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AGU altera entendimento sobre compensação de supressões e acréscimos contratuais

Daniel Barral

Mestrando em Direito Público pela Universidade Nova de Lisboa, Procurador Federal da Advocacia-Geral da União e Colaborador do Portal L&C.

 

Daniel de Andrade Oliveira Barral

Procurador Federal da AGU

Mestrando em Direito Público

 Fundador e Colaborador do Portal L&C.

 

Colaborou com este LC comenta:

Kauana Rodrigues

Colaboradora do Portal L&C

Bacharelanda em Direito.

 

 

Reflexões a respeito do Acórdão n° 66/2021- Plenário do TCU

No início deste ano de 2021, o Tribunal de Contas da União, respondendo a consulta formulada pela Ministro de Estado das Comunicações, entendeu por revisitar o entendimento já consolidado naquela corte de contas para concluir pela possibilidade de restabelecimento de quantitativos de itens anteriormente suprimidos, entendimento este que restou plasmado no Acórdão nº 66/2021- Plenário abaixo reproduzido:

 

9.1. conhecer da presente Consulta, por preencher os requisitos de admissibilidade previstos nos arts. 264, caput e inciso IV, §§ 1º e 2º, e 265, do Regimento Interno do TCU;

9.2. com fundamento no art. 1º, inciso XVII e § 2º, da Lei 8.443/1992, responder ao consulente que o restabelecimento total ou parcial de quantitativo de item anteriormente suprimido por aditivo contratual, com fundamento nos §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei 8.666/1993, por causa de restrições orçamentárias, desde que observadas as mesmas condições e preços iniciais pactuados, não configura a compensação vedada pela jurisprudência do Tribunal de Contas da União, consubstanciada nos Acórdão 1536/2016-TCU-Plenário, rel. Bruno Dantas, e 2.554/2017-TCU-Plenário, rel. André de Carvalho, visto que o objeto licitado ficou inalterado, sendo possível, portanto, além do restabelecimento, novos acréscimos sobre o valor original do contrato, observado o limite estabelecido no § 1º do art. 65 da Lei 8.666/1993;

 

O TCU entendeu que a situação fática apresentada pelo consulente não se amoldava à situação tipo enfrentada pela jurisprudência do TCU, mormente Acórdão nº 1.536/2016 – Plenário, que estaria voltada à impedir a compensação entre os acréscimos e supressões de itens diversos e não ao restabelecimento do mesmo item anteriormente suprimido.

É cediço que esta orientação jurisprudencial tem por fundamento evitar o cometimento de fraudes à licitação, como o “jogo de planilhas” em que o licitante se aproveita de eventuais defeitos nos projetos que embasam a licitação por preço global, identificando itens com quantitativos muito baixos (para os quais oferece preços elevados) e itens com quantitativos muito altos (para os quais oferece preços reduzidos ou irrelevantes). Isso possibilita que, na média, o preço global da proposta se apresente reduzido, garantindo a vitória do licitante no certame. Posteriormente, durante a execução do contrato, torna-se necessário o aditamento para corrigir aqueles quantitativos, elevando, assim, o preço global em benefício do contratado.

Nas palavras da área técnica, este expediente poderia ser minorado se a Administração adotasse a prática “de aferir se os preços unitários das contratações, após adoção de acréscimos e supressões, estariam em conformidade com os praticados no mercado ou condizentes com a percentual de desconto linear ofertado no certame.”

Outra ponderação da área técnica do TCU é que estas alterações contratuais não produzam uma desnaturação do objeto originalmente contratado.

Um ponto interessante a ser destacado é que o Acórdão n° 66/2021 não superou o entendimento já consolidado no âmbito do TCU a respeito da vedação de compensação entre acréscimos e supressões de itens distintos, mas em verdade, deixou de aplicá-los ao caso concreto em razão da ausência de similitude fática entre o precedente e o caso em julgamento, o que é conhecido como distinguishing.

Há que se registrar que o distinguishing apenas afasta aplicação do precedente sem proceder à sua revogação (ou a superação de sua eficácia), sendo certo que ele deverá ser aplicado aos casos futuros semelhantes[i], de modo que continuam vedadas as práticas que conduzam ao jogo de planilhas anteriormente aludidas. Neste sentido, confira trecho da instrução da área técnica:

 

“23.    (...). A compensação se dá entre itens diferentes. Ocorre quando a Administração suprime quantitativos de um ou mais itens e acresce quantitativos de itens distintos ou inclui itens novos no mesmo valor. Com isso, a Administração poderia fazer, além dos acréscimos ‘compensados’ com as supressões, outros acréscimos até o limite de 25%. Ao final, os acréscimos tomados isoladamente, na verdade, teriam ultrapassados os 25%. Essa é a prática vedada, conforme jurisprudência deste Tribunal, justamente, para impedir o jogo de planilha e/ou a descaracterização do objeto licitado.

24.     Por outro lado, se há a supressão em quantitativos de um ou mais itens e, depois, há o restabelecimento total ou parcial dos quantitativos suprimidos nos mesmos itens, não há que se falar sequer em compensação. Não se compensa algo consigo mesmo. É evidente que esse restabelecimento deve ocorrer nas mesmas condições iniciais, inclusive valores. Sendo assim, após o restabelecimento de quantitativo de item anteriormente suprimido, não se vê óbice, na jurisprudência deste Tribunal, a que se faça outros acréscimos, qualitativos ou quantitativos, até o limite estabelecido no § 1º do art. 65 da Lei 8.666/1993. Primeiro, porque não houve compensação, já que não se trata de itens diferentes. Segundo, porque essa situação não favoreceria o jogo de planilha e/ou a descaracterização do objeto licitado, que são as práticas cujo risco de ocorrência a jurisprudência do TCU pretende mitigar.

