exemplo de manutenção predial, ar condicionado, telefonia, serviços de engenharia em geral, áudio e vídeo, informática;

 

O grande problema jurídico para a licitação nesse modelo de reunião de serviços em um único contrato é a competitividade. Conforme o comando do art. 23, § 1º, da Lei nº 8.666/1993,[4] as contratações públicas deverão ser parceladas pela Administração na medida do quanto forem técnica e economicamente viáveis, tudo com o objetivo de ampliar a competitividade. Ou seja, o parcelamento possibilita uma maior participação dos agentes econômicos na licitação, uma vez que a divisão em partes menores viabiliza que quem não possa fazer o todo venha a concorrer na parte que lhe é possível.[5]

No caso da terceirização de serviços, o que o Tribunal de Contas da União apurou no Acórdão nº 1214/2013 – Plenário foi que o mercado já não era mais segmentado por serviços. As empresas que atuam no ramo de terceirização já oferecem no seu portfólio várias “facilidades”. Os chamados serviços não especializados, aqueles que não têm um nível de complexidade ou intelectualidade agregado, quase sempre estão no rol de oferta das empresas que trabalham com terceirização de serviços. Desse modo, entendeu o TCU que a adjudicação desses serviços de forma reunida não causa prejuízo à competitividade.

Essa percepção do TCU no Acórdão nº 1214/2013 – Plenário nos faz saltar aos olhos que o princípio do parcelamento do objeto da licitação e, consequentemente, do contrato deve sempre ser analisado com base na realidade do mercado no qual está inserido o objeto do certame. A depender dessa análise fática, se pode concluir pelo parcelamento ou não. Ou seja, o comando do § 1º do art. 23 da Lei nº 8.666/1993 não pode ser aplicado de forma abstrata. Há sempre de se justificar a sua observância com base no caso concreto. Caso se observe que há um mercado competitivo para a contratação nos moldes da união de objetos, não agressão à Lei.

Acontece, entretanto, que esse modelo admitido no emblemático Acórdão nº 1214/2013 ainda era um tanto quanto tímido, pois não transferia para a empresa contratada o gerenciamento desses serviços, assim como não compreendia que a prestação dessas facilities deve estar integrada com a gestão do imóvel no qual funciona a unidade da Administração Pública, com a tecnologia embarcada em tal prédio e com as pessoas que trabalham nesse ambiente.

Salientamos, contudo, que essa sistemática mais avançada de contratação de facilities já foi admitida pelo TCU nos Acórdãos nº 929/2017 – Plenário e 10264/2018 – 2ª Câmara. Ainda assim, entendemos que o legislador andou bem ao prever tal instituto na legislação. Embora haja algumas críticas à redação do art. 7º da Lei nº 14.011/2020, deve-se destacar sua relevância por dois aspectos positivos: a) a cristalização no ordenamento jurídico da possibilidade de contratação do modelo acima indicado; b) e o aprimoramento da modelagem pela admissão legal expressa de inclusão de equipamentos, materiais e obras no escopo do contrato.

Essa abertura para a contratação de facilities na Administração Pública se deve ao seu largo uso na iniciativa privada. Há um amplo mercado de facilities trabalhando para as organizações privadas. Na esfera pública, já existem algumas poucas experiências. Isso se deve às vantagens do instituto. Um caso conhecido é o Caixa Econômica Federal – CEF, analisado no Acórdão nº 929/2017 – Plenário do TCU. No processo, aquela empresa pública defendeu a implementação da sistemática, apontando as seguintes vantagens:

 

a)    que os serviços guardam interdependência entre si;

b)    que a contratação em separado gera perda de sinergia, em razão da necessidade de dimensionamento de estruturas redundantes (administração central, deslocamento, profissionais), resultando em perda de economicidade;

c)     que a contratação unificada permite a potencialização de ganhos de escala;

d)    que a resolução de problemas na contratação unificada se torna mais ágil, já que demanda a mobilização de apenas uma equipe e não mais a mobilização de várias equipes, cada qual atrelada a um contrato diverso;

e)    que a imputação de responsabilidade por danos causados às instalações da contratante na contratação unificada se torna mais simples, uma vez que há apenas um contratado;

f)      que na contratação unificada há uma simplificação das atividades de gestão contratual, otimizando o processo gerencial, minimizando riscos de indisponibilidade de ambientes e resultando em uma utilização mais racional dos recursos técnicos e materiais.

 

É em razão de todas essas vantagens que a modelagem de facilities tem rompido certos paradigmas da contratação de serviços no âmbito da Administração Pública e ganhado cada vez mais espaço. Agora, com a Lei nº 14.011/2020, esse contrato ganha uma nova roupagem, agregando em si alguns elementos que muito bem se conectam com a ideia de integração entre os serviços e os principais elementos de uma organização pública, quais sejam: o prédio, as tecnologias e as pessoas.

 

3 – O ART. 7º DA LEI Nº 14.011/2020 SE APLICA A QUE ÓRGÃOS E ENTIDADES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA?

