O Sistema ETP digital do Governo Federal

 

A ausência de planejamento, fase preliminar do processo de contratação pública, apresenta-se, ainda, como uma patologia instalada nesse sistema, transformando os órgãos e instituições em celeiro fértil para geração de prejuízos colossais para a Administração Pública e, consequentemente, para o patrimônio público. Esse território ainda é marcado por grande desconhecimento e, mesmo, falta de decisão estratégica ou de intenção por parte da gestão e, portanto, é urgente a necessidade de implantação de medidas de correção dessa disfunção para que se tenha uma Administração Pública eficiente e geradora de benefícios no trato do fluxo e uso de seus dispêndios.

São inúmeras as razões atribuídas à má gestão das contratações públicas, objeto que não cabe tratar agora. Contudo, destaca-se como a principal, o silêncio que permeia a Lei de Licitações quando se trata dessa etapa preliminar, o planejamento, aliado ao fato de que a Lei não descreve, de forma detalhada, quais os documentos, elementos e informações que devem ser gerados e descritos e, tampouco, orienta-se como elaborá-los e segui-los como norteadores do processo.

Nos últimos anos, proliferou-se um vasto conjunto de normativos de licitações e contratos enfatizando a etapa do planejamento, sua importância e benefício para a Administração Pública, e destacando os documentos que o compõe: Plano Anual de Contratações, Estudo Técnico Preliminar, Análise de Risco e Termo de Referência/Projeto Básico.

A propósito, nesse amplo campo, o Governo Federal publicou a Instrução Normativa nº 40, a qual dispõe sobre a elaboração, especificamente, dos Estudos Técnicos Preliminares - ETP para a aquisição de bens e a contratação de serviços e obras no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, e sobre o mesmo ETP por meio digital.

É consabido que a elaboração desse documento é essencial, pois tem o propósito de identificar e analisar, minuciosamente, a projeção das demandas da unidade administrativa ao realizar o seu planejamento estratégico e o Plano Anual de Contratação, buscando evidenciar possíveis problemas a serem resolvidos e suas respectivas soluções possíveis, subsidiando, assim, o processo de contratações em curso.

Notadamente, o ETP assume função estratégica na engrenagem das contratações públicas, pois pavimenta o caminho para o atendimento correto e assertivo da demanda ao avaliar os cenários projetados e comprovar a viabilidade técnica e econômica das soluções disponíveis.

Para dar efetividade a esta fase, recentemente, o governo federal também disponibilizou uma nova ferramenta no sistema Comprasnet, qual seja: o Sistema de ETP Digital, de uso obrigatório pelos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Serviços Gerais (Sisg), isto é, pela Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, sendo que outros órgãos e entidades não integrantes do Sisg, interessados em suas funcionalidades, poderão utilizá-lo com uma simples medida: formalizarem o termo de acesso com o Governo Federal (https://www.comprasgovernamentais.gov.br/index.php/sisg/termo-de-acesso-siasg-passo-a-passo).

Vale registrar que o ETP, elaborado no próprio sistema pelos órgãos e entidades do Sisg, é condição obrigatória para publicação do edital no Comprasnet, o que importa em dizer que o sistema ficará fechado para realização de contratações e aquisições até que se execute esta etapa. Nesse sentido, foi disponibilizado, no comprasnet, manual com o passo a passo para elaboração do ETP no sistema: https://www.comprasgovernamentais.gov.br/index.php/manual-etp-digital.

Não resta dúvidas de que o sistema de ETP é efetivo em oferecer dados de alcance nacional para apoiar os gestores na análise das demandas equivalentes em seus órgãos, podendo, inclusive, importá-los para sua área de trabalho como ponto de partida para suas análises e edições.

Com efeito, há que se ter cuidado para que essa ferramenta não sirva, apenas, para dar ares de legalidade a uma contratação, com a reprodução de ETPs pelas unidades administrativas, ou elaboração de documento desalinhado com a demanda ou realidade do órgão, prática que, mesmo indecorosa e obviamente absurda, já se faz presente na condução dos processos de contratação pública de alguns órgãos.

Sobre essa temática, o Tribunal de Contas da União – TCU, Acórdão nº 2037/2019 – Plenário, identificou irregularidades relacionadas à pro formalidade na elaboração do ETP, o qual, inclusive, vem sendo produzido após o Termo de Referência, o que desmonta toda a lógica do sistema de contratações públicas.

De acordo com o TCU, os processos de planejamento, quando continham os artefatos exigidos na instrução normativa supracitada, como o Documento de Oficialização de Demanda (DOD), o Estudo Técnico Preliminar (ETP) e o Termo de Referência (TR), haviam sido elaborados de maneira pró forma, isto é, o planejamento da contratação não havia ocorrido de fato.

Nessa esteira, por exemplo, o TR, último artefato que compõe a fase de planejamento, foi o primeiro documento produzido, o que leva a concluir que o órgão já tinha definido a solução que pretendia adquirir e, ainda, a ata de registro de preços que pretendia aderir sem, contudo, efetuar análise de suas necessidades de negócio e das possíveis soluções existentes no mercado e no portal de software público que poderiam atendê-lo de forma satisfatória.

Conclui-se, enfim, que os novos normativos de licitações e contratos vêm confirmar e legitimar, ainda mais, a demanda por mudanças no sistema e modelagens das contratações públicas, pois destacam a relevância do planejamento consistente e estabelecem as medidas a serem adotadas, como a utilização precípua dessa etapa para uma contratação adequada e eficiente. Por seu turno, a iniciativa do Governo Federal, ao implantar o Sistema de ETP Digital, tem propósito objetivo e transparente de evitar o desperdício decorrente da corrupção e ineficiência, mas não deve servir apenas de adorno para forjar uma fase fundamental do processo de contratação pública.