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Os 10 tópicos mais relevantes do Projeto da Nova Lei de Licitação e Contrato
Rafael Sérgio de Oliveira
É doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, Mestre em Direito e Especialista em Direito Público. Participou do Programa de Intercâmbio Erasmus+, desenvolvendo pesquisa na área de Direito da Contratação Pública na Università degli Studi di Roma - Tor Vergata. É Procurador Federal da Advocacia-Geral da União (AGU) e Colaborador do Portal L&C.
O Senado Federal aprovou no dia 10 de dezembro de 2020 o Projeto da Nova Lei de Licitação e Contrato Administrativo. O texto aprovado agora, em sua essência, é resultante do trabalho da Comissão Temporária de Modernização da Lei de Licitações e Contratos, criada pela Presidência do Senado Federal em 2013.
Mencionada comissão apresentou uma proposta de lei, gerando assim o Projeto de Lei do Senado nº 559/2013. Como casa iniciadora do processo legislativo, o Plenário do Senado deliberou pela primeira vez acerca da proposta da comissão em dezembro de 2016 e a aprovou, com algumas alterações. Em seguida, o texto foi remetido para a Câmara, onde foi apensado a um outro projeto antigo, motivo pelo qual tramitou nesta última casa sob o registro de PL nº 1.292/1995. No segundo semestre de 2019, a Câmara aprovou o projeto, mas com significativas modificações. Por isso, o texto voltou ao Senado, onde recebeu o tombo de Projeto de Lei nº 4.253/2020, foi diretamente submetido ao Plenário desta última casa e finalmente aprovado. Na oportunidade, o Senado acatou as alterações ocorridas na Câmara com algumas ressalvas.
Aprovada pelo Plenário do Senado, a proposta ainda sofrerá modificações voltadas para consolidação do texto e ajustes de redação. Superada essa fase, o texto irá para sanção presidencial, oportunidade em que ainda pode sofrer veto total ou parcial. Em uma lei dessa magnitude, é normal que ocorra vetos parciais. O chefe do Poder Executivo federal contará com 15 dias úteis (art. 66, § 1º, da Constituição) para sancionar ou vetar o projeto e, assim, promulgá-lo, atribuindo-lhe o número oficial. Estima-se que a publicação do texto em forma de lei deve ocorrer apenas no início do ano de 2021[1].
O PL em comento vem com o intuito de revogar as Leis nº 8.666/1993, a Lei do Pregão[2] e a Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC[3]. Porém, inicialmente, o texto da nova lei passaria por um período de convivência de 2 (dois) anos com essas normas. É que o art. 191 do projeto prevê que a vigência do diploma vindouro se iniciaria com a sua publicação, mas, durante os 2 (dois) anos seguintes, ainda vigorariam também a Lei nº 8.666/1993, a Lei do Pregão e a do RDC, cabendo ao órgão ou entidade licitante escolher se seguiria o novo ou o velho regime (§ 2º do art. 191).
O PL foi elaborado com o objetivo de implantar um novo regime geral de contratação pública que assimila experiências já vividas com o pregão e com o RDC, assim como traz a previsão de institutos ainda não experimentados no Brasil. Com isso, é possível dizer que a vindoura nova lei traz avanços pontuais. Porém, no seu todo, não traz uma modernização do sistema de compra pública brasileiro. Como asseverou Joel de Menezes Niebuhr, o novo texto “reproduz a mesma gênese excessivamente burocrática, excessivamente formalista e excessivamente desconfiada da Lei nº 8.666/1993”[4]. Enfim, diante dos objetivos de modernização e compilação presentes no momento da criação da comissão senatorial da qual resultou o projeto, se pode dizer que o intuito da compilação foi alcançado, mas o da modernização não.