 

Uma questão que tem se colocado é a relativa ao âmbito subjetivo de aplicação do art. 7º da Lei nº 14.011/2020, que admite o contrato de gestão para ocupação de imóvel. Nesse ponto, em nossa leitura, não cabe restringir a aplicação do art. 7º aos órgãos e entidades federais. A única linha de argumentação que poderia indicar essa interpretação é a que se apega à ementa da Lei nº 14.011/2020, cujo conteúdo enuncia que o diploma se refere ao aprimoramento dos procedimentos de gestão e alienação dos imóveis da União.

Ora, a prevalecer tal hermenêutica, o art. 7º em estudo sequer seria aplicado às autarquias e fundações públicas federais, o que seria uma diferenciação desprovida de qualquer razão.

Ademais, considerando o teor do caput e dos parágrafos do art. 7º em comento, o dispositivo é uma verdadeira “norma geral”, no sentido do art. 22, XXVII, da Constituição, motivo pelo qual é dotado de caráter nacional e aplicável às esferas federal, estadual, distrital e municipal. Notemos que a norma trata de reunião de serviços, bens e até de obras em um único contrato, assim como também de vigência contratual (art. 7º, § 2º, II), aspectos sensíveis ao sistema de contratação pública brasileiro como um todo e, por isso, típicos de lei nacional. Sendo assim, não há como defender sua limitação em âmbito federal, muito menos sua limitação aos órgãos da União. Essa é uma norma cujo campo subjetivo de incidência é amplo, espraiando-se por toda a Administração Pública brasileira federal, estadual, distrital e municipal.

Ainda nesse aspecto subjetivo, também se questiona acerca da incidência do mencionado dispositivo às empresas estatais. Como é cediço, essas entidades têm, por expressa determinação constitucional,[6] um regime de contratação pública próprio. O Regime de Contratação das Estatais – RCE está previsto na Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016. Esse sistema de licitação e contrato não se comunica com o das entidades de direito público, sendo totalmente independente. Em outras palavras, não há aplicação subsidiária das normas aplicáveis às entidades da Administração direta, autárquica e fundacional ao RCE.[7]

O que existe é a aplicação das normas do regime de licitação e contrato das entidades de direito público às estatais nos casos em que a lei expressamente determine. É o caso do art. 28, § 1º, da Lei nº 13.303/2016, que expressamente determina a incidência das regras sobre contratação pública previstas na Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, para o RCE, beneficiando as microempresas e as empresas de pequeno porte nos certame empreendidos pelas estatais.[8] Fora desses casos, não se pode cogitar a incidência automática das normas que vigoram para a Administração Pública de direito público no Regime de Contratação das Estatais.[9]

No caso do art. 7º da Lei nº 14.011/2020, ele expressamente faz menção aos termos da Lei nº 8.666/1993, o que demonstra que o referido dispositivo foi gestado para incidir no regime de licitação e contrato das entidades de direito público. Desse modo, não está no seu âmbito de aplicação as contratações realizadas pelas empresas pública e pelas sociedades de economia mista.

Todavia, uma análise das normas de licitação e contrato da Lei nº 13.303/2016 nos faz concluir que o modelo de contratação previsto no art. 7º da Lei nº 14.011/2020 não conflita com nada do que dispõe o RCE. Podemos dizer que os pontos sensíveis seriam:

a)    o art. 32, inciso III, da Lei nº 13.303/2016, que preconiza o parcelamento do objeto. Entretanto, esse ponto não pode ser considerado um empecilho, pois, como já dito, a divisão do objeto visa à ampliação da competitividade, sendo que o mercado de facilities já está suficientemente difundido, o que permite uma concorrência adequada. O princípio do parcelamento não é um comando que veda a união de objetos em uma única disputa de forma abstrata. Sempre dependerá da análise do mercado que atua na área. Como a divisão tem um objetivo claro, o alargamento da concorrência, se a competitividade não for agredida com a reunião, não se pode defender que a agregação fere o princípio do parcelamento. Tanto é assim que o TCU admitiu, antes mesmo da Lei nº 14.011/2020, que uma empresa pública, a Caixa Econômica Federal, contratasse serviços nos moldes do facilities full (Acórdão nº 929/2017 – Plenário);

 

b)    o art. 71, caput, da Lei nº 13.303/2016, que, como regra, traz a limitação da duração dos contratos das estatais em um lapso de 5 (cinco) anos. Há incompatibilidade desse prazo com o tempo máximo de vigência dos contratos de facilities que incluírem obra ou fornecimento de bens no seu objeto. Segundo o art. 7º, § 2º, II, da Lei nº 14.011/2020, nesses casos o tempo de duração dos contratos pode chegar a 20 (vinte) anos.  No entanto, essa suposta incompatibilidade é resolvida pelos próprios incisos do art. 71 da Lei das Estatais, que admitem a extrapolação do prazo de 5 (cinco) de duração dos contratos no RCE. Aqui, destacamos o inciso II, que diz ser possível a “pactuação por prazo superior a 5 (cinco) anos” nos casos em que a prática do mercado impõe ou nas situações em que esse lapso quinquenal inviabilize ou onere excessivamente o negócio. Nessas hipóteses em que o contrato de facilities exige investimentos iniciais do contratado com a realização de obras ou o fornecimento de bens, sempre há a necessidade de aumentar o prazo de vigência contratual. Assim é porque essas obras e esses bens não serão remunerados autonomamente. A contraprestação a esses investimentos iniciais está embutida no valor do serviço, que é pago ao longo de todo o tempo de vida do contrato. Com isso, há a necessidade de esses contratos terem um tempo de vida mais longo, sob pena de o seu valor ficar excessivamente alto ou, até mesmo, inviabilizar o negócio. Essa é a prática do mercado de prestação de serviços que exigem investimentos iniciais do contratado. Nessa linha, a relevação do prazo limite de vigência contratual de 5 (cinco) anos é facilmente constatável, nos termos do art. 71, II, da Lei nº 13.303/2016, na contratação de facilities pelas estatais, quando a execução do contrato exigir investimentos iniciais com a realização de obras e o fornecimento de bens.

 

Ademais, é lícito dizer que a não aplicação das normas do regime de contratação da Administração Pública direta, autárquica e fundacional ao RCE tem como objetivo não limitar um regime que, por essência, é flexível. Ou seja, o que se pretende com a exclusão das licitações e contratos das estatais do campo de incidência das normas típicas das entidades de direito público é a manutenção da flexibilidade do RCE. Desse modo, nada impede que uma flexibilidade prevista para a Administração de direito público, desde que não afronte norma específica ou os princípios gerais do RCE, seja, por analogia, estendida às contratações das empresas públicas e das sociedades de economia mista.

 

4 – É POSSÍVEL CONTRATO DE GESTÃO PARA OCUPAÇÃO DE IMÓVEL LOCADO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA?

 

Um outro ponto passível de questionamento acerca da interpretação do art. 7º da Lei nº 14.011/2020 diz respeito à sua aplicação em contratos relativos a imóveis locados pela Administração Pública. Isso porque o texto do caput do art. 7º se refere ao “contrato de gestão para ocupação de imóveis públicos” (grifo nosso), o que não abrangeria os imóveis privados ocupados pelo Poder Público a título de locação.

Entendemos que essa interpretação restritiva é descabida. Essa leitura restritiva não se coaduna com os potenciais ganhos de eficiência trazidos pelo instituto para a Administração Pública, que por diversas vezes atua se valendo de imóveis privados. Não há razão para vedar a contratação de gestão da ocupação nos termos do § 1º do art. 7º da Lei nº 14.011/2020 nas ocasiões em que a Administração Pública funciona em imóvel locado. Os ganhos trazidos pelo modelo nesses casos serão os mesmos oferecidos nas situações de funcionamento em imóvel público. O que é inaplicável para a hipótese dos imóveis locados é o § 2º, inciso I, do mesmo art. 7º, que admite a inclusão de obras no objeto do contrato. Isso porque, a princípio, seria irrazoável o Poder Público pagar por obras a serem realizadas em imóveis particulares.

Desse modo, o ideal seria que o caput do art. 7º não tivesse restringido o conceito do instituto aos imóveis públicos. Porém, ainda assim, não encontramos óbices à sua interpretação mais ampla, abarcando também os casos em que a Administração funcione em prédios locados. Nesse aspecto, cabe insistir que mesmo antes da Lei nº 14.011/2020 o TCU já admitia a contratação nos moldes de facilities, sem a restringir a imóveis públicos.

 

5 – QUAL O OBJETO DO CONTRATO DE FACILITIES?

 

Em relação ao aprimoramento dos processos de gestão dos imóveis públicos, enxergamos que o avanço trazido pelo art. 7º em estudo é imenso. A rigor, a norma representa um grande passo para a gestão pública no geral. Como já destacado, a possiblidade de reunir em um único contrato os serviços, materiais, equipamentos e obras necessários para o gerenciamento, uso e manutenção do imóvel parte de uma visão sistêmica da organização pública, pois tem como pressuposto a necessidade de integração do espaço com o pessoal, os processos, os equipamentos e as tecnologias necessárias para o funcionamento do órgão ou entidade.

Com isso, primeiramente, é preciso dizer que o objeto desse contrato é serviço. O serviço ressaltado nessa modelagem é a gestão da ocupação do espaço. A esse elemento principal são agregadas as demais “facilidades” necessárias para o uso e a manutenção do imóvel. Aí entram serviços como limpeza, segurança, brigadista, manutenção do prédio e dos equipamentos, recepcionista, copeiragem e outros.

Claro que o rol de serviços a serem reunidos em um único contrato depende de uma decisão administrativa, motivo pelo qual vai variar de contratante para contratante. É importante dizer que a referência a “um único contrato” contida no § 1º do art. 7º não quer dizer que a Administração deve reunir só em um contrato todos esses serviços. A expressão usada no texto da Lei tem o intuito de indicar a possibilidade de reunião de vários serviços em um só contrato, mas não tem em si um comando no sentido de que todos esses serviços devem estar em um só contrato. Isto é, a reunião de todos esses serviços em um único contrato é possível, mas não é obrigatória. Como já afirmado, o critério de junção tem cunho administrativo, devendo sempre ser decidido com base na realidade do mercado e da organização.

