L&C Comenta
Em que hipótese é possível aplicar a rescisão amigável de contrato administrativo?
Rafael Sérgio de Oliveira
É doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, Mestre em Direito e Especialista em Direito Público. Participou do Programa de Intercâmbio Erasmus+, desenvolvendo pesquisa na área de Direito da Contratação Pública na Università degli Studi di Roma - Tor Vergata. É Procurador Federal da Advocacia-Geral da União (AGU) e Colaborador do Portal L&C.
O L&C Comenta traz algumas considerações sobre a rescisão amigável de contrato administrativo, tema que tem sido objeto de algumas decisões do Tribunal de Contas da União e que, por isso, merece a atenção daqueles que lidam com a contratação pública.
A Lei nº 8.666/1993 prevê três espécies de rescisão dos contratos administrativos: a unilateral, a amigável e a judicial, todas previstas, respectivamente, nos incisos I, II e III do art. 79 da referida Lei.
O problema ora enfrentado consiste em saber, à luz dos Acórdãos do TCU, se há discricionariedade do gestor em decidir em quais os casos ele pode rescindir amigavelmente um contrato.
Falemos sobre cada uma das hipóteses de rescisão.
A rescisão judicial decorre do poder constitucional do Judiciário de tutelar eventual ameaça de lesão ou mácula a direitos e tem aplicação geralmente nos casos em que o contratado tem seu direito atacado por conduta da Administração Pública.
A unilateral, também conhecida como rescisão administrativa, é aplicável apenas nos casos expressamente previstos na lei, pois se trata de uma das cláusulas exorbitantes inerentes aos contratos administrativos, cujo objeto de proteção é o interesse público. Isto é, a rescisão unilateral é uma exceção à natureza contratual dos ajustes públicos, já que não se exige a bilateralidade para a extinção de seu conteúdo jurídico. Sua aplicação, portanto, só pode ocorrer nas hipóteses expressamente definidas pelo legislador (art. 78, incisos I a XII e XVII e XVIII, da Lei nº 8.666/1993).
Já a rescisão amigável foi posta pelo legislador como um instrumento de encerramento do contrato nos casos em que o fim do ajuste for conveniente para a Administração. Note que a Lei traz neste caso a expressão indicativa da cláusula geral de discricionariedade, qual seja, a conveniência, o que possibilita a conclusão de que a rescisão amigável é um instituto jurídico a ser manejado pelo gestor público de forma discricionária.
Todavia, esse não tem sido o entendimento que o TCU vem emprestando à rescisão amigável. A análise das decisões do Tribunal sobre o assunto demonstra que a Corte entende que o encerramento consensual do contrato administrativo se restringe ao caso no qual a Administração não possui mais interesse no objeto contratado (basicamente o bem, o serviço ou a obra). A rigor, o TCU tem conferido à rescisão amigável uma nota de subsidiariedade em relação à rescisão unilateral, admitindo a sua aplicação apenas nos casos em que não seja aplicável a rescisão administrativa. A esse respeito, seguem trechos dos votos proferidos nos Acórdãos que conduziram ao mencionado entendimento. Os votos são do Ministro Benjamin Zymler, que assim assevera:
Acórdão nº 740/2013 - Plenário
32. Considerando o poder‐dever da Administração de zelar pelo fiel cumprimento do contrato e o próprio princípio da indisponibilidade do interesse público, entendo que a entidade contratante não possui a liberdade discricionária de deixar de promover a rescisão unilateral do ajuste caso seja configurado o inadimplemento do particular. Nesse sentido, só existe campo para a rescisão amigável de um contrato administrativo quando houver conveniência para a Administração e não ocorrer nenhuma das hipóteses previstas para a rescisão unilateral da avença. (grifo nosso)
Acórdão nº 3567/2014 – Plenário
O instituto da rescisão amigável previsto na Lei 8.666/1993 tem aplicação restrita. Em primeiro lugar, não é cabível quando configurada outra hipótese que daria ensejo à rescisão. Em segundo lugar, somente pode ocorrer quando for conveniente para a administração. Por conseguinte, não pode, jamais, resultar em prejuízo para o contratante.
Assim sendo, difícil imaginar rescisão amigável em serviço de natureza continuada, salvo se o gestor estiver se valendo desse expediente para solucionar pendências com a empresa contratada, o que seria um desvio de finalidade.
Sendo necessário o serviço, não pode o gestor, discricionariamente, autorizar o término do contrato. E, caso a contratada não esteja desempenhando suas atribuições a contento, é dever do gestor aplicar as sanções previstas nos arts. 86 e 87 da Lei 8.666/1993. (grifo nosso)
Acórdão nº 2612/2016 - Plenário
20. Quanto à notícia da suposta rescisão amigável do contrato, caso efetivamente tenha ocorrido, entendo não ser a medida mais apropriada para o saneamento da falha. Conforme explanei no voto condutor dos Acórdãos 3.567/2014 e 740/2013, ambos do Plenário, a rescisão amigável prevista na Lei 8.666/1993 tem aplicação restrita, uma vez que não é cabível quando configurada outra hipótese que dê ensejo à rescisão e somente pode ocorrer quando for conveniente para a Administração. Por conseguinte, não pode resultar em prejuízo para o contratante. Sendo necessária a execução do objeto, não cabe ao gestor, discricionariamente, autorizar o término do contrato. (grifo nosso)
O entendimento esposado nos votos acima foi levado aos respectivos Acórdãos, razão pela qual é possível concluir que para a Corte de Contas Federal a rescisão amigável tem incidência restrita e só pode ser aplicada, nos termos do art. 79, II, da Lei nº 8.666/1993:
a) quando não estiverem presentes no caso concreto nenhuma das hipóteses previstas no art. 78, inciso I a XI e XVII, da Lei nº 8.666/1993, já que essas dão ensejo à rescisão administrativa;
b) se o serviço for desnecessário para a Administração; e
c) quando houver conveniência para a Administração.
Salientamos ainda o último Acórdão no qual o TCU enfrentou a matéria, o Acórdão nº 2737/2016 – Plenário, relatado pelo Ministro Vital do Rêgo. Enfrentando situação semelhante à analisada no Acórdão nº 740/2013 – Plenário, na qual houve a rescisão amigável de contrato administrativo em razão de desistência do contratado e posterior contratação da segunda colocada no certame, mediante dispensa de licitação, tudo fundamentado no art. 24, XI, da Lei nº 8.666/1993 (contratação do remanescente).
Na sua análise (Acórdão nº 2737/2016 – Plenário), o Ministro Vital do Rêgo referendou manifestação contida em parecer jurídico no sentido de que nessas situações seja avaliado pela Administração se o procedimento é o mais adequado ao atendimento do interesse público.
Nessa linha de raciocínio, se o Gestor se deparar com situação na qual seja cabível a rescisão unilateral e a amigável, deverá dar preferência à rescisão administrativa. Porém, se a rescisão amigável for a que mais salvaguarda o interesse público, deverá o Administrador Público fazer constar nos autos o motivo pelo qual optou pela rescisão consensual e tomar todas as medidas cabíveis para resguardar o interesse da Administração, ressalvando, se for o caso, no termo de rescisão que a rescisão amigável não isenta a contratada de eventual responsabilidade decorrente de futura apuração de um crédito ou do cometimento de uma falta que enseje aplicação de penalidade.