L&C Comenta

Alcance do inciso I do art. 48 da Lei Complementar n. 123/2006 nas contratações de serviços de natureza continuada

João Luiz Domingues

É especialista em Gestão Pública e em Orçamento Público. É Auditor Federal de Finanças e Controle no Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) e Colaborador do Portal L&C.

Bom dia, o L&C Comenta de hoje abordará o benefício conferido pela Lei Complementar n. 123/2006 às microempresas, empresas de pequeno porte em participar, de forma exclusiva, de processo licitatório cujo valor estimado da contratação não ultrapasse a quantia de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), conforme estabelece o art. 48, inciso I.

 

A redação do referido normativo se mostra clara e objetiva, ou seja, nas contratações em que o valor estimado da licitação não superar o limite de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) somente será permitida a participação no certame de microempresas e empresas de pequeno porte que atendam aos pressupostos prescritos pelo art. 3º da própria Lei Complementar n. 123/2006.

 

Assim, os órgãos e as entidades contratantes deverão realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nas licitações cujo valor para cada item ou grupo não ultrapasse R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).

 

Contudo, quando o objeto da licitação reside na contratação de prestação de serviços de natureza continuada não havia consenso quanto à aplicação do benefício proclamado pelo art. 48, inciso I, às microempresas e empresas de pequeno porte, vez que a Lei Complementar n. 123/2006 foi silente em relação ao parâmetro temporal para observância do limite de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).

 

Sobre o assunto, cabe frisar que recentemente houve a publicação da Portaria n. 155, de 19 de abril de 2017, da Advocacia-Geral da União, que conferiu nova redação à Orientação Normativa AGU n. 10, de 01 de abril de 2009, cujo conteúdo harmoniza com o entendimento esposado pelo TCU no Acórdão n. 1.932/2016-Plenário.

 

A redação anterior da Orientação Normativa AGU n. 10/2009 fixava entendimento de que em se tratando de serviços prestados de forma contínua a exclusividade conferida às microempresas e empresas de pequeno porte deve levar em conta o período de vigência do contrato e as possíveis prorrogações, considerando que o contrato pode alcançar a vigência de 05 (cinco) anos, o valor máximo anual não poderia superar R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais).

 

 

O Acórdão n. 1.932/2016-Plenário firmou entendimento de que, no caso de serviços de natureza continuada, o valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), de que trata o inciso I do art. 48 da Lei Complementar n. 123/2006, refere-se a um exercício financeiro, razão pela qual, à luz da Lei n. 8.666/1993, considerando que este tipo de contrato pode ser prorrogado por até 60 meses, o valor total da contratação pode alcançar R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais) ao final desse período, desde que observado o limite por exercício financeiro (R$ 80.000,00).

 

De acordo com o TCU, a Lei Complementar n. 123/2006 não traz em seu art. 48, inciso I, a forma de cálculo quando a licitação tratar de contratos de natureza continuada que admitam prorrogações, o que impediria adotar interpretações extensivas que possam levar à restrição de competitividade nas licitações, bem como restringir incentivo constituído por comando constitucional em seu art. 179.

 

Segundo o voto do Ministro Revisor, a melhor interpretação a ser adotada frente à omissão do art. 48, inciso I, seria o valor estimado da contratação para o período de doze meses, pois, em regra, esse é o período estabelecido no instrumento contratual como vigência inicial do contrato, além de se alinhar às condições descritas no art. 3º da Lei Complementar n. 123/2006 para o enquadramento em microempresas e empresas de pequeno porte, ou seja, a receita bruta por essas auferida em cada ano-calendário.

 

Caso seja estabelecida vigência com período diverso, segundo o Ministro Revisor, deveria ser acolhida sua proporcionalidade, ou seja, se o limite de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) é para o período de doze meses, o valor a ser observado para a realização de licitação exclusiva a que se refere o inciso I, art. 48 em contratos com duração de seis meses é R$ 40.000,00 (quatrocentos mil reais); para contratos de dezoito meses, o valor máximo seria de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais).

 

 

Portanto, encontra-se superada a divergência entre a AGU e o TCU quanto ao alcance do inciso I do art. 48 da Lei Complementar n. 123/2006 nas contratações de serviços de natureza continuada, vez que ambos os órgãos adotaram que o valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) a ser observado para concessão do benefício de participação exclusiva de microempresas e empresas de pequeno porte em licitações refere-se ao período de 12 (doze) meses, observada a respectiva proporcionalidade caso sejam adotados períodos de vigência distintos.

 

Por fim, em que pese o Acórdão n. 1.932/2016 não vincular a tomada de decisão do gestor quando da aprovação do edital por faltar-lhe o caráter normativo previsto pelo § 2º, art. 1º, da Lei n. 8.443/1992, vez que se originou a partir de uma representação junto ao TCU e não do pedido de consulta, no âmbito do Poder Executivo a observância da Portaria n. 155/2017 é obrigatória por todos os órgãos jurídicos enumerados pelos arts. 2º e 17 da Lei Complementar n. 73/1993 quando atuarem no desempenho das atribuições descritas pelo parágrafo único do art. 38 da Lei n. 8.666/1993, vez que foi assinada pelo Advogado-Geral da União.