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Os critérios de julgamento das propostas no projeto da nova Lei de Licitação e Contrato

Rafael Sérgio de Oliveira

É doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, Mestre em Direito e Especialista em Direito Público. Participou do Programa de Intercâmbio Erasmus+, desenvolvendo pesquisa na área de Direito da Contratação Pública na Università degli Studi di Roma - Tor Vergata. É Procurador Federal da Advocacia-Geral da União (AGU) e Colaborador do Portal L&C.

Em continuidade aos comentários sobre o Projeto de Lei – PL destinado a instituir novas normas de licitação e contrato, o PL nº 6.814/2017, este L&C Comenta versa sobre os critérios de julgamento das propostas previstos no projeto.

O PL nº 6.814/2017 abandona o termo tipo de licitação utilizado pelo art. 45, § 1º, da Lei nº 8.666/1993, referindo-se aos critérios de julgamento das propostas em diversos dispositivos, especialmente no seu art. 30.

Cabe registrar que, como uma decorrência lógica dos princípios constitucionais da igualdade e da impessoalidade (art. 5º, c/c o art. 37, XXI, todos da Constituição), o art. 4º do projeto mantém de forma expressa o princípio do julgamento objetivo. Assim, ainda que se entenda que o PL trouxe maior discricionariedade ao gestor na definição dos critérios de seleção do contratante, é preciso sempre ter em conta que essa discricionariedade deve ser exercida de maneira impessoal, de modo que os parâmetros utilizados para aferir a melhor proposta devem ser objetivos e funcionais.

Segundo o art. 30 do PL nº 6.814/2017, as propostas serão julgadas com base nos seguintes critérios: a) menor preço; b) maior desconto; c) melhor técnica ou conteúdo artístico; d) técnica e preço; e) maior lance; f) maior retorno econômico.

Vejamos cada um deles...


Menor Preço, Maior Desconto e Maior Lance

Primeiramente vamos comentar os critérios que se baseiam apenas no valor monetário das propostas. São eles os de menor preço, de maior desconto e de maior lance.

Nos termos do art. 31, os critérios de menor preço e de maior desconto devem considerar o “menor dispêndio para a Administração, atendidos os parâmetros de qualidade definidos no edital de licitação”. Reparemos que o critério qualitativo nessas duas hipóteses não se apresenta no julgamento das propostas. O padrão de qualidade quando da aplicação desses critérios decorrerá da boa definição dos requisitos mínimos relativos à qualidade do objeto previstos no edital, pois no julgamento das propostas o que será considerado é apenas o valor a ser gasto pela Administração com o contrato.

Interessante que o PL autoriza, no § 1º do art. 31, que a Administração, na consideração do menor dispêndio, tenha em conta os custos indiretos objetivamente mensuráveis relativos às despesas com manutenção, utilização, reposição, depreciação e impacto ambiental, assim como outros fatores. A aplicação desses fatores dependerá de regulamento.

Ressaltamos que esse é um avanço, na medida em que há situações nas quais, embora o preço ofertado pelo licitante seja o mais barato, alguns custos da execução da sua proposta tornam a contratação menos vantajosa que a de outros concorrentes que apresentam preços maiores. Um exemplo que podemos imaginar é a licitação para aquisição de um produto em que o licitante que oferte o menor preço apresente garantia de manutenção por dois anos, mas outro concorrente, que oferte um preço maior, garanta a reposição imediata do bem caso o inicialmente entregue apresente problemas de funcionamento no prazo de cinco anos. Nessas ocasiões, a contratação do menor preço possivelmente acarretará maior dispêndio para a Administração. Por isso, se objetivamente mensuráveis, esses aspectos ligados à manutenção/reposição do bem também poderão ser considerados no valor das propostas.

O critério de maior desconto já é previsto no ordenamento brasileiro no art. 18, inciso I, da Lei nº 12.462/2011, a Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC. Embora não tenha previsão expressa no regime geral de licitação pátrio, esse critério já é atualmente bastante utilizado, sobretudo na modalidade pregão, como uma maneira de alcance do menor preço (art. 45, § 1º, da Lei nº 8.666/1993 e art. 4º, X, da Lei nº 10.520/2002). Tanto é assim que já se encontra na doutrina autores que se referem ao pregão negativo, que são aqueles pregões cujo critério de julgamento da proposta é o maior lance ou o maior desconto. Segundo o Professor Dawison Barcelos, “eles recebem o apelido de ‘negativos’, pois invertem a lógica tradicional da modalidade: a busca por lances cada vez menores da sessão pública”1.