Cabe dizer que o regime de contratação pública versado no texto em estudo é o das entidades de direito público nacionais, que são a Administração direta, autárquica e fundacional de todas as esferas da federação (federal, estadual, distrital e municipal). Excluem-se desse sistema as empresas estatais (as empresas públicas e as sociedades de economia mista), que se submetem à Lei nº 13.303/2016, conforme determinar o art. 173, § 1º, da Constituição.
A seguir analisaremos os 10 aspectos que, em nossa visão, gerarão mais impactos nas licitações e contratos brasileiros. Salientamos que esta é uma análise preliminar baseada na consolidação do texto que foi aprovado na Câmara e revisado pelo Senado. Ainda virá alterações decorrentes dos ajustes finais do Senado e dos eventuais vetos presidenciais.
1 – Integração de Elementos da Governança à Legislação de Contratação Pública
O primeiro aspecto que chama a nossa atenção no projeto é a integração de elementos gerenciais às normas de licitação e contrato. São diversos os instrumentos de governança incluídos pelo PL no procedimento de contratação.
Inicialmente merece destaque pontos ligados à profissionalização, como a criação da figura do agente de contratação (art. 8º) e a exigência de promoção da gestão por competências na designação de agentes públicos para trabalhar na área de licitação e contrato (art. 7º). Salientamos a manutenção do pregoeiro como o responsável pela condução dos certames na modalidade pregão (art. 8º, § 5º).
O projeto também incorpora à legislação ferramentas voltadas para o planejamento da contratação, a exemplo do plano de contratações anual (art. 12), ferramenta fundamental para imprimir uma maior qualidade aos processos de licitação.
Outro instrumento previsto é a gestão de riscos (Parágrafo único do art. 11) com a expressa possibilidade de adoção da matriz de riscos (art. 22), sendo essa ferramenta obrigatória nos casos de obras e serviços de grande vulto, contratos com regime de contratação integrada ou semi-integrada (§ 3º do art. 22).
Por fim, o PL envolve a alta administração no processo de contratação pública, comprometendo os dirigentes do órgão ou entidade com os objetivos do certame. É da responsabilidade da alta direção a governança das contratações e a implementação de processos e estruturas voltadas para a avaliação, direcionamento e monitoramento dos processos de licitação em relação aos seus objetivos.
2 – Contratação Eletrônica
A regra para todos os procedimentos de contratação passa a ser a contratação eletrônica. Nos termos do § 2º do art. 17, “as licitações serão realizadas preferencialmente sob a forma eletrônica”. Atentemos que, caso o projeto venha a se tornar lei, todas as modalidades de licitação poderão ser realizadas na forma eletrônica.
Quanto ao uso da forma presencial, o PL não traz nenhuma condição específica, exigindo apenas que o gestor exponha no processo o motivo da sua opção e que registre a sessão pública em ata e grave o referido ato com a utilização de recursos tecnológicos de áudio e vídeo (§ 2º e § 5º do art. 17).
Vale ressaltar que se extrai da letra do texto o princípio da virtualização dos atos da licitação. Isso porque o PL determina que “os atos serão preferencialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico” (art. 12, inciso VI). Isto é, na lei vindoura os atos praticados de forma física devem ser evitados, ainda que venham a ser digitalizados posteriormente. Assim, o sistema no qual se processa uma concorrência, por exemplo, deve estar adaptado para receber pedidos de esclarecimento e impugnação ao edital e recursos. Não seria admissível que tais atos fossem interpostos por forma física para serem digitalizados e depois inseridos no sistema.
Outro relevante ponto no sentido da virtualização do procedimento é a criação do Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP, que terá a missão de divulgar todas as licitações dos órgãos e entidades da Administração direta, autárquica e fundacional da União, dos estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A ideia é que o PNCP seja, inclusive, uma plataforma de realização das licitações, cuja adesão será facultativa (art. 174). Uma leitura do texto do PL demonstra que o PNCP será uma grande fonte de informação para a atividade contratual do Estado.
