IN 01 x IN 05: O DIÁLOGO DAS FONTES NO REGIME DE PLANEJAMENTO DAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS FEDERAIS
Diego Ornellas de Gusmão
Procurador Federal
1. INTRODUÇÃO
O cenário jurídico das contratações no âmbito da Administração Pública Federal sofreu uma verdadeira virada de Copérnico com a edição, pelo Secretário de Gestão do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, das Instruções Normativas n° 05, de 26 de maio de 2017, e n° 01, de 29 de março de 2018 que, em menos de um ano, inauguraram uma nova visão na condução dos negócios governamentais.
Percebe-se que o foco da nova legislação foi o aperfeiçoamento da governança e da gestão das contratações realizadas pela Administração Pública Federal, com destaque para a previsão de uma fase de planejamento de contratações bem clara.
Essa sucessão de diplomas normativos trouxe um desafio aos intérpretes e gestores públicos, na medida em que contém uma inovadora disciplina, demandando uma análise sistemática.
Neste singelo estudo buscaremos fixar a aplicação na nova legislação de forma harmoniosa, segundo a teoria do diálogo das fontes.
2. O NOVO REGIME DO PLANEJAMENTO DAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS FEDERAIS – A NECESSIDADE DE APLICAÇÃO CONJUNTA DAS INTRUÇÕES NORMATIVAS SEGES N° 1, DE 2018, E N° 5, DE 2017.
É possível apontar o Acórdão 2622/2015 do Plenário do Tribunal de Contas da União como a gênese das futuras Instruções Normativas 05, de 2017, e 01, de 2018, uma vez que foi em tal julgamento que a Corte de Contas expediu relevantes orientações sobre a condução dos procedimentos de contratações públicas no âmbito Federal, com destaque para a elaboração de um plano anual de aquisições, elevando a ideia de planejamento a um patamar sem precedentes.
Tais orientações foram reforçadas posteriormente pelo TCU no Acórdão 2353/2016-Plenário, decisão esta paradigmática para um bom procedimento de contratação pública, com destaque para a previsão de uma fase clara que contenha o planejamento da contratação, momento em que serão feitos os estudos preliminares e o gerenciamento de risco, com a recomendação de que a Administração adote as minutas de termos de referência e editais de licitações elaborados pela Advocacia-Geral da União.
Fácil perceber que, pelo entendimento do TCU, antes mesmo das Instruções Normativas 05, de 2017 e 01, de 2018, já havia necessidade do devido planejamento da contratação, com o acompanhamento da gestão contratual e fiscalização por parte da Administração.
Com efeito, o planejamento, mais que um dever legal estatuído no art. 6°, inciso I, do Decreto-lei n° 200, de 1967, é uma obrigação derivada do princípio constitucional da eficiência, pois se constitui na ferramenta que possibilita aos agentes públicos a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre na busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos de maneira a evitar desperdícios e garantir uma maior rentabilidade social.1
O planejamento sério e a gestão contratual eficiente permitem à Administração Pública equilibrar, de um lado, a necessidade de dar atendimento a demandas sociais sempre crescentes e, de outro, a existência de recursos financeiros escassos, que precisam ser gastos com parcimônia e racionalidade.2
As orientações do Tribunal de Contas da União buscam atender ao direito fundamental à boa administração que decorre dos princípios da Administração Pública previstos no art. 37, caput, da Constituição do Brasil, concretizando o direito à administração pública eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas. A tal direito corresponde o dever de a administração pública observar, nas relações administrativas, a cogência da totalidade dos princípios constitucionais que a regem.3
Não obstante tais orientações advindas do TCU, a edição de novo normativo se fazia necessária para a aplicação geral para todos os órgãos integrantes do Sistema de Serviços Gerais –SISG (§1º do art. 1º do Decreto 1094, de 23 de março de 1994).
Com efeito, o art. 13, VII, anexo I, do Decreto 9.035, de 20 de abril de 2017, atribui à Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento Desenvolvimento e Gestão a qualidade de órgão central do SISG, conferindo-lhe poder normativo para estabelecer diretrizes e orientações aos órgãos e unidades da Administração Federal direta, autárquica e fundacional.
É preciso destacar que o gestor público integrante do SISG deve, em primeiro lugar, observar as normas expedidas pelo órgão central do sistema, que tem por objetivo coordenar as atividades administrativas dos diversos órgãos e entidades com determinações vinculantes, buscando a harmonia e padronização das rotinas de aquisições.
