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A divulgação do edital de licitação no PNCP e a contagem de prazo no regime da Nova Lei de Licitações

Rafael Sérgio de Oliveira

É doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, Mestre em Direito e Especialista em Direito Público. Participou do Programa de Intercâmbio Erasmus+, desenvolvendo pesquisa na área de Direito da Contratação Pública na Università degli Studi di Roma - Tor Vergata. É Procurador Federal da Advocacia-Geral da União (AGU) e Colaborador do Portal L&C.

 

 

 

Rafael Sérgio de Oliveira

@rafaelsergiodeoliveira

Fundador do Portal L&C (licitacaoecontrato.com.br). Procurador Federal da AGU. Doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa. Mestre em Direito e Especialista em Direito Público. Pós-graduado em Direito da Contratação Pública pela Universidade de Lisboa.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

Estes comentários buscam analisar a nova sistemática da contagem de prazo imposta pela Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – NLLCA, a Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021.

 

Já tivemos a oportunidade de asseverar que a NLLCA traz, de forma implícita, o princípio da virtualização dos procedimentos de contratação[1]. Isso porque a Nova Lei de Licitações determina que: a) as licitações devem ser processadas preferencialmente na forma eletrônica (§§ 2º e 5º do art. 17); b) os atos das licitações eletrônicas devem ser praticados em formato digital (art. 12, VI, c/c o art. 17, § 4º); e c) a divulgação dos atos da licitação ocorrerão em sítio eletrônico oficial (art. 6º, inciso LII), mais especificamente no Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP (art. 174, I).

 

Esse último ponto, relativo à virtualização do modo de divulgação dos atos do procedimento de contratação, altera sobremaneira o modelo da contagem de prazos no novo regime de contratação pública nacional. É preciso se atentar para os termos do art. 183 da Lei nº 14.133/2021.

 

1. DA CONTAGEM DOSPRAZOS NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES (art. 183)

 

A contagem dos prazos previstos na NLLCA segue a regra de exclusão do dia de início e inclui o dia final (vencimento). O dia do começo é conceituado no §1º do artigo em comento. Esse dispositivo determina que se considera dia do começo do prazo: a) o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação na internet; ou b) a data de juntada aos autos do aviso de recebimento, quando a notificação for pelos correios.

 

Como dissemos no tópico introdutório, a NLLCA adota o princípio da virtualização do procedimento de contratação pública, porque praticamente abandona a publicação por meio físico[2] e adota como meio de divulgação oficial o Portal Nacional de Contratações Públicas, sítio eletrônico oficial de divulgação centralizada e obrigatória dos atos exigidos pela Lei nº 14.133/2021 (art. 174, I, da Lei nº 14.133/2021). Em nossa avaliação, esse é o meio oficial eleito pela NLLCA para divulgação dos atos necessários à sua execução. Desse modo, sempre que a Nova Lei de Licitações exige a divulgação em sítio eletrônico oficial, ela se refere à publicação no PNCP. A bem da verdade, enxergamos no inciso I do art. 174 a cláusula geral de eleição do PNCP como sítio eletrônico oficial de publicação obrigatória dos atos para os quais a NLLCA exige a divulgação.

 

Ou seja, a regra da Nova Lei de Licitações é a divulgação oficial dos atos de execução dos procedimentos de contratação pública na internet. Com isso, o §1º, inciso I, do art. 183 da NLLCA incorpora a mesma sistemática do §2º do art. 224 do Código de Processo Civil, diferenciando a data de “disponibilização da informação na internet” da data de publicação, sendo esta última considerada a de começo do prazo.

 

A disponibilização da informação na internet se dá com o carregamento (upload) do ato a ser divulgado no Portal Nacional de Contratações Públicas. Embora já disponível para o público, ainda não se considera o dia da disponibilização da informação como data de divulgação oficial, não sendo, por isso, tal data considerada como dia do começo.

