L&C Comenta

A repactuação como espécie de reajustamento de preços

João Luiz Domingues

É especialista em Gestão Pública e em Orçamento Público. É Auditor Federal de Finanças e Controle no Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) e Colaborador do Portal L&C.

O L&C Comenta de hoje abordará mais um tema afeto à Instrução Normativa nº 5/2017. A escolha do ponto a ser comentado, sem quaisquer dúvidas, recaiu sobre o que desperta maior dificuldade e questionamentos junto aos gestores e fiscais durante a execução contratual: repactuação dos contratos de serviços prestados com dedicação exclusiva de mão de obra.

 

Introdução

A repactuação é, juntamente com o reajuste stricto sensu e a revisão, uma das espécies de realinhamento de preços dos contratos de serviços terceirizados.

A repactuação de preços tem aplicação nas contratações de serviços continuados com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, desde que seja observado o interregno mínimo de um ano das datas dos orçamentos aos quais a proposta se referir[1].

Portanto, o fato gerador da repactuação é a data base da categoria contratada, devendo ser observado o princípio da anualidade para as respectivas concessões do equilíbrio econômico-finaceiro do contrato.

 

Base legal

            Se procurarmos na legislação que regulamenta as contratações públicas, não encontraremos citação ao instituto da repactuação, ou seja, repactuação é um procedimento não definido expressamente em lei.

No entanto, podemos nos apropriar do disposto no inciso XXI, art. 37, da Constituição Federal de 1988, no que tange à observância do princípio da manutenção das condições efetivas da proposta em contratos da Administração Pública, vez que ao contratado é assegurado o equilíbrio econômico-financeiro frente à elevação dos custos que vier a ocorrer durante a vigência contratual[2].

            Nessa esteira, a Lei nº 8.666/1993 traz ao longo de seu texto, arts. 57, § 1º; 58, inciso I, §§ 1º e 2º; 65, inciso II, alínea d, §§ 5º e 6º; e 40, inciso XI e 55, inciso III, de modo a assegurar a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato ou da proposta à empresa contratada.

            O Decreto nº 2.271/1997, art. 5º, parágrafo único[3], foi o primeiro normativo a abordar o termo repactuação como espécie de reajustamento de preços para adequar o preço dos contratos de prestação de serviços executados de forma contínua à realidade de preços praticado no mercado.

A doutrina consagra a repactuação como uma das espécies do gênero Reajuste, sendo a outra espécie o reajuste em sentido estrito, tendo em vista que a repactuação não desponta por meio de Lei.

Em 2009, identificamos o Parecer JT nº 02, da lavra do Advogado-Geral da União, que aborda, entre outros assuntos, a repactuação como espécie de reajuste contratual. A Advocacia-Geral da União (AGU) também se manifestou sobre aplicação da repactuação por meio da Orientação Normativa da AGU nº 23/2009[4].

O Tribunal de Contas da União (TCU) abordou o tema em diversos acórdãos, contudo, destacamos os Acórdãos nºs 1.827 e 1.828/2008, ambos Plenário. O Poder Executivo disciplinou a matéria por meio da Instrução Normativa nº 02/2008, posteriormente revogada pela Instrução Normativa nº 05/2017. A atual norma infralegal dispõe sobre as regras e diretrizes do procedimento de contratação de serviços sob o regime de execução indireta no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional.

 Por fim, cabe esclarecer que a repactuação surge como decorrência da implementação do Plano Real e como justificativa para estancar as correções dos valores dos contratos de prestação de serviços a partir do processo inflacionário desmesurado existente no Brasil nos idos de 1990.

 

Princípio da Anualidade

            A base legal do reajuste é a Lei nº 10.192/2001, que dispõe sobre medidas complementares ao Plano Real, em especial em seus arts. 2º e 3º. De acordo com o art. 2º[5], admite-se o reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano.

            A periodicidade anual anunciada pela aludida Lei tem como marco inicial a data limite para apresentação da proposta ou do orçamento a que essa se referir[6]. Essa diferença na contagem do marco inicial é muito importante para distinção da aplicação do reajuste stricto sensu e da repactuação.

            O reajuste stricto sensu é aplicado aos contratos prestados sem dedicação exclusiva de mão de obra ou em contratos prestados com dedicação exclusiva da mão de obra em que haja aplicação de insumos não decorrentes de Acordo, Convenção, Dissídio Coletivo de Trabalho e de lei, e de materiais aplicados na prestação de serviços, a exemplo, de limpeza e conservação e de manutenção predial, e tem como marco inicial a data da apresentação da proposta, ou seja, a data em que ocorre a realização da sessão pública da licitação.