Por outro lado, não se pode negar que iniciativas que busquem a melhora na gestão pública são fundamentais para a inovação e evolução próprias da incessante atividade administrativa, que deve superar as barreiras da burocracia e do formalismo exacerbado.
O gestor público, ao adotar em seus processos de contratação boas práticas administrativas, advindas de estudos e da própria experiência, está fomentando o progresso da gestão, com a “criação e implementação de novos processos, produtos, serviços e métodos de entrega, que resultam em significativas melhorias na eficiência, eficácia ou qualidade dos resultados”4.
Como bem destacam Rosangela Klumb e Micheline Hoffman:
A maioria das inovações no setor público não é radical nem sistêmica, mas sim incremental, isto é, trata-se de pequenas alterações ou adaptações dos serviços ou dos processos, promovidas pelos servidores públicos para melhorar o desempenho dos serviços prestados à sociedade (Albury, 2005). Não estão associadas à noção de descontinuidade nem à quebra de paradigmas.5
A IN 05, de 2017, trouxe uma mudança de paradigma no plano do direito positivo, revogando a antiga IN 02, de 2008, da SLTI que, apesar de seus evidentes méritos, possuía lacunas que foram colmatadas com o novo normativo, passando a ser obrigatória a sua disciplina para os órgãos e entidades integrantes do SISG.
Contudo, a IN 05, de 2017, tem sua aplicação restrita à contratação de serviços, conforme consta de seu artigo 1º, deixando claro que o seu âmbito normativo não é dirigido a todos os processos de contratação pública.
De modo a estender a todas as contratações públicas a fase de planejamento, a SEGES editou a Instrução Normativa nº 1, de 2018, que determina a confecção de um plano anual de contratações, que contemplará todos os contratos que o órgão pretende formalizar no ano vindouro.
A elaboração do Plano Anual de Contratação é um excelente instrumento de governança, uma vez que obriga a Unidade Administrativa de Serviços Gerais (UASG) a consolidar todas as contratações que pretende efetivar no ano subsequente (art. 3º da IN 01, de 2018) , servindo para que as autoridades governamentais tenham dados gerenciais que permitam a alocação de recursos orçamentários e de pessoal sem desperdícios ou escassez, além de indicar ao mercado as pretensões governamentais de contratações de toda a ordem.
Note-se que, enquanto a IN 01, de 2018, tem por finalidade disciplinar a elaboração do plano anual de contratação, numa perspectiva macro de cada órgão contratante e que servirá para subsidiar a tomada de decisão pelas autoridades da alta administração, a IN 05, de 2018, tem por foco o processamento das contratações propriamente ditas, concretizando individualmente o planejamento estratégico em processos específicos.
Apesar da diferença de escopos, a IN 01, de 2018, utilizou dos instrumentos previstos na IN 05, de 2017, para a formulação do plano anual de contratação, com destaque para a necessidade de formar a equipe de planejamento da contratação, de elaborar estudos preliminares e formular um gerenciamento de riscos das contratações.
Interessante notar a semelhança entre os normativos, que possuem em diversas passagens redações quase idênticas, como na definição da equipe de planejamento da contratação (art. 4°, III da IN 01; art. 22, §1º, da IN 05), o conteúdo dos estudos preliminares (art. 7° da IN 01; art. 24 da IN 05), e do gerenciamento de riscos (art. 8°, da IN 01; art. 25, da IN 05).
Por outro lado, apesar de muito mais completa, a IN 05, de 2017, também se ressentia de algumas definições, que somente foram introduzidas pela IN 01, em especial a definição dos setores participantes do planejamento da contratação, que foram expressamente definidos nos incisos I e II do art. 4º da IN 01, de 20186, suprindo uma grave lacuna normativa.
Outra inovação trazida pela IN 01, de 2018, foi a definição das atribuições do setor requisitante, que, pela IN 05, de 2017, apenas elaborava o documento de formalização da demanda e submetia ao setor de licitações que, por sua vez, designava a equipe de planejamento da contratação que ficaria com o encargo de elaborar os estudos preliminares e o mapa de risco. Já na IN 01, de 2018, o setor requisitante também irá elaborar uma versão simplificada dos estudos preliminares (art. 7º, §1º, IN 01), e um levantamento prévio dos riscos da contratação (art. 8º, parágrafo único, IN 01).