 

A rigor, a Lei nº 14.133/2021 requer que a data da publicação seja o dia útil que se inicia com o ato já disponível no ambiente virtual legalmente escolhido para a divulgação (art. 174, I). Nessa linha, se o Agente Público responsável disponibiliza no sítio eletrônico oficial o ato a ser divulgado às 17 (dezessete) horas de uma quarta-feira, sendo a quinta-feira seguinte um dia útil, esta deve ser considerada como dia do começo. Como tal, a quinta-feira não será computada na contagem do prazo, pois o dia do começo é excluído do cômputo (caput do art. 183). Essa quinta-feira, portanto, é o Dia 0 (D0).  O primeiro dia do prazo, o Dia 1 (D1), será a sexta-feira. Assim será porque o caput do art. 183 expressamente exclui o dia do começo da contagem. Sendo o dia do começo (D0) o dia útil seguinte ao da disponibilização da informação na internet, este não deve ser computado no espaço temporal legalmente estabelecido.

 

Importante observar que a tradição jurídica, calcada na publicação dos atos por meio da imprensa oficial, exclui o dia do começo do prazo da contagem por considerar que aquele é o dia da divulgação. Isto é, é a jornada reservada à publicidade, ao conhecimento do ato. No caso da divulgação dos atos em sítio eletrônico oficial, e não mais na imprensa oficial, não seria adequado considerar que a divulgação do ato ocorreu no mesmo dia da sua disponibilização no site se o Administrador Público pode carregar o documento ao longo de todo dia. Por isso, o dia da publicação no sistema oficial de divulgação dos atos na internet é o primeiro dia útil seguinte ao do upload (disponibilização) da informação no sítio eletrônico. Este dia transcorre por inteiro com a informação já divulgada. É, portanto, o dia da publicidade do ato. Aqui, então, verificamos que, no modelo de publicação virtual dos atos, há de se considerar o dia da disponibilização da informação na internet e o dia da divulgação (o dia do começo).

 

Apesar de ter adotado o PNCP como meio oficial de publicação dos atos de execução da NLLCA, esse diploma ainda admite em alguns casos a notificação (ou intimação) por meio físico do interessado no ato praticado[3]. Porém, essa situação foge ao objeto destes comentários, que se dedica à contagem de prazo para a apresentação das propostas por ocasião da divulgação do edital da licitação, o que ocorre sempre no PNCP.

 

2. A CONTAGEM DO PRAZO MÍNIMO DE APRESENTAÇÃO DAS PROPOSTAS (art. 55 da NLLCA)

 

Diversos são os prazos previstos na Lei nº 14.133/2021, mas este texto se dedica especialmente à contagem dos prazos previstos no art. 55 da NLLCA, que estabelece o intervalo mínimo entre a divulgação do edital da licitação e a data limite para a apresentação das propostas. Enxergamos que a NLLCA traz regras que instituem um novo modelo de divulgação e que repercute significativamente na contagem desses prazos.

 

Como vimos no tópico precedente, o art. 183 da NLLCA determina como deve ocorrer a contagem dos prazos previstos nesse diploma. Os lapsos temporais do art. 55 são todos fixados em dias úteis, pelo que incide aqui o inciso III do art. 183, cujo texto determina a computação apenas dos “dias em que ocorrer expediente administrativo no órgão ou entidade competente”. No caso dos prazos do art. 55, computam-se os dias em que houver expediente no órgão ou entidade promotora do certame.

 

Na hipótese do art. 55, cujo prazo se conta a partir da data de divulgação, a regra a ser observada é a do inciso I do §1º do art. 183, que trata do conceito de dia do começo do prazo nos casos de divulgação realizada na internet, o que é a situação do instrumento convocatório da licitação, cuja divulgação se realiza no PNCP.

 

Essa disposição do inciso I do §1º do art. 183 é de fundamental importância para a contagem dos prazos do art. 55 da NLLCA. Fato é que o art. 54 impõe a divulgação do inteiro teor do edital e de seus anexos no PNCP, assim como a do seu extrato no diário oficial respectivo e em jornal diário de grande circulação. Além disso, temos ainda a publicação no site do órgão ou entidade promotora da licitação, exigida pela Lei nº 12.527/2011, a LAI (art. 8º, §1º, IV, e §2º). No caso de estados, municípios e do Distrito Federal ainda há a possibilidade de instalar seus próprios sítios eletrônicos oficiais para divulgação complementar de suas contratações, conforme faculdade prevista no art. 175 da Lei nº 14.133/2021. Com isso, é de se perguntar: é necessário que ocorra todas essas publicações para se iniciar a contagem dos prazos mínimos previstos no art. 55 em comento? Ou, caso a resposta for negativa, qual seria a publicação apta a ocasionar o início da contagem dos prazos mínimos para apresentação das propostas?

