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As Férias na Planilha de Custos: Uma Análise Crítica do Acórdão nº 436/2022 – Plenário

João Luiz Domingues

É especialista em Gestão Pública e em Orçamento Público. É Auditor Federal de Finanças e Controle no Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) e Colaborador do Portal L&C.



         O Tribunal de Contas da União (TCU) ao apreciar a representação, com pedido de medida cautelar, formulada em razão de possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico nº 22/2021 promovido pelo Instituto Nacional do Seguro Social – Superintendência Regional Nordeste (INSS), cujo objeto era a contratação de serviços de vigilância patrimonial desarmada a serem prestados nas dependências das unidades vinculadas às Gerências Executivas do estado de Pernambuco – Recife, Caruaru, Garanhuns, Petrolina, com orçamento estimado em R$ 10.272.544,56, manifestou pelo conhecimento da representação.

Contudo, a Corte de Contas julgou improcedente a pretensão da representante e, consequentemente, legitimou a desclassificação promovida pela autarquia federal, sob o fundamento de inexequibilidade da proposta, especialmente no que se refere à provisão para férias e aos percentuais destinados ao lucro e às despesas administrativas. Trata-se da síntese do Acórdão nº 436/2022-Plenário.

 

Introdução

A presente análise tem como objetivo examinar criticamente os fundamentos técnicos e jurídicos utilizados para embasar a referida decisão proferida no âmbito do Acórdão nº 436/2022-Plenário, especialmente no que se refere à composição da planilha de custos apresentada pela empresa desclassificada.

A partir da comparação entre os percentuais praticados na proposta e aqueles previstos na legislação trabalhista, nos normativos infralegais aplicáveis e até mesmo em precedentes da própria Corte de Contas, será possível demonstrar a adequação da metodologia empregada pela empresa, bem como apontar as inconsistências e imprecisões que permeiam o entendimento adotado pelo TCU nesse caso.

Ao final, busca-se contribuir para o aprimoramento da análise de planilhas de custos em contratações públicas com dedicação exclusiva de mão de obra, promovendo maior segurança jurídica e uniformidade nos critérios de avaliação.

 

Entendendo o contexto da desclassificação

A planilha de custos estimativa do INSS previa o percentual de 2,78% para a rubrica “Férias e adicional de férias” (item 2.1B) e 8,33% para a rubrica “Substituto na cobertura de férias” (item 4.1A), enquanto a planilha da representante ajustada ao preço final fixou percentuais em 11,11% a rubrica “Férias e adicional de férias” (item 2.1B) e 0,93% (item 4.1A).

As razões que fundamentaram a desclassificação da proposta pelo pregoeiro encontram-se detalhadas na Peça 21 – Despacho de autoridade, e descritas a seguir:

As justificativas quanto às despesas do profissional ausente não coincidem com os modelos atuais de planilhas utilizadas para mensuração de custo, cabe alertar que portanto, não se pode confundir a rubrica para pagamento de cobertura de férias do empregado residente (provisionado no Submódulo 4.1 – Ausências Legais), com o valor necessário ao pagamento do direito de férias e adicional de 1/3 Constitucional, previstos no Submódulo 2.1 – 13° Salário, Férias e Adicional de Férias.

Isto posto, pode-se afirmar que a autarquia federal considera que as férias contidas no item 4.1 é destinada ao substituto em cobertura de férias e, nesse sentido, os percentuais reservados às rubricas lucro (0,02%) e custos indiretos (0,02%) seriam insuficientes para compensar o percentual a menor para o substituto de férias, tornando a proposta da representante inexequível.

 

Diferença dos percentuais de férias dos empregados titular e substituto

Ao profissional alocado ao contrato administrativo de forma efetiva é garantido o direito ao gozo de férias anuais, sem prejuízo da remuneração,  conforme estabelece o art. 130 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 01 de maio de 1943.

Em vista disso, é provisionado mensalmente a fração de 1/12 do valor da remuneração do trabalhador, o que corresponde ao percentual de 8,33%, que será acrescido do terço constitucional, totalizando 11,11%.

Ao profissional substituto, que atua tão somente durante o período de férias do titular, é provisionado mensalmente a fração de 1/12/12, o que corresponde ao percentual 0,69%, que acrescido do terço constitucional – 0,23%, totaliza 0,93%.

A tabela a seguir sintetiza os percentuais aplicáveis a cada trabalhador.

Tabela I – Percentuais de Férias e 1/3 Férias

Empregado

Férias

1/3 de Férias

Total Mensal

Titular

8,33%

2,78%

11,11%

Substituto

0,69%

0,23%

0,93%

Total

9,02%

3,01%

12,04%

 

Portanto, os percentuais adotados pela empresa representante – 11,11% e 0,93%, refletem precisamente as condições dos empregados titular e substituto, respectivamente, inclusive mostrando-se superior ao previsto pelo INSS no orçamento estimativo da contratação.

Adicionalmente, conforme orientação contida no Caderno de Logística – Conta Vinculada, os valores a serem provisionados para férias e adicional de férias devem totalizar 12,10%, percentual superior ao contido na tabela anterior.

Importa destacar que o edital do Pregão Eletrônico nº 22/2021 previa como medida de tratamento de riscos relacionados ao descumprimento de obrigações trabalhistas, previdenciárias e com FGTS da contratada, a conta vinculada, consoante o disposto no item 20 do instrumento convocatório.

Nessa hipótese, a alocação do percentual de 11,11% revela-se incompatível com as diretrizes do referido Caderno de Logística e com o entendimento da Egrégia Corte de Contas, conforme se observa no precedente a seguir.

Acórdão nº 2.161/2021-Plenário

 

9.3. com espeque no art. 9º, inciso I, da Resolução - TCU nº 315/2020, dar ciência à Universidade Federal do Ceará sobre as seguintes falhas, identificadas no Pregão Eletrônico nº 05/2021, para que sejam adotadas medidas internas com vistas à prevenção de outras ocorrências semelhantes:

9.3.1. a inobservância, do percentual de 12,10%, para fins de provisão de férias e adicional de férias, nas situações de utilização de Conta-Depósito Vinculada - bloqueada para movimentação, como mecanismo de controle interno de gerenciamento de risco de descumprimento das obrigações trabalhistas, previdenciárias e com FGTS da contratada, verificada no submódulo 2.1 da planilha de custos do Pregão Eletrônico 5/2021, descumpre o art. 18, §§ 1º, I, e 4º c/c os itens 1.2, "a", do Anexo VII-B e 14 do Anexo XII, da IN Seges/MP 5/2017, e o item 2.4.1 do Caderno de Logística da Conta Vinculada-Seges/MP. (Grifos nosso)

Isto posto, ao prever a conta vinculada, cabe ao órgão ou entidade provisionar, a título de férias e adicional de férias, o percentual de 12,10% no orçamento estimativo, em regra no Submódulo 2.1, prescindindo alocação individualizada de qualquer percentual de férias para o empregado substituto no Submódulo 4.1.

Assim sendo, pode-se afirmar que o provisionamento mensal do percentual de 8,33% é destinado exclusivamente ao custeio das férias do empregado titular, tendo em vista que o pagamento deve ser efetuado até dois dias antes do início do período de gozo, devendo os respectivos valores serem resgatados da conta vinculada.

Pensar de forma diversa é ignorar que os valores depositados em conta vinculada têm por finalidade resguardar os direitos trabalhistas dos empregados alocados diretamente ao contrato administrativo e, sobretudo, proteger a administração da responsabilização subsidiária em decorrência do inadimplementos da contratada.

Adicionalmente, é importante destacar que a remuneração devida ao empregado substituto, quando este atua temporariamente em substituição ao empregado titular, deve ser contabilizado no Módulo 1 – Da Remuneração, e não sob a rubrica de férias previstas no Submódulo 4.1, conforme se verifica na tabela a seguir.

Tabela II – Execução contratual

Execução Contratual

Pagamento ao longo da execução contratual

Saldo

Provisão PCFP

Remuneração Titular Módulo 1

Décimo Terceiro Titular

Férias Titular

Remuneração Substituto Módulo 1

1º Ano

14

12

1

0

0

1

2º Ano

14

11

1

1

1

0

3º Ano

14

11

1

1

1

0

4º Ano

14

11

1

1

1

0

5º Ano

14

11

1

2

1

- 1

Saldo

70

56

5

5

4

0

 

Portanto, a partir do segundo ano de execução contratual, a remuneração prevista no Módulo 1 deixa de ser paga ao profissional titular e passa a ser devida ao empregado alocado na substituição, conforme se verifica na tabela anterior, em que o titular recebe onze remunerações referente ao Módulo 1 e o substituto recebe uma remuneração, perfazendo as doze remunerações anuais da planilha de custos.

A duplicidade de recebimento de férias no 5º ano de execução contratual refere-se às férias do quarto e quinto períodos aquisitivos, sendo esta última  indenizada.

Por fim, observa-se, ainda, a ausência de provisão mensal por parte do INSS para o pagamento proporcional do décimo terceiro salário ao empregado substituto, correspondente a 0,69%, quando este atua em substituição ao titular que se encontra de férias.

A tabela a seguir sintetiza os percentuais aplicáveis a cada trabalhador.

          Tabela III – Percentuais de Décimo terceiro, Férias e 1/3 Férias

Empregado

Décimo Terceiro

Férias

1/3 de Férias

Total Mensal

Titular

8,33%

8,33%

2,78%

19,44%

Substituto

0,69%

0,69%

0,23%

1,62%

Total

9,02%

9,02%

3,01%

21,06%

 

Alocação dos percentuais de férias na planilha de custos

A Instrução Normativa Seges nº 05/2017 e a Secretaria de Gestão do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos não estabelecem os submódulos em que devem ser alocados os percentuais de férias dos empregados titular e substituto.

Usualmente, é reservado ao Submódulo 2.1 a parcela referente ao empregado titular e ao Submódulo 4.1 as férias proporcionais do empregado substituto, contudo, não há vedação de que as férias do empregado titular sejam previstas no Submódulo 4.1.

Nesse sentido, têm-se as contratações realizadas pelo TCU, a exemplo do Pregão Eletrônico nº 32/2024 para o cargo de apoio administrativo, em que o Submódulo 2.1 registra tão somente o adicional de férias, 2,78%, enquanto no Submódulo 4.1 foi previsto o percentual de 9,954%, segmentado da seguinte forma – férias do titular (8,33%); décimo terceiro do substituto (0,694%); férias do substituto (0,694%); e adicional de férias (0,231%), totalizando 9,954%, conforme sintetizado na tabela a seguir.

Tabela IV – Percentuais Submódulo 4.1 (TCU)

Empregado

Décimo Terceiro

Férias

1/3 de Férias

Total Mensal

Titular

0,000%

8,333%

0,000%

8,333%

Substituto

0,694%

0,694%

0,231%

1,620%

Total

0,694%

9,028%

0,231%

9,954%

 

No entanto, nos editais do Pregão Eletrônico nº 58/2023 e Pregão Eletrônico nº 90042/202, contratação de brigadista civil e vigilância patrimonial, respectivamente, o TCU adotou estrutura diversa da prevista no Pregão Eletrônico nº 32/2024, oportunidade em que prevê os percentuais de 11,11% no Submódulo 2.1 e de 0,95% no Submódulo 4.1, totalizando 12,06%.

 

Conclusão

Diante do exposto, conclui-se que a decisão do Tribunal de Contas da União, consubstanciada no Acórdão nº 436/2022–Plenário, ao referendar a desclassificação da proposta apresentada pela empresa representante no Pregão Eletrônico nº 22/2021, promovido pelo INSS, apresenta fragilidades técnicas, especialmente no que se refere à análise da composição dos percentuais relativos às férias dos empregados titular e substituto.

Primeiramente, porque o percentual provisionado mensalmente de férias de 8,33% é reservado ao empregado titular, cabendo ao empregado substituto o percentual mensal de 0,69%, que após doze meses totaliza 8,33%, representando a fração de 1/12 e, portanto, correspondendo ao período de substituição. A remuneração do empregado substituto que labora as atividades no período de ausência do titular em gozo de férias decorre da remuneração – Módulo 1 da planilha de custos.

Em segundo plano, não há dispositivo normativo infralegal que estabeleça a obrigatoriedade de alocação dos percentuais de férias para os empregados titular e substituto em submódulos específicos da planilha de custos. Entretanto, observa-se frequentemente que os percentuais de 11,11% ou 12,10% encontram-se alocados no Submódulo 2.1, sendo reservados aos percentuais de 0,93% e 1,62% o Submódulo 4.1, quando adotada a primeira opção (11,11%).

Nesse sentido, registra-se que o TCU em seus instrumentos convocatórios visando a contratação de serviços terceirizados com dedicação exclusiva de mão de obra não apresenta uniformização institucional, conforme se verificou nos certames descritos anteriormente.

O INSS não observou ao disposto no Caderno de Logística – Conta Vinculada e no Acórdão nº 2.161/2021-Plenário ao estabelecer o percentual do item férias e adicional de férias na elaboração do orçamento estimativo, haja vista que a utilização de conta vinculada obriga a utilização de 12,10% e não o percentual de 11,11%, sendo que aquele contempla as parcelas de férias e adicional de férias dos empregados titular e substituto

Por fim, a desclassificação de proposta cujos percentuais de férias e adicional de férias se mostravam compatíveis com os parâmetros legais se revela questionável do ponto de vista técnico e carente de fundamentação normativa.

Esse cenário reforça a importância de maior uniformização nos critérios de elaboração e de análise das planilhas de custos em contratações públicas voltadas para serviços prestados com dedicação exclusiva de mão de obra, o que requer, necessariamente, atuação da Secretaria de Gestão do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (seges/MGI) na elaboração de normativos e de orientações aos respectivos órgãos jurisdicionados, no caso órgãos e entidades integrantes do Poder Executivo federal. Tais medidas são fundamentais para garantir a segurança jurídica dos certames, a isonomia entre os licitantes e a efetiva vantajosidade nas contratações públicas.