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Os impactos da Nota Técnica Nº 51.520/2020 do Ministério da Economia nos Contratos Administrativos

João Luiz Domingues

É especialista em Gestão Pública e em Orçamento Público. É Auditor Federal de Finanças e Controle no Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) e Colaborador do Portal L&C.

O Ministério da Economia, por meio de sua Secretaria Especial de Previdência e Trabalho (SEPT), expediu a Nota Técnica SEI nº 51.520/2020/ME, que analisa os efeitos dos acordos de suspensão do contrato de trabalho e de redução proporcional de jornada e de salário, de que trata a Lei nº 14.020/2020, sobre o cálculo do décimo terceiro salário e das férias e adicionais de férias dos trabalhadores.

A Nota Técnica propõe a fixação de três teses, em que se destaca a possibilidade de efetuar o pagamento do décimo terceiro salário e da remuneração das férias e terço constitucional aos empregados que recebem o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm) sem considerar a redução salarial, em que pese a celebração da redução da jornada de trabalho.

A atuação da SEPT se mostra valiosa frente à ausência de manifestação dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRT) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e da proximidade da data referente ao pagamento do décimo terceiro salário.

Ainda de acordo com a Nota Técnica, o volume de questionamentos direcionados à Secretaria de Trabalho acerca dos possíveis efeitos dos acordos de suspensão de contrato de trabalho e de redução proporcional de jornada e salário nos cálculos do décimo terceiro induz a manifestação do órgão especializado na orientação sobre o tema, de modo a mitigar a insegurança jurídica no planejamento dos empregadores sobre os cálculos que devem observar ao final do exercício financeiro.

Os efeitos emanados por esta decisão administrativa transcendem a relação privada empresa-empregado e alcançam os órgãos e entidades da

 

Administração Pública que adotaram a redução da jornada de trabalho em seus respectivos contratos administrativos.

No que tange aos contratos suspensos, o período de suspensão não deve ser computado como tempo de efetivo serviço e para o cálculo de décimo terceiro salário, férias e o respectivo adicional, salvo na hipótese de os empregados prestaram serviço por mais de quinze dias no mês em que se teve inaugurada a suspensão contratual.

 

1. Considerações Iniciais

A COVID-19 traz impactos na saúde e na economia mundial e demandam ações e decisões dos governos nacional e local que visem à não propagação da doença e à preservação do emprego e da renda, de modo a permitir a continuidade das atividades empresariais, reduzindo o impacto social diante da paralisação de atividades e restrição de mobilidade.

Na esfera federal, o Poder Executivo expediu diversos normativos com medidas voltadas para o campo da saúde pública e da área econômica, como por exemplo, a Lei nº 13.979/2020; Decreto Legislativo nº 06/2020; e as Medidas Provisórias (MPV) 926, 927 936.

A MPV 926 foi convertida na Lei nº 14.035/2020, dispondo sobre procedimentos para a aquisição ou contratação de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

A MPV 927 teve sua vigência encerrada sem que fosse convertida em lei pelo Congresso Nacional.

A MPV 936 foi convertida na Lei nº 14.020/2020 e instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm).

 

2. Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda

O Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda encontra-se vinculado ao Ministério da Economia e tem como objetivo preservar o emprego e a renda; garantir a continuidade das atividades laborais e

 

empresariais; e reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e da emergência de saúde pública.

Para tanto, constituem-se como medidas que integram o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda o benefício emergencial de preservação do emprego e da renda; a redução proporcional temporária de jornada com redução de salários; e a suspensão temporária do contrato de trabalho.

O Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda será de prestação mensal e devido a partir da data do início da redução da jornada de trabalho e do salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho.

O valor do BEm tem como base de cálculo o valor mensal do seguro-desemprego a que o empregado teria direito, nos termos do art. 5º da Lei nº 7.998/1990. Atualmente, o seguro desemprego tem o valor máximo de R$ 1.813,03, sendo obtido a partir da média salarial dos últimos três meses.

A redução proporcional de jornada de trabalho e de salário deve ser pactuada por convenção coletiva de trabalho, acordo coletivo de trabalho ou acordo individual escrito entre empregador e empregado, observando os percentuais de 25%; 50% e 70%.

Portanto, na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário inferior a 25%, não haverá percepção do BEm pelo empregado.

No entanto, caso a redução da jornada e de salário seja igual ou superior a 25% e inferior a 50%, o BEm recebido pelo empregado será correspondente a 25% do valor mensal do seguro desemprego; ou de 50% quando a redução da jornada e de salário for igual ou superior a 50% e inferior a 70%; ou de 70% quando a redução de jornada e de salário for igual ou superior a 70%.

Inicialmente, a redução proporcional de jornada de trabalho e de salário ficou limitada a noventa dias, prazo este prorrogável por ato do Poder Executivo.

Nesse sentido, foram expedidos os Decretos nºs 14.022, de 13 de julho de 2020, que acresceu mais trinta dias, e 14.070, de 24 de agosto de 2020 e 10.517, de 13 outubro de 2020, ambos acresceram sessenta dias, de modo a completar o total de duzentos e quarenta dias, período este limitado à duração do estado de calamidade pública.

 

Durante o estado de calamidade, o empregador poderá acordar a suspensão temporária do contrato de trabalho de seus empregados pelo prazo máximo de sessenta dias, fracionável em dois períodos de até trinta dias, podendo, da mesma forma, ser prorrogado por meio de ato do Poder Executivo.

O valor mensal percebido pelo empregado poderá ser equivalente a 100% do valor do seguro-desemprego ou representar 70% do valor do seguro-desemprego na hipótese de a empresa ter auferido, no ano-calendário de 2019, receita bruta superior a R$ 4.800.000,00. Contudo, a empresa somente poderá suspender o contrato de trabalho mediante o pagamento de ajuda compensatória mensal no valor de 30% do valor do salário do empregado, durante o período de suspensão temporária do contrato de trabalho.

 

3. Nota Técnica SEI nº 51.520/2020/ME

A Nota Técnica SEI nº 51.520/2020/ME analisa os reflexos da adoção pelos empregadores e empregados das medidas de suspensão do contrato de trabalho e de redução proporcional de jornada e de salário, de que trata a Lei nº 14.020/2020, sobre o cálculo do décimo terceiro salário e das férias dos trabalhadores.

O citado documento concluiu (i) pela impossibilidade de redução de salário dos empregados beneficiados pelo BEm para fins de cálculo do décimo terceiro e da remuneração das férias e adicional de férias; (ii) que os períodos de suspensão temporária do contrato de trabalho não deverão ser computados como tempo de serviço para cálculo de décimo terceiro salário e de período aquisitivo de férias, salvo, quanto ao décimo terceiro, quando houver a prestação de serviço em período igual ou superior quinze dias de trabalho; e (iii) de que não há óbice para que as partes estipulem via convenção coletiva de trabalho, acordo coletivo de trabalho, acordo individual escrito, ou mesmo por liberalidade do empregador, a concessão de pagamento do décimo terceiro ou contagem do tempo de serviço, inclusive no campo das férias, durante o período da suspensão contratual temporária e excepcional.

 

4. Impacto da Nota Técnica SEI nº 51.520/2020/ME no Contrato Administrativo

Inicialmente, é importante ressaltar que os normativos expedidos pelo Poder Executivo visam à preservação do emprego e da renda, a partir da flexibilização das regras estabelecidas pela CLT e o diferimento das obrigações trabalhistas, previdenciária e fiscais.

Portanto, referem-se a conjunto de medidas para enfrentamento do estado de calamidade pública e da emergência de saúde pública, criando ambiente favorável para a manutenção do emprego do trabalhador, assim como a continuidade das atividades empresariais e a respectiva redução do impacto social diante da paralisação das atividades econômicas, a exemplo da celebração entre o empregador (empresário) e o empregado (trabalhador) de medidas de suspensão de contrato de trabalho e de redução proporcional de jornada e de salário.

Em se tratando de contrato administrativo, a relação jurídica forma-se entre a contratante (administração) e a contratada (empresa), contudo, os efeitos dos normativos e orientações expedidos pelo Poder Executivo também alcançam essa relação contratual, especialmente no que tange à forma de execução contratual e, consequentemente, aos impactos financeiros.

Nesse sentido, a Nota Técnica SEI nº 51.520/2020/ME ao estabelecer, em relação à hipótese de redução proporcional de jornada trabalho e de salário, que para fins de cálculo do décimo terceiro e das férias e terço constitucional não se deve considerar a redução de salário do empregado e sim o valor da remuneração integral, cria para a administração uma despesa para a qual não há a respectiva cobertura contratual.

A redução proporcional de jornada trabalho e de salário impacta diretamente na diminuição do repasse mensal à empresa contratada vez que o valor da remuneração do empregado alocado ao contrato administrativo, Módulo 1, reflete nos demais módulos da planilha de custos, o que inclui os valores do décimo terceiro salário e das férias.

A provisão mensal do décimo terceiro corresponde a 8,33%, enquanto as férias e o respectivo adicional apresentam 12,10%, caso seja utilizada a Conta-Depósito Vinculada-bloqueada para movimentação, ou 11,11%, na hipótese de adoção do Pagamento pelo Fato Gerador.

Destarte, em havendo a redução da jornada trabalho e de salário, e considerando as orientações dispostas pela Nota Técnica SEI nº 51.520/2020/ME, a empresa contratada ao efetuar o pagamento do décimo terceiro, férias e do terço constitucional não terá recebido a totalidade dos custos referentes a essas despesas, motivo pelo qual caberá o reconhecimento de dívida pela administração, que deverá ser paga a partir da Natureza de Despesa 92, Despesas de Exercícios Anteriores, ou da Natureza de Despesa 93, Indenizações e Restituições, conforme o caso.

Cabe acrescer que sobre essas rubricas incidem os encargos previdenciários, FGTS e outras contribuições, Submódulo 2.2, assim como a multa do FGTS sobre o Aviso Prévio, Módulo 3 da planilha de custos, atualmente no percentual de 4%.

A guisa de exemplo, se tomarmos como referência o cargo de almoxarife, cujo piso salarial estabelecido em 2020 pela CCT do Distrito Federal alcança o valor de R$ 1.826,64, teríamos a seguinte composição mensal de custos por empregado, desconsiderando o recebimento de qualquer adicional:

Entretanto, se a administração adotar redução da jornada trabalho e de salário em 25%, o salário do empregado assume o valor de R$ 1.369,98, sendo estabelecida a seguinte composição mensal de custos por empregado:

Portanto, em relação ao décimo terceiro, férias e adicional de férias, a diferença mensal apurada por empregado alcança o valor de R$ 127,36.

Em relação à multa do FGTS sobre o Aviso Prévio, os valores por empregado alcançam R$ 73,07 e R$ 54,80, quando são utilizados, respectivamente, os salários referenciais de R$ 1.826,64 e R$ 1.369,98, perfazendo o montante de R$ 145,63.

O reconhecimento de dívida pela administração deve ter como parâmetro o período em que ocorreu a redução da jornada trabalho e de salário e o mês de referência para pagamento do décimo terceiro salário e das férias e o respectivo adicional.

De acordo com a Nota Técnica SEI nº 51.520/2020/ME, o décimo terceiro é calculado com base na remuneração do mês de dezembro, assim considerada a remuneração sem influência das reduções temporárias de jornada e salário, consoante ao que estabelece o §1º, Art. 1º da Lei nº 4.090/1962, c.c. o Art. 7º, VIII da Constituição Federal de 1988, enquanto as férias e o adicional de férias devem considerar o mês de gozo, conforme determina o Art. 145, c.c o Art. 142, do Decreto-Lei nº 5.452/1962.

Por outro giro, não se encontra óbice da aplicação retroativa da multicitada Nota Técnica aos atos consumados de férias e adicional de férias, em período marcado pela redução da jornada trabalho e de salário, por se tratar de norma mais favorável ao trabalhador.

 

5. Considerações Finais

A Nota Técnica SEI nº 51.520/2020/ME extraiu da legislação vigente a interpretação mais favorável ao trabalhador, vez que acolheu a interpretação de que não se aplicaria a redução salarial estabelecida pela Lei nº 14.020/2020, em virtude da redução proporcional de jornada, para fins de cálculo do pagamento do décimo terceiro salário, férias e do terço constitucional.

A ausência de norma expressa na Lei nº 14.020/2020, em relação a esse ponto, e, principalmente, da manifestação do Poder Judiciário sobre a questão, impulsionou a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, dentro de interpretações diversas, acolher a tese da não redução de direitos dos trabalhadores.

Contudo, ao analisar a Exposição de Motivos da MPV 936, verifica-se que o objetivo do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda reside na preservação do emprego e a renda; na garantia da continuidade das atividades empresariais; e na redução do impacto social diante da paralisação de atividades empresariais e restrição de mobilidade. A MPV 936 busca, portanto, minimizar os impactos econômicos e sociais enquanto perdurar o estado de emergência instalado com a COVID-19.

Nesse diapasão, ao se adotar a tese fixada pela Nota Técnica, indaga-se se a decisão administrativa não estaria colidindo com os objetivos almejados pela MPV 936, vez que perdura até 31 de dezembro de 2020, os efeito do estado de calamidade pública, consoante ao disposto pelo Decreto Legislativo nº 06/ 2020, tendo em vista a desoneração do setor empresarial.

Por último, os impactos da Nota Técnica SEI nº 51.520/2020/ME alcança de igual forma a Administração Pública, esta em virtude da celebração de contratos administrativos, especialmente aqueles prestados com dedicação exclusiva de mão de obra, o que pode gerar em 2021 passivo orçamentário e financeiro, com o respectivo reconhecimento de despesas de exercícios anteriores, caso a tese proposta pela SEPT seja acolhida pelo Poder Judiciário.

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