Catálogos e controle social: Uma discussão para as aquisições em tempos de COVID-19

 

Imagine que você é professor de um curso de Administração em uma universidade, e em meio a busca de atividades com seus bolsistas de extensão, no contexto da quarentena,  tenha uma brilhante ideia e peça a eles que busquem nos diversos portais e fontes de dados abertos, as contratações dos diversos entes (União, Estados e Municípios), buscando identificar os preços praticados pelos insumos mais necessários as estratégias de combate a pandemia, como aventais, luvas, máscaras, álcool em gel, macas, entre outros. 

Após definir a tarefa, você pensa em puxar uma discussão sobre a flutuabilidade de preços no período de crise, dos carteis, da pirataria, e cogita até convidar um amigo economista para enriquecer mais uma “Live” dessas de quarentena, agora com seus alunos. Seria uma chamada: “mercados aflitivos em tempos de crise”. Mas, essa empolgação durou pouco...

Ao consultar o grupo no aplicativo de mensagens dos alunos de extensão, você se surpreende ao ver que o mote da polêmica é outro. Os alunos descobrem que os mesmos itens possuem múltiplas descrições, e que eles têm grande dificuldade de comparar os preços entre si, para encontrar os valores, médias, medianas e identificar indícios de superfaturamento. Aquele controle social tão qualificado e motivado, esbarra agora nas dificuldades de padronização e catalogação de insumos de saúde.

Relatam os alunos que são diversos tipos de máscaras, aventais, macas, e que essa falta de padronização dificulta a percepção de preços. Uma máscara de pano difere de outra que usa elástico como seu tirante. Um cenário real, que se torna mais complexo quando o volume de compras é muito grande, e pequenas diferenças de preço geram ganhos ou prejuízos enormes.

Essa pequena história introdutória de nossa coluna de hoje busca trazer as dificuldades com as quais o controle social se defronta, seja ele exercido pela imprensa, por ONGs ou por um despretensioso cidadão, diante de situações como a da Covid-19, cuja emergência sanitária envolve a aquisição de insumos de forma emergencial, insumos esses que padecem de problemas de padronização.

Sim, é verdade, a flutuação do preço em função da demanda atípica é um fator a se considerar no exercício desse controle social. Mas, o tópico aqui é anterior. Se não tenho um mínimo de padronização, uma linguagem similar, como comparar essas aquisições para exercer o controle social? De que adianta tanta transparência, se tenho dificuldades em dar conta do principal risco nessas aquisições, que é o superfaturamento?

É fato que essa agenda tem caminhado a passos largos na última década. Temos excelentes instrumentos disponibilizados pelo governo em relação a Covid-19 que nos ajudam nesse desiderato do controle social, como o já tradicional Painel de Preços do Ministério da Economia (https://paineldeprecos.planejamento.gov.br/) e o Painel Gerencial “Contratações Relacionadas à Covid-19” da Controladoria-Geral da União-CGU (https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/noticias/2020/07/cgu-lanca-painel-para-dar-transparencia-a-contratacoes-relacionadas-a-covid-19) , além de iniciativas também na esfera federal no sentido de padronizar determinados itens de maior volume, a instituição do almoxarifado virtual e a adoção de cadernos técnicos, com preços de referência. Iniciativas louváveis e que contribuem para a qualidade das aquisições e a sua economicidade.

A ideia de um portal único na internet (ComprasGov), sugerida no item 3 das “Novas medidas contra a corrupção” (https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/23949), uma iniciativa da FGV e da Transparência Internacional, é uma forma de induzir o controle social pela comparação, e se vê acompanhada também de uma ideia de padronização dos catálogos de itens. Esse é o mote da presente discussão. Controlar o preço pelo controle social, o que foi essencial no contexto da Lei 13.979/2020, que possibilita a aquisição por dispensa no contexto da Covid-19, tem o seu sucesso atrelado ao grau de padronização daquele determinado mercado.

Catalogação e padronização é um problema mundial, e que afeta também o nosso país. A crise vai passar. Voltaremos a um mundo quase normal (se é que o mundo em algum momento foi normal), teremos de colher a cesta de aprendizados desses momentos tensos da história recente. Assim, fica essa breve reflexão, estimados leitores... A catalogação padronizada de itens utilizados nas diversas políticas públicas, seja material de limpeza e expediente, sejam insumos específicos de determinadas políticas públicas, como a Saúde, Segurança e Educação, é um fator de fortalecimento do controle social, em especial em relação ao risco de superfaturamento, sendo consequentemente, um instrumento de aprimoramento da governança dessas aquisições.