O CONTROLE INTERNO NA (FUTURA) NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS – PROJETO DE LEI Nº 4.253/2020

 

 

Daniel Martins e Avelar

Especialista em Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Direito Processual Civil pelo Centro de Atualização em Direito (CAD/FUMEC). Subcontrolador de Correição do Município de Belo Horizonte, Minas Gerais.

 

Mariana Bueno Resende

@maribueno12

Mestra em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Assessora de Conselheiro no Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE/MG). Advogada e professora.

 

1 - INTRODUÇÃO

O Projeto de Lei n. 4.253/2020, que estabelece normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, teve sua redação final aprovada pelo Senado, em 10 de março de 2021, estando ainda pendente de sanção ou veto pela Presidência da República. De toda forma, já se verificam no cenário jurídico brasileiro intensos debates sobre o futuro novo marco legal.

É certo que a Administração Pública terá o período de dois anos de adaptação às novas regras[1], as quais, em alguma medida, agregam as leis esparsas já editadas, na tentativa de dar mais eficiência às contratações públicas, como a Lei do Pregão (Lei n.º 10.520/2002) e a Lei do Regime Diferenciado de Contratações (Lei n.º 12.462/2011), bem como consolidam orientações do Tribunal de Contas e de instruções normativas da União.

Dentre as novidades, o PL reflete a preocupação com o controle das contratações públicas e a responsabilização dos agentes que delas participam, sobretudo diante da constatação de que a observância do rito da Lei n. 8.666/93, por si só, não foi capaz de barrar condutas contrárias ao interesse público. Verifica-se, assim, a previsão de dispositivos que ressaltam a importância dos órgãos de controle interno, seguindo a tendência dos últimos anos de institucionalização e fortalecimento dessas entidades, como se verá a seguir.     

 

2 – CONTROLE INTERNO  NO CONTEXTO DA LEI Nº 8.666/1993

Embora existissem atividades estatais esparsas e pouco organizadas em matéria de controle financeiro e orçamentário no Brasil desde as épocas da Colônia e do Império, e até um considerável avanço organizacional após proclamarem-se a Independência e a República[2], o primeiro registro legal de controle interno, enquanto competência autônoma do Poder Executivo, sem prejuízo das atribuições dos Tribunais de Contas, somente veio com a Lei n. 4.320/64, que estatuiu normas gerais de direito financeiro (artigos 75 e 76).

Posteriormente, a Constituição da República de 1988 previu a obrigatoriedade de manutenção de sistemas de controle interno pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário (art. 74)[3]. Por se tratar de norma de abrangência nacional, o dispositivo se aplica a todos os entes federativos, havendo, ainda, dispositivo constitucional específico em relação ao sistema de controle interno do Poder Executivo nos municípios (art. 31).

As expressões utilizadas pelo Constituinte em tais dispositivos – “será exercida”, no art. 31, e “manterão”, no art. 74 – revelam que a instituição de sistemas de controle interno é obrigação e não faculdade. Pode-se afirmar, portanto, que, desde a promulgação da Constituição da República de 1988, os Poderes de todos os entes federativos estão obrigados a instituir sistemas de controle interno, cujo desenho orgânico, com a respectiva distribuição de competências, dependerá da edição de atos normativos próprios, observadas as regras de competência e iniciativa legislativas[4][5].  Com isso, nas décadas seguintes, observou-se um movimento de criação, organização e aperfeiçoamento de órgãos centrais de controle interno nos mais diversos entes federativos [6].

Já sob o novo paradigma constitucional, o Estado do Rio de Janeiro criou a sua controladoria em 1993 (Lei Municipal n. 2.068/93). Em seguida, os Estados de Roraima e Rio Grande do Norte seguiram o caminho (Leis Complementares n 133/95 e 150/97)[7]. No âmbito da União, até 2003, as atividades de controle interno e de ouvidoria eram desempenhadas pela Secretaria Federal de Controle Interno (SFC) e pela Ouvidoria Geral da União (OGU), respectivamente – unidades administrativas inicialmente vinculadas ao Ministério da Fazenda (SFC) e ao Ministério da Justiça (OGU), e, posteriormente, à Corregedoria Geral da União – CGU [8]. Somente com a edição da Lei n. 10.683/2003, que dispôs sobre a organização administrativa do Poder Executivo Federal no primeiro Governo Lula, foi criada a Controladoria Geral da União, órgão com estatura hierárquica de Ministério, diretamente vinculada à Presidência da República, com a competência de executar atividades de defesa do patrimônio público, controle interno, auditoria pública, ouvidoria e transparência (artigos 1º e 17).

A criação da CGU serviu de inspiração para diversos outros entes, que também decidiram criar e estruturar seus órgãos centrais de controle interno, valendo destaque para os Estados de Alagoas, Ceará, Maranhão, Piauí e Tocantins (2003), Amazonas, Paraíba e Roraima (2005), Acre e Pernambuco (2007)[9], além dos Municípios de Belo Horizonte/MG (2006) São Paulo/SP, Recife/PE, Goiânia/GO e Porto Alegre (estes a partir de 2009)[10].

Com efeito, a evolução institucional e legislativa do controle interno foi acompanhada de amadurecimento científico e conceitual, notadamente a partir da criação do Conselho Nacional de Controle Interno – CONACI, em 2007[11]. Se, inicialmente, era concebido apenas como atividade contábil de verificação de legalidade e regularidade, hoje compreende a execução integrada e transversal de quatro macrofunções: auditoria, corregedoria, ouvidoria e transparência e combate à corrupção[12]. Este é o formato atualmente adotado pela CGU (Decreto n. 9.861/2019) e, salvo pequenas alterações, seguido por boa parte dos entes federativos[13].

