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A nova redação da ON 18 da AGU e o enquadramento das inexigibilidades na Lei Geral de Licitações
Daniel Barral
Mestrando em Direito Público pela Universidade Nova de Lisboa, Procurador Federal da Advocacia-Geral da União e Colaborador do Portal L&C.
Foi publicado neste dia 24/12/2018 a Portaria n. 382, de 21 de Dezembro de 2018, que trouxe nova redação à orientação Normativa n. 18 da Advocacia-Geral da União. Confirma a tabela comparativa abaixo da redação antiga e da atual.
Redação Original |
Nova Redação |
Contrata-se por inexigibilidade de licitação com fundamento no Art. 25, inc. II, da lei n° 8.666, de 1993, conferencistas para ministrar cursos para treinamento e aperfeiçoamento de pessoal, ou a inscrição em cursos abertos, desde que caracterizada a singularidade do objeto e verificado tratar-se de notório especialista. |
"Contrata-se por inexigibilidade de licitação com fundamento no Art. 25, caput ou inciso II, da lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993, pessoas naturais e jurídicas para ministrar cursos fechados para treinamento e aperfeiçoamento de pessoal ou a inscrição em cursos abertos.
O Art. 25, caput, como fundamento, impõe a constatação da inviabilidade de competição por ausência de critério objetivo de seleção ou por exclusividade do objeto perseguido pela administração, mediante robusta instrução dos autos do processo administrativo, sem prejuízo da fiscalização e controle ainda maiores por parte dos órgãos competentes.
A motivação legal com base no Art. 25, inciso II, da lei n° 8.666, de 1993, exige a identificação dos requisitos da notória especialização e da singularidade do curso. |
A Análise comparativa das duas redações permite verificar que o mote da alteração se concentra na necessidade de esclarecer a possibilidade de enquadramento da contratação direta por inexigibilidade de serviços no caput do art. 25 da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993.
Em nossa lei geral de licitações o tema é tratado especialmente pelo artigo 25, que dispõe acerca das hipóteses de inexigibilidade de licitação da seguinte forma:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;
III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.
§ 1o Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.
Percebe-se desde logo que a contratação direta por inexigibilidade de licitação se dá pela impossibilidade de se estabelecer critérios de comparação que viabilizem uma competição.
A inexigibilidade de licitação é, portanto, uma consequência decorrente da realidade do setor em que surge a demanda a ser satisfeita, ante a ausência de uma pluralidade de propostas hábeis a satisfazer os interesses da Administração Pública, ou pela ausência de critérios objetivos de seleção entre possíveis interessados.
Nestas hipóteses, nos ensina a doutrina, falta um pressuposto lógico, que é a viabilidade da disputa, seja pela ausência de competição ou pela singularidade da solução pretendida pelo Estado. É por esta razão que o Tribunal de Contas da União entendeu por bem consolidar sua compreensão do instituto no verbete sumular nº 39 abaixo reproduzido:
SÚMULA TCU 39: A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos com pessoas físicas ou jurídicas de notória especialização somente é cabível quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993.
Sobre o caso em estudo inicialmente é importante referir o Acórdão 2503/2017 - Plenário, relatado pelo Exmo. ministro Weder de Oliveira. Neste precedente o TCU fixou o entendimento de que a contratação de serviços pode ser enquadrada tanto no art. 25, caput quanto no inciso II:
A contratação direta por inexigibilidade de serviços técnicos especializados não se subsome à hipótese do art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993, uma vez que as situações elencadas nos incisos desse artigo são exemplificativas. Na presença de situações outras em que o atendimento das necessidades da Administração implique a inviabilidade de competição, admite-se a contratação direta por inexigibilidade com fulcro no art. 25, caput.
Em seu voto o Exmo. Ministro Relator teceu importantes considerações a respeito do esforço hermenêutico a ser empreendido pelo gestor para enquadrar determino serviço à estrita via da inexigibilidade:
[...]
40.A resposta está em que o rol de incisos do art. 25 não é taxativo; é exemplificativo, tal como se depreende com toda a facilidade de seu caput. Sempre que presentes elementos que suportem demonstração de inviabilidade de competição, é, como expressa o caput do art. 25, inexigível a licitação.
41.Logo, para promover a contratação direta de serviços técnicos profissionais especializados por inexigibilidade de licitação, a administração não está adstrita à hipótese do inciso II do art. 25, excepcionalíssima. Deve valer-se da cláusula geral do art. 25, demonstrando a inviabilidade de competição, o que se passa a discutir.