 

Para nós, o art. 54 e o art. 183, §1º, inciso I, da Nova Lei dá um indicativo relevante para responder tais questões, sobretudo se considerado dentro de todo o sistema da Lei nº 14.133/2021. Como já dissemos, no campo da divulgação dos atos oficiais dos procedimentos de contratação, o novo regime consagra o sítio eletrônico oficial e praticamente abandona a imprensa oficial. Considerados os ditames do art. 6º, LII, art. 54, caput, e art. 174, inciso I, podemos concluir que o meio oficial de divulgação dos atos regidos pela Lei nº 14.133/2021 é o Portal Nacional de Contratação Pública, o PNCP. Ressaltamos, nesse particular, o texto do art. 54, cujo conteúdo é no sentido de que a “publicidade do edital de licitação será realizada” (destaque nosso) no PNCP. Assim, concluímos que a divulgação se realiza no PNCP, sendo complementares[4] as demais formas de divulgação pontualmente exigidas neste diploma, devendo, por isso, ocorrer. Todavia, não são fundamentais para o início da contagem dos prazos legais.

 

O art. 183, §1º, inciso I, só reforça essa interpretação, pois coloca que a contagem dos prazos se inicia no dia seguinte à disponibilização da informação na internet. Nas hipóteses do art. 55, o mais adequado no regime da Nova Lei de Licitações é que o prazo se inicie no dia útil seguinte ao dia em que ocorrer o carregamento (upload) do edital e de seus anexos no PNCP, sítio oficial no qual a informação é disponibilizada na internet. Ou seja, não é necessária a divulgação em todos os meios legais exigidos para que se inicie a contagem dos prazos mínimos do art. 55.

 

Se assim fosse, o sistema da NLLCA se tornaria por demais complexo, o que não é aconselhado, inclusive em decorrência de orientações de princípios previstos no art. 5º da Lei nº 14.133/2021, como é o caso do princípio da segurança jurídica. Não seria albergada por esse cânone a compreensão de que a contagem do prazo só poderia se iniciar no caso de haver todas as publicações legalmente exigidas.

 

Lembremos que no regime da Nova Lei de Licitações são necessárias quatro publicações relativas ao edital do certame: a) a do PNCP (art. 54, caput); b) a do diário oficial (art. 54, §1º); c) a do jornal de grande circulação (art. 54, §1º); e d) a do site do órgão ou entidade promotora do certame (art. 8º, §1º, IV, e §2º, da LAI). No caso de estados, municípios e do Distrito Federal ainda é possível que se institua por lei do respectivo ente federativo, conforme previsto no art. 175 da Lei nº 14.133/2021, a publicação em sítio eletrônico estadual, municipal ou distrital, o que seria, no âmbito de tal unidade da federação, um quinto meio de divulgação. Vale rememorar que no leilão ainda há a necessidade de publicação “em local de ampla circulação de pessoas na sede da Administração” (art. 31, §3º, da NLLCA). Ora, controlar a obediência aos prazos mínimos previstos no art. 55 considerando todas essas publicações seria algo apto a ensejar constantes problemas.

 

Ademais, vejamos que a Nova Lei de Licitações não apresenta qual seria a sistemática de contagem de prazo pela divulgação na imprensa oficial e em jornal de grande circulação.

 

Por isso, esteado nos princípios que orientam o regime de contratação pública da Lei nº 14.133/2021, e especialmente no que diz o art. 183, §1º, inciso I, desse mesmo diploma, advogamos que os prazos mínimos previstos no art. 55 da NLLCA devem ser aferidos a partir da data de publicação do inteiro teor do edital e dos seus anexos no PNCP. As demais publicações exigidas por lei têm caráter complementar e devem ocorrer antes da data limite para a apresentação das propostas e lances. Se tais publicações complementares acontecerem após a data limite para a apresentação das propostas, a publicidade não terá ocorrido nos termos da lei e será o caso de se remarcar nova sessão.