Nos certames cujo julgamento for baseado no critério de maior desconto, o edital de licitação deverá trazer o preço global que servirá de referência para a incidência dos descontos ofertados. Embora o valor de referência previsto no PL para efeito do desconto seja o preço global, o § 3º do art. 31 do projeto determina que o desconto deverá incidir nos preços de todos os itens com valor estimado no orçamento constante do instrumento convocatório. Além disso, o percentual de desconto deverá ser levado em conta quando da celebração de eventuais aditivos contratuais (§ 2º do art. 31).

O critério de maior lance, nos termos do art. 30, inciso V, é exclusivo do leilão. Essa modalidade é destina a alienações realizadas pelo Poder Público de bens imóveis ou de bens móveis inservíveis ou legalmente apreendidos2 (art. 5º, XXXIX), razão qual seu critério de julgamento considera a maior oferta.

Acreditamos que esse último critério também deveria ser estendido ao pregão3 e à concorrência, sendo transformado em maior oferta de preço ou maior lance, a depender do modelo de procedimento adotado. Sublinhamos que no RDC já há o critério de maior oferta de preço para a adjudicação de contratos que resultem em receita para a Administração Pública (art. 22 da Lei nº 12.462/2011).

A verdade é que há ocasiões em que a Administração tem relevantes ativos associados à utilização de um bem público ou à prestação de um serviço. Nessas situações, a licitação deve ocorrer com base em um critério que considere o maior preço. Esse é o caso da administração da folha de pagamento das entidades públicas. Ressaltamos que o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS tem relevante experiência neste ponto, pois a gestão da folha de pagamento de benefícios previdenciários foi licitada na modalidade pregão, tendo em conta o maior lance.


Melhor Técnica ou Conteúdo Artístico e Técnica e Preço

Neste ponto o PL incorpora ao regime geral de contratação pública mais um instituto já utilizado no RDC (art. 18, III, da Lei nº 12.462/2011), qual seja, o julgamento das propostas baseado no melhor conteúdo artístico. O critério de melhor técnica, também previsto no RDC (art. 18, III, da Lei nº 12.462/2011), já fazia parte dos tipos de licitação da Lei nº 8.666/1993 (art. 45, § 1º, II).

O julgamento por melhor técnica ou conteúdo artístico é previsto no PL nº 6.814/2017 para a contratação de projetos e trabalhos de natureza técnica, científica ou artística (art. 32, Parágrafo único). Esses critérios recebem o mesmo tratamento dado a eles na lei do RDC (art. 21, da Lei nº 12.462/2011), pois caberá à Administração definir no instrumento convocatório o prêmio ou a remuneração a ser pago ao vencedor, de modo que nas propostas constarão apenas elementos qualitativos (técnicos ou artísticos) objetivamente definidos no edital (art. 32). Ou seja, no caso das licitações julgadas por melhor técnica ou conteúdo artístico, os licitantes não apresentarão mais propostas de preço. Abandona-se o modelo previsto na Lei nº 8.666/1993 (art. 46, § 1º, inciso II e seguintes), no qual os concorrentes sujeitos a uma licitação do tipo melhor técnica apresentam uma proposta de preço passível de negociação entre aqueles que alcançam a pontuação mínima.

O critério de técnica e preço baseia-se em ponderação dos elementos técnicos e monetários da proposta, tendo em conta fatores objetivos previstos no edital (art. 33). A cada um desses fatores é atribuída uma pontuação a ser considerada no momento da ponderação. Relevante notar que o peso maior deverá ser sempre o do aspecto técnico, pois, nos termos do art. 33, § 2º, do PL, a proposta técnica deve ter um peso proporcional a 2/3 (dois terços).

Outro ponto relevante é que no momento do julgamento deverão ser avaliados primeiro os aspectos técnicos para, posteriormente, se calcular a nota relativa ao preço das propostas de cada um dos concorrentes (art. 33, § 2º). Essa já é uma postura consolidada internacionalmente, cujo foco é a garantia da imparcialidade no julgamento do certame. Entende-se que a apreciação das propostas de preço antes da técnica tem o potencial de influenciar no juízo dos elementos desta última, favorecendo o candidato com a proposta de menor preço4.

