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O orçamento sigiloso do pregão na visão do TCU

Rafael Sérgio de Oliveira

É doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, Mestre em Direito e Especialista em Direito Público. Participou do Programa de Intercâmbio Erasmus+, desenvolvendo pesquisa na área de Direito da Contratação Pública na Università degli Studi di Roma - Tor Vergata. É Procurador Federal da Advocacia-Geral da União (AGU) e Colaborador do Portal L&C.

Recentemente o Ministério da Economia divulgou uma minuta de decreto cujo objeto é um novo regulamento federal do pregão eletrônico, modalidade licitatória aplicada a 95% das licitações federais realizadas em 2018. Uma das novidades trazidas na minuta é a cristalização em decreto regulamentar da possibilidade de sigilo do orçamento estimado da contratação processada mediante pregão até o encerramento da fase de lances. Os presentes comentários visam a analisar como o Tribunal de Contas da União enxerga tal prática sob a égide do Decreto nº 5.450/2005[1].

Atualmente o orçamento sigiloso tem previsão legal expressa no Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC[2] e na Lei das Estatais[3]. Por outro lado, o orçamento sigiloso não é admitido nas modalidades da Lei nº 8.666/1993, pois este diploma expressamente exige que o orçamento estimado conste como um dos anexos do edital do certame (art. 40, § 2º, II, da Lei nº 8.666/1993).

A Lei nº 10.520/2002 determina, no seu art. 3º, III, que a Administração elabore na fase preparatória do pregão um orçamento dos bens ou serviços a serem licitados. Entretanto, o art. 4º, III, da referida Lei não exige que a Administração faça constar no edital o orçamento estimado da contratação.

Inicialmente o que se põe é a questão de saber se o legislador foi lacunoso ou se o seu silêncio quanto à necessidade do orçamento estimado no edital do pregão foi intencional. Se se entendesse pela hipótese de lacuna, a solução seria recorrer à Lei nº 8.666/1993[4], que expressamente exige a presença do orçamento estimado como um dos anexos do edital do certame (art. 40, § 2º, II, da Lei nº 8.666/1993). Essa, no entanto, não é a solução mais adequada. Primeiro, porque a Lei do Pregão traz em seu texto quais seriam os elementos indispensáveis ao edital (art. 4º, inciso III, c/c o inciso I do art. 3º); segundo, porque a modalidade em estudo é informada pela ideia de simplificação do seu procedimento, o que é feito, inclusive, pela concessão de maior liberdade ao gestor. Desse modo, à luz da Lei nº 10.520/2002, não resta dúvida de que o orçamento estimado da contratação não precisa constar no edital, assim como não é indispensável que seja um dos anexos do instrumento convocatório. Caberia, então, ao regulamento da modalidade o tratamento da matéria.

O problema seria saber se a Administração poderia manter esse orçamento em sigilo. Ou seja, pelo texto legal, não há dúvida que não é obrigatória a transparência ativa, aquela cuja publicidade é dada independentemente de requerimento de eventuais interessados. Mas, seria obrigatória a transparência passiva?

Segundo o manual de Aplicação da Lei de Acesso à Informação na Administração Pública Federal, a transparência passiva “depende de uma solicitação do cidadão”[5]. Em outras palavras, na transparência passiva, o documento é público, mas ele se mantém acessível apenas para os serviços administrativos (internamente), sendo disponibilizado para os cidadãos que o requeiram (externamente). Nessa linha, o orçamento estimado da contratação no pregão não constaria do edital – pelo que não teria uma transparência ativa –, mas estaria no processo do certame e deveria ser disponibilizado para os interessados que o solicitem (transparência passiva).