3 – Orçamento Sigiloso
Conforme já dito, o projeto da novel lei de licitação e contrato revoga a Lei do RDC, mas incorpora ao regime geral de contratação uma série de institutos previstos no Regime Diferenciado de Contratações Públicas. Um desses é o orçamento sigiloso[5].
O art. 18, inciso IV, obriga a Administração licitante a elaborar na fase preparatória do certame o orçamento estimado com a composição dos preços utilizados para a sua formação. Entretanto, tal orçamento poderá, mediante justificativa da autoridade contratante, ser mantido em sigilo até que se finalize a fase de julgamento das propostas (art. 24). Se for necessário para a elaboração das propostas, a Administração deverá divulgar o detalhamento dos quantitativos.
Além disso, se a licitação for julgada pelo critério de maior desconto, o preço estimado ou o máximo aceitável deverá necessariamente constar do edital. É que, nesses casos, a publicação do valor de referência da Administração é essencial para que os proponentes ofereçam seus descontos.
Ressalvamos que o texto obriga a Administração licitante a fornecer o orçamento base da contratação, ainda que declarado sigiloso, a qualquer momento para os órgãos de controle interno e externo.
Essa é uma relevante ferramenta para a Administração, pois a depender do mercado, a divulgação do orçamento estimado no momento da licitação acarreta o efeito âncora, elevando os preços das propostas ao mais próximo possível do valor máximo admitido pela Administração.
4 – Modalidades de Licitação
A título de observação inicial acerca do tratamento das licitações no PL, ressaltamos que, embora de forma muito tímida, o projeto procura superar, em alguns momentos, a rigidez procedimental contida na Lei nº 8.666/1993. Um exemplo disso pode ser encontrado no art. 12, inciso III, que prevê: “o desatendimento de exigências meramente formais que não comprometam a aferição da qualificação do licitante ou a compreensão do conteúdo de sua proposta não importará seu afastamento da licitação ou a invalidação do processo”. Enxergamos neste dispositivo a previsão do princípio do formalismo moderado, que empresta às formas legais de prática dos atos uma compreensão instrumental.
O procedimento da licitação, em qualquer das suas modalidades, engloba no projeto uma série de fases, que devem ocorrer na seguinte sequência: a) preparatória; b) divulgação do edital de licitação; c) apresentação de propostas e lances, nos casos em que há lances; d) julgamento; e) habilitação; f) recursal; g) homologação (art. 17).
Como se viu no parágrafo anterior, o PL traz para todas as demais modalidades de licitação a inversão das fases de julgamento e habilitação já presente no pregão e no RDC. Se aprovado o projeto, todas as modalidades passam a ser processadas com o julgamento antes da habilitação, pelo que só é habilitado o vencedor do certame. Ressalvamos o fato de o projeto admitir, mediante exposição das vantagens, a realização da habilitação antes das fases de apresentação das propostas e lances e de julgamento (art. 17, § 1º).
Modalidade de licitação no Direito brasileiro significa a marcha do procedimento pelo qual é escolhido o contratado. Isto é, existem procedimentos diversos para licitar os contratos a serem firmados pela Administração, correspondendo cada um deles a uma modalidade de licitação. Essa variedade existe em razão das diversas espécies de contratos celebrados pelo Poder Público, pelo que se exige uma adequação entre o procedimento de adjudicação e o objeto a ser contratado.
O art. 28 do Projeto da Nova Lei de Licitação e Contrato prevê as seguintes modalidades de licitação: a) pregão; b) concorrência; c) concurso; d) leilão; e) e diálogo competitivo. A tomada de preços e o convite não constam no projeto. Já o RDC, considerado atualmente como uma modalidade licitatória, deixa de existir como tal, embora muitas das práticas desse regime diferenciado tenham a sua aplicação facultada nas modalidades previstas no projeto (orçamento sigiloso, contratação integrada, o critério de julgamento de maior retorno econômico, os modos de disputa aberto e fechado etc.). A novidade é o diálogo competitivo, pois as demais modalidades previstas no PL em comento já existem no regime licitatório brasileiro.
