Pollyana Dutra Costa Plantikow
Procuradora-Geral do Município de Aimorés/MG. Pós- Graduação lato Sensu em Direito do Trabalho e Especialização em Direito Público.
1 - INTRODUÇÃO
A Lei Complementar nº 123, de 24 de dezembro de 2006, instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte estabelecendo normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado a essas empresas no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
A Lei Complementar nº 147, de 07 de agosto de 2014, promoveu modificações na Lei Complementar nº 123/2006, principalmente no que diz respeito às compras públicas. O artigo 47 da LC 123/2006 passou a prever expressamente a obrigatoriedade da concessão do tratamento favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte, nas contratações realizadas pela administração pública, direta e indireta, autárquica e fundacional, federal, estadual e municipal.
2 – O TRATAMENTO DIFERENCIADO DAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE
A fim de garantir o tratamento diferenciado quanto às contratações públicas, o artigo 48, nos seus incisos I e III, com as redações também dadas pela Lei Complementar nº 147/14, respectivamente, estabelecem a imposição de a Administração realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), bem como que em certames para aquisição de bens de natureza divisível, reserve-se cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte.
Destaca-se que a aplicação dos benefícios previstos nos artigos supramencionados não é incondicional, ou seja, se não houver um mínimo de 3 (três) fornecedores competitivos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados local ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório, ou quando não for vantajoso para a administração pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado, não se aplicará o tratamento diferenciado (artigo 49,II e III, da LC 123/2006).
É sabido que a demonstração da existência ou não de empresas enquadradas como microempresas ou empresas de pequeno porte sediadas local ou regionalmente e a vantajosidade do tratamento diferenciado para a administração devem ocorrer na fase interna do certame, aquela preparatória do procedimento licitatório, na qual se define as regras procedimentais do certame e da futura contratação.
Ressalta-se que especificamente quanto ao número mínimo de fornecedores competitivos, a redação legal do artigo 49, inciso II, da LC 123/2006[1], não dispõe sobre a efetiva participação destes para o cumprimento do tratamento diferenciado às microempresas ou empresas de pequeno porte. O que se estabelece é a existência de pelo menos três empresas assim enquadradas em condições de competir e cumprir as exigências do instrumento convocatório, principalmente no que se refere à cláusula de exclusividade. Inclusive o Tribunal de Contas do Paraná, tratou dessa temática no Acórdão 877/2016, em resposta à questão semelhante suscitada na Consulta registrada sob o nº 88672/15. [2]
Não se pode olvidar é claro, que a competitividade é considerada um princípio do procedimento licitatório, na medida em que “ deve-se compreender que a disputa entre eventuais interessados possibilita à administração alcançar um melhor resultado no certame, auferindo uma proposta vantajosa”[3], sendo vedado ao agente público admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo.
Contudo, na perspectiva do caso, se a baixa competitividade não ocorreu em virtude de algum vício nas fases do certame, como por exemplo, restrição à participação de interessados, o comparecimento inferior ao mínimo de três microempresas ou empresas de pequeno porte em um certame com tratamento diferenciado, em tese, não constituiria óbice à contratação.
É certo que nesse caso, todas as exigências do edital devem satisfatoriamente ser atendidas, partindo-se da premissa de que foi dada igual oportunidade para todos os potenciais interessados comparecerem. Ou seja, caso tenha comparecido ou se habilitado ao certame, um único licitante em plenas condições para contratar segundo as exigências do edital e se o contrato for vantajoso para a Administração, amparado nos princípios da supremacia do interesse público e da eficiência, não seria coerente obstar a continuidade do procedimento com a adjudicação ao proponente. Para promover a revogação do certame é necessário que seja constatado uma justa causa, com impossibilidade de convalidação do ato ou do procedimento viciado e para a sua anulação, uma ilegalidade, sob pena de o gestor cometer um ato arbitrário.
3 - CONCLUSÃO
Sendo assim, aquele proponente que compareceu ao certame para concorrer, preenchendo todos os requisitos do Edital, não deve ser prejudicado diante da ausência de demais concorrentes ou ainda de posteriores desclassificações. É imperioso ainda nessa perspectiva considerar a economicidade, pois um processo de licitação é dispendioso para administração, tanto no que se refere ao tempo como aos recursos.
Nas palavras do professor Ronny Charles Lopes de Torres: “[...] o princípio da eficiência exige o melhor exercício possível pelo agente incumbido de desenvolver a atividade administrativa. As questões jurídicas devem ser resolvidas não pelo menosprezo da lei, mas pela valorização dos seus elementos finalísticos [...]”[4].
Por fim, vincular a validade de um certame baseado na aplicação do tratamento diferenciado à efetiva participação de três licitantes Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte, excederia o dispositivo da referida lei e poderia contrariar os princípios da supremacia do interesse público, da eficiência e até mesmo da economicidade, o que não se pode aquiescer, uma vez que legislador ao privilegiar o tratamento diferenciado a tais empresas com licitações diferenciadas também assegurou que estas não sejam desfavoráveis à Administração Pública.
[1] Art. 49. Não se aplica o disposto nos arts. 47 e 48 desta Lei Complementar quando:
I - Revogado;
II - não houver um mínimo de 3 (três) fornecedores competitivos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados local ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório;
III - Omissi;
IV - Omissi;
[2] [...] (b) se a condição prevista no artigo 49, II, da Lei Complementar n.º 123, de 14 de dezembro de 2006 deve se concretizar para validade do certame, ou seja, se há a necessidade do efetivo comparecimento de, no mínimo, três microempresas ou empresas de pequeno porte nas licitações diferenciadas: Uma interpretação literal da Lei n.º 123/2006, faz crer que não é necessária a efetiva participação de no mínimo 3 (três) empresas de pequeno porte sediadas local ou regionalmente e que sejam capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório, mas simplesmente que existam os três fornecedores competitivos enquadrados nas exigências legais. Contudo, insta consignar ser inaceitável que a licitação tenha um baixo número de concorrentes por falhas na divulgação do certame pela Administração.[...]
[3]TORRES, Ronny Charles Lopes de, Leis de licitações públicas comentadas, 9.ed., Ed. Juspodivm, p. 88.
[4] TORRES, Ronny Charles Lopes de, Leis de licitações públicas comentadas, 9.ed., Ed. Juspodivm, p.85