            Na repactuação, a contagem para a anualidade não se inicia com a sessão pública e sim com a data do orçamento a que a proposta se referir, assim entendido o Acordo, Convenção ou Dissídio Coletivo de Trabalho, para os custos decorrentes de mão de obra[7].

            Destarte, poderemos no mesmo contrato de prestação de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra, por exemplo, limpeza e conservação, observar a ocorrência das duas espécies de reajustamento de preços – reajuste e repactuação, contudo, com fatos geradores distintos e momentos diferentes de aplicação.

 

Fato Gerador

            Conforme relatado anteriormente, o fator gerador da repactuação é a data base da categoria contratada, podendo ter origem na Convenção Coletiva de Trabalho (CCT); Acordo Coletivo de trabalho (ACT); ou Sentença normativa (SN).

            De acordo com a CLT, art. 614, § 1º, a CCT e o ACT somente entrarão em vigor 03 (três) dias após a data de suas respectivas entregas no órgão competente. Ou seja, as empresas somente poderão solicitar a repactuação após transcurso desse período. O depósito traz a vigência necessária para aplicação dos respectivos efeitos desses documentos. Para saber se houve o depósito da CCT, devemos acessar o sítio http://www3.mte.gov.br/sistemas/mediador.

            Assim sendo, não há necessidade de registro da CCT ou do ACT no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) como condição para produção dos efeitos e, consequentemente, para solicitação da repactuação, vez que devemos diferenciar a necessidade da entrega da CCT e do ACT, conforme prevê a CLT, do respectivo registro, regulamentado pela Instrução Normativa nº 16 do Secretário de Relações do Trabalho (SER), de 15 de outubro de 2013.

            Posteriormente à celebração da CCT ou do ACT, deverá ser feita a transmissão das informações por meio do Sistema Mediador, que gerará, após a transmissão eletrônica dos dados, um comprovante de requerimento de registro que deverá ser assinado pelas partes e ser protocolado posteriormente no MTE. A protocolização equivale ao depósito para fins de contagem de prazo para início da vigência.

O registro por sua vez é ato que atesta a regularidade das informações enviadas pelo Sistema Mediador. No limite, poderá haver arquivamento sem registro da CCT e do ACT, conforme se verifica da disposição contida no inciso III, art. 16, Instrução Normativa SRE n. 16/2013[8]. A vigência da Sentença Normativa ocorre com a respectiva publicação, porém, o início da vigência observará as disposições da CLT[9].         

Em havendo alteração de data base e a consequente redução do prazo da anualidade para período inferior a 12 (doze) meses é possível a aplicação da revisão contratual (reequilíbrio econômico-financeiro) vez que a adoção da repactuação significará a não observância da regra da anualidade.

A revisão contratual deverá respeitar o disposto no § 5º, art. 65, da Lei nº 8.666/1993, e não ao contido na alínea ‘d’, inciso II, do mesmo dispositivo legal, conhecida pela teoria da imprevisão, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. A CCT e o ACT possuem natureza normativa que os confere a característica de observância obrigatória e, portanto, outorgando a aplicação do art. 65, § 5º.

Não obstante, de forma diversa, a IN nº 05/2017 estabelece como fato gerador da repactuação a data do Acordo, Convenção, Dissídio Coletivo de Trabalho ou equivalente vigente à época da apresentação da proposta[10].

 

Efeitos financeiros

            Neste tópico iremos apresentar o momento de aplicação dos efeitos financeiros da repactuação e para melhor entendimento do tema deveremos resgatar os conceitos de anualidade e de fato gerador e entender as respectivas diferenças.

Primeiramente, devemos distinguir a data base da categoria da data da CCT, ACT ou SN. A primeira tem a função de indicar o fato gerador, enquanto a segunda informa a partir de quando haverá a produção dos efeitos financeiros da repactuação, que poderá ser retroativo, coincidindo com a data base; da própria data da CCT, ACT ou SN; ou ainda apresentando efeitos prospectivos, podendo, em alguns casos, a data do início dos efeitos da repactuação não observar o prazo mínimo estabelecido pela Lei nº 10.192/2001 de 12 (doze) meses.

Portanto, o que o gestor ou fiscal do contrato deve atentar, para efeito de concessão da repactuação, se foi observado o princípio da anualidade quanto à produção dos efeitos financeiros descritos pelas CCT, ACT ou SN, não importando, portanto, se o período de publicação entre duas CCT consecutivas para a mesma categoria resultar em prazo inferior a 12 (doze) meses. A figura a seguir sintetiza a situação:

            Caso não seja observado o princípio da anualidade entre os efeitos financeiros, caberá ao gestor ou ao fiscal do contrato, conforme informado anteriormente, adotar a revisão contratual (art. 65, § 5º, da Lei nº 8.666/1993) como espécie de realinhamento de preços do contrato.