Continua valendo a regra que proíbe a criação de outras modalidades além daquelas previstas no PL, assim como a que impede a combinação das modalidades entre si (art. 28, § 2º). Vale dizer que essas proibições valem apenas para o nível infralegal das normas e para as leis estaduais, distritais e municipais, pois leis federais podem vir a criar novas modalidades. Enfim, a previsão dessa regra consagra o entendimento já vigente de que modalidade é matéria típica de norma geral de licitação e contrato, nos termos do art. 22, XXVII, da Constituição, e, por isso, só pode ser tratada por lei federal (nacional).
As modalidades previstas são aplicáveis nas seguintes situações:
Por disposição expressa do projeto, o pregão e a concorrência “seguem o rito procedimental comum” (art. 29), ou seja, têm exatamente o mesmo procedimento[6]. A diferença entre um e outro está apenas no critério de julgamento das propostas, pois no pregão são aplicáveis apenas os critérios de menor preço ou de maior desconto (art. 6º, XLI), ao passo que na concorrência as propostas podem ser julgadas com base nos critérios de menor preço, maior desconto, melhor técnica ou conteúdo artístico, técnica e preço e maior retorno econômico (art. 6º, XXXVIII).
Cabe dizer que aqui a pretensa nova lei deixou de trazer para o plano da norma a figura do pregão invertido e, por que não, da concorrência invertida. O pregão nesses moldes é geralmente utilizado nos casos de contratação de bens e serviços comuns em que a Administração tem a possibilidade de auferir renda. Nesses casos, o critério de julgamento das propostas é o de maior oferta[7].
Outro ponto relevante de se anotar é que o pregão passa a ser legalmente obrigatório para bens e serviços comuns (art. 6º, XLI). Na égide da Lei nº 10.520/2002, o uso do pregão para licitação de bem e serviço comum é uma faculdade (art. 1º da Lei do Pregão). No plano federal, por exemplo, a obrigatoriedade do pregão decorreu dos regulamentos[8].
A rigor, é possível dizer que o pregão cresce na sistemática do PL. Principalmente porque a concorrência foi “apregoada”, já que incorporou a si as características do pregão. No fim das contas, na sistemática da nova lei nascente, a concorrência é um pregão com a possibilidade do uso dos demais critérios de julgamento das propostas.
O concurso e o leilão permanecem basicamente com as mesmas configurações que possuem na Lei nº 8.666/1993. Quanto ao leilão, o PL remete para regulamento as normas sobre seus “procedimentos operacionais” (art. 31).
A novidade é o diálogo competitivo[9], cujo escopo é a adjudicação de contratos dotados de complexidade técnica, jurídica ou financeira. Trata-se de um instituto oriundo do Direito Europeu cujo foco inicial foi incentivar os Estados-Membros da União Europeia a promoverem parcerias público-privadas, as PPP’s. A ideia subjacente nessa modalidade de licitação é a de que o setor privado pode contribuir para as soluções públicas. Por isso, ele é apropriado para aquelas situações nas quais o poder público sabe da sua necessidade, mas não sabe como supri-la. No diálogo competitivo, o objeto da contratação é concebido no curso da licitação.
A peculiaridade desse procedimento é que antes do julgamento das propostas há uma etapa de qualificação técnica e econômico-financeira e outra de diálogo com os candidatos. A qualificação e julgamento das propostas pouco se diferem do que existe na concorrência na forma como regulada hoje, sendo a fase de qualificação, digamos assim, equivalente à habilitação técnica e econômico-financeira. Na etapa do diálogo, cada candidato apresenta a sua solução à Administração. Reparemos que se trata de diálogo mesmo, pois cada licitante apresenta sua proposta de objeto do contrato de maneira individualizada para a Administração. Escolhida a solução, parte-se para o julgamento das propostas, que deve ocorrer de acordo com um dos critérios de julgamento previstos no PL.
