L&C Comenta

De acordo com o TCU, é possível exigir certificação ISO em licitação pública?

Rafael Sérgio de Oliveira

É doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, Mestre em Direito e Especialista em Direito Público. Participou do Programa de Intercâmbio Erasmus+, desenvolvendo pesquisa na área de Direito da Contratação Pública na Università degli Studi di Roma - Tor Vergata. É Procurador Federal da Advocacia-Geral da União (AGU) e Colaborador do Portal L&C.

O presente L&C Comenta aborda a possibilidade de a Administração Pública exigir certificado ISO, ou outra espécie de certificação voluntária, em procedimento licitatório como requisito para a adjudicação do contrato administrativo.

A certificação é uma espécie de avaliação da conformidade. Esse mecanismo é utilizado para aferir se uma empresa cumpre os requisitos fixados pela entidade normalizadora. Trata-se de uma ferramenta atualmente bastante utilizada pelo mercado privado com o intuito de averiguar o cumprimento de certas normas pelas empresas. Uma das ideias da avaliação da conformidade é a padronização de critérios tendentes a garantir que um produto, processo ou serviço atenda a exigências voltadas para uma determinada funcionalidade.

No atual quadro da globalização, os padrões normativos são fixados internacionalmente, sendo a principal entidade responsável pela padronização a International Organization for Standardization, a ISO. No Brasil, o órgão normalizador oficial é a Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, entidade a quem compete adaptar e introduzir no país as normas internacionais[1].

A execução da avaliação da conformidade no Brasil é atribuição do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO[2], que executa a referida atividade diretamente ou por meio dos organismos de avaliação da conformidade acreditados.

Assim, no caso da certificação, em regra, as normas são estabelecidas pela ABNT, cabendo ao organismo de avaliação da conformidade acreditado pelo INMETRO aferir se a empresa cumpre os requisitos da norma para a concessão do certificado.

Reparemos que a certificação, como espécie de avaliação da conformidade, não se presta a indicar que um produto ou serviço é bom, mas apenas a demonstrar que o objeto avaliado cumpre os requisitos fixados na respectiva norma. Referidos requisitos são sempre estabelecidos funcionalmente, de forma que a obediência às exigências da norma gera a presunção do alcance da função pretendida. Assim, uma empresa do ramo de alimentos, por exemplo, que é certificada de acordo com a ABNT NBR ISO 22000:2006, norma que traz requisitos de segurança alimentar, goza da presunção de que o seu sistema de gestão atende aos padrões de salubridade e higiene.

Existem duas espécies de certificação, a voluntária e a compulsória. Esta ocorre quando a legislação vigente, seja ela legal ou infralegal, impõe a obtenção do certificado como condição para a circulação do produto ou serviço no comércio. A título de exemplo, citamos a Cadeira de Alimentação para Crianças, produto de certificação compulsória por exigência da Portaria INMETRO nº 51, de 1 de fevereiro de 2013[3]. A certificação voluntária é tida como uma espécie de autorregulação do mercado, na medida em que os agentes econômicos submetem-se ao processo de avaliação por desejo próprio com o intuito de agregar valor à sua marca.

A diferenciação feita no parágrafo anterior é fundamental para a compreensão da questão aqui posta, pois o problema levantado neste L&C Comenta refere-se aos certificados ISO, que é um exemplo de certificação voluntária. Não resta dúvida de que os editais de licitação devem exigir a respectiva certificação quando o objeto contratual for um produto ou serviço em relação ao qual a legislação exige um certificado para a sua colocação no mercado. Ou seja, em se tratando de certificação compulsória, o respectivo certificado deve ser exigido no instrumento convocatório do certame.

Acontece que o mecanismo de certificação voluntária tem sido cada vez mais utilizado pelo mercado para a comprovação de que as empresas atendem a determinadas exigências. Exemplo disso são os requisitos de sustentabilidade, que são definidos nas normas da linha ISO 14000. Ressaltamos que a demanda pelas exigências ambientais vive um crescente nos procedimentos de licitação, consoante determinado no Decreto nº 7.746, de 5 de junho de 2012. Assim, numa contratação para uma obra, por exemplo, uma maneira de assegurar o respeito ao meio ambiente na execução do objeto contratual é exigir que a empresa contratada seja detentora da certificação mencionada. Mas, isso é admissível à luz do ordenamento jurídico brasileiro?

Segundo o entendimento do TCU, não é possível a exigência de certificação voluntária, como é o caso da ISO, nos procedimentos de licitação, tendo em vista que tal imposição restringe a competitividade do certame (art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei nº 8.666/1993). O TCU considera que tal exigência impõe aos operadores econômicos uma condição não exigida pela lei, o que caracteriza uma indevida restrição à competitividade[4].

O que tem admitido o Tribunal de Contas da União é a atribuição no instrumento convocatório de uma pontuação às empresas detentoras de certificação voluntária nas licitações cujo critério de julgamento for técnica e preço ou melhor técnica. Ressaltamos que a orientação da Corte de Contas Federal é a de que não se pode conferir ao certificado voluntário uma valoração tão alta a ponto de ensejar a desclassificação da proposta pela ausência da certificação. Isto é, o TCU entende que a certificação ISO não pode ser um requisito para a adjudicação do contrato[5].

 *Desde que não se atribua ao certificado uma valoração tão alta a ponto de ensejar a desclassificação do concorrente que não o tenha.


[1] Resolução nº 7, de 24 de agosto de 1992. Disponível em: <<http://www.inmetro.gov.br/legislacao/resc/pdf/RESC000017.pdf>>. Acesso em: 10/11/2017.

[2] Art. 4º da Lei nº 5.966, de 11 de dezembro de 1973.

[3] Portaria INMETRO nº 51, de 1 de fevereiro de 2013. Disponível em: <<http://www.inmetro.gov.br/legislacao/rtac/pdf/RTAC001962.pdf>>. Acesso em: 12/8/2017.

[4] Acórdão nº 1085/2011 – Plenário.

[5] Acórdão nº 539/2015 – Plenário.