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A revogação da IN Nº 3/2011 e a nova sistemática da fase competitiva do pregão

Daniel Barral

Mestrando em Direito Público pela Universidade Nova de Lisboa, Procurador Federal da Advocacia-Geral da União e Colaborador do Portal L&C.

Contexto

 

A Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia revogou na semana passada a Instrução normativa nº 3, de 16 de Dezembro de 2011.

 

Referida resolução, estabelecia, em síntese, três núcleos normativos. O primeiro tratava da possibilidade do edital estabelecer intervalos mínimos de valores entre os lances. Já o segundo dispunha sobre o intervalo temporal mínimo entre os lances, que, ao contrário do anterior, facultativo, era de observância obrigatória por todos os órgãos e entidades integrantes do SISG.

 

Por último a IN SLTI nº 3 de 2011 continha regra de prazo para envio de documentos de habilitação do licitante provisoriamente classificado em primeiro lugar, regra reproduzida ipsis litteris no art. 38 do novo regulamento de pregão.

 

Da ratio da gênese da IN SLTI 3, de 2011

 

Contudo, conforme demonstraremos abaixo, com a entrada em vigor do Decreto nº 10.024, de 20 de Setembro de 2019, os referidos comandos passaram a colidir com as novas disposições relativas ao envio de lances do pregão eletrônico, o que justificou a revogação integral da IN SLTI nº 3 de 2011.

 

Como já comentado, o primeiro dispositivo da norma recém revogada dispunha sobre a possibilidade de o edital impor intervalo mínimo de diferença de valor entre os lances.

 

Tanto esta regra do art. 1º-A quanto a do art. 2º, que tratava do intervalo temporal mínimo entre as propostas, buscava eliminar o uso de robôs nas licitações públicas, tendo ambas origem em determinação contida no Acórdão 2601/2011-Plenário do TCU.

 

Naquela ocasião o tribunal entendeu que o uso de programas 'robô' por parte de licitante viola o princípio da isonomia e assinalou prazo de 60 dias para que a SLTI implementasse mecanismos inibidores do uso de dispositivos de envio automático de lances em pregões eletrônicos conduzidos via portal Comprasnet. Confira resumo do acórdão:

 

Mediante monitoramento, o Tribunal tratou do acompanhamento do Acórdão 1647/2010, do Plenário, que versou sobre a utilização de dispositivos de envio automático de lances (robôs) em pregões eletrônicos conduzidos por meio do portal Comprasnet, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). No Acórdão monitorado, o Tribunal concluiu que, em pregões eletrônicos conduzidos via portal Comprasnet: "a) é possível aos usuários de dispositivos de envio automático de lances (robôs) a remessa de lances em frações de segundo após o lance anterior, o que ocorre durante todo o período de iminência do pregão; b) com a possibilidade de cobrir lances em frações de segundo, o usuário do robô pode ficar à frente do certame na maior parte do tempo, logrando assim probabilidade maior (e real) de ser o licitante com o lance vencedor no momento do encerramento do pregão, que é aleatório; c) ciente dessa probabilidade, que pode chegar a ser maior que 70%, o licitante usuário do robô pode simplesmente cobrir os lances dos concorrentes por alguns reais ou apenas centavos, não representando, portanto, vantagem de cunho econômico para a Administração". Para o relator, os fatos configurariam a inobservância do princípio constitucional da isonomia, visto que "a utilização de software de lançamento automático de lances (robô) confere vantagem competitiva aos fornecedores que detêm a tecnologia em questão sobre os demais licitantes", sendo que as medidas até então adotadas pela SLTI/MPOG teriam sido insuficientes para impedir o uso de tal ferramenta de envio automático de lances. Além disso, como as novas providências para identificar alternativa mais adequada para conferir isonomia entre os usuários dos robôs e os demais demandariam tempo, e a questão exigiria celeridade, entendeu o relator que MPOG poderia definir provisoriamente, por instrução complementar e mediante regras adicionais para a inibição ou limitação do uso dos robôs, de maneira a garantir a isonomia entre todos os licitantes, nos termos do art. 31 do Decreto 5.450/2005, razão pela qual apresentou voto nesse sentido, bem como por que o Tribunal assinasse o prazo de 60 dias para que a SLTI implementasse mecanismos inibidores do uso de dispositivos de envio automático de lances em pregões eletrônicos conduzidos via portal Comprasnet, no que foi acompanhado pelo Plenário.

 

Conforme se pode depreender da leitura acima o uso do robô fazia com o que o seu usuário figurasse a maior parte do tempo como potencial vencedor do certame e o encerramento aleatório do sistema impedia que outros competidores tivessem tempo hábil para superar as propostas automatizadas.

 

Agora, conforme é possível extrair da leitura do novo Decreto de Pregão, foi instituído um procedimento inovador para o envio de lances, mas com o mesmo objetivo anterior, que é o de coibir práticas fraudulentas nos pregões eletrônicos.

 

Das novas disposições do Decreto de Pregão

 

O que interessa destacar nesta quadra é que, se de um lado a regra contida no antigo art. 1º-A da IN SLTI n. 3, de 2011 mereceu integral acolhida no Decreto n. 10.024, de 2019, nos artigos 14, III, 30, § 3º e 31[1], parágrafo único, a questão do intervalo temporal recebeu tratamento integralmente novo e engenhoso.

 

Como é sabido, pela regra anterior do § 7º do art. 22 do Decreto n. 5.450, de 31 de maio de 2005 revogado pelo Decreto n. 10.024, de 2019, o pregão possuía um fechamento iminente e aleatório dos lances, após o transcurso do período inicial de até trinta minutos da fase competitiva.

