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Considerações sobre a designação do fiscal após a edição da IN MPDG nº 05, de 26 de maio de 2017

Daniel Barral

Mestrando em Direito Público pela Universidade Nova de Lisboa, Procurador Federal da Advocacia-Geral da União e Colaborador do Portal L&C.

A partir deste L&C comenta, começaremos a abordar os principais pontos da nova Instrução normativa nº 05, de 26 de maio de 2017 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Hoje estudaremos a designação do fiscal do contrato e analisaremos as opções adotadas pelo MPDG, avaliando os possíveis reflexos destas alterações na rotina dos entes públicos contratantes.

 

Sobre a questão da designação do fiscal do contrato a doutrina tradicionalmente afirmava a existência de dois importantes núcleos de atuação no exercício da prerrogativa de empreender a fiscalização dos contratos, quais sejam, a gestão e a fiscalização propriamente dita.

 

O fiscal seria o encarregado de verificar a correta execução do objeto contratado, de modo a legitimar a liquidação dos pagamentos devidos ao contratado, ou, conforme o caso, para orientar as autoridades competentes acerca da necessidade de serem aplicadas sanções ou de rescisão contratual.

 

O gestor do contrato, por seu turno, seria aquele responsável por tratar com o contratado. Ou seja, o gestor do contrato teria a função de conversar com o contratado, de exigir que este último cumpra o que foi pactuado além de sugerir eventuais modificações contratuais.

 

Contudo, até a edição da IN/MPDG nº 05, de 2017 esta diferenciação não estava adequadamente refletida na legislação de regência, uma vez que tanto o art. 67 da Lei nº 8.666, 21 de junho de 1993, quanto o art. 6º do Decreto nº 2.271, de 7 de julho de 1997, somente impõem a indicação de um único representante para acompanhar e fiscalizar a execução do contrato.

 

Lei nº 8.666, 21 de junho de 1993

 

Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.

§ 1o O representante da Administração anotará em registro próprio todas as ocorrências relacionadas com a execução do contrato, determinando o que for necessário à regularização das faltas ou defeitos observados.

§ 2o As decisões e providências que ultrapassarem a competência do representante deverão ser solicitadas a seus superiores em tempo hábil para a adoção das medidas convenientes.

 

Decreto nº 2.271, de 7 de julho de 1997

 

Art. 6º A administração indicará um gestor do contrato, que será responsável pelo acompanhamento e fiscalização da sua execução, procedendo ao registro das ocorrências e adotando as providências necessárias ao seu fiel cumprimento, tendo por parâmetro os resultados previstos no contrato.

 

A revogada IN SLTI/MPOG nº 02, de 2008, propôs uma divisão das atribuições de fiscalização do contrato administrativo. Contudo, ao conferir à divisão de atribuições o caráter facultativo, pouco contribuiu para a superação do cenário de inércia dos entes públicos contratantes.

 

Art. 31. O acompanhamento e a fiscalização da execução do contrato consistem na verificação da conformidade da prestação dos serviços e da alocação dos recursos necessários, de forma a assegurar o perfeito cumprimento do contrato, devendo ser exercido pelo gestor do contrato, que poderá ser auxiliado pelo fiscal técnico e fiscal administrativo do contrato.

 

A falta de legislação cogente quanto ao tema relegava à escolha da Administração a divisão ou não de atribuições daqueles responsáveis pelo acompanhamento e fiscalização dos contratos.

 

Na prática, apesar de ser incentivada pelo Tribunal de Contas da União[1], a Administração Pública, salvo raras e honrosas exceções, não editava ato normativo interno determinando a segregação das funções de fiscal e gestor de contrato[2], e os contratos seguiam sendo fiscalizados por um único servidor, na maior parte das vezes, escolhido dentre aqueles lotados nas áreas administrativas do ente público.