Essa modalidade é apta para casos complexos, sendo, por isso, de aplicação restrita. Na Europa, poucos são os países que se valem dessa espécie de procedimento, apesar de o terem positivado no seu direito interno. Ele é bastante utilizado na Inglaterra e na França.
5 – Critérios de Julgamento das Propostas
O PL abandona o termo tipo de licitação utilizado pelo art. 45, § 1º, da Lei nº 8.666/1993, referindo-se aos critérios de julgamento das propostas em diversos dispositivos, especialmente no seu art. 33.
Cabe registrar que, como uma decorrência lógica dos princípios constitucionais da igualdade e da impessoalidade (art. 5º, c/c o art. 37, XXI, todos da Constituição), o art. 5º do projeto mantém de forma expressa o princípio do julgamento objetivo. Assim, ainda que se entenda que o PL trouxe maior discricionariedade ao gestor na definição dos critérios de seleção do contratante, é preciso sempre ter em conta que essa discricionariedade deve ser exercida de maneira impessoal, de modo que os parâmetros utilizados para aferir a melhor proposta devem ser objetivos e funcionais.
Segundo o art. 33 do texto em estudo, as propostas serão julgadas com base nos seguintes critérios: a) menor preço; b) maior desconto; c) melhor técnica ou conteúdo artístico; d) técnica e preço; e) maior lance, no caso de leilão; f) maior retorno econômico.
A maior novidade é o critério de maior retorno econômico. Esse é um tipo de licitação exclusivo para licitações cujo objeto seja um contrato de eficiência[10] (art. 6º, LIII). Nos contratos de eficiência, o que se pretende não é a obra, o serviço ou o bem em si, mas sim o resultado econômico mais vantajoso decorrente de uma dessas prestações[11], motivo pelo qual a melhor proposta nessa espécie de ajuste é aquela que oferece um maior retorno econômico.
Apresentamos na tabela a seguir os critérios de julgamento das propostas previstos no PL aplicáveis em cada uma das modalidades de licitação:
6 – Instrumentos Auxiliares das Licitações e das Contratações
O texto projetado para a nova lei classifica alguns procedimentos já conhecidos das contratações governamentais brasileiras como Instrumentos Auxiliares. São eles: a) credenciamento; b) pré-qualificação; c) procedimento de manifestação de interesse; d) sistema de registro de preço; e) e registro cadastral (art. 77).
Exceto o procedimento de manifestação de interesse, os demais instrumentos auxiliares estão, ainda que em nível infralegal, no ordenamento jurídico pátrio vigente.
O credenciamento[12] é uma importante ferramenta para contratações por inexigibilidade. Trata-se de uma maneira de se operacionalizar uma contratação por inexigibilidade nas seguintes situações: a) necessidade de contratação simultânea, paralela e não excludente, de mais de um dos agentes do mercado; b) casos em que o contratante é o Poder Público, mas o usuário do serviço é um terceiro, a quem cabe a seleção do prestador; c) situações de mercados fluídos, nos quais a variação dos preços praticados é frequente a ponto de inviabilizar a realização de licitação (art. 78).
Já tivemos a oportunidade de escrever sobre o credenciamento[13], ocasião em que apontamos as suas principais características: i) número ilimitado de credenciados; ii) tratamento isonômico entre o credenciados; iii) preço fixado pela Administração, nas hipóteses dos itens a e b do parágrafo anterior; iv) publicidade por meio de instrumento de chamamento público; v) possibilidade permanente de inclusão de novos credenciados.
A pré-qualificação está atualmente prevista no art. 114 da Lei nº 8.666/1993. Nesse regime, é possível pré-qualificar apenas licitantes, não abrangendo produtos. Além disso, nos termos da Lei nº 8.666/1993 só é possível fazer pré-qualificação na modalidade concorrência e nos casos em que a análise da capacidade técnica dos licitantes demande um maior trabalho por parte da Administração. Outro aspecto relevante da pré-qualificação nos moldes da Lei nº 8.666/1993 é que ela não admite que a Administração restrinja o futuro certame aos licitantes já pré-qualificados.
