Orientar e prevenir: vigiar e punir

 

O Decreto nº 9.203/2017, que dispõe sobre a política de governança da administração pública federal, faz um importante registro sobre a forma de atuação preventiva dos controles internos da gestão e, por extensão, da atividade de auditoria interna governamental, que avalia a adequação desses controles.

Assevera o decreto que as ações estratégicas de prevenção serão privilegiadas face às ações sancionadoras, conferindo a primeira uma forma de atuação com relevo de significância ao grau de diretriz da governança pública.

Como resultante dessa diretiva extrai-se que o binômio orientar-prevenir se constitui em um marco que serve de guia da atuação alusiva ao controle, no qual se encontra inserida a auditoria interna governamental.

Neste sentido, sua atuação deve ser compreendida a partir de um modelo preventivo, como um mandamento prioritário e não como um acaso ou opção auditorial discricionária, e para tanto deve ser estabelecida a partir de uma avaliação de riscos que irá definir os parâmetros de planejamento, definição do escopo, extensão dos procedimentos a serem executados, incluindo aqui as linhas de abordagem detectiva e/ou investigativa, quando se estiver diante de uma suspeita fundamentada de fraude.

Inverter essa estrutura lógica, direcionando a ação estatal para uma atuação aprioristicamente detectiva-punitiva desacompanhada de um lastro de evidências ou concretos indícios de fraudes que a justifique é assumir uma premissa da prévia ocorrência de ilicitude, que para além das críticas que transbordam para a atuação imprópria dos órgãos de controle, só reforça estereótipos da gestão que nada contribuem para a entrega de melhores políticas públicas.

As ineficiências da gestão têm um amplo espectro de causas e não exclusivamente têm sua gênese na corrupção, assim, seguramente, o que deve ser buscado não é um modelo de atuação centrado em mais vigilância e em mais punição.

A arquitetura da atividade auditorial não foi construída tão somente para “vigiar e punir”, pegando de empréstimo o célebre título da obra seminal do filósofo Michel Foucault e, assim, não pode ser compreendida como um centro de permanente vigilância para acompanhar cada passo dos gestores contra transgressões em desfavor do Estado, ou como uma instituição intimidadora cujo domínio se dá pela aplicação de reprimendas disciplinares e medidas sancionatórias.

Atuar preventivamente exige uma postura precipuamente colaborativa e proativa, fundamental para a identificação dos problemas antes de sua materialização e para a busca de soluções estruturantes, em outras palavras, que mitiguem o risco de que a situação apontada se repita no futuro.

Elucidativo é o exemplo do que ocorre na seara das obras públicas, onde a atuação preventiva evita a ocorrência de prejuízos quando a fiscalização ocorre nas etapas de planejamento e contratação ou facilita a tempestiva reparação do erário mediante glosas financeiras a valores pagos a maior quando a fiscalização ocorre na etapa de execução. A fiscalização de obras prontas, em essência, demanda medidas administrativas prioritariamente de responsabilização e de ressarcimento, que depois são dificilmente reparados, dado o histórico de baixo percentual de recomposição fruto das tomadas de contas especiais.

A auditoria interna governamental é um instrumento de auxílio para as organizações públicas realizarem seus objetivos e o seu papel preventivo não a impede de atuar com firmeza quando diante de uma situação que demande a devida apuração, razão pela qual a primazia da prevenção não pode ser equivocadamente confundida como um afrouxamento do rigor, como uma compactuação com desmazelos, ou, até com uma disfunção de sua atuação.

Mas diante disso, dois relevantes riscos podem ser materializados, atuar de forma orientativa-preventiva quando, de fato, a situação demanda uma atuação apuratória; ou, adotar o procedimento inverso, quando diante de uma dificuldade natural do gestor de boa-fé, apresentar-se somente como um agente punitivo tornando o processo ainda mais penoso.

Ocorre que não existe solução única, ou uma proporção áurea de atuação, para ser aplicada indistintamente em todos os trabalhos, cada um será customizado conforme suas especificidades e circunstâncias práticas.

De toda sorte, a apuração de ilegalidades ou irregularidades é, sem dúvidas, uma competência de extremada importância, não obstante, resta claro que seu exercício deve ocorrer com parcimônia e de forma ajustada e criteriosa em situações particularizadas.

O fato principal que não pode ser esquecido ou negligenciado é que tal como a transparência é a regra e o sigilo é a exceção, a postura de orientar e prevenir é a regra, sendo a postura de vigiar e punir a exceção.

"O texto expressa a opinião do autor, não representando a opinião institucional do órgão em que trabalha".