O PL traz um considerável rol de contratações cuja licitação poderá ser julgada com base em técnica e preço. Percebe-se no texto que é a complexidade, sobretudo quando de natureza intelectual e tecnológica, que determina o uso do critério em comento. Os casos são os seguintes:

Art. 33, § 1º:

I – serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual ou de inovação tecnológica ou técnica, caso em que esse critério de julgamento deve ser empregado preferencialmente;

II – serviços majoritariamente dependentes de tecnologia sofisticada e de domínio restrito, conforme atestado por autoridades técnicas de reconhecida qualificação;

III – bens e serviços especiais de tecnologia da informação e comunicação;

IV – obras e serviços especiais de engenharia;

V – objetos que possam ser executados com diferentes metodologias;

VI – objetos que admitam soluções específicas e alternativas e variações de execução, com repercussões significativas e concretamente mensuráveis sobre sua qualidade, produtividade, rendimento e durabilidade, quando essas soluções e variações puderem ser adotadas à livre escolha dos licitantes, conforme critérios objetivamente definidos no edital de licitação.

Ressaltamos que o projeto traz uma pré-valorização de alguns elementos a serem considerados no que toca aos aspectos técnicos e artísticos na utilização dos critérios de melhor técnica ou conteúdo artístico e de técnica e preço. Assim, o seu art. 34 admite que o julgamento desses aspectos seja realizados por: a) apresentação de atestados de obras, produtos ou serviços previamente realizados; b) atribuição de notas a quesitos de natureza qualitativa por banca designada para esse fim; c) atribuição de notas por desempenho do licitante em contratações com a Administração Pública (incisos I, II e III do art. 34).

Por fim, salientamos que a tendência internacional tem sido a de cada vez mais se considerar no julgamento das propostas a relação qualidade e preço do objeto da contratação, incluindo elementos técnicos do contrato na seleção do vencedor. É o chamado Value for Money – VfM. Nesse ponto, acreditamos que o projeto traz alguns avanços em relação à Lei nº 8.666/1993, pois, além de trazer relevantes normas de aperfeiçoamento desses critérios, amplia as hipóteses de suas aplicações.


Maior Retorno Econômico

O entendimento do critério de maior retorno econômico exige o conhecimento de uma figura contratual, que é o contrato de eficiência. Assim é porque o maior retorno econômico é exclusivo para a adjudicação de contratos de eficiência (art. 35).

A inclusão dos contratos de eficiência na seara pública é resultante de um movimento de absorção de práticas de entidades privadas pelo Poder Público. A origem dessa espécie de contrato está na atuação das empresas privadas americanas, mais especificamente no setor de energia. Dado os altos custos com energia decorrentes de uma crise que se instalou desde a década de 70, as empresas passaram a se preocupar com os desperdícios de energia. Com isso, foram contratadas empresas especializadas para fazerem intervenções em edificações já existentes com o intuito de gerar redução do consumo energético. Esses contratos eram de resultado e a remuneração dos contratados era baseada no retorno econômico que ofereciam aos donos das edificações5.

A lei do RDC já prevê esse instituto (art. 23, § 1º, da Lei nº 12.462/2011) e agora o PL pretende trazê-lo ao regime geral. A definição do contrato de eficiência no PL é a mesma constante da Lei nº 12.462/2011, que diz o seguinte:

Art. 5º do PL nº 6.814/2017

LI – contrato de eficiência: contrato cujo objeto é a prestação de serviços, que pode incluir a realização de obras e o fornecimento de bens, com o objetivo de proporcionar economia ao contratante, na forma de redução de despesas correntes, sendo o contratado remunerado com base em percentual da economia gerada.

Notemos que o objetivo da contratação em comento é um melhor resultado econômico. Daí porque nessa espécie de contrato se requer a intervenção em algo que já existe. A prestação do serviço mencionada no texto legal deve ser interpretada de maneira ampla6, pois o objeto a ser prestado pode ser uma obra, um serviço ou o fornecimento de um bem. A rigor, o que se pretende não é a obra, o serviço ou o bem em si, mas sim o resultado econômico mais vantajoso decorrente de uma dessas prestações7.

Sendo assim, a proposta vencedora nos certames destinados a essa espécie de contrato deve ser aquela que apresenta um maior retorno econômico. Juntamente com a sua proposta de preço o licitante apresenta uma proposta de trabalho na qual propõe as obras, serviços ou bens que pretende fornecer (art. 35, § 1º, I, a) e qual a economia que estima gerar com a prestação (art. 35, § 1º, I, b). Reparemos que a proposta de preço deve corresponder a um percentual da economia a ser gerada (art. 35, § 1º, inciso II), de forma que se o licitante propõe uma economia de R$ 100,00 e uma remuneração de 40%, sua remuneração será R$ 40,008. Desse modo, o retorno econômico oferecido à administração é R$ 60,00. Este último valor, que é o resultado da dedução da proposta de preço na economia que se estima gerar com a execução da proposta de trabalho, é que deve ser considerado no julgamento da proposta, pois é a quantia que evidencia o real retorno econômico decorrente da contratação.

