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A adjudicação por preço global de grupo de itens na visão do TCU

Rafael Sérgio de Oliveira

É doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, Mestre em Direito e Especialista em Direito Público. Participou do Programa de Intercâmbio Erasmus+, desenvolvendo pesquisa na área de Direito da Contratação Pública na Università degli Studi di Roma - Tor Vergata. É Procurador Federal da Advocacia-Geral da União (AGU) e Colaborador do Portal L&C.

No início do mês de janeiro deste ano de 2018, a Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão – SEGES/MPDG publicou no Portal de Compras do Governo Federal orientação sobre a aquisição por preço global de grupos de itens. A SEGES orientou os órgãos e entidades integrantes do Sistema de Serviços Gerais – SISG no seguinte sentido:

No âmbito das licitações realizadas sob a modelagem de aquisição por preço global de grupo de itens, somente será admitida as seguintes hipóteses:

a) aquisição da totalidade dos itens de grupo, respeitadas as proporções de quantitativos definidos no certame; ou

b) aquisição de item isolado para o qual o preço unitário adjudicado ao vencedor seja o menor preço válido ofertado para o mesmo item na fase de lances.

Constitui irregularidade a aquisição (emissão de empenho) de item de grupo adjudicado por preço global, de forma isolada, quando o preço unitário adjudicado ao vencedor do lote não for o menor lance válido ofertado na disputa relativo ao item, salvo quando, justificadamente, ficar demonstrado que é inexequível ou inviável, dentro do modelo de execução do contrato, a demanda proporcional ou total de todos os itens do respectivo grupo.

Os editais de licitações deverão prever cláusulas que impeçam a aquisição diferente desta Orientação.

Tal recomendação teve por base diversos julgados do Tribunal de Contas da União, dos quais a própria SEGES destacou os seguintes: Acórdãos 2.977/2012-TCU-Plenário, 2.695/2013-TCU-Plenário, 343/2014-TCU-Plenário, 4.205/2014-TCU-1ª Câmara, 757/2015-TCU-Plenário, 588/2016-TCU-Plenário, 2.901/2016-TCU-Plenário e 3.081/2016-TCU-Plenário. Assim, com o fito de alcançar uma melhor compreensão da referida orientação, procuramos fazer uma leitura dos acórdãos citados e delinear aqui os contornos da jurisprudência do TCU sobre o tema[1].

Antes de entrar em referida análise, cumpre asseverar que dos julgados citados se pode extrair as seguintes informações: a) que os acórdãos expressam o entendimento do plenário do TCU; b) que todos os casos mencionados se referem a licitações na modalidade pregão para registro de preço; c) e que a orientação foi aplicada tanto em casos de compra como no de serviços.

 

Adjudicação por Preço Global de Grupo de Itens versus Divisão em Lote

A compreensão do tema da adjudicação pelo valor do lote requer uma diferenciação entre a figura ora em análise e a divisão em lote. É comum verificar nas defesas apresentadas ao TCU argumentos no sentido de que o art. 8º do Decreto nº 7.892/2013[2], que regulamenta o SRP, admite a adjudicação da licitação em lotes. Acontece, entretanto, que a hipótese do art. 8º em comento não é a mesma da adjudicação por preço global de grupo de itens.

O art. 8º do Decreto do SRP trata da divisão em lotes da quantidade de um mesmo bem ou serviço. Ele é aplicável àquelas situações em que a Administração necessita contratar um bem ou serviço em grande quantidade. Nesse contexto, a legislação brasileira, sobretudo o art. 23, § 1º, da Lei nº 8.666/1993[3], determina que o certame deve ser dividido em parcelas – que seriam os lotes ou grupos – com quantidades definidas de um mesmo objeto, com o fim de possibilitar a participação na licitação de um maior número de empresas. Em outras palavras, a divisão em lotes é uma das espécies de parcelamento da contratação.

O fato é que muitos empresários não conseguem fornecer a grande quantidade da qual necessita o Poder Público, mas conseguem entregar o objeto licitado em um quantitativo menor. Assim, a divisão da quantidade total de um mesmo bem ou serviço em lotes com montantes menores favorece a competitividade.