25.     Há que se ressaltar ainda que, caso não tivesse ocorrido a supressão, com o restabelecimento posterior do item, seria possível fazer acréscimos, qualitativos ou quantitativos, até o limite estabelecido no § 1º do art. 65 da Lei 8.666/1993. Não faz sentido, portanto, apenas porque houve uma supressão e o posterior restabelecimento do item, retornando ao status quo ante, proibir acréscimos ao valor originalmente contratado até o limite estabelecido no § 1º do art. 65 da Lei 8.666/1993.

26.     Observa-se que a questão abstrata posta sob consulta ao TCU se enquadra nessa situação, ou seja, não há que se falar em compensação de itens, mas mero restabelecimento de quantitativos anteriormente suprimidos, por causa de restrições orçamentárias impostas ao órgão, não implicando, dessa forma, na vedação de que tratam os Acórdãos 1.536/2016-TCU-Plenário, rel. Bruno Dantas; e 2.554/2017-TCU-Plenário, rel. André de Carvalho.” (grifos no original).

Da nova redação da ON n° 50 da AGU

Buscando adequar a interpretação e aplicação da lei no âmbito da Administração Pública Federal, a AGU decidiu adequar a redação da Orientação Normativa n° 50 para o novo entendimento proferido pelo TCU.

Originalmente, a ON n° 50 da AGU estabelecida que "os acréscimos e as supressões do objeto contratual devem ser sempre calculados sobre o valor inicial do contrato atualizado, aplicando-se a estas alterações os limites percentuais previstos no art. 65, § 1º, da lei nº 8.666, de 1993, sem qualquer compensação entre si." Entretanto, após o Acórdão n° 66/2021-P do TCU, a ON n° 50 da AGU passou a apresentar a seguinte redação:

 

ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 50

"I - OS ACRÉSCIMOS E AS SUPRESSÕES DO OBJETO CONTRATUAL DEVEM SER SEMPRE CALCULADOS SOBRE O VALOR INICIAL DO CONTRATO ATUALIZADO, APLICANDO-SE DE FORMA ISOLADA OS LIMITES PERCENTUAIS PREVISTOS EM LEI AO CONJUNTO DE ACRÉSCIMOS E SUPRESSÕES, VEDADA A COMPENSAÇÃO DE ACRÉSCIMOS E SUPRESSÕES ENTRE ITENS DISTINTOS, NÃO SE ADMITINDO QUE A SUPRESSÃO DE QUANTITATIVOS DE UM OU MAIS ITENS SEJA COMPENSADA POR ACRÉSCIMOS DE ITENS DIFERENTES OU PELA INCLUSÃO DE NOVOS ITENS.

II - NO ÂMBITO DO MESMO ITEM, O RESTABELECIMENTO PARCIAL OU TOTAL DE QUANTITATIVO ANTERIORMENTE SUPRIMIDO NÃO REPRESENTA COMPENSAÇÃO VEDADA, DESDE QUE SEJAM OBSERVADAS AS MESMAS CONDIÇÕES E PREÇOS INICIAIS PACTUADOS, NÃO HAJA FRAUDE AO CERTAME OU À CONTRATAÇÃO DIRETA, JOGO DE PLANILHA, NEM DESCARACTERIZAÇÃO DO OBJETO, SENDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL, ALÉM DO RESTABELECIMENTO, A REALIZAÇÃO DE ADITAMENTOS PARA NOVOS ACRÉSCIMOS OU SUPRESSÕES, OBSERVADOS OS LIMITES LEGAIS PARA ALTERAÇÕES DO OBJETO EM RELAÇÃO AO VALOR INICIAL E ATUALIZADO DO CONTRATO."

REFERÊNCIA: art. 124, inciso I, alínea "b", e arts. 125 e 126 da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021; art. 65, inciso I, alínea "b", e § 1º, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993; Parecer PGFN/CJU/CLC/nº 28/2009, Parecer nº 1359/2010/LC/NAJSP/AGU, Parecer nº 16/2021/DECOR/CGU/AGU, Despacho nº 158/2021/Decor/CGU/AGU e Despacho nº 172/2021/DECOR/CGU/AGU.

 

Como é possível apreender do novel inciso II da ON n° 50 da AGU, o item anteriormente suprimido pode ter o valor restabelecido total ou parcialmente e ainda estará apto a alcançar o percentual que a lei prevê para o acréscimo, desde que o valor final não ultrapasse 125% (cento e vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato.

Dessa forma, é possível extrair destes precedentes que a Administração pública deve tomar os seguintes cuidados na instrução do processo administrativo que tenha por objeto o restabelecimento de quantitativos de itens anteriormente suprimidos:

1 – Deve ser demonstrado que o objeto contratual não restará desnaturado em razão da alteração pretendida;

2 - Para tanto a administração deve demonstrar que o acréscimo pretendido envolve o mesmo item anteriormente suprimido;

3 – Deve ser observado o valor unitário pactuado e que seja compatível com a realidade de mercado;

4 – Não pode ocorrer “jogo de planilha”; e

5 – Deve ser observado o limite previsto no art. 65, § 1o da Lei n° 8.666, de 1993.



[i] Oliveira, Rafael Carvalho Rezende. Precedentes no Direito Administrativo (p. 87). Forense. Edição do Kindle.