 

Importante ressaltar que a posição anteriormente defendida ainda é uma discussão em aberto, o que exige do Gestor as cautelas necessárias para evitar questionamentos. Embora não seja a nossa interpretação, é possível que se adote a regra da Lei nº 8.666/1993 no regime da NLLCA, a qual, em seu art. 21, §3º, determina que os prazos garantidos aos licitantes para a elaboração das propostas comecem a contar a partir da última publicação[5]. Não seguimos tal entendimento, porque enxergamos no texto do inciso I do §1º do art. 183 uma norma cristalina que alberga outra forma de contagem de prazo, assim como também é cristalina a disposição do art. 54 no sentido de que a publicidade do edital se realiza no PNCP. A última publicação era considerada no regime da Lei nº 8.666/1993, porque ela previa tal sistemática. A despeito disso, deve a Administração atentar para o fato de que o recomendável é que todas as publicações ocorram com a maior antecedência possível.

 

Importante verificar a natureza dos prazos previstos no art. 55 em estudo para a adequada contagem. Como é cediço, a regra da Nova Lei de Licitações é a de que o dia do vencimento é incluído no cômputo do prazo legal (art. 183). Assim, no caso de uma licitação para aquisição por menor preço, cujo intervalo mínimo para a apresentação das propostas é de 8 (oito) dias úteis (art. 55, I, a), seria de se supor que a Administração poderia realizar a sessão de abertura do certame, exigindo dos licitantes que entregue as respectivas propostas, no 8º (oitavo) dia útil.

 

Ocorre, porém, que o magistério de Marçal Justen Filho indica que esse prazo é de natureza dilatória[6]. Essa espécie de lapso temporal é fixada para assegurar aos interessados a ausência de um ato durante o seu decurso. Eles são diversos dos chamados prazos peremptórios, que são aqueles em que se concede ao interessado um intervalo de tempo para que ele realize um determinado ato. Neste último caso, é válida a prática do ato pelo interessado no dia do vencimento. Diferente é a situação do lapso dilatório. Nesta hipótese, o prazo visa a garantir aos interessados que durante aquele período não haverá a prática do ato de seu interesse. Com isso, se o ato ocorre no dia do vencimento, esse dia não foi devidamente ofertado aos interessados.

 

Tornando ao exemplo da licitação para aquisição por menor preço, é legalmente adequado que a sessão de recebimento das propostas e lances ocorra apenas a partir do 9º (nono) dia útil em diante, assegurando-se aos interessados o lapso legal de 8 (oito) dias úteis sem a realização da sessão pública de recebimento das ofertas dos licitantes.

 



[1] OLIVEIRA, Rafael Sérgio de. A Aplicação da Nova Lei de Licitações Prescinde do PNCP. In: Portal L&C (licitacaoecontrato.com.br). Disponível em: http://www.licitacaoecontrato.com.br/publicacoesColuna/coluna_licitacao_/portallec-licitacao-rafael-sergio-de-oliveira-29-04-2021.html.

[2] A exceção fica por conta do §1º do art. 54, que requer a publicação do extrato do edital em diário oficial e em jornal diário de grande circulação.

[3] Nesses casos, o início do prazo se dará com a juntada da comprovação da notificação ou da intimação nos autos, conforme determina o inciso II do §1º do art. 183. É fato que a parte final do referido inciso II se refere à notificação “pelos correios”. Porém, esse mesmo modelo deve ser aplicado para qualquer espécie de notificação realizada por meio físico, como é o caso em que o Agente Público do órgão ou entidade entrega ao preposto da empresa contratada uma notificação. Atentemos para o fato de que a expressão “juntada aos autos” deve se aplicar a processos que tramitam em autos físicos e aos que são processados em autos eletrônicos. Nesta última situação, considera-se como data da juntada aquela em que ocorre o carregamento (upload) do comprovante da notificação ou da intimação na plataforma, com a vinculação ao respectivo processo.

[4] Vale aqui mencionar o §2º do art. 175 da Lei nº 14.133/2021, que expressamente fala no caráter complementar da publicação de extrato de edital de licitação realizada por municípios em jornal diário de grande circulação local.

[5] Nesse sentido: JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021. Conteúdo extra – novos comentários após a apreciação dos vetos da Lei nº 14.133/2021 pelo Congresso Nacional.