Salientamos que o PL praticamente reproduz o que está previsto no RDC para o instituto em comento, o que é lamentável, uma vez que a redação da Lei nº 12.462/2011 já sofreu diversas críticas da doutrina, pelo que poderia ter sido aperfeiçoada na vindoura lei do regime geral de contratação.


Os Critérios Aplicáveis a cada uma das Modalidades

Para finalizar os comentários, apresentamos na tabela a seguir os critérios de julgamento das propostas previstos no PL nº 6.814/2017 aplicáveis em cada uma das modalidades de licitação:

MODALIDADE

CRITÉRIO DE JULGAMENTO

Concorrência (art. 5º, XXXVI c/c art. 26)

  • Menor preço;

  • Melhor técnica ou conteúdo artístico;

  • Técnica e preço;

  • Maior retorno econômico.

Convite (art. 5º, XXXVI c/c art. 27)

  • Menor preço;

  • Maior desconto;

  • Melhor técnica ou conteúdo artístico;

  • Técnica e preço;

  • Maior retorno econômico9.

Concurso (art. 5º, XXXVIII)

  • Melhor técnica ou conteúdo artístico.

Leilão (art. 5º, XXXIX)

  • Maior lance.

Pregão (art. 5º, XL, c/c art. 26, §§ 1º e 2º)

  • Menor preço;

  • Maior desconto.

Diálogo Competitivo (art. 5º, XLI, c/c art. 29)

  • Menor preço;

  • Maior desconto10;

  • Melhor técnica ou conteúdo artístico;

  • Técnica e preço;

  • Maior retorno econômico.


1 BARCELOS, Dawison. O que é pregão negativo? Pode a Administração realiza-lo? Disponível em: http://www.olicitante.com.br/pregao-negativo-o-que-e/. Acesso em: 3/5/2018.

2 Sobre o leilão no PL nº 6.814/2017: OLIVEIRA, Rafael Sérgio de. As Modalidades de Licitação no Projeto da Nova Lei de Licitação e Contrato. Disponível em: http://www.licitacaoecontrato.com.br/exibeLECComenta.html?assunto=asModalidadesLicitacaoProjetoNovaLeiLicitacaoContrato20042018. Acesso em: 3/5/2018.

3 Seria, inclusive, uma das hipóteses do pregão negativo aqui já mencionado.

4 FANTINI, Stefano; SIMONETTI, Hadrian. Le Basi del Diritto dei Contratti Pubblici. Roma: Giuffrè, 2017, p. 77-78.

5 Lições colhidas em trabalho do Professor Marçal em: JUSTEN FILHO, Marçal. O Contrato de Eficiência na Lei Federal nº 12.462. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, n.º 73, Curitiba, março de 2013, disponível em http://www.justen.com.br//informativo.php?l=pt&informativo=73&artigo=997, acesso em 03/05/2018.

6 BICALHO, Alécia Paolucci Nogueira; MOTTA, Carlos Pinto Coelho. RDC: comentários ao Regime Diferenciado de Contratações. 2 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 333.

7 JUSTEN FILHO, Marçal. O Contrato de Eficiência na Lei Federal nº 12.462. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, n.º 73, Curitiba, março de 2013, disponível em http://www.justen.com.br//informativo.php?l=pt&informativo=73&artigo=997, acesso em 03/05/2018.

8 As pequenas sifras se devem à sua função didática.

9 Dado o limite de valor imposto às contratações licitáveis por convite (inferiores a R$ 150.000,00), assim como a simplicidade do procedimento (que não conta nem com edital), entendemos ser irrazoável que tal certame se operacionalize com propostas julgadas com base em critérios mais complexos como os de melhor técnica ou conteúdo artístico, técnica e preço e maior retorno econômico. Entretanto, uma interpretação literal do projeto não limita o uso dos critérios indicados na tabela ao convite.

10 Dada as características do diálogo competitivo, não parece razoável que esse critério possa ser adotado no procedimento. Porém, como já afirmado na nota relativa ao convite, optamos neste momento de gestação da lei vindoura por uma interpretação mais formal, baseada na literalidade do texto (sem contar que uma leitura mais aprofundada possa concluir pela inaplicabilidade do critério ainda com base em critérios literais).