O PL em estudo adota a pré-qualificação de maneira semelhante à do RDC e à da Lei das Estatais, a Lei nº 13.303/2016. Ou seja, se comparada com o modelo da Lei nº 8.666/1993, a pré-qualificação do PL vai mais longe.
O projeto permite a pré-qualificação de licitantes e de bens para fins de licitação processada em qualquer uma das suas modalidades previstas (art. 79). Trata-se de um procedimento prévio à licitação cujo objetivo é antecipar a verificação dos requisitos exigidos pela Administração referentes à qualificação do licitante ou do seu produto.
Um importante avanço previsto no projeto é a possibilidade de restringir a participação no certame àqueles que foram pré-qualificados (§ 10, do art. 79). Essa é uma regra fundamental para o sucesso da pré-qualificação, pois sua grande vantagem é a antecipação de fases da licitação. Caso se admita a participação de concorrentes não pré-qualificados, pouco proveito se tirará do instituto. Isso por dois motivos: a) repetição na licitação de atos já praticados na pré-qualificação; b) esvaziamento da pré-qualificação, tendo em vista que ela não oferecerá vantagem alguma ao empresário.
Talvez se possa dizer que a maior novidade nesse campo dos Instrumentos Auxiliares é o Procedimento de Manifestação de Interesse – PMI (art. 80). Embora já exista no Brasil, o PMI vigora em solo pátrio de modo limitado. Sua relevância se deve ao fato de que umas das maiores dificuldades da Administração Pública nas licitações é suprir a carência de informação acerca das soluções, práticas e preços existentes no mercado. No intuito de suprir essa assimetria de informação[14], o ordenamento jurídico de diversos países tem colocado à disposição das autoridades contratantes uma espécie de procedimento prévio à publicação do certame, cujo objeto é a coleta de informações acerca das soluções oferecidas pelo mercado para as necessidades públicas.
Sobre o PMI, é possível dizer (art. 80): a) é uma solicitação à iniciativa privada de realização de estudos e projetos para soluções da Administração Pública; b) tem o objetivo de suprir a assimetria de informação entre a Administração e o mercado; c) é uma etapa que antecede a licitação.
O Sistema de Registro de Preço – SRP também é uma das espécies de Instrumentos Auxiliares. Destacamos que a regulamentação do PL avança em relação a esse instituto porque traz ao nível da lei uma série de questões que antes eram tratadas apenas em regulamento, a exemplo da possibilidade de adesão (§ 2º do art. 85). Além disso, o PL inova ao, por exemplo, prevê: a) o uso de registro de preço para obras (art. 81, § 5º); b) a possibilidade de vigência da ata por até dois anos (art. 83); c) e admitir o SRP para hipóteses de contratação direta (§ 6º do art. 81).
Por fim, o Registro Cadastral, uma relevante ferramenta que poderá comportar um sistema de reputação capaz de conferir incentivos aos bons contratados (art. 86).
7 – Modos de Disputa
O projeto admite que a licitação pode ser disputada de dois modos, aberto e fechado (art. 55). No primeiro, os licitantes apresentarão suas propostas por meio de lances públicos e sucessivos; no segundo, as propostas apresentadas pelos licitantes serão sigilosas até o momento definido no edital para a divulgação. Ou seja, neste último caso, os licitantes não conhecem as propostas e os lances dos seus concorrentes.
É relevantíssimo que o legislador ofereça – como de fato oferece no PL – ao gestor a possibilidade de aplicar um modo ou outro, inclusive com a possibilidade de combinação entre ambos, de acordo com a realidade do certame. Todavia, há casos em que um desses modos é obrigatório. Nas licitações de menor preço ou maior desconto, é vedada a utilização do modo fechado de maneira isolada, admitindo-se apenas que o gestor mescle no curso do procedimento os modos aberto e fechado (art. 55, § 1º). Já nas licitações cujo critério for técnica e preço, não será possível o uso do modo aberto (art. 55, § 2º).