A divisão em lotes se verifica, por exemplo, quando uma unidade da Administração Pública precisa comprar uma quantidade considerável de cadeiras e divide o número total dessas cadeiras em diferentes lotes a serem adjudicados àqueles licitantes que apresentarem o menor preço para os respectivos grupos. Repare-se que se trata de um mesmo bem, cuja quantidade total requerida pelo Poder Público é dividida em montantes menores que formam os lotes.

Já a adjudicação por preço global de grupo de itens não é divisão, mas sim união de diferentes bens e/ou serviços em um único grupo para ser adjudicado ao licitante que apresentar o menor preço para o valor do grupo. Dessa forma, vence a licitação aquele que apresenta o menor preço para a soma dos valores de cada um dos bens e/ou serviços licitados multiplicados pelas respectivas quantidades. No caso de um órgão necessitar contratar material de escritório, por exemplo, ele adjudicará pelo preço global de grupo de itens se unir todos os bens (caneta, lápis, borracha, régua, papel, apontador e outros) em um ou mais lotes e determinar que a vencedora será aquela empresa que apresentar o menor preço para a soma dos valores de todos os produtos componentes do grupo multiplicados pelas suas quantidades.

Essa espécie de adjudicação é também conhecida como agregação artificial, na medida em que há a demanda por uma série de produtos e/ou serviços que, agregados artificialmente, são licitados como se fossem um único. Tal conduta não é incentivada pela legislação brasileira por, em tese, prejudicar a concorrência.

 

Adjudicação por Preço Global de Grupo de Itens e seus Requisitos

O entendimento do TCU sobre o tema em comento é encontrado na Súmula nº 247 do Tribunal com o seguinte texto:

É obrigatória a admissão da adjudicação por item e não por preço global, nos editais das licitações para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, cujo objeto seja divisível, desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo ou perda de economia de escala, tendo em vista o objetivo de propiciar a ampla participação de licitantes que, embora não dispondo de capacidade para a execução, fornecimento ou aquisição da totalidade do objeto, possam fazê-lo com relação a itens ou unidades autônomas, devendo as exigências de habilitação adequar-se a essa divisibilidade.

Pelo que se observa do enunciado acima transcrito, a adjudicação pelo preço global de grupo de itens é encarada como uma exceção, de modo que sua aplicação prescinde de alguns requisitos, que se fazem presentes quando a adjudicação separada de cada um dos itens ocasionar: a) prejuízo para o conjunto ou complexo da solução a ser contratada; b) ou perda de economia de escala. Nesses termos, vale trazer a esses comentários palavras do Ministro Weder de Oliveira proferidas em seu voto no Acórdão nº 2977/2012 – Plenário no sentido de ser preciso para a adoção da modelagem em foco “demonstrar as razões técnicas, logísticas, econômicas ou de outra natureza que tornam necessário promover o agrupamento como medida tendente a propiciar contratações mais vantajosas”.

Outro ponto que merece atenção é a formação dos lotes. Ela deve observar um considerável nível de correspondência entre os itens que compõem o grupo e a atividade das empresas que formam o respectivo mercado. Isto é, os itens que compõem um dado lote devem ser fornecidos ou prestados por empresas que atuem em um determinado setor. Não se pode incluir em um grupo itens que não sejam oferecidos por parte considerável das empresas atuantes no respectivo setor.

Essa situação foi analisada no Acórdão nº 343/2014 – Plenário, no qual se averiguou certame para a contratação de material escolar e de serviço de impressão digital. No caso, o relator, Ministro Valmir Campello, exigiu maior fundamentação para tal fusão em razão da “natureza distinta dos objetos” (item 11 do voto). Fato é que a inclusão de itens que compõem o mercado de empresas de setores diversos dificulta a concorrência, na medida em que reduz a possibilidade de participação, sobretudo, das entidades de menor porte.

Um argumento sempre levantado pelos órgãos e entidades da Administração para a defesa do uso da modelagem de adjudicação pelo preço do grupo é a grande quantidade de itens a serem contratados. Sustentam os gestores que numa licitação com um grande número de itens a adjudicação individualizada de cada um deles e a gestão dos respectivos contratos inviabilizam o gerenciamento da atividade administrativa. Tal argumento, por si só, não tem sido acatado pelo TCU.

Destacamos aqui dois julgados, os Acórdãos nº 2977/2012 – Plenário e o nº 2901/2016 – Plenário, nos quais a questão foi levantada, mas o plenário do Tribunal não acolheu a tese. No primeiro acórdão, a área técnica entendeu adequada a adoção do julgamento da licitação pelo valor do grupo, mas o relator, Ministro Weder de Oliveira, rechaçou o argumento, no que foi acompanhado pelos demais membros da Corte; no segundo, o relator, Ministro Vital do Rêgo, também defendeu a justeza da adjudicação pelo preço global de grupo de itens em razão do elevado número de itens, mas o plenário não acatou sua tese, tendo acompanhado o revisor, Ministro Benjamin Zymler, que entendeu ser o caso de adjudicação por item mesmo nas hipóteses em que há um considerável número de itens.

 

Contratação da Totalidade do Grupo de Acordo com as Proporções

 Uma das conclusões a que se chega com o estudo dos julgados acima listados é a de que na visão do TCU a adjudicação pelo valor do grupo de itens é cabível quando a Administração tem como foco a contratação conjunta de todos os itens na totalidade de suas quantidades ou ao menos de maneira proporcional.

O Ministro Weder de Oliveira, em seu voto para o Acórdão nº 4205/2014 – Plenário, afirmou que na adjudicação pelo preço global de grupo de itensa vantajosidade para a Administração somente se concretizaria na medida em que for adquirido do licitante o lote integral dos itens, pois o preço é resultante da multiplicação de preços dos bens licitados pelas quantidades estimadas” (item 21 do voto). Ou seja, na modelagem em comento, o empresário adjudicatário ganha o certame no todo, o que não implica que todos os seus preços sejam os menores na licitação para cada um dos itens. Assim, a contratação individualizada de um item parte de uma premissa equivocada, pois só é possível afirmar que o adjudicatário tem a melhor proposta no conjunto. Por isso, a alínea a da orientação publicada pela SEGES é no sentido de que a modelagem seja utilizada apenas nos casos em que o órgão ou entidade pretenda contratar a totalidade dos itens.

A orientação da Secretaria de Gestão ainda traz o requisito da proporcionalidade entre as quantidades dos itens componentes do grupo (alínea a). Aqui cabe lembrar que todos os casos analisados pelos acórdãos citados dizem respeito a registro de preço, o que implica não haver obrigatoriedade de contratação da quantidade licitada (§ 4º do art. 15 da Lei nº 8.666/1993).

Pensemos, por exemplo, na hipótese de a Administração lançar um certame com adjudicação pelo preço global de grupo de itens para registrar preço de equipamentos de informática para a montagem de estações de trabalho. Se ela licitar 100 estações, não estará obrigada a adquirir todas as 100. Digamos, então, que cada estação seja montada por 1 CPU, 2 monitores, 1 mouse e 1 teclado. Esses seriam os itens do grupo e as contratações deveriam observar sempre essa proporção, de modo que a aquisição de oitenta estações deve obrigatoriamente acarretar a contratação de 80 CPUs, 160 monitores, 80 mouses e 80 teclados. O raciocínio é o de que observada essa proporcionalidade será garantida a vantajosidade da adjudicação por grupo de itens.

 

Contratação de Item Isolado

Apesar de a SEGES, baseada nas decisões do Tribunal de Contas da União, orientar no sentido de que a adjudicação por grupo de itens seja utilizada apenas para os casos nos quais se pretende a aquisição da totalidade dos itens de grupo (alínea a), ela também admite a contratação isolada de um item se o valor ofertado pelo vencedor para aquele item for o menor preço quando comparado com os lances dos demais licitantes (alínea b da orientação da SEGES). Atendida essa condição, a contratação se torna vantajosa porque corresponderia ao menor valor oferecido no certame licitatório.

Esse mesmo entendimento pode ser encontrado nas decisões do TCU, a exemplo dos Acórdãos nº 343/2014 – Plenário e nº 3081/2016 – Plenário. Em relação a este último, é relevante notar que o Tribunal admite a adesão à ata de registro de preço para contratação de item isolado no caso de adjudicação pelo preço do lote, desde que o preço do vencedor do lote seja o menor para o item a ser aderido quando comparado com a oferta dos demais licitantes para o mesmo item. Isto é, não há vedação em absoluto de adesão à ata de registro de preço licitada pelo preço do lote, o que deve ser observado é a obediência às alíneas a e b da orientação da SEGES, que bem reflete a jurisprudência do TCU sobre o tema.