A verdade é que o conteúdo da norma é bem amplo. É possível até que o órgão decida reunir a execução das “facilidades” em um contrato, mas opte por permanecer com a gestão de tais serviços; ou, ainda, pode a organização pública fazer a opção de contratar a execução dos serviços em um contrato e separar a gestão desses mesmos em outro ajuste. Todas essas modelagens são implementadas no mercado de facilities na iniciativa privada. Mais uma vez, o que vai prevalecer aí é o critério administrativo de oportunidade e conveniência do órgão.

O que a Lei quis possibilitar foi que a Administração Pública se valha da expertise do mercado. Ao entregar ao contratado a gestão dos serviços, bem como parte considerável do gerenciamento do imóvel, a Administração se concentra na sua atividade fim, buscando uma melhor entrega ao cidadão. Isto é, o Poder Público reconhece que, em dada medida, quem melhor sabe gerir espaço e gerenciar serviços essenciais para o funcionamento desse edifício é a empresa terceirizada especializada em tal atividade.

Nesse aspecto, é preciso atentarmos para o fato de que a licitação nesse modelo é baseada em uma solução, e não em uma especificação. A depender do nível de poder de gestão repassado ao contratado, aspectos como, por exemplo, o número de postos de vigilantes ou de funcionários da limpeza não serão mais definidos pela Administração, e sim pelo contratado, que se compromete com o resultado e assume a responsabilidade pelas suas decisões.

Entretanto, é preciso um esforço para constatar a medida ideal dessa delegação ao terceirizado, pois muitos dos aspectos relativos à gestão e operação do imóvel estão conexos com o core business do órgão ou entidade. Essas questões deverão ser sempre muito bem enfrentadas no planejamento da contratação, sobretudo na gestão de riscos, e expressas nos instrumentos que seguem anexo ao edital.

Além disso, haverá uma natural variação do nível de gestão dos serviços repassados para o contratado. É de se supor que esse repasse será menor em uma organização pública na qual o seu corpo de técnico (engenheiros, arquitetos etc.) seja formado por profissionais com qualificação adequada para essas atividades de gestão do espaço e dos serviços necessários para o funcionamento do prédio.

Ainda sobre a gestão das “facilidades”, é preciso atentar para o fato de que a Administração contratante deve sempre permanecer com a fiscalização e o acompanhamento do contrato de gestão para ocupação de imóvel (art. 67 da Lei nº 8.666/1993). Aqui é preciso fazer uma diferenciação entre a gestão dos serviços e a gestão do contrato. Aquela primeira atividade pode ser repassada ao contratado, já esta última, que no âmbito federal é exercida nos termos do art. 10 do Decreto nº 9.507, de 21 de setembro de 2018, é da Administração Pública e não pode ser repassada para o contratado. No máximo, a depender da modelagem, complexidade e magnitude do contrato, o Poder Público pode vir a contratar um terceiro para assisti-lo e subsidiá-lo nessa atividade de fiscalização do contrato de gestão e execução das facilities (art. 67 da Lei nº 8.666/1993).

Um ponto que se tem levantado é sobre quais os serviços podem ser incluídos no bojo do contrato em estudo. O § 1º do art. 7º em comento traz excelentes parâmetros para tanto. Segundo esse dispositivo, podem ser incluídos no contrato serviços relacionados ao gerenciamento, à manutenção e ao próprio uso do imóvel no qual funciona a organização pública. Podemos dizer que essas atividades são o núcleo central do contrato. Então, o gerenciamento, a manutenção e o uso do espaço são os elementos balizadores do que pode vir a entrar no objeto do contrato, sendo importante se questionar se eventual atividade a ser incluída no ajuste se relaciona com alguns desses pontos centrais do contrato. Caso a resposta seja positiva, poderá haver a inclusão dessa atividade no contrato de gestão para ocupação.

Ressaltamos que a Lei ainda admite a inclusão no objeto do contrato de equipamentos e materiais (§ 1º do art. 7º da Lei nº 14.011/2020), assim como de obras e dos respectivos projetos básicos e executivos (§ 2º do art. 7º da Lei nº 14.011/2020), quando necessários para a realização das atividades do núcleo central do contrato. Ou seja, há aí uma contratação superintegrada.

Nesse sentido, podem estar presente no contrato produtos e equipamentos das mais diversas espécies. Inclusive, é possível que entre nesse mix soluções de tecnologia da informação. Seria possível, por exemplo, colocar no objeto da contratação de gestão para ocupação de um imóvel no qual funcione uma instituição voltada para a educação um software destinado a gerenciar a ocupação das salas de aula. A rigor, a Lei trouxe um critério funcional, admitindo que qualquer tipo de objeto seja posto no bojo do contrato desde que tenha alguma funcionalidade para o gerenciamento, a manutenção e o uso do espaço.  