Enfim, sob o prisma técnico, e sem o intuito de esgotar todas as peculiaridades do tema em um único conceito, pode-se definir, hoje, controle interno na Administração Pública como:

(...) um processo integrado efetuado pela direção e corpo de funcionários, estruturado para enfrentar os riscos e fornecer razoável segurança de que na consecução da missão da entidade os seguintes objetivos gerais serão alcançados: execução ordenada, ética, econômica, eficiente e eficaz das operações; cumprimento das obrigações de accountability; cumprimento das leis e regulamentos aplicáveis; salvaguarda dos recursos para evitar perdas, mau uso e dano[14].

A análise histórica é relevante para demonstrar que, por ocasião da elaboração e da edição da Lei n. 8.666/93, o sistema de controle interno, enquanto instituto do Direito e da Administração, não estava consolidado no país, seja sob o aspecto científico ou legislativo. Tratava-se, em certa medida, de uma novidade da Constituição recém-promulgada, ainda com um longo caminho a ser percorrido nos níveis legislativo, regulamentar, acadêmico, jurisprudencial e institucional. E esta certamente é uma das razões pelas quais o legislador foi tão econômico ao tratar de controle interno naquele diploma legal.

Deveras, existem apenas duas menções a controle interno na Lei n. 8.666/93. No art. 102, que prevê a obrigatoriedade de “os titulares dos órgãos integrantes do sistema de controle interno de qualquer dos Poderes” ao “verificarem a existência dos crimes definidos nesta Lei”, “remeterem ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia”. E no art. 113, que atribui ao Tribunal de Contas competência de executar o “controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos”, “ficando os órgãos interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de controle interno nela previsto”.

Tais regras, para além de enxutas, seriam até mesmo dispensáveis, uma vez que é inerente à condição de servidor público, seja ou não integrante do sistema de controle interno, representar ao titular da ação penal em caso de suspeita de crime, por força do princípio da moralidade, previsto no caput do art. 37 da Constituição da República [15]. Ademais, a competência fiscalizatória dos Tribunais de Contas e do sistema de controle interno, inclusive em matéria contratual, também já decorre da própria Constituição (artigos 71 e 74).

De toda forma, o fato é que a escassez normativa observada na Lei n. 8.666/93 em relação à matéria acabou por ocasionar uma igualmente escassa abordagem doutrinária sobre controle interno em matéria de licitações e contratos [16]. Mas este cenário, conforme se verá, tende a se alterar com a provável sanção, e posterior publicação, da nova lei.

 

3 – O PAPEL DO CONTROLE INTERNO NO PROJETO DA LEI N. 4.253/2020

A preocupação do Projeto de Lei n. 4.253/2020 com a temática do controle pode ser verificada na previsão de um capítulo específico denominado “do controle das contratações” e de vários dispositivos esparsos que mencionam a figura do controle interno, alçado a órgão determinante para consecução dos objetivos do processo licitatório (art. 11).

Considerando que um dos eixos estruturantes do PL é a profissionalização dos agentes responsáveis pelas contratações públicas[17], o artigo 7° prevê como obrigação dos gestores públicos, aí incluídos os órgãos de controle interno (§2°), a promoção de gestão por competências, designando agentes públicos que possuam qualificação compatível com o cargo a ser exercido, além da necessidade de segregação de funções, prevista como uma das diretrizes do PL, nos termos do art. 5°, inciso II.

Referida determinação objetiva alavancar, na Administração Pública, prática há muito adotada na iniciativa privada, que é a promoção da seleção eficiente dos agentes para cada função, de acordo com suas qualidades e formação, de modo a elevar a qualidade dos serviços e tornar viável a avaliação de desempenho dos agentes públicos.[18]

Outro ponto que merece destaque é a menção ao controle interno como órgão de assessoramento ao administrador público, uma vez que o PL dispõe que os órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno devem apoiar o agente de contratação e equipe de apoio no desempenho de suas funções (art. 8º, §3º) e auxiliar o fiscal do contrato, atuando, neste último caso, de forma a dirimir dúvidas e “subsidiá-lo com informações relevantes para prevenir riscos na execução contratual” (art. 117, §3 º).

Embora o objetivo da previsão seja possibilitar segurança jurídica e garantir que a atuação dos agentes envolvidos nas contratações públicas ocorra da melhor forma possível, assessorada por órgãos capacitados, verificam-se duas questões preocupantes: a primeira delas diz respeito à obscuridade na divisão de competências entre a assessoria jurídica e órgão de controle interno, o que possibilita a sobreposição de funções e, consequentemente, ineficiência da atuação estatal, com a repetição de funções e conflito de manifestações pelos diversos órgãos.[19]

O segundo ponto de controvérsia é a potencial transformação dos órgãos de controle interno em órgãos de assessoramento jurídico, o que pode comprometer essas instituições na sua atuação precípua de órgãos verificadores da atividade estatal, tanto do ponto de vista da independência[20], que, sabe-se, é fundamental às suas atribuições, quanto da perspectiva de sobrecarregar a estrutura atualmente existente com excesso de demandas.

Ainda sobre as atribuições conjuntas dos órgãos de assessoramento jurídico e dos órgãos de controle interno, o PL prevê que referidos órgãos auxiliarão a Administração Pública na padronização de modelos de minutas de editais, de termos de referência, de contratos e de outros documentos (art. 19, IV). Estabelece, ainda, que incumbe aos órgãos de controle orientar as licitantes na implantação de programas de integridade (art. 60, IV e art. 156, V), bem como fiscalizar a observância da ordem cronológica de pagamento, cuja alteração excepcional deve ser justificada e comunicada aos referidos órgão. (art. 141)

Além disso, nos termos do novo normativo, muita embora o orçamento estimado da contratação possa ser sigiloso[21], a exemplo do que já prevê a Lei do RDC - Lei n. 12.432/2011 e Lei das Estatais – Lei n. 13.303/2016, o sigilo não se aplica aos órgãos de controle interno e externo (art. 24, I), que devem possuir acesso irrestrito às informações[22].