Há, porém, uma grave falha na IN 01, de 2018, que é a ausência de disciplina do conteúdo dos elementos que devem constar dos estudos preliminares, uma vez que apenas enumera quais são esses elementos nos incisos do art. 7º, sem definir em que consistiriam, podendo até mesmo gerar certa perplexidade, considerando que não são conceitos intuitivos ou autoexplicativos.
Somente com a leitura do item 3 do anexo III da IN 05, de 2017, é que será possível compreender o conteúdo dos elementos dos estudos preliminares previstos no art. 7º da IN 01.
É fácil constatar que entre ambos os atos normativos há uma dependência recíproca, que impõe ao interprete buscar a melhor solução hermenêutica, sob pena de criar situações impraticáveis.
Segundo os critérios tradicionais de resolução de antinomias aparentes, ao intérprete restaria se valer ou do critério hierárquico, ou cronológico ou da especialidade para solucionar a aplicação dos referidos normativos, segundo os critérios dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB, que, entretanto, se mostram insuficientes.
O critério da hierarquia (lex superior derrogat inferiori), que é baseado na superioridade de uma fonte de produção sobre outra7, não tem aplicação no aparente conflito entre as instruções normativas em tela, na medida em que ambos os atos normativos foram editados pela mesma autoridade.
Caso se adote o critério cronológico (lex posterior derogat legi priori), em que a validade da norma editada em último lugar sobreleva à da norma fixada em primeiro lugar e que a contradiz8, a IN 01, de 2018, por ter sido editada posteriormente, afastaria a aplicação da IN 05, de 2017, mas essa solução gera o inconveniente de não permitir a complementação entre os diplomas normativos, ocasionado um vácuo normativo e dificuldade em aplicar a norma posterior.
A utilização do critério da especialidade (lex specialis derogat legi generali), em que a norma que contém elementos especializantes afasta a aplicação norma geral9, gera problemas operacionais sérios, pois a IN 05, de 2017, como dito, disciplina a contratação de serviços, e a IN 01, de 2018, rege todo tipo de contratação, podendo ser esta considerada geral em relação à aquela, mas a IN 01 regula a formalização do plano anual de contratações, e a IN 05 é voltada para as contratações propriamente ditas, havendo dificuldade em definir qual dos atos normativos é especial e geral.
Assim, modernamente, os critérios tradicionais da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) não são mais exclusivos ou suficientes para a resolução de conflitos de fontes normativas, na medida em que a resolução clássica de conflitos pressupõe a retirada de uma das leis (a anterior, a geral e a de hierarquia inferior) do sistema, e não a aplicação coordenada de leis10.
A tese da professora Cláudia Lima Marques, nominada de diálogo das fontes11, tem o fito de trazer ao intérprete uma nova ferramenta hermenêutica hábil a solucionar problemas de conflito entre normas jurídicas no sentido de interpretá-las de forma coordenada e sistemática, aplicável a qualquer ramo do direito, e revela que a doutrina atualizada está à procura, hoje, mais da harmonia e da coordenação entre as normas do ordenamento jurídico (concebido como sistema) do que da exclusão12.
Diálogo pressupõe o efeito útil de dois (di) e uma lógica ou fala (logos), enquanto o conflito leva à exclusão de uma das leis e bem expressa a mono-solução ou o “monólogo” de uma só lei. Este esforço para procurar novas soluções plurais visa justamente evitar a antinomia (conflitos-pontuais da convergência eventual e parcial do campo de aplicação de duas normas no caso concreto) pela correta definição dos campos de aplicação. Evitar, assim, a “incompatibilidade” total (“conflitos de normas” ou conflitos entre normas de duas leis, conflitos reais ou aparentes), que leve à retirada de uma lei do sistema a qual levaria à não-coerência do sistema plural brasileiro.13
Não se trata, assim, de criar uma terceira norma pela combinação de leis, e sim uma metodologia que propõe a superação do clássico método de resolução de antinomias jurídicas (hierárquico, cronológico e de especialização), para uma técnica de harmonização.
A proposta de utilização dos diálogos no Direito Brasileiro permite aplicabilidade às mais variadas fontes legislativas tais como leis especiais, leis gerais, tanto de origens nacionais quanto internacionais.14
Claudia Lima Marques propõe, assim, três diálogos possíveis a partir da teoria exposta, a saber: diálogo sistemático de coerência; diálogo de complementariedade e subsidiariedade; diálogo de coordenação e adaptação sistemática ou de influências recíprocas.