 

Contratação Emergencial

            De acordo com a Lei nº 10.192/2001, somente poderá haver aplicação de reajuste caso o contrato tenha prazo de duração igual ou superior a um ano[11], cuja periodicidade será contada a partir da data limite para apresentação da proposta ou do orçamento a que essa se referir[12].

            Nessa senda, considerando o descrito na Lei nº 10.192/2001, arts. 2º e 3º, os contratos de serviços prestados com dedicação exclusiva de mão de obra celebrados com fulcro no inciso IV, art. 24, da Lei nº 8.666/1993, contratação emergencial, não fariam jus à repactuação vez que a sua vigência alcança apenas 180 dias.

            Contudo, discordamos desse entendimento vez que não se pode comparar reajuste com repactuação, especialmente no que tange à formulação de propostas de preços. Na primeira hipótese, a empresa ao apresentar a proposta para execução por 12 (meses), prospecta a inflação do período futuro na composição do custo.

            De forma diversa, nas contratações de serviços sujeitas à repactuação, a formação da proposta considera os valores dispostos em CCT vigente à época da realização do certame, tempo pretérito, como por exemplo, o piso salarial, auxílio alimentação e diversos outros insumos. Por isso, o marco inicial para concessão da repactuação é a data do orçamento a que essa proposta se refere, vez que o referencial para formulação de preços estará sempre no passado e não no futuro.

Pelo exposto, é possível a concessão de repactuação em contratos cuja vigência contratual decorra de contratação emergencial, desde que transcorra o interregno mínimo de 12 meses entre a data do orçamento a que se referiu a proposta da empresa contratada e a ocorrência do próximo fato gerador que motivou o pleito do reajustamento de preços, que em regra é uma nova CCT.



[1] Instrução Normativa nº 05/2017, art. 53.

[2] Instrução Normativa nº 05/2017, art. 54, § 1º.

[3] Art. 5º Os contratos de que trata este Decreto, que tenham por objeto a prestação de serviços executados de forma contínua poderão, desde que previsto no edital, admitir repactuação visando a adequação aos novos preços de mercado, observados o interregno mínimo de um ano e a demonstrarão analítica da variação dos componentes dos custos do contrato, devidamente justificada.

Parágrafo Único. Efetuada a repactuação, o órgão ou entidade divulgará, imediatamente, por intermédio do Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais - SIASG, os novos valores e a variação ocorrida.

[4] O edital ou o contrato de serviço continuado deverá indicar o critério de reajustamento de preços, sob a forma de reajuste em sentido estrito, admitida a adoção de índices gerais, específicos ou setoriais, ou por repactuação, para os contratos com dedicação exclusiva de mão de obra, pela demonstração analítica da variação dos componentes dos custos.

 

 

[5] Art. 2º É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano.

[6] Art. 3º, § 1º, Lei nº 10.192/2001.

[7] Orientação Normativa AGU nº 25/2009.

[8] Art. 16. As solicitações serão arquivadas sem o devido registro do instrumento coletivo nas seguintes situações: [...]

III - Quando expirada a vigência de instrumento coletivo pendente de retificação, sem que tenham sido efetuadas as retificações necessárias.

[9] Art. 616.

[...]

§ 3º - Havendo convenção, acordo ou sentença normativa em vigor, o dissídio coletivo deverá ser instaurado dentro dos 60 (sessenta) dias anteriores ao respectivo termo final, para que o novo instrumento possa ter vigência no dia imediato a esse termo.

Art. 867 - Da decisão do Tribunal serão notificadas as partes, ou seus representantes, em registrado postal, com franquia, fazendo-se, outrossim, a sua publicação no jornal oficial, para ciência dos demais interessados.

Parágrafo único - A sentença normativa vigorará:           

a) a partir da data de sua publicação, quando ajuizado o dissídio após o prazo do art. 616, § 3º, ou, quando não existir acordo, convenção ou sentença normativa em vigor, da data do ajuizamento;

b) a partir do dia imediato ao termo final de vigência do acordo, convenção ou sentença normativa, quando ajuizado o dissídio no prazo do art. 616, § 3º.  

[10] Instrução Normativa nº 05/2017, art. 55, inciso II.

[11] Art. 2º É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano.

§ 1º É nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano.

[12] Lei n. 10.192/2001, art. 3º, § 1º.