Adentrando propriamente no capítulo sobre controle, o Projeto de Lei n. 4.253/2020 determina que as contratações públicas sejam submetidas continuamente a gestão de riscos e controle preventivo, devendo utilizar recursos de tecnologia da informação e se subordinar, além do controle social, às seguintes linhas de defesa:

I – primeira linha de defesa, integrada por servidores e empregados públicos, agentes de licitação e autoridades que atuam na estrutura de governança do órgão ou entidade;

II – segunda linha de defesa, integrada pelas unidades de assessoramento jurídico e de controle interno do próprio órgão ou entidade;

III – terceira linha de defesa, integrada pelo órgão central de controle interno da Administração e pelo tribunal de contas.

Inicialmente, o parágrafo primeiro do dispositivo prevê que a implementação das referidas práticas será de responsabilidade da alta administração do órgão ou entidade, que deverá considerar seus custos e benefícios, objetivando realizar contratações públicas eficazes, eficientes e efetivas.

O modelo das três linhas[23] foi difundido pelo Institute of Internal Auditors (IIA)[24] e pretende melhorar o gerenciamento de riscos e o controle por meio da especificação das funções de cada setor envolvido na atividade da organização[25], evitando, assim, a sobreposição ou lacuna na atuação controle, de modo a possibilitar a delegação de responsabilidades “eficiente e não conflitual” [26] dentro da Administração.

Nesse sentido, o PL prevê os órgãos de controle interno na terceira linha de defesa, tradicionalmente conhecida como linha de auditoria interna, formada, no âmbito da Administração Pública, pela Controladoria Geral da União e controladorias estaduais e municipais (ou equivalentes). A principal atribuição dessa linha de defesa é avaliar de forma independente “a eficácia da governança, do gerenciamento de riscos e dos controles internos, incluindo a forma como a primeira e a segunda linhas de defesa alcançam os objetivos de gerenciamento de riscos e controle”.[27] [28]

Relevante ressaltar que o sucesso do modelo depende fundamentalmente da atuação conjunta e coordenada de todas as linhas, cabendo aos órgãos de controle interno participar ativamente na propositura de melhorias na gestão e fiscalização das contratações públicas. Nesse sentido, relevantes as considerações do Instituto dos Auditores Internos do Brasil:

(...) a independência não implica isolamento. Deve haver interação regular entre a auditoria interna e a gestão, para garantir que o trabalho da auditoria interna seja relevante e esteja alinhado às necessidades estratégicas e operacionais da organização. Em todas as suas atividades, a auditoria interna constrói seu conhecimento e entendimento da organização, o que contribui para a avaliação e assessoria que oferece como conselheira confiável e parceira estratégica. São necessárias colaboração e comunicação entre os papéis de primeira e segunda linha da gestão e auditoria interna, para garantir que não haja duplicação, sobreposição ou lacunas desnecessárias.[29]

Em decorrência da fiscalização exercida, no caso de verificação simples impropriedade formal, os integrantes das linhas de defesa devem adotar medidas de saneamento e mitigação de riscos de nova ocorrência e, na hipótese de verificação de irregularidades que causem dano à Administração Pública, deverão também apurar as infrações e remeter cópia dos autos ao Ministério Público (art. 169, §3°).

O PL prevê, ainda, regras para análise da defesa apresentada nos processos de fiscalização, ressaltando que o exame seja imparcial e tecnicamente embasado, observados os critérios de oportunidade, materialidade, relevância e risco (artigos 170 e 171). Além disso, reproduz norma da Lei n. 8.666/93 (art. 113) acima mencionada, ao tratar da possibilidade de representação de irregularidade aos órgãos de controle interno ou externo (170, §4°).

Por fim, dentre as disposições relacionadas ao controle interno no PL n. 4.253/2020, talvez a que tenha gerado maior controvérsia seja a que pretende vincular os órgãos de controle às súmulas do Tribunal de Contas da União – TCU. Prevista no art. 172, dispõe que os órgãos de controle devem “orientar-se pelos enunciados das súmulas do Tribunal de Contas da União relativos à aplicação desta Lei”, com o objetivo de “garantir uniformidade de entendimentos e a propiciar segurança jurídica aos interessados” [30].

A telos do dispositivo é louvável. De fato, a segurança jurídica é corolário do Estado Democrático de Direito[31] e deve iluminar a atuação dos órgãos de controle e gestores públicos, como forma de proteger a confiança legítima dos administrados[32]. A própria Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro dedicou especial atenção ao tema, notadamente após as alterações efetivadas pela Lei n. 13.655/2018. [33]

No mesmo sentido, ainda em 1999, a Lei n. 9.784 consagrara, expressamente, o princípio da segurança jurídica no Âmbito da Administração Pública Federal[34], especialmente em sede de processo administrativo. Igualmente, no âmbito do Poder Judiciário, a questão da isonomia na jurisprudência, como reflexo da segurança jurídica, teve especial atenção do legislador no Novo Código de Processo Civil [35].

Sem embargo da nobre intenção, o dispositivo do PL peca pela abrangência. Com efeito, a expressão “órgãos de controle”, por ser demais genérica, acaba por abarcar órgãos de controle interno (controladorias e congêneres) e externo (Tribunais de Contas) do país (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), vinculando-os, todos, independentemente da natureza e da esfera da federação, aos enunciados sumulares TCU. E isso tem levado a questionamentos quanto à sua constitucionalidade, notadamente a partir dos princípios do pacto federativo e da separação de poderes (artigos 1º e 2º) e da ausência de subordinação entre órgãos de controle externo e interno (art. 71 e 75).