No diálogo sistemático de coerência há aplicação simultânea das duas leis, servindo uma lei de base conceitual para a outra, especialmente quando uma dessas é uma lei central do sistema (geral) como, por exemplo, o CC/2002, e a outra um microcódigo (especial) como o CDC, ou até mesmo o Código Civil com a Lei de Licitações e Contratos, conforme autoriza o art. 54 da Lei 8666, de 1993.
Corroborando a tese, Flávio Tartuce15 especifica que “os conceitos de contrato em espécie podem ser retirados do Código Civil mesmo sendo o contrato de consumo, caso de uma compra e venda (art. 481 do CC)”.
Pelo diálogo de complementaridade e subsidiariedade, uma lei pode complementar a aplicação de outra, a depender de seu campo de aplicação, tanto suas normas, quanto seus princípios e cláusulas gerais podem encontrar uso subsidiário ou complementar, “diálogo” este exatamente no sentido contrário da revogação ou ab-rogação clássicas, em que uma lei era superada e “retirada” do sistema pela outra.16
Assim, uma lei pode completar a outra, de forma direta (diálogo de complementaridade) ou indireta (diálogo de subsidiariedade).
A grande proposta deste diálogo é se distanciar dos critérios clássicos de resolução de conflitos, como por exemplo: “lex posteriori generalis non derrogat legi priori speciali” (lei posterior geral não derroga lei anterior especial) e permitir a aplicação coordenada das duas leis - diálogo de complementaridade - ou, em se tratando de uma norma mais benéfica ao consumidor-vulnerável, optar até pela aplicação do diploma geral civil mesmo se tratando de matéria consumerista - diálogo de subsidiariedade.17
Por fim, os diálogos de influências recíprocas estão presentes quando os conceitos estruturais de uma determinada lei sofrem influências da outra, que seria a influência do sistema especial no geral, bem como do geral no especial18.
Assim, havendo aplicação simultânea das duas leis, se uma lei servir de base conceitual para a outra, estará presente o diálogo sistemático de coerência. Por outro lado, se o caso for de aplicação coordenada de duas leis, uma norma pode completar a outra, de forma direta (diálogo de complementaridade) ou indireta (diálogo de subsidiariedade). Por fim, o diálogo de influências recíprocas sistemáticas estará presente quando os conceitos estruturais de uma determinada lei sofrerem influência da outra.
A teoria do diálogo das fontes é adotada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme precedentes que ora colaciono:
Com efeito, após a entrada em vigor da Lei n. 11.382/2006, a norma aplicável às execuções fiscais não é mais o art. 11 da Lei n. 6.830/80, e sim o art. 655 do CPC, com a redação dada pela nova lei, em atenção ao que a doutrina chama de "diálogo das fontes". Consoante decidiu esta Turma, ao julgar o REsp 1.024.128/PR (Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 19.12.2008), a novel legislação é mais uma etapa da denominada "reforma do CPC", conjunto de medidas que vêm modernizando o ordenamento jurídico para tornar mais célere e eficaz o processo como técnica de composição de lides. Trata-se de nova concepção aplicada à teoria geral do processo de execução, que, por essa ratio, reflete-se na legislação processual esparsa que disciplina microssistemas de execução, desde que as normas do CPC possam ser subsidiariamente utilizadas para o preenchimento de lacunas. Aplicação, no âmbito processual, da teoria do "diálogo das fontes".19
Deve ser utilizada a técnica do "diálogo das fontes" para harmonizar a aplicação concomitante de dois diplomas legais ao mesmo negócio jurídico; no caso, as normas específicas que regulam os títulos de capitalização e o CDC, que assegura aos investidores a transparência e as informações necessárias ao perfeito conhecimento do produto.20
No âmbito do Supremo Tribunal Federal, cabe registrar o voto do Ministro Joaquim Barbosa, no julgamento da ADI 2591, em que expressamente adotou a teoria do diálogo das fontes, conforme excerto que ora colaciono:
A Emenda Constitucional 40, na medida em que conferiu maior vagueza à disciplina constitucional do sistema financeiro (dando nova redação ao art. 192), tornou ainda maior esse campo que a professora Cláudia Lima Marques denominou “diálogos entre fontes” – no caso, entre a lei ordinária (que disciplina as relações consumeristas) e as leis complementares (que disciplinam o sistema financeiro nacional). Não há, a priori, por que falar em exclusão formal entre essas espécies normativas, mas, sim, em “influencias recíprocas”, em “aplicação conjunta das duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, seja complementarmente seja subsidiariamente, seja permitindo a opção voluntaria das partes sobre a fonte prevalente”.21
Conforme bem pondera Patrícia de Almeida Monteiro a respeito do diálogo das fontes, o advento de um método de interpretação e aplicação de normas jurídicas que alia a visão sistemática de um ordenamento jurídico mediante coordenação de inúmeras fontes normativas contribui não apenas para a afirmação de uma unidade lógica do sistema jurídico, mas também para a reconstrução da confiança em sua autoridade22.