8 – Contratação Integrada e Semi-integrada
No PL também há alterações substanciais relativas ao regime de execução dos contratos. Algumas dessas são transpostas do RDC, como é o caso dos regimes de execução contratual de contratação integrada, que foi acrescido no projeto da nova lei ainda do regime de contratação semi-integrada[15].
Trata-se de regimes voltados para a contratação de obras e serviços de engenharia. Na contratação integrada, fazem parte de um único contrato a elaboração dos projetos básico e executivo, a execução da obra ou serviço e o fornecimento dos bens ou a prestação dos serviços especiais indispensáveis para a realização da obra ou serviço contratado (art. 6º, XXXII).
Já no caso da semi-integrada, exclui-se apenas do contrato de execução da obra ou serviço de engenharia a elaboração do projeto básico, restando a cargo do executor da obra ou serviço de engenharia a elaboração do projeto executivo, a execução da obra ou serviço de engenharia e o fornecimento dos bens e a prestação dos serviços especiais indispensáveis para a consecução do objeto contratado (art. 6º, XXXIII).
Ambos os regimes são instrumentos modernos, na medida em que se aproximam do modelo no qual se busca a solução para as necessidades públicas, e não um objeto em si. Com isso, há uma tendência de se retirar do mercado soluções avançadas e baratas.
9 – Garantia Contratual
Em regra, o projeto continua a prever que a exigência de garantia contratual é uma opção do gestor público (art. 95). Se decidir pela exigência, caberá ao contratado escolher entre as opções de caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, seguro-garantia ou fiança bancária (§ 1º do art. 95).
Nesse campo, a grande novidade está no art. 101 do PL e consiste na possibilidade de o edital exigir como garantia de contratos de obras e serviços de engenharia seguro-garantia, estabelecendo que, em caso de inadimplemento contratual, caberá à seguradora concluir o objeto contratado. Essa é uma prática internacionalmente conhecida como step in right, cujo sentido é o de impor ao segurador a assunção da obrigação de entrega da obra ou serviço no caso de o contratado falhar.
É uma relevante inovação, na medida em que é difícil licitar obra e serviço de engenharia com execução incompleta. Entretanto, trata-se de ferramenta que, com certeza, representará um custo considerável para a contratação, motivo pelo qual deve ser utilizada apenas nos casos em que o risco de inadimplemento seja significativo ou represente dificuldades para a continuação do objeto contratual.
10 – Vigência Contratual
No último tópico desta explanação, destacamos o tratamento da duração dos contratos no Projeto da Nova Lei de Licitação e Contrato. Já de início ressaltamos que o PL estabelece que a duração dos contratos deverá ser definida no respectivo instrumento convocatório, observando-se a disponibilidade orçamentária no momento da contratação e a cada exercício financeiro (art. 104).
O art. 105 admite a assinatura de ajustes com vigência inicial de até cinco anos para a contratação de serviço ou fornecimento considerados contínuos, desde que seja atestada a maior vantajosidade econômica da contratação nesses termos. Repare-se que o PL avança ao admitir a possibilidade de contratação de fornecimento (aquisição) por prazo que supere a vigência do crédito orçamentário. Tanto no caso de serviço como de compra de bens, o prazo inicial contratado poderá ser de cinco anos, que serão prorrogáveis por mais cinco anos, totalizando uma duração contratual de dez anos.
Por fim, destacamos a expressa possibilidade de duração contratual por prazo indeterminado nos casos de contratos em que a Administração for usuária de serviço público em regime de monopólio (art. 108).
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[1] https://www.instagram.com/p/CIqHVjGjVdw/?igshid=18gqefl4wbp9d
[2] Lei nº 10.520/2002.