Deveras, diferentemente do que ocorre com o Supremo Tribunal Federal, inexiste autorização constitucional para edição de súmulas vinculantes por parte do TCU (art. 103-A). Ademais, inexiste subordinação hierárquica ou jurisdicional entre o TCU e os Tribunais de Contas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Tais órgãos não compõem um sistema jurisdicional único como ocorre com o Poder Judiciário, em que os Tribunais Superiores, vinculados estruturalmente à União, possuem proeminência, pelo menos em matéria jurisprudencial, relativamente aos dos Estados.

Na verdade, cada Corte de Contas possui suas próprias competências administrativas e fiscalizatórias, em regra determinadas pela origem federativa do recurso, não subordinadas ou superpostas, nos exatos termos do que dispõem os artigos 71 e 75, parágrafo único, da Constituição [36].

Mas o texto do PL, sem respaldo constitucional, outorga “competência normativa anômala ao Tribunal de Contas da União, a ser materializada por meio de enunciados abstratos apriorísticos”. O TCU, assim, emerge, como a grande e principal “fonte produtora de normas em matéria de licitações e contratos, não havendo sequer delimitação da força vinculativa das súmulas à lógica da cisão entre ‘normas gerais’ e ‘normas específicas’”. Bem por isso, tem se sustentado, em âmbito doutrinário, que a “previsão é inconstitucional e merece ser objeto de veto”[37].

Além disso, há a questão da (in) constitucionalidade da subordinação entre os órgãos de controle externo e interno. Neste particular, a análise deve se dar a partir do art. 74 da Constituição da República, o qual confere “autonomia de atuação dos órgãos de controle interno que, muito embora devam auxiliar o controle externo, possuem espaço próprio de atuação exercido, em regra, ex ante[38][39]. A questão que se coloca, portanto, é definir se a competência de “apoiar o controle externo no exercício de sua missão constitucional” (art. 74, inciso IV) permite ou não a submissão automática dos órgãos de controle interno às súmulas dos Tribunais de Contas.

A discussão sobre a (in) existência de vinculação entre os órgãos de controle externo e interno, aliás, não é nova. O Projeto de Lei n. 4.064/89, que deu origem à lei orgânica do TCU, já dispunha que “no apoio ao controle externo, os órgãos integrantes do sistema de controle interno deverão”, “organizar e executar, por iniciativa própria ou por determinação do Tribunal de Contas da União, programação trimestral de auditorias contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial nas unidades administrativas sob seu controle”. [40]

O dispositivo, porém, foi considerado inconstitucional e vetado pela Presidência da República, ao fundamento de que:

A expressão “por determinação do Tribunal de Contas da União”, como colocada, dá a entender claramente que os Sistemas de Controle Interno dos três poderes ficarão expostos a uma hierarquia (do TCU) indevida quanto às prerrogativas dos Poderes de planejar, programar e executar as atividades que lhe são afetas, estabelecidas na lei maior. Ademais, o sentido intrínseco do referido inciso fere, a meu ver, a indispensável garantia de independência entre os Poderes da União.

(...)

Cabe lembrar, por fim, que é finalidade dos Sistemas de Controle Interno dos três Poderes, dentre outras, apoiar o Controle Externo em sua missão institucional. Apoiar, no entanto, tem o sentido de auxílio mútuo, não o de cumprimento de determinações.

Realmente, a Constituição da República prevê que cada um dos Poderes manterá seu próprio sistema de controle interno (art. 74, caput), do que decorre a sua interna corporis. Isso, naturalmente, não prejudica o exercício da competência de apoiar o controle externo, a título de colaboração, orientação, salvaguarda e prevenção, mas não de hierarquia (art. 74, inciso IV). Ademais, os integrantes de ambos os sistemas de controle (interno e externo) são dotados de independência funcional e técnica[41].

É certo que o parágrafo único do art. 172 permite a divergência dos órgãos de controle em relação às súmulas do TCU desde que haja “motivos relevantes devidamente justificados”. Embora a disposição de certa forma amenize a inconstitucionalidade do caput, o fato é que as súmulas do TCU não possuem efeito vinculante e, portanto, não há razão jurídica para se obrigar os controladores a justificarem, no caso concreto, o seu afastamento.

É, de fato, recomendável que os tais agentes analisem, em suas manifestações, não só as súmulas do TCU, mas também os entendimentos dos demais Tribunais de Contas do país, dos órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e da doutrina. Mas daí não decorre que o legislador possa eleger uma destas fontes (todas secundárias) como prioritária e obrigar o controlador a, em regra, segui-la, em detrimento das demais, exceto em casos devidamente justificados [42].

O essencial, na verdade, é que os casos sejam analisados de acordo com as especificidades concretas, levando-se em consideração, inclusive, os obstáculos e as dificuldades reais do gestor, em obediência ao art. 22 da LINDB [43], sem que isso, necessariamente, deva levar à aplicação de súmulas deste ou daquele tribunal.

 

4 - CONCLUSÃO

O Projeto de Lei n. 4.253/2020, definitivamente, representa um avanço em matéria de participação do controle interno na gestão e fiscalização das contratações públicas. Esse prestígio conferido pelo legislador deve ser visto com bons olhos e até mesmo comemorado por aqueles que vêm se esforçando nas últimas décadas para a consolidação institucional definitiva do sistema de controle interno nos diversos órgãos e entidades públicas do país.

Mas nem tudo são flores. A nova lei, acaso sancionada e publicada nesses termos, deverá ser interpretada sob a luz do princípio da eficiência (art. 37, caput, da Constituição da República), com especial atenção ao rol de competências constitucionalmente atribuídas aos órgãos de controle e às boas práticas de gestão de riscos e fiscalização. Somente assim, será possível evitar a sobreposição de funções e prestigiar a independência dos órgãos de controle interno.

É ainda mais preocupante a previsão do art. 172, que, ao vincular os órgãos de controle, indistintamente, às Súmulas do TCU, revela-se inconstitucional, notadamente por afrontar os princípios do pacto federativo e da separação de poderes (artigos 1º e 2º da Constituição da República). A disposição merece ser vetada, mas, caso não o seja, haverá de ser interpretada conforme a Constituição, de modo a restringir a sua abrangência à esfera federal e, ainda, garantir a independência funcional e técnica dos controladores internos, sem prejuízo da sua competência constitucional de prestar apoio, a título de colaboração, ao controle externo.

 

4 - REFERÊNCIAS

 

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SUZART, Janilson Antonio da Silva; MARCELINO, Carolina Venturini; ROCHA, Joseilton Silveira da. As instituições brasileiras de controladoria pública –  teoria versus prática. Journal of accounting management and governance, Vol 14, No 1 (2011) Disponível em: https://www.revistacgg.org/contabil/article/view/265/pdf_150. Acesso em: 3 mar. 2021.

 

 



[1] Ver artigos 191 e 193 do Projeto de Lei n. 4.253/2020.

 

[2] Ronald da Silva Balbe esclarece que, conquanto existissem alguns sinais de atividade de controle no Brasil ainda no período colonial, somente a crescente diminuição dos tesouros enviados da Colônia, cresceu a necessidade de aumentar a fiscalização da arrecadação de impostos. Já a partir do Século XIX, com a transferência da Corte portuguesa para o Brasil, foram adotadas diversas medidas para a organização financeira, tais como o Alvará Real, de 28 de junho de 1808, criando o Erário Régio, organismo encarregado de guardar os tesouros reais, e o Conselho da Fazenda, responsável pelo controle dos gastos públicos. O Ministério da Fazenda, por sua vez, somente veio a ser instituído em 1821. Após a Proclamação da Independência, em 1831, foi instituído o Tribunal do Tesouro Público Nacional e, após a Proclamação da República, em 1890, foi criado o Tribunal de Contas com atribuições de exame, revisão e julgamento das operações concernentes à receita e despesa da República. Já na Era Vargas, a Constituição de 34 previu a obrigatoriedade de o Ministro da Fazenda apresentar, anualmente, ao Presidente da República, o balanço definitivo da receita e despesa e despesa do último exercício e o Decreto Lei n. 579/39 criou o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) incumbido de organizar a proposta orçamentária e fiscalizar a execução do orçamento. (BALBE, Ronald da Silva. Controle Interno e Foco nos resultados. Fórum: Belo Horizonte, 2013. p. 99/101)

[3] “Desse modo, como sobredito, a noção de sistema traz implícita uma exigência de organicidade, de forma que em razão do progressivo aumento da complexidade da atuação estatal trouxe consigo a necessidade da instituição de um corpo estatal centralizado responsável pela uniformização, padronização, articulação e coordenação das ações relacionadas à atuação do sistema de controle interno, apartado do aparato que executa as ações governamentais finalísticas. Essa dinâmica autoriza que se conceba o modelo a partir de uma lógica, ainda que não binária, de segregação das funções de autocontrole sob a perspectiva externa (controle propriamente dito) e interna (executado no âmbito da gestão)”. (FERRAZ, Leonardo de Araújo; PAULA, Virgílio Queiroz de. Apontamentos sobre o modelo de organização e abrangência do Controle Interno no Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico. In: FORTINI, Cristiana; SALAZAR, Gabriela; MASSARA, Luiz Henrique Nery; CAMPOS, Marcelo Hugo de Oliveira. (orgs). Novo Marco Legal do Saneamento Básico: aspectos administrativos, ambientais, regulatórios e tributários. Belo Horizonte: D’Plácido, 2021. p. 296).

[4] FERRAZ, Luciano; GODOI, Marciano Seabra; SPAGNOL, Werther Botelho. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 169.

[5] Neste sentido, vide, no âmbito do TCE/MG: Consultas n. 683720 e 653889.

[6] Isto não significa, porém, que inexistissem, antes da Constituição da República de 1988, órgãos públicos, não necessariamente centrais e desvinculados de outros ministérios e secretarias, com funções típicas de auditoria. Verificou-se, desde a edição da Lei n. 4.320/64, “o surgimento de unidades orgânicas especializadas com o objetivo de auditar/inspecionar as contas públicas e de um corpo técnico especializado de auditores internos, a exemplo da AGE/BA” (FERRAZ, Leonardo de Araújo; PAULA, Virgílio Queiroz de. Apontamentos sobre o modelo de organização e abrangência do Controle Interno no Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico. In: FORTINI, Cristiana; SALAZAR, Gabriela; MASSARA, Luiz Henrique Nery; CAMPOS, Marcelo Hugo de Oliveira. (orgs). Novo Marco Legal do Saneamento Básico. Belo Horizonte: D’Plácido, 2021.p. 295).

[7] SUZART, Janilson Antonio da Silva; MARCELINO, Carolina Venturini; ROCHA, Joseilton Silveira da. As instituições brasileiras de controladoria pública –  teoria versus prática. Journal of accounting management and governance, Vol 14, No 1 (2011). Disponível em: https://www.revistacgg.org/contabil/article/view/265/pdf_150. Acesso em: 3 mar. 2021.

[8] O Plenário do TCU, por meio da Decisão n. 507/2001, recomendou à Casa Civil da Presidência da República que promovesse estudos técnicos no sentido de avaliar a conveniência e oportunidade de reposicionamento hierárquico da Secretaria Federal de Controle Interno (SFC) junto ao órgão máximo do Poder Executivo, retirando-a do Ministério da Fazenda, de modo a lhe conferir maior grau de independência funcional e maior eficiência no desempenho das competências definidas no art. 74 da Constituição Federal.