A melhor forma de aplicar a legislação que rege o planejamento das contratações é pelo diálogo das fontes, em que haverá a aplicação conjunta das duas normas sem que haja qualquer exclusão entre elas, não ficando o intérprete limitado à busca da solução entre qual seria a norma especial, ou posterior, ou até mesmo hierarquicamente superior.
Fazendo uma leitura dos dispositivos das instruções normativas à luz da novel teoria, deve ser buscada não a exclusão de uma norma pela outra, mas a aplicação de ambas, reforçando a ideia de unidade do ordenamento jurídico, que deve ser completo e coerente.
Percebe-se a vantagem na utilização conjunta das instruções normativas logo na deflagração do procedimento para a formação do Plano Anual de Contratação, uma vez que IN 01, de 2018, traz apenas um modelo de documento de formalização da demanda, sem que haja um dispositivo no seu corpo principal que discipline especificamente os requisitos que devem constar da descrição detalhada do item. Por meio da aplicação conjunta com a IN 05, de 2018, aplicar-se-iam as alíneas do inciso I do seu art. 21, conferindo as balizas para a descrição detalhada do item a ser contratado, em particular a justificativa da contratação, a quantidade a ser contratada, e a previsão das datas a serem observadas pelo futuro contratado.
Outra situação de suma importância na aplicação conjunta das instruções normativas é a elaboração dos estudos preliminares para a formação do Plano Anual de Contratação que, conforme adiantado, devem ser feitos através da utilização das diretrizes constantes do item 3 do anexo III da IN 05, de 2017, já que não consta qualquer referência a tais diretrizes na IN 01, de 2018, sendo a complementação essencial.
A práxis das contratações públicas fará surgir muitas outras situações, e a necessidade da aplicação coordenada nas instruções normativas será uma ferramenta muito útil para solução de situações concretas.
Assim, o diálogo das fontes permite a aplicação coordenada das duas instruções normativas, em verdadeiro diálogo de complementaridade e de influências recíprocas entre ambos os diplomas normativos, que é preferível a um método de interpretação que acabe gerando o afastamento das diversas fontes normativas.
3. CONCLUSÃO
As inovações
legislativas trazidas pelas Instruções Normativas n°
1, de 2018, e 5, de 2017, trazem enormes desafios para a
Administração Pública Federal, não só
referente
à inovação do processamento dos
processos de contratação, mas pela necessidade de
encontrar uma interpretação que gere a harmonia entre
os diplomas legislativos, de modo a garantir uma unidade no sistema
de aquisições públicas.
Sem desprezar os critérios clássicos de resolução de antinomias, a Teoria do Diálogo das Fontes traz uma nova perspectiva, focando na convivência entre os diplomas normativos, interpretando a legislação com base na coordenação das diversas fontes normativas, segundo a qual as normas jurídicas não se excluem, mas se complementam.
Para um correto planejamento das contratações públicas, é preciso utilizar de maneira coordenada a recente IN SEGES 01, de 2018, com a IN SEGES 05, de 2017, permitindo que seja estabelecido um diálogo de complementaridade e de influências recíprocas entre os atos normativos.
REFERÊNCIAS
DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução do Código Civil brasileiro interpretada. São Paulo: Saraiva, 2011.
FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública. São Paulo: Malheiros, 2009.
KLUMB, Rosangela, HOFFMAN, Micheline Gaia. Inovação no Setor Público e evolução dos modelos de Administração Pública: O Caso do TRE-SC. Artigo. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, São Paulo, v. 21, n. 69, Maio/Ago. 2016.