42.Sendo a licitação um processo seletivo, é imprescindível: (1) que o objeto seja especificado de tal forma que permita a formulação de propostas técnicas e a comparação de preços, porque referidos a um objeto com características bem definidas e, portanto, precificável; (2) que, partindo da especificação do objeto, possam ser definidos critérios objetivos de habilitação que respeitem o princípio da isonomia e minimizem os riscos de contratação de pessoa não habilitada para a plena execução do futuro contrato; (3) que possam ser definidos critérios de julgamento objetivos para seleção da melhor proposta; (4) e que possam ser definidas com precisão adequada as obrigações contratuais a serem assumidas.
43.Se o objeto a ser contratado não pode ser especificado de forma a atender aos requisitos acima formulados, não sendo ‘precificável’, haverá inviabilidade de competição.
[...]
55.Para justificar a inexigibilidade de licitação para a contratação de objeto ‘singular’ quando não tiver sido afastada a possibilidade de que vários profissionais, igualmente habilitados, possam executá-lo (lembremo-nos do hipotético caso de patrocínio de ADI perante o STF) , situação comum, não havendo como identificar apenas um deles, que seja ‘essencial’ e ‘indiscutivelmente o mais adequado’, como exige o inciso II do art. 25 da Lei 8666/1993, cabe recorrer à cláusula geral do caput desse artigo (é inexigível licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial) , e não ao referido inciso II, como se tem feito, o qual traduz a situação de identificação de ‘um profissional único para um objeto singular’, situação raríssima.
56.O que é realmente relevante para justificar a contratação direta é a demonstração da inviabilidade de competição, e não a subsunção do caso ao fluido conceito de ‘singularidade’. É assim que os incisos do art. 25 devem ser interpretados: descrição de situações de inviabilidade de competição. Havendo múltiplos candidatos a realizar um certo objeto, há, em princípio, viabilidade de competição.
57.A inviabilidade nesse campo de ‘objetos singulares’ decorrerá, na base e em muitos casos, da impossibilidade de especificação objetiva do serviço a ser contratado e, consequentemente, da definição de critérios objetivos de qualificação e adjudicação. Essa, ao que me parece, é a situação de inúmeras contratações de pareceres técnicos quando neles se busca especial força persuasiva, atributo apenas aferível após a execução do objeto.
58.Tendo-se tal perspectiva em consideração, torna-se muito mais importante, e muito mais necessário para clarificar a discussão, examinar os casos concretos sob os ângulos do contexto problematizado em que a necessidade especial, se apresentou, da razoabilidade da solução escolhida e implementada pelo administrador, e da demonstração das razões da inviabilidade de competição, do que fazer a discussão girar ao redor da subsunção do caso ao indeterminado e disputado conceito de ‘singularidade’ e suas infindáveis controvérsias.
59.Essa compreensão está subjacente na visão do tema que o Tribunal expressa na Súmula nº 264 do Tribunal:
‘A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos com pessoas físicas ou jurídicas de notória especialização somente é cabível quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei nº 8.666/1993.’
O precedente transcrito acima autoriza a subsunção da contratação de serviços, mesmo aqueles enquadráveis, em tese, no rol taxativo do art. 13 da Lei Geral de Licitações - LGL, na cabeça do art. 25.
Assim, o motivo da alteração da ON AGU n. 18 foi o de consolidar esta interpretação recente do TCU, mais adequada à interpretação sistemática da Lei Geral de Licitações, em contraste com outras decisões que entendiam que apenas serviços expressamente indicados no rol previsto no art. 13 poderiam ser contratados por inexigibilidade de licitação. Confira enunciado de acórdão que seguia esta linha mais restritiva:
A contratação direta por inexigibilidade de licitação, com base no art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993, comporta a presença simultânea de três requisitos: constar no rol de serviços técnicos especializados mencionados no art. 13 da Lei 8.666/1993, possuir o serviço natureza singular e ter o contratado notória especialização. O ato praticado com a ausência de qualquer um dos três requisitos importa na irregularidade da contratação.
Acórdão 497/2012 – Plenário – Relator - RAIMUNDO CARREIRO
A inovação é bem-vinda para esclarecer que, na hipótese da contratação de cursos abertos, mesmo não sendo possível atestar a singularidade do objeto e a notória especialização do conferencista como impõe o inciso II do art. 25, ainda assim é possível realizar sua contratação com fundamento no caput do art. 25. É neste sentido o DESPACHO n. 00976/2018/GAB/CGU/AGU cujo trecho pertinente segue reproduzido abaixo:
Nas contratações de “cursos abertos”, em princípio, e na esteira do que dispõe a ON AGU nº 18, deve o gestor adotar o inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666, de 1993, desde que reste adequadamente demonstrada a singularidade do objeto e a notória especialização dos profissionais ou da empresa a ser contratada.
Resta consolidar, no entanto, que eventual não preenchimento dos requisitos do inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666, de 1993, não representa necessariamente óbice jurídico para a contratação direta de “curso aberto”, uma vez que ainda poderá ser aplicada a cabeça do art. 25, desde que, a despeito da ausência de singularidade do objeto ou da notória especialização, as peculiaridades que circunscrevem o caso concreto, como local e data do evento, prazo para inscrição, conteúdo programático, metodologia didática adotada, dentre outros elementos comprovados na instrução dos autos, demonstrem que há inequívoca inviabilidade de competição.
Ante o exposto, na esteira das bem lançadas razões postas nos parágrafos 26 a 31 do Parecer ora aprovado, a escorreita interpretação da ON AGU nº 18 deve ser consolidada no sentido de que a Administração, para a contratação de “cursos abertos” de treinamento e capacitação de pessoal, deve fundar eventual inexigibilidade de licitação no inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666, de 1993, desde que devidamente preenchidos seus pressupostos. As peculiaridades inerentes ao mercado do setor, no entanto, admitem a possibilidade jurídica de contratação direta dos denominados “cursos abertos” com arrimo na cabeça do art. 25 da Lei nº 8.666, de 1993, ou seja, nas hipóteses em que não haja singularidade do objeto ou notória especialização, há, em tese, resguardo legal para a inexigibilidade de licitação para contratação de cursos abertos caso que reste demonstrada a inviabilidade de competição mediante fatores e elementos postos na instrução dos autos que revelem, necessariamente, a ausência de parâmetros objetivos de discrímen para seleção de potenciais interessados ou por exclusividade do domínio do objeto perseguido pela Administração.
Esta manifestação está alinhada com os mais recentes precedentes do TCU, refletido aqui no AC 2616/2015 -P, Relatado pelo Exmo. Benjamin Zymler, assim ementado:
Nas contratações diretas por inexigibilidade de licitação, o conceito de singularidade não pode ser confundido com a ideia de unicidade, exclusividade, ineditismo ou raridade. O fato de o objeto poder ser executado por outros profissionais ou empresas não impede a contratação direta amparada no art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993. A inexigibilidade, amparada nesse dispositivo legal, decorre da impossibilidade de se fixar critérios objetivos de julgamento.
É interessante a remissão feita pelo relator no item 32 de seu voto:
32. Luiz Cláudio de Azevedo Chaves, em artigo recentemente publicado pela Revista do TCU, apresenta um ilustrativo exemplo demonstrando tal assertiva. Para alguns, seria questionável se um curso de Redação Oficial pudesse ser considerado singular porque "o tema não é complexo e há muitos professores de português no mercado". Porém, o autor esclarece que a "singularidade não é sinônimo de exclusividade ou raridade. Não é a quantidade de oferta de profissionais que indica a presença desse elemento no serviço, mas sim o exame do componente de seu núcleo, que, na hipótese é a didática própria do professor. A conclusão a que se chega é que, mesmo sendo um curso sobre tema de nível menos especializado, e havendo milhares de professores aptos, se a intervenção do mestre for determinante para o alcance dos resultados desejados, presente estará o elemento singular do serviço." [CHAVES, Luiz Cláudio, "Contratação de Serviços de Treinamento e Aperfeiçoamento de Pessoal na Administração Pública: uma breve análise da Decisão 439/98, Plenário do TCU", Revista do TCU nº 129, ano 46, janeiro/abril/2014].
Ao trabalhar e contrastar os conceitos de singularidade e de unicidade do prestador de serviços o eminente relator acabou por destacar em seu voto que, nas situações em que a escolha do contratado não possa ser calcada em elementos objetivos, a licitação é inviável. O mesmo raciocínio foi utilizado pela AGU para empreender a recente alteração da ON 18, cuja nova redação irá conferir mais segurança jurídica para as contratações públicas nacionais.