[9] SUZART, Janilson Antonio da Silva; MARCELINO, Carolina Venturini; ROCHA, Joseilton Silveira da. As instituições brasileiras de controladoria pública –  teoria versus prática. Journal of accounting management and governance, Vol 14, No 1 (2011) Disponível em: https://www.revistacgg.org/contabil/article/view/265/pdf_150. Acesso em: 3 mar. 2021.

[10] CRUZ, Maria do Carmo Meirelles Toledo; SPINELLI, Mário Vinícius Claussen; SILVA, Thomaz Anderson Barbosa; CARVALHO, Marco Antônio Teixeira. Controle Interno em Municípios Brasileiros: uma análise das Controladorias-Gerais dos Municípios diante do modelo da Controladoria-Geral Da União. Revista de Gestión Pública. 2014. Disponível em: https://revistas.uv.cl/index.php/rgp/article/view/2244. Acesso em: 3 de mar. de 2021

[11] Segundo o art. 1º do Estatuto, o Conselho Nacional dos Órgãos de Controle Interno dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios das Capitais – CONACI, criado no VII Encontro do Fórum Nacional dos Órgãos de Controle Interno dos Estados Brasileiros e do Distrito Federal, realizado em Brasília-DF, no dia 06 de julho de 2007, sob a denominação de Conselho Nacional dos Órgãos de Controle Interno dos Estados Brasileiros e do Distrito Federal, posteriormente denominado Conselho Nacional dos Órgãos de Controle Interno dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios das Capitais, no VI Encontro do CONACI, realizado em Florianópolis no dia 24 de novembro de 2010, passa a denominar-se Conselho Nacional de Controle Interno no VII Encontro Nacional realizado nos dias 17,18 e 19 de agosto de 2011, em Brasília-DF, é uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, devendo reger-se por este Estatuto e por suas próprias deliberações.

[12] CONACI. Diretrizes para o Controle Interno no Setor Público. 2010. Disponível em: file:///C:/Users/DELL/AppData/Local/Temp/Diretrizes%20para%20Controle%20Interno%20no%20Setor%20Publico%20-%20CONACI.pdf. Acesso em: 4 mar. de 2021.

[13] Vide, como exemplo: Distrito Federal (Decreto n. 39.610/2019) e Município de Belo Horizonte (Decreto n. 16.738/2017).

[14] INTOSAI, Diretrizes para as Normas de Controle Interno do Setor Público.  2007.  Disponível em: https://www.tce.ba.gov.br/images/intosai_diretrizes_p_controle_interno.pdf. Acesso em: 3 mar. 2021.

[15] “O dispositivo seria desnecessário, pois expressa um princípio inerente à atividade desenvolvida por servidores públicos. O dever exposto no art. 102 recai não apenas sobre as pessoas ali indicadas. Não é necessária comprovação da existência de crime. Basta a presença de indícios. Caberá ao Ministério Público definir se a documentação é suficiente para promover a denúncia ou se será necessária maior investigação sobre os fatos.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 16ª edição, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 1.187)

[16] Antes mesmo da edição da Lei n. 8.666/93, Odete Medauar já observava que os sistemas de controle interno, embora “pouco valorizados pela doutrina e pela administração, poderiam transformar-se em meio de aprimoramento constante da atividade administrativa”. (MEDAUAR, Odete. Controles internos da administração pública. Revista da Faculdade de Direito, Universidade De São Paulo, 84(84-85), 39-55. 1990. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67131. Acesso em: 3 mar. 2021)

[17] Sobre a aplicação do dispositivo, necessário ressaltar que “esse olhar para a profissionalização dos recursos humanos, apesar de estar alinhado a boas práticas nacionais e internacionais, ainda está distante da realidade municipal, sobretudo de cidades interioranas, em que o corpo profissional é, muitas vezes, desprovido do devido preparo técnico. Logo, para aprimorar o agir administrativo e, assim, impulsionar a boa administração pública em todas as esferas, haverá a necessidade de um olhar especial para os entes federativos locais, para que os fins principiológicos do PL sejam de fato atingidos.” (FORTINI, Cristiana; AMORIM, Rafael Amorim de. Um novo olhar para a futura lei de licitações e contratos administrativos: a floresta além das árvores. 2021. Disponível em:  http://www.licitacaoecontrato.com.br/artigo_detalhe.html. Acesso em: 3 mar 2021)

[18] JUSTEN FILHO, Marçal. Nova Lei de Licitações e Reforma Administrativa. 2021. Disponível em:  https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/nova-lei-de-licitacoes-e-reforma-administrativa-16022021. Acesso em: 3 mar 2021.

[19] O papel de consultoria de controle interno não substitui o necessário assessoramento jurídico da entidade consulente. Conforme consta no Manual de Orientações da Controladoria Geral da União - CGU, “a avaliação e a consultoria são as duas vertentes típicas da atividade de auditoria interna” sendo que “o serviço de consultoria é uma atividade de auditoria interna governamental que consiste em assessoramento, aconselhamento e outros serviços relacionados fornecidos à alta administração com a finalidade de respaldar as operações da unidade”. A grande marca distintiva dos serviços de consultoria de controle interno consiste no fato de que estes “não se destinam a responder questionamentos que ensejem pedidos de autorização ou de aprovação, como ‘posso fazer?’ e ‘sim ou não?’. O objetivo é esclarecer ao gestor, diante de determinada situação, quais são as “opções”, “alternativas” e “medidas de aprimoramento” disponíveis e, em tese, viáveis sob o prisma do controle interno, bem como, e principalmente, os “padrões de controle” e “os riscos e as implicações” que lhe são inerentes. (BRASIL. Controladoria Geral da União. Manual de Orientações Técnicas da Atividade de Auditoria Interna Governamental do Poder Executivo Federal. 2017. Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/auditoria-e-fiscalizacao/arquivos/manual-de-orientacoes-tecnicas-1.pdf. Acesso em: 6 mar. 2021)

[20] “A independência da auditoria interna é protegida ao não tomar decisões ou ações que façam parte das responsabilidades da gestão (incluindo o gerenciamento de riscos) e ao se recusar de avaliar as atividades pelas quais a auditoria interna tem responsabilidade atual ou recente.” (INSTITUTO DOS AUDITORES INTERNOS DO BRASIL. Modelo das Três Linhas do IIA 2020. Disponível em:  https://iiabrasil.org.br/korbilload/upl/editorHTML/uploadDireto/20200758glob-th-editorHTML-00000013-20072020131817.pdf. Acesso em: 4 mar. 2021)

[21] Sobre o orçamento sigiloso, “o art. 18, inciso IV, obriga a Administração licitante a elaborar na fase preparatória do certame o orçamento estimado com a composição dos preços utilizados para a sua formação. Entretanto, tal orçamento poderá, mediante justificativa da autoridade contratante, ser mantido em sigilo até que se finalize a fase de julgamento das propostas (art. 24). (...) Essa é uma relevante ferramenta para a Administração, pois a depender do mercado, a divulgação do orçamento estimado no momento da licitação acarreta o efeito âncora, elevando os preços das propostas ao mais próximo possível do valor máximo admitido pela Administração.” (OLIVEIRA, Rafael Sérgio de. 10 tópicos mais relevantes do projeto da nova Lei de Licitação e Contrato. 2020. Disponível em:  http://www.novaleilicitacao.com.br/2020/12/18/10-topicos-mais-relevantes-do-projeto-da-nova-lei-de-licitacao-e-contrato/. Acesso em: 3 mar 2021)

[22] No mesmo sentido, para possibilitar a atuação dos órgãos de controle, o §2° do art. 169 do PL prevê que estes devem ter acesso aos documentos e informações necessárias, com a previsão de que o órgão se tornará corresponsável para manutenção do sigilo das informações compartilhadas classificadas como de acesso restrito nos termos da Lei de Acesso à Informação – Lei 12.527/2011.

[23] A nomenclatura do modelo inicialmente prevista, “três linhas de defesa”, foi alterada em 2020 para “modelo das três linhas”. Nesse sentido, ver: INSTITUTO DOS AUDITORES INTERNOS DO BRASIL. Modelo das Três Linhas do IIA 2020. Disponível em:  https://iiabrasil.org.br/korbilload/upl/editorHTML/uploadDireto/20200758glob-th-editorHTML-00000013-20072020131817.pdf. Acesso em: 4 mar. 2021.

[24] Fundado em 1941, o Institute of Internal Auditors (IIA) é uma associação profissional internacional com sede global em Lake Mary, Flórida, EUA.

[25]O Modelo de Três Linhas ajuda as organizações a identificar estruturas e processos que melhor auxiliam no atingimento dos objetivos e facilitam uma forte governança e gerenciamento de riscos. O modelo é aplicável a todas as organizações e é otimizado por: ▪ Adotar uma abordagem baseada em princípios e adaptar o modelo para atender aos objetivos e circunstâncias organizacionais. ▪ Focar na contribuição que o gerenciamento de riscos oferece para atingir objetivos e criar valor, bem como questões de “defesa” e proteção de valor. ▪ Compreender claramente os papéis e responsabilidades representados no modelo e os relacionamentos entre eles. ▪ Implantar medidas para garantir que as atividades e os objetivos estejam alinhados com os interesses priorizados dos stakeholders.” (INSTITUTO DOS AUDITORES INTERNOS DO BRASIL. Modelo das Três Linhas do IIA 2020. Disponível em:  https://iiabrasil.org.br/korbilload/upl/editorHTML/uploadDireto/20200758glob-th-editorHTML-00000013-20072020131817.pdf. Acesso em: 4 mar. 2021)

[26] CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de; ZILIOTTO, Mirela Miró. O que é um programa de compliance e como se adequar às novas exigências. In: CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de; ZILIOTTO, Mirela Miró. Compliance Nas Contratações Públicas: Exigência e Critérios Normativos. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 129.

[27] INSTITUTO DOS AUDITORES INTERNOS DO BRASIL. Declaração de posicionamento do IIA: as três linhas de defesa no gerenciamento eficaz de riscos e controles. 2013. Disponível em: https://global.theiia.org/translations/PublicDocuments/PP%20The%20Three%20Lines%20of%20Defense%20in%20Effective%20Risk%20Management%20and%20Control%20Portuguese.pdf. Acesso em: 3 mar. 2021.

[28] No modelo das três linhas, originalmente tratado do ponto de vista da auditoria interna, não havia menção aos órgãos de controle externo na terceira linha. Ao adaptar o modelo, o PL enquadrou o controle externo na terceira linha de defesa, ao lado do controle interno. Todavia, considerando-se a distinção de atuação de ambos, tecnicamente, seria mais adequado enquadrar o controle externo na quarta linha.

[29] INSTITUTO DOS AUDITORES INTERNOS DO BRASIL. Modelo das Três Linhas do IIA 2020. Disponível em: https://iiabrasil.org.br/korbilload/upl/editorHTML/uploadDireto/20200758glob-th-editorHTML-00000013-20072020131817.pdf. Acesso em: 4 mar. 2021

[30] A Comissão Diretora do Senado tentou, inoportunamente, alterar o conteúdo desta regra já na fase de redação final do PL, após aprovação em Plenário. Na primeira versão do Parecer n. 10/2021, disponibilizada em 19/02/2021, a expressão “órgãos de controle” havia sido substituída por “órgãos de controle da Administração Pública direta, autárquica e fundacional federal”. O intento era o de excluir do alcance da regra os Tribunais de Contas e os órgãos de controle interno dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Após críticas, porém, a Comissão Diretora republicou o Parecer n. 10/2021, retornando à redação originalmente provada pelo Plenário. Sobre as críticas à alteração inicial, ver: NIEHBUR, Joel de Menezes. O que está acontecendo com o projeto da nova Lei de Licitações? 2021. Disponível em:  https://www.zenite.blog.br/o-que-esta-acontecendo-com-o-projeto-da-nova-lei-de-licitacoes/. Acesso em: 6 de mar. de 2021.

[31] O princípio da segurança jurídica é normalmente deduzido do Estado de Direito, que “não apenas é associado com a universalidade e com a não-arbitrariedade do Direito, mas também com a exigência de que a atuação estatal seja governada por regras gerais, claras, conhecidas, relativamente constantes no tempo, prospectivas e não-contraditórias. Um Estado de Direito caracteriza-se igualmente pelo ideal de protetividade de direitos e de responsabilidade estatal, somente atingido por meio de um ordenamento inteligível, confiável e previsível: a atividade estatal não é fundada pelo direito se os poderes e se os procedimentos não são previstos; estáveis e controláveis (segurança do direito); ainda, os direitos fundamentais não são minimamente efetivados se o cidadão não sabe previamente dentro de que limites pode exercer plenamente a sua liberdade (segurança de direitos) e se não há instrumentos que possam assegurar as suas expectativas (segurança pelo Direito) e atribuir-lhes eficácia no caso de restrições injustificadas (segurança frente ao Direito). Se o Estado de Direito é a proteção do indivíduo contra a arbitrariedade, somente um ordenamento acessível e compreensível pode desempenhar essa função.” (ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização do direito tributário. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012. p. 213). 

[32] FERRAZ, Luciano. Segurança jurídica positivada: interpretação, decadência e prescritibilidade. 2010. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/codrevista.asp?cod=457. Acesso em: 4 mar. 2021.

[33] Vide artigos 23 e 24.

[34] O Superior Tribunal de Justiça admite a aplicação, por analogia integrativa, da Lei Federal n. 9.784/1999, aos Estados e Municípios, quando ausente norma específica, não obstante a autonomia legislativa destes para regular a matéria em seus territórios. (MS 18.338/DF, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 21/06/2017).

[35] Vide os artigos 926 e 927.

[36] A PEC n. 188/2019, conhecida como PEC do Pacto Federativo, pretende inserir o inciso XII ao art. 71, conferindo ao Tribunal de Contas competência para “consolidar a interpretação das leis complementares de que tratam os arts. 163, 165, § 9°, e 169, por meio de Orientações Normativas que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terão efeito vinculante em relação aos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, aos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”. Sobre a análise de constitucionalidade da disposição em face do princípio federativo, ver: SCAFF, Fernando Facury; BATISTA JÚNIOR, Onofre. PEC 188 quer transformar TCU em um tribunal de contas da federação. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mar-05/opiniao-pec-188-transformar-tcu-tribunal-contas-federacao. Acesso em: 3 mar. 2021.

[37] MOTTA, Fabrício; AMORIM, Victor. O 171 que deve ser evitado na nova Lei de Licitações. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-dez-17/interesse-publico-171-evitado-lei-licitacoes. Acesso em: 4 mar. 2021.

[38] Idem.

[39] Sobre a impossibilidade de intromissão direta do Poder Legislativo em matéria de competência do Controle Interno, vide, no âmbito do Tribunal de Contas de Minas Gerais, a Consulta n. 780508.

[40] Regra semelhante é prevista na Lei Orgânica do Tribunal de Contas de Santa Catarina (LC 202/2000): “Art. 61. No apoio ao controle externo, os órgãos integrantes do sistema de controle interno deverão exercer, dentre outras, as seguintes atividades: I – organizar e executar, por iniciativa própria ou por determinação do Tribunal de Contas do Estado, programação de auditorias contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial nas unidades administrativas sob seu controle, enviando ao Tribunal os respectivos relatórios;”. O dispositivo, porém, foi posteriormente alterado pela LC n. 666/2015, excluindo-se a previsão “por determinação do Tribunal de Contas do Estado”. A referida lei complementar, todavia, teve sua eficácia suspensa neste ponto pelo STF na ADI 5.4.53 (rel. Min. Marco Aurélio), voltando a viger a redação originária (LC 202/2000). Diante disso, o dispositivo foi atacado na ADI n. 5.705 (rel. Min. Marco Aurélio), que ainda está pendente de julgamento de mérito. O parecer da PGR, no mérito, é pela procedência do pedido.

[41] CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de. Ensaio Avançado de controle interno: profissionalização e responsividade. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 166 e 176/177.

[42] A bem da verdade, ainda em 1995, o próprio TCU já havia atribuído a si mesmo, sem respaldo constitucional, função normativa, ao editar a Súmula 222, segundo a qual “as Decisões do Tribunal de Contas da União, relativas à aplicação de normas gerais de licitação, sobre as quais cabe privativamente à União legislar, devem ser acatadas pelos administradores dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. Por outro lado, a jurisprudência do TCU vacila ao definir se o parecerista deve ou não ser responsabilizado quando deixa de seguir jurisprudência pacificada do TCU. Vide, a propósito, o Acórdão n. 13.375/2020, pela responsabilização, e os Acórdãos n. 1.591/2011, 798/2008 e 296/2005, pela não responsabilização.

[43] “Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.”