Aqui, como último ponto, devemos fazer referência a possibilidade de inclusão de obras no objeto do contrato de gestão da ocupação. Não resta dúvida que o § 2º do art. 7º trará significativo impacto nas decisões referentes à gestão do patrimônio imobiliário do Poder Público, inclusive no que diz respeito à conveniência da alienação de certos prédios. É sabido que o mau emprego (e até abandono) de algumas edificações públicas, muitas vezes, decorrem de um problema orçamentário. Isto é, ante a falta de recursos orçamentários para reformar os imóveis de sua propriedade, a Administração Pública opta por abandonar tais prédios e passar a funcionar em imóveis locados. Com isso, a solução para o imóvel de propriedade do Estado acaba sendo a alienação.

O § 2º do art. 7º da Lei nº 14.011/2020 autoriza a inclusão de obra no contrato de gestão da ocupação (inciso I), com a inserção do valor da obra diluído nas parcelas mensais a serem pagas durante a vigência do contrato, que poderá durar até 20 anos (inciso II), a depender do nível de investimento inicial exigido do contratado.

É preciso apenas dizer que as obras passíveis de serem incluídas no contrato de gestão para ocupação são aquelas relacionadas ao núcleo central da contração (gerenciamento, manutenção e uso). Não se pode usar o contrato para se fazer intervenções descoladas de uma dessas atividades.

Ainda sobre as obras e o fornecimento de bens inseridos no bojo do contrato de facilities, deve-se notar que essas obras e esses bens passam a ser de propriedade da Administração contratante, conforme § 4º do art. 7º da Lei nº 14.011/2020.

 

6 – A DURAÇÃO DOS CONTRATOS DE GESTÃO PARA OCUPAÇÃO DE IMÓVEL

 

Um relevante ponto trazido na Lei nº 14.011/2020 é a duração dos contratos de facilities nos moldes do seu art. 7º. Como esses contratos podem envolver investimentos iniciais do contratado com obras e fornecimento de bens, não seria economicamente adequado limitar a duração desses ajustes aos 5 (cinco) anos admitidos pelo art. 57, II, da Lei nº 8.666/1993.[10]

Os contratos de gestão para ocupação de imóveis são típicos ajustes de execução continuada, já que o seu núcleo central não se relaciona a atividades de necessidade pontual, mas sim a tarefas que constantemente precisam ser exercidas no âmbito das organizações públicas. Nesse ponto, é preciso até esclarecer a parte final do § 1º do art. 7º, que, tratando do objeto da avença em foco, faz referência a contratações “por escopo ou continuados”. Nesse ponto, entendemos que o legislador não foi feliz, pois a contratação nos moldes do art. 7º da Lei nº 14.011/2020 não é compatível com a modelagem de contratos “por escopo”.

Contratar “por escopo” exige a execução de uma demanda específica, ao passo que a gestão para ocupação de imóvel é um contrato de serviço de execução essencialmente continuada. Não se pode ver o contrato em estudo com base em demandas específicas. É preciso que o ajuste do art. 7º seja enxergado no seu todo, o que corresponde às atividades de gerenciamento, manutenção e uso do espaço, que são tarefas tipicamente de execução continuada.[11] Esse núcleo central, é verdade, pode demandar missões que tradicionalmente são contratadas por escopo, mas que, vistas com a finalidade de satisfazer o gerenciamento, manutenção e uso do bem, podem ser incluídas no mix do contrato de facilities. Esse é o comando que podemos entender da parte final do § 1º do art. 7º da Lei nº 14.011/2020. Ou seja, é possível incluir no contrato de gestão para ocupação de imóvel serviços que tradicionalmente são contratados por escopo.

Sendo o contrato em estudo sempre de execução continuada, então, em regra, o seu prazo de vigência máximo é de 5 (cinco) anos. Isso significa dizer que incide aqui a Orientação Normativa – ON nº 38 da Advocacia-Geral da União – AGU, que diz:

 

NOS CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE NATUREZA CONTINUADA DEVE-SE OBSERVAR QUE; A) O PRAZO DE VIGÊNCIA ORIGINÁRIO, DE REGRA, É DE ATÉ 12 MESES; B) EXCEPCIONALMENTE, ESTE PRAZO PODERÁ SER FIXADO POR PERÍODO SUPERIOR A 12 MESES NOS CASOS EM QUE, DIANTE DA PECULIARIDADE E/OU COMPLEXIDADE DO OBJETO, FIQUE TECNICAMENTE DEMONSTRADO O BENEFÍCIO ADVINDO PARA A ADMINISTRAÇÃO; E C) É JURIDICAMENTE POSSÍVEL A PRORROGAÇÃO DO CONTRATO POR PRAZO DIVERSO DO CONTRATADO ORIGINARIAMENTE.

 

Isso significa dizer que o prazo de vigência originário para esses contratos pode ser 12 (doze) meses, admitidas as prorrogações de praxe até completar os 60 (sessenta) meses de vigência previstos no art. 57, II, da Lei nº 8.666/1993. Todavia, é possível que, dada a magnitude e a complexidade da avença, para que ele se torne competitivamente atrativo, a Administração fixe um prazo de vigência originário superior a 12 (doze) meses, conforme o item B da ON/AGU acima transcrita.

Ainda nesse prumo de adaptar a duração do contrato à realidade do mercado, preocupou-se o legislador em admitir um lapso de duração de até 20 (vinte) anos para esses ajustes nas situações em que a implementação do contrato exigir investimentos iniciais em obras ou fornecimento de bens (inciso II, § 2º, da Lei nº 14.011/2020).

Nessas hipóteses em que o contrato de facilities exige investimentos iniciais do contratado com a realização de obras ou o fornecimento de bens, constantemente há a necessidade de aumentar o prazo de vigência contratual. Assim é porque essas obras e esses bens não serão remunerados autonomamente. A contraprestação a esses investimentos iniciais está embutida no valor do serviço, que é pago ao longo de todo o tempo de vida do contrato. Com isso, há a necessidade de esses contratos terem uma duração mais longa, sob pena de o seu valor ficar excessivamente alto ou, até mesmo, inviabilizar o negócio. Essa é a prática do mercado de prestação de serviços que exigem investimentos iniciais do contratado.

O elastecimento do prazo de vigência nos termos do inciso II do § 2º do art. 7º da Lei nº 14.011/2020 merece algumas observações. Primeiramente, o legislador deu a opção de que esse contrato dure até 20 (vinte) anos, devendo o gestor público decidir qual o prazo máximo adequado ao nível de investimentos iniciais, respeitado o limite vintenário. Ou seja, não se pode firmar de modo automático o tempo de vida do contrato em 20 (vinte) anos em razão do fato de existir investimentos iniciais. A Lei deu o limite, mas tal limite deve ser adaptado à realidade do contrato a ser assinado, observada a proporção do nível de investimento exigido. Essa correspondência entre o tempo de vigência eleito para o caso concreto e a proporção do nível de investimento deve sempre ser justificada nos autos.

A segunda observação diz respeito ao tipo de investimento inicial que autoriza o elastecimento da duração do contrato nos termos do inciso II do § 2º do art. 7º em comento. Nesse aspecto, a Lei nº 14.011/2020 foi bem ampla, admitindo o aumento do prazo tanto na hipótese em que há investimento com obras como nas situações em que há desembolso do contratado para o fornecimento de bens em geral. Enfim, dada a abertura dos termos, quando houver um ou outro já é admitido o aumento do prazo.

Por último, há de se perquirir o que a Lei quis dizer com “investimentos iniciais” no inciso II do § 2º do art. 7º. Isso porque é possível que a aplicação do investimento projetado seja diferida no tempo de vida do contrato. Isto é, pode ocorrer uma situação na qual há previsão de investimentos desde a fase da licitação, mas que a aplicação do valor projetado não ocorra logo na fase inicial de vigência do contrato. Essa situação também autoriza o aumento da vigência contratual. O termo “iniciais” que qualifica os “investimentos” no texto do § 2º, II, do art. 7º se refere ao momento da projeção do investimento, e não ao instante em que o investimento vai ser realizado. O que Lei quis preservar foi a higidez do procedimento licitatório, resguardando o princípio da congruência entre o que foi licitado e o que será executado. Desse modo, há de se prever os investimentos com as obras ou o fornecimento de bens desde o início da licitação.

 

7 – CUIDADOS NECESSÁRIOS APONTADOS PELO TCU NA CONTRATAÇÃO DE FACILITIES

 

Não se discute mais a possibilidade jurídica de contratação de serviços necessários para o gerenciamento, o uso e a manutenção do espaço nos moldes indicados no art. 7º da Lei nº 14.011/2020. Entretanto, como já dito, é importante notar que a reunião de serviços em um único contrato é sempre controversa no ordenamento jurídico pátrio em razão do princípio do parcelamento do objeto, previsto no art. 23, § 1º, da Lei nº 8.666/1993. Nesse aspecto, andou muito bem a norma ao consolidar tal possiblidade na legislação.

Porém, na linha do que orienta o TCU nos Acórdãos retromencionados, deve sempre o gestor tomar alguns cuidados indispensáveis para a licitude do certame. Nos Acórdãos nº 929/2017 – Plenário e 10264/2018 – 2ª Câmara, o TCU alertou o gestor para a necessidade de se tomar algumas cautelas necessárias para a higidez do procedimento de contratação.

No Acórdão nº 929/2017 – Plenário, o Tribunal asseverou:

 

1.    A contratação de serviços de conservação e manutenção de infraestrutura predial, com a inclusão de serviços variados, na modelagem conhecida como contratação de facilities, não configura, por si só, afronta à lei de licitações.

2.    Somente é permitida a licitação na modelagem de contratação de facilities quando as condições do certame assegurarem o atendimento aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo, da motivação, da eficiência e da competitividade.

3.    A motivação da contratação de facilities deve ser previamente formalizada e expressar, de forma clara e inequívoca, os benefícios potenciais advindos dessa modelagem, com destaque para a quantificação das vantagens econômicas e financeiras e dos ganhos advindos da economia de escala.

 

Pelo dito pela Corte de Contas federal nesse julgado, é preciso que a Administração faça uma profunda análise de mercado e exponha no processo que o setor privado é capaz de atender, respeitada a competitividade do certame, a demanda nos moldes da contratação de facilities. Ou seja, a reunião de serviços em um contrato não fere, de per si, a legislação, mas demanda esse cuidado inicial. Nesse ponto, vale mencionar a orientação contida no Acórdão nº 10264/2018 – 2ª Câmara, em que o Tribunal orientou no sentido de se fazer:

 

9.3.1. a elaboração de estudos técnicos preliminares tendo por objetivo assegurar a viabilidade técnica da contratação e embasar a elaboração do termo de referência/projeto básico e o plano de trabalho constitui etapa indispensável do planejamento de uma contratação e que sua não realização poderá caracterizar o cometimento de falta grave e sujeitar os responsáveis às sanções previstas no art. 58 da Lei 8.443/1992;

 

Essa indicação do Tribunal demonstra a relevância do planejamento para uma contratação como essa, de magnitude e complexidade consideráveis.

Além disso, é preciso que se exponha nos autos a vantagem de se contratar na modelagem em estudo. Assim deve ser porque, mesmo expressamente admitida em lei, a contratação de serviços reunidos em um só contrato tem o potencial de diminuir a aplicação de alguns valores sensíveis ao ordenamento jurídico brasileiro. O primeiro deles, como já se falou, é o do parcelamento com vistas à ampliação da concorrência (§ 1º do art. 23 da Lei nº 8.666/1993)[12], o que já foi devidamente demonstrado nas linhas passadas deste artigo. Nesse ponto, se constatada a deficiência das empresas de isoladamente atenderem a demanda, é dever do gestor admitir no edital a presença de consócios e/ou de subcontratação, com limites claros para tanto. Assim também decidiu o TCU no Acórdão nº 10264/2018 – 2ª Câmara:

 

9.3.4. em licitações de serviços diversos em contrato único (Facilities Full), a permissão de formação de consórcios e a possibilidade de subcontratação de serviços são meios que podem amenizar a restrição a concorrência decorrente da junção de inúmeros serviços em único objeto.

 

Enfim, todo esse modelo exige um elevado grau de qualificação dos agentes de contratação do Poder Público, assim como um profundo planejamento e gerenciamento dos riscos envolvidos na questão. Diversos serão os pontos que envolverão essas contratações, sobretudo no caso em que haja previsão de obras. Esse é um modelo a ser construído. Não há dúvidas que a Administração Pública brasileira é capaz. Só depende de esforço e sintonia entre Administração, mercado e controle.

 

8 – A CONTRATAÇÃO DE FACILITIES NOS TERMOS DO ART. 7º DA LEI Nº 14.011/2020 DEPENDE DA REGULAMENTAÇÃO PREVISTA NO SEU § 5º?

 

O art. 7º da Lei nº 14.011/2020 é norma de eficácia limitada aos termos da Lei nº 8.666/1993. Ou seja, a sua aplicação independe de outro ato normativo regulamentar que venha a lhe conferir efeitos. Fazemos essa afirmação, a fim de que não se dê ao § 5º desse dispositivo uma interpretação que limite os seus efeitos.

Referido § 5º diz: “Ato do Poder Executivo poderá regulamentar o disposto neste artigo.” Como se observa, a Lei apenas abre uma possibilidade para que ato do Poder Executivo de cada uma das esferas da federação traga normas com o objetivo de dar fiel execução ao art. 7º em estudo, conforme art. 84, IV, da Constituição. Em momento algum a Lei condiciona a eficácia do artigo em estudo a tal regulamento.

A norma de eficácia limitada, geralmente, possui um comando no qual se diz que sua implementação se dará nos termos de outra norma. No caso em tela, a Lei nº 14.011/2020 vinculou a aplicação do seu art. 7º à observância de legislação já vigente, que é a Lei nº 8.666/1993. Sendo assim, há de se observar os termos dessa Lei, facultado aos respectivos chefes do Poder Executivo a regulamentação do dispositivo com o objetivo de conferir maior segurança jurídica no âmbito de cada uma das esferas da federação.

Cabe dizer que essa vinculação do art. 7º à Lei nº 8.666/1993 não impede a utilização de outros procedimentos de licitação diversos dos da Lei nº 8.666/1993 para a seleção do prestador do serviço, como é o caso do uso do pregão (Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002) ou do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC (Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011), inclusive nos termos da Lei nº 14.065, de 30 de setembro de 2020 (autoriza o uso do RDC durante o estado de calamidade pública previsto no Decreto Legislativo º 6, de 20 de março de 2020).

A Lei nº 8.666/1993 é um diploma cuja aplicação é conformada com diversos outros textos legais, que juntamente formam o regime de licitação e contrato das entidades de direito público. Por isso, é preciso se entender a menção à Lei nº 8.666/1993 como uma referência ao regime de licitação e contrato vigente para a Administração direta, autárquica e fundacional.

 

 



[1] O mencionado texto foi publicado no prestigiado site do Prof. Ronny Charles Lopes de Torres, podendo ser encontrado no seguinte link: <https://ronnycharles.com.br/a-lei-no-14-011-2020-e-a-contratacao-de-facilities-pela-administracao-publica/>

[2] ANTONIOLI, Paulo Eduardo; GRAÇA, Moacyr Eduardo Alves da. Subsídios conceituais para o planejamento de sistemas de gerenciamento de facilidades em edificações produtivas. In: Boletim Técnico da Escola Politécnica da USP. Departamento de Engenharia de Construção Civil: São Paulo, 2004. Disponível em: << http://andreluis.pcc.usp.br/files/text/publications/BT_00358.pdf>>.

[3] Cabe dizer que o art. 7º faz expressa vinculação ao modelo de contratação ali previsto à Lei nº 8.666/1993. Salientamos que a vinculação posta no texto legal não impede a utilização de outros procedimentos de licitação diversos dos da Lei nº 8.666/1993 para a seleção do prestador do serviço, como é o caso do uso do pregão (Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002) ou do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC (Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011), inclusive nos termos da Lei nº 14.065, de 30 de setembro de 2020 (autoriza o uso do RDC durante o estado de calamidade pública previsto no Decreto Legislativo º 6, de 20 de março de 2020).

[4] No Regime de Contratação das Estatais – RCE há um dispositivo equivalente: art. 32, III, da Lei nº 13.303/2016.

[5] Cabe mencionar que o TCU é bem cioso quanto à observância do princípio do parcelamento nas contratações públicas. A preocupação da Corte pode ser verificada em diversos dos seus acórdão, mas principalmente na Súmula nº 247, cujo enunciado diz: “É obrigatória a admissão da adjudicação por item e não por preço global, nos editais das licitações para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, cujo objeto seja divisível, desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo ou perda de economia de escala, tendo em vista o objetivo de propiciar a ampla participação de licitantes que, embora não dispondo de capacidade para a execução, fornecimento ou aquisição da totalidade do objeto, possam fazê-lo com relação a itens ou unidades autônomas, devendo as exigências de habilitação adequar-se a essa divisibilidade.”

[6] Art. 173, § 1º, III, da Constituição.

[7] Esse é o posicionamento presente em boa parte da doutrina (BARCELOS, Dawison; TORRES, Ronny Charles Lopes de. Licitações e Contratos nas Empresas Estatais: regime licitatório e contratual da Lei nº 13.303/2016. 2 ed. Salvador: Juspodium, 2020, p. 43; NIEBUHR, Joel de Menezes; NIEBUHR, Pedro de Menezes. Licitações e Contratos das Estatais. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 41; GUIMARÃES, Edgar; SANTOS, José Anacleto Abduch Santos. Lei das Estatais: comentários ao regime licitatório e contratual da Lei nº 13.303/2016. Belo Horizonte: Fórum, 2017, 123. Apesar desse firme posicionamento da doutrina, recentemente, em 26/8/2020, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo decidiu de modo diverso, aplicando ao RCE norma da Lei nº 8.666/1993 sob o argumento de que é devida a aplicação subsidiária deste diploma àquele regime (TC-012599.989.20-9).

[8] A Lei nº 13.303/2016 ainda faz remissão às demais normas do regime de contratação da Administração Pública em geral no art. 32, IV, que remete à Lei do Pregão, a Lei nº 10.520, de 17 de junho de 2002; no art. 41, que estende ao RCE os crimes tipificados na Lei nº 8.666/1993; e o art. 55, III, que aplica ao RCE critérios de desempate de propostas previstos na Lei nº 8.666/1993 e na Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991.

[9] Nesse particular, vale citar as palavras de Joel de Menezes NIEBUHR e Pedro de Menezes NIEBHUR, autores suja lição diz: “A Lei nº 13.303/16 não reconhece, por qualquer modo, a aplicação subsidiária a ela da legislação tradicional, marcada pela Lei nº 8.666/93. Isso significa que, em termos práticos, na ausência de norma específica na Lei nº 13.303/16, os agentes das estatais não devem recorrer às normas da Lei nº 8.666/93 e aplica-las, ou das demais leis que vigem para a Administração Pública em geral” (Licitações e Contratos das Estatais. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 41).

[10] No mesmo é a limitação quinquenal prevista no art. 71 da Lei das Estatais.

[11] Sobre a caracterização do contrato de execução continuada: OLIVEIRA, Rafael Sérgio de. Serviço continuado tem de ser essencial? Disponível em: <<http://www.licitacaoecontrato.com.br/lecComenta/servico-continuado-tem-de-ser-essencial0911_2017.html>>.

[12] No âmbito das empresas públicas e das sociedades de economia mista, art. 32, III, da Lei nº 13.303/2016.