Salientamos que a orientação da SEGES admite, em caráter excepcional, a contratação de item isoladamente mesmo no caso em que o valor do bem ou serviço ofertado pelo vencedor do certame for superior aos lances dados no momento da licitação pelos demais concorrentes. Segundo a orientação da Secretaria de Gestão, tal conduta é possível nos casos em que “ficar demonstrado que é inexequível ou inviável, dentro do modelo de execução do contrato, a demanda proporcional ou total de todos os itens do respectivo grupo”. Em tal caso, é preciso que a inexequibilidade ou a inviabilidade da contratação do todo – ou da sua proporção – seja superveniente ao procedimento da licitação. Ou seja, essa deve ser uma situação resultante de um fato inesperado/imprevisível pela entidade promotora do certame no momento da realização do procedimento. Destacamos ainda que, nos termos da orientação, deve o órgão ou entidade contratante demonstrar nos autos do processo a ocorrência da inexequibilidade ou da inviabilidade da execução do todo ou da sua proporção.

 

Pesquisa de Mercado

É de fundamental importância a realização de uma boa pesquisa de preço[4], que averigue o valor de cada um dos itens no contexto isolado e no do lote. A parametrização nessas ocasiões é fundamental. Se a licitação será julgada pelo valor do lote, o valor dos itens deve ser previamente pesquisado no mercado no contexto do respectivo grupo. Além disso, tal cautela é crucial para evitar valores abusivos dos itens. Cumpre à equipe responsável pelo certame fazer uma boa pesquisa de mercado para fixar com a maior precisão possível o valor global e o de cada um dos itens individualmente (valor unitário).

Ademais, a comparação entre os valores dos itens de cada um dos proponentes no momento da licitação é imprescindível, devendo o licitante que apresentar o menor valor para o lote ser chamado à negociação no caso de sua proposta/lance não ter o valor mais baixo para algum dos itens.

 

Algumas Considerações Finais

A título de considerações finais, alertamos que os editais das licitações devem sempre prever as regras acima comentadas, conforme determina o último parágrafo da orientação da SEGES.

Além disso, chamamos a atenção para a necessidade de alguns esclarecimentos sobre o tema, o que deixamos de fazer aqui por fugir ao escopo destes comentários, mas que poderão ser tratados em trabalhos posteriores.

Acreditamos que o principal dentre esses questionamentos é se essa orientação vale apenas para registro de preços, tendo em vista que os julgados mencionados pela mesma se referem a casos de SRP. Esse é um ponto importante porque o problema enxergado pelo TCU nessa modelagem não existe apenas no registro de preço. Em uma licitação para contratação de serviço ou para aquisição com execução sob demanda (empreitada por preço unitário) o mesmo problema se fará presente quando o contrato comportar mais de um produto ou serviço. O que fazer?

Outra questão a ser enfrentada é a referente às licitações com grande número de itens. Esse, de fato, é um ponto a ser sopesado. A complexidade administrativa gerada pela quantidade exorbitante de itens – há casos em que são licitados mais de 500 – é capaz de resultar em prejuízos aptos a anular o ganho auferido com a ampliação da concorrência advinda da adjudicação pelo valor do item.

De toda sorte, é sempre preciso que tais circunstância sempre estejam devidamente expostas no processo. Sobre esse ponto, vale mencionar o Acórdão nº 3081/2016 – Plenário, no qual o relator, Ministro Bruno Dantas, entendeu ser adequada a adjudicação por grupo de itens porque achou razoável o entendimento da Administração de que o gerenciamento centralizado dos serviços de impressão e a padronização dos equipamentos e acessórios exigiam a adjudicação pelo valor do grupo (item 23 do voto).



[1] Salientamos que já gravamos no canal do Portal L&C no YouTube um vídeo sobre a temática (Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=z_tzBvOc0QU&t=138s).

[2] Art. 8º O órgão gerenciador poderá dividir a quantidade total do item em lotes, quando técnica e economicamente viável, para possibilitar maior competitividade, observada a quantidade mínima, o prazo e o local de entrega ou de prestação dos serviços.

[3] § 1o As obras, serviços e compras efetuadas pela Administração serão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade sem perda da economia de escala.

[4] Com obediência às regras da IN/SEGES/MPDG nº 5, de 27 de junho de 2014.