MARQUES, Claudia Lima. Superação das antinomias pelo diálogo das fontes: O modelo brasileiro de coexistência entre o código de defesa do consumidor e o código civil de 2002. In: Revista da Escola Superior da Magistratura de Sergipe, n° 07, 2004.
MARQUES, Claudia Lima. Manual de direito do consumidor. Antonio Herman V. Benjamim, Claudia Lima Marques e Leonardo Roscoe Bessa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
MARQUES, Claudia Lima. O “diálogo das fontes” como método da nova teoria geral do direito: um tributo a Erik Jayme. In: MARQUES, Claudia Lima (Coord.). Diálogo das fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIM, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 88.
MIRAGEM, Bruno. Eppur si muove: diálogo das fontes como método de interpretação sistemática no direito brasileiro. In: MARQUES, Claudia Lima (Coord.). Diálogo das fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012
MONTEIRO, Patrícia Ferreira de Almeida. A aplicação da Teoria do Diálogo das Fontes às relações de consumo. Artigo científico apresentado como exigência de conclusão de Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, 2014.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2001.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 3: Teoria Geral Dos Contratos E Contratos Em Espécie. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011.
1 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2001, p. 306.
2 Acórdão 1292/2003 - Plenário – TCU.
3 FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 22.
4 KLUMB, Rosangela, HOFFMAN, Micheline Gaia. Inovação no Setor Público e evolução dos modelos de Administração Pública: O Caso do TRE-SC. Artigo. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, São Paulo, v. 21, n. 69, Maio/Ago. 2016, p. 91.
5 Op. cit., loc. cit.
6 Art. 4° Para os efeitos desta Instrução Normativa, são adotadas as seguintes definições:
I - Setor de licitações: unidade de compra responsável pelo planejamento, coordenação e acompanhamento das ações destinadas à realização das contratações no âmbito do órgão ou entidade, podendo ser definido de forma diversa quando contemplar área específica em sua estrutura.
II - Setor requisitante: unidade do órgão ou entidade que identifica uma necessidade e requer a contratação de um bem ou serviço.
7 DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução do Código Civil brasileiro interpretada. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 93.
8 DINIZ, Maria Helena.. Op. Cit., p. 95.
9 DINIZ, Maria Helena.. Op. Cit., p. 96.
10 MARQUES, Claudia Lima. O “diálogo das fontes” como método da nova teoria geral do direito: um tributo a Erik Jayme. In: MARQUES, Claudia Lima (Coord.). Diálogo das fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 29.
11 A teoria do diálogo das fontes foi criada pelo professor Erik Jayme, na obra Identité culturelle et intégration: le droit international privé postmoderne. Recueil des Cours de l’Académie de Droit International de la Haye, tendo sido popularizada e desenvolvida no Brasil pela professora Cláudia Lima Marques.
12 MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIM, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 88.
13 MARQUES, Claudia Lima. Superação das antinomias pelo diálogo das fontes: O modelo brasileiro de coexistência entre o código de defesa do consumidor e o código civil de 2002. In: Revista da Escola Superior da Magistratura de Sergipe, n° 07, 2004, p. 42.
14 MARQUES, Claudia Lima. Op. cit., 2012, p. 20.
15 TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 3: Teoria Geral Dos Contratos E Contratos Em Espécie. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 43.
16 MARQUES, Claudia Lima. Op. cit., 2012, p. 32.
17 MIRAGEM, Bruno. Eppur si muove: diálogo das fontes como método de interpretação sistemática no direito brasileiro. In: MARQUES, Claudia Lima (Coord.). Diálogo das fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 76.
18 MARQUES, Claudia Lima. Manual de direito do consumidor. Antonio Herman V. Benjamim, Claudia Lima Marques e Leonardo Roscoe Bessa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 91.
19 STJ - REsp 1241063/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/2011, DJe 13/12/2011.
20 STJ - REsp 1216673/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 02/06/2011, DJe 09/06/2011.
21 STF - ADI 2591, Relator: Min. CARLOS VELLOSO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 07/06/2006, DJ 29-09-2006 PP-00031 EMENT VOL-02249-02 PP-00142 RTJ VOL-00199-02 PP-00481.
22 MONTEIRO, Patrícia Ferreira de Almeida. A aplicação da Teoria do Diálogo das Fontes às relações de consumo. Artigo científico apresentado como exigência de conclusão de Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, 2014, p. 14.