 

Agora, após a IN/MPDG nº 05, de 2017, a segregação de funções está claramente definida no art. 40. A partir deste marco normativo infralegal, para que a autoridade competente possa concentrar as atividades de gestão e fiscalização de contratos em único servidor ele deve garantir a distinção destas atividades, além de atestar que o volume de trabalho não irá comprometer o desempenho de todas as ações relacionadas à Gestão do Contrato. Confira trecho pertinente da regulamentação infralegal:

 

Art. 40. O conjunto de atividades de que trata o artigo anterior compete ao gestor da execução dos contratos, auxiliado pela fiscalização técnica, administrativa, setorial e pelo público usuário, conforme o caso, de acordo com as seguintes disposições: 

(...)

§ 3º As atividades de gestão e fiscalização da execução contratual devem ser realizadas de forma preventiva, rotineira e sistemática, podendo ser exercidas por servidores, equipe de fiscalização ou único servidor, desde que, no exercício dessas atribuições, fique assegurada a distinção dessas atividades e, em razão do volume de trabalho, não comprometa o desempenho de todas as ações relacionadas à Gestão do Contrato.

 

A inovação é elegante e bem urdida, pois não viola o preceito legal superior plasmado no art. 67, da Lei nº 8.666, de 1993, uma vez não impedir que a Administração indique um único representante para a fiscalização do contrato, mas ao mesmo tempo impõe ao gestor que assim decida proceder um ônus decisório importante, o que se imagina, será suficiente para quebrar o paradigma até então existente de designação isolada de servidores para a fiscalização dos contratos administrativos.

 

Outro ponto que merece destaque é a opção adotada no art. 41 da IN/MPDG nº 05, de 2017[3] que atribuiu ao setor requisitante a responsabilidade de indicar o gestor, fiscal e seus substitutos.

 

Diante desta nova disposição os setores requisitantes não poderão mais alegar falta de expertise administrativa para indicar um de seus servidores para as tarefas de gestão e fiscalização dos contratos de seu interesse. Perceba que o ato de indicação do servidor como fiscal, na forma do que dispõe o art. 43 da IN/MPDG nº 5, de 2017[4], deve recair sobre servidores lotados no mesmo setor requisitante, afinal, deve haver relação de subordinação entre o indicado e o indicante.

 

Esta inovação deverá alterar o cenário existente hoje de excessiva concentração da atribuição de fiscalização de contratos em poucos servidores lotados nas áreas administrativas dos entes contratantes, pulverizando a fiscalização dos contratos nos respectivos setores requisitantes, o que irá contribuir para a melhoria das condições de trabalho dos fiscais de contrato.

 

Assim, salvo regulamentação interna diversa, é recomendável que os setores requisitantes iniciem imediatamente a capacitação de seus servidores para o exercício do novo mister.



[1] O Ministro Benjamin Zymler em voto proferido no Acórdão nº 2.296/2014-P asseverou que a segregação de funções entre gestor e fiscal do contrato consistiria em uma boa prática administrativa, favorecendo o controle e a segurança do procedimento de liquidação de despesa.

 

[2] A possibilidade de edição de atos normativos internos complementares à Lei nº 8.666, de 1993 está prevista no art. 115 da LGL:

 

Art. 115.  Os órgãos da Administração poderão expedir normas relativas aos procedimentos operacionais a serem observados na execução das licitações, no âmbito de sua competência, observadas as disposições desta Lei.

Parágrafo único.  As normas a que se refere este artigo, após aprovação da autoridade competente, deverão ser publicadas na imprensa oficial.

 

[3] Art. 41. A indicação do gestor, fiscal e seus substitutos caberá aos setores requisitantes dos serviços ou poderá ser estabelecida em normativo próprio de cada órgão ou entidade, de acordo com o funcionamento de seus processos de trabalho e sua estrutura organizacional.

 

[4] Art. 43. O encargo de gestor ou fiscal não pode ser recusado pelo servidor, por não se tratar de ordem ilegal, devendo expor ao superior hierárquico as deficiências e limitações técnicas que possam impedir o diligente cumprimento do exercício de suas atribuições, se for o caso.