[3] Lei nº 12.462/2011.
[4] NIEBUHR, Joel de Menezes. O grande desafio diante da nova lei de licitações e contratos. Disponível em: << https://www.zenite.blog.br/o-grande-desafio-diante-da-nova-lei-de-licitacoes-e-contratos/>>.
[5] Atualmente o orçamento sigiloso tem previsão legal expressa no RDC (art. 6º, § 3º, da Lei nº 12.462/2011) e na Lei das Estatais (art. 34, da Lei nº 13.303/2016).
[6] Vemos aqui uma grande contradição no projeto. Como dissemos, cada espécie de modalidade de licitação indica um procedimento, ou seja, um rito. Se há modalidades de licitação com mesmo rito, ao fim e ao cabo o que existe é só uma modalidade. Essa é uma incoerência da norma que pode levar a discussões capazes de desconfigurar o desenho projetado no texto.
[7] AMORIM, Victor Aguiar Jardim de; OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de. Pregão Eletrônico: comentários ao Decreto Federal nº 10.024/2019. Belo Horizonte: Fórum, 2020, p. 89.
[8] Atualmente, no plano federal, o pregão eletrônico é obrigatório em razão do disposto no art. 1º do Decreto nº 10.024/2019.
[9] Já publicamos aqui no Portal L&C artigo de minha autoria sobre essa modalidade de licitação, tendo em conta, inclusive, a sua regulamentação no PL. Seguem as referências: OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de. O Diálogo Competitivo do Projeto de Lei de Licitação e Contrato Brasileiro. Disponível em: http://licitacaoecontrato.com.br/exibeArtigo.html?assunto=oDialogoCompetitivoProjetoLeiLicitacaoEContratoBrasileiro.
[10] O critério de maior retorno econômico e o contrato de eficiência são institutos que já vigoram no Brasil no Regime Diferenciado de Contratação Pública – RDC.
[11] JUSTEN FILHO, Marçal. O Contrato de Eficiência na Lei Federal nº 12.462. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, n.º 73, Curitiba, março de 2013, disponível em http://www.justen.com.br//informativo.php?l=pt&informativo=73&artigo=997, acesso em 03/05/2018.
[12] O instituto é definido no art. 6º, XLIII, do PL com o seguinte texto: “XLIII – credenciamento: processo administrativo de chamamento público em que a Administração Pública convoca interessados em prestar serviços ou fornecer bens para que, preenchidos os requisitos necessários, credenciem-se no órgão ou na entidade para executar o objeto quando convocados”. Ainda sobre o conceito do instituto: OLIVEIRA, Rafael Sérgio de. O que é e quando se aplica o credenciamento? Disponível em: <http://www.licitacaoecontrato.com.br/lecComenta/o-que-e-e-quando-se-aplica-o-credenciamento-in-52017.html>.
[13] OLIVEIRA, Rafael Sérgio de. Quais os requisitos do credenciamento e como ele se operacionaliza? Disponível em: <http://www.licitacaoecontrato.com.br/lecComenta/quais-os-requisitos-do-credenciamento-e-como-ele-se-operacionaliza.html>.
[14] No Brasil, a doutrina já caminhava no sentido de construir a possibilidade de diálogo entre a Administração e o mercado na fase que antecede a licitação. Nesse prumo, resultou da I Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal o seguinte enunciado: “A Administração Pública pode promover comunicações formais com potenciais interessados durante a fase de planejamento das contratações públicas para a obtenção de informações técnicas e comerciais relevantes à definição do objeto e elaboração do projeto básico ou termo de referência, sendo que este diálogo público-privado deve ser registrado no processo administrativo e não impede o particular colaborador de participar em eventual licitação pública, ou mesmo de celebrar o respectivo contrato, tampouco lhe confere a autoria do projeto básico ou termo de referência”.
[15] A Lei das Estatais, a Lei nº 13.303/2016, já prevê tanto a contratação integrada como a semi-integrada.