 

Esta sistemática, que atribuía certa aleatoriedade a quem seria o vencedor do certame, incentivava o uso de soluções automatizadas que conferiam vantagens artificiais aos licitantes que cobriam, imediatamente, as ofertas alheias.

 

Agora, segundo a nova sistemática inaugurada no art. 32 do Decreto 10.024, de 2019[2], que disciplina o modo de disputa aberto, o envio de proposta nos últimos dois minutos provoca a prorrogação automática da sessão pública competitiva.

 

A adoção deste mecanismo, portanto, inutiliza o uso do robô, pois o aspecto temporal associado ao conhecido período de encerramento iminente do pregão perde relevo.

 

Já o modo de disputa aberto e fechado, disciplinado no art. 33[3] do Decreto n. 10.024, de 2019, mantém a sistemática do fechamento aleatório inaugurado pelo decreto anterior mas inova ao incentivar a oferta de lances fechados e secretos por parte dos outros competidores, adicionando um elemento de incerteza que altera o equilíbrio do jogo licitatório e tornando de duvidosa utilidade o uso de robôs para o envio de propostas em série.

 

Conclusão

 

Deste modo, a revogação da IN SLTI 3, de 2011, representa o cuidado da SEGES na coerência regulatória, retirando vigência de norma que em essência não tinha qualquer aplicabilidade ante o tratamento exauriente da matéria por parte do Decreto n 10.024, de 2019.



[1] Art. 14.  No planejamento do pregão, na forma eletrônica, será observado o seguinte:

(...)

III - elaboração do edital, que estabelecerá os critérios de julgamento e a aceitação das propostas, o modo de disputa e, quando necessário, o intervalo mínimo de diferença de valores ou de percentuais entre os lances, que incidirá tanto em relação aos lances intermediários quanto em relação ao lance que cobrir a melhor oferta;

Art. 30.  Classificadas as propostas, o pregoeiro dará início à fase competitiva, oportunidade em que os licitantes poderão encaminhar lances exclusivamente por meio do sistema eletrônico.

(...)

§ 3º  O licitante somente poderá oferecer valor inferior ou maior percentual de desconto ao último lance por ele ofertado e registrado pelo sistema, observado, quando houver, o intervalo mínimo de diferença de valores ou de percentuais entre os lances, que incidirá tanto em relação aos lances intermediários quanto em relação ao lance que cobrir a melhor oferta.

Art. 31.  Serão adotados para o envio de lances no pregão eletrônico os seguintes modos de disputa:

I - aberto - os licitantes apresentarão lances públicos e sucessivos, com prorrogações, conforme o critério de julgamento adotado no edital; ou

II - aberto e fechado - os licitantes apresentarão lances públicos e sucessivos, com lance final e fechado, conforme o critério de julgamento adotado no edital.

Parágrafo único.  No modo de disputa aberto, o edital preverá intervalo mínimo de diferença de valores ou de percentuais entre os lances, que incidirá tanto em relação aos lances intermediários quanto em relação ao lance que cobrir a melhor oferta.

 

[2] Art. 32.  No modo de disputa aberto, de que trata o inciso I do caput do art. 31, a etapa de envio de lances na sessão pública durará dez minutos e, após isso, será prorrogada automaticamente pelo sistema quando houver lance ofertado nos últimos dois minutos do período de duração da sessão pública.

§ 1º  A prorrogação automática da etapa de envio de lances, de que trata o caput, será de dois minutos e ocorrerá sucessivamente sempre que houver lances enviados nesse período de prorrogação, inclusive quando se tratar de lances intermediários.

§ 2º  Na hipótese de não haver novos lances na forma estabelecida no caput e no § 1º, a sessão pública será encerrada automaticamente.

§ 3º  Encerrada a sessão pública sem prorrogação automática pelo sistema, nos termos do disposto no § 1º, o pregoeiro poderá, assessorado pela equipe de apoio, admitir o reinício da etapa de envio de lances, em prol da consecução do melhor preço disposto no parágrafo único do art. 7º, mediante justificativa.

 

[3] Art. 33.  No modo de disputa aberto e fechado, de que trata o inciso II do caput do art. 31, a etapa de envio de lances da sessão pública terá duração de quinze minutos.

§ 1º  Encerrado o prazo previsto no caput, o sistema encaminhará o aviso de fechamento iminente dos lances e, transcorrido o período de até dez minutos, aleatoriamente determinado, a recepção de lances será automaticamente encerrada.

§ 2º  Encerrado o prazo de que trata o § 1º, o sistema abrirá a oportunidade para que o autor da oferta de valor mais baixo e os autores das ofertas com valores até dez por cento superiores àquela possam ofertar um lance final e fechado em até cinco minutos, que será sigiloso até o encerramento deste prazo.

§ 3º  Na ausência de, no mínimo, três ofertas nas condições de que trata o § 2º, os autores dos melhores lances subsequentes, na ordem de classificação, até o máximo de três, poderão oferecer um lance final e fechado em até cinco minutos, que será sigiloso até o encerramento do prazo.

§ 4º  Encerrados os prazos estabelecidos nos § 2º e § 3º, o sistema ordenará os lances em ordem crescente de vantajosidade.

§ 5º  Na ausência de lance final e fechado classificado nos termos dos § 2º e § 3º, haverá o reinício da etapa fechada para que os demais licitantes, até o máximo de três, na ordem de classificação, possam ofertar um lance final e fechado em até cinco minutos, que será sigiloso até o encerramento deste prazo, observado, após esta etapa, o disposto no § 4º.

§ 6º  Na hipótese de não haver licitante classificado na etapa de lance fechado que atenda às exigências para habilitação, o pregoeiro poderá, auxiliado pela equipe de apoio, mediante justificativa, admitir o reinício da etapa fechada, nos termos do disposto no § 5