Em regra, esse é o entendimento encontrado na jurisprudência do TCU sobre a matéria. Diversos são os julgados da Corte de Contas federal cujo sentido é o de dispensar a publicação do orçamento estimado da contratação no edital do pregão, com a possibilidade de os interessados terem acesso ao documento mediante requerimento. Vejamos alguns enunciados da jurisprudência selecionada do Tribunal:

Na modalidade pregão, o orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários não constitui um dos elementos obrigatórios do edital, devendo estar inserido obrigatoriamente no bojo do processo administrativo relativo ao certame. Acórdão nº 394/2009 – Plenário – TCU.

Na modalidade pregão, o orçamento estimado não constitui elemento obrigatório do edital, contudo, deve estar inserido no processo relativo ao certame, bem como ser informado no ato convocatório os meios para obtenção desse orçamento. Acórdão nº 1513/2013 – Plenário – TCU.

Não é obrigatório que o orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários seja parte integrante do edital do pregão, mas o ato convocatório deve conter informações para obter tal orçamento. Acórdão nº 2816/2009 – Plenário – TCU.

Nas licitações sob a modalidade pregão, é obrigatória a inclusão do orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários no processo administrativo que fundamenta a licitação, facultando-se ao gestor, caso julgue conveniente, incluir referido orçamento como anexo ao edital. Acórdão nº 5263/2009 – Segunda Câmara – TCU.

Ressaltamos, entretanto, que há acórdãos do TCU que admitem que a Administração mantenha sob sigilo o orçamento da contratação até o encerramento da fase de lances nos casos em que a publicidade dessa peça tenha o potencial de gerar prejuízo para o bom resultado do certame. No Acórdão nº 2080/2012 – Plenário, o então Min. José Jorge, relator, asseverou em seu voto:

7. Embora também seja posição desta Corte de que a Administração deve franquear o acesso aos licitantes do referido documento, bem explicitou a instrução que há divergências acerca do momento oportuno para tanto, ou seja, antes ou depois da fase de lances, sendo apontado, neste último caso, os benefícios para manutenção do sigilo do orçamento estimativo até essa fase.

8. Conquanto a ampla publicidade seja imperativa na Administração Pública, julgo que, em situações semelhantes a que se apresenta, o acesso ao referido orçamento colidiria com outros princípios não menos importantes, como o da busca da proposta mais vantajosa para a administração, de modo que a reserva do seu conteúdo não se configura violação ao princípio da publicidade, nem mesmo ao seu propósito de assegurar o controle pela sociedade da legalidade e legitimidade dos atos administrativos.

9. Ademais, a prática tem se revelado, inclusive no âmbito do próprio FNDE, que a manutenção do sigilo do orçamento estimativo tem sido positiva para Administração, com a redução dos preços das contratações, já que incentiva a competitividade entre os licitantes, evitando assim que os concorrentes limitem suas ofertas aos valores previamente cotados pela Administração. (grifo nosso)

Assim, o referido Acórdão é sumarizado na página eletrônica do TCU com as seguintes palavras:

Em sede de licitação, na modalidade pregão, não se configura violação ao princípio da publicidade o resguardo do sigilo do orçamento estimado elaborado pela Administração até a fase de lances, sendo público o seu conteúdo após esse momento. Acórdão nº 2080/2012 – Plenário – TCU.

 No mesmo sentido é o Acórdão nº 2150/2015 – Plenário, em cujo sumário consta:

3. Na realização de pregões para compras de medicamentos e materiais hospitalares, a divulgação, nos editais, dos preços estimados pela administração não se mostra vantajosa, devendo ocorrer apenas após a fase de lances. Acórdão nº 2150/2015 – Plenário – TCU.

Mais recentemente, no Acórdão nº 903/2019 – Plenário, o TCU evocou esses dois últimos julgados para notificar o Ministério da Saúde de que a divulgação dos preços de referência no edital dos pregões de compra de medicamentos prejudica a obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração.

O fato é que, a depender do mercado, a publicação do orçamento estimado da contração ocasiona o chamado efeito âncora, elevando os preços das propostas ao mais próximo possível do valor de referência da Administração. Nessas situações, a consagração de princípios próprios da Administração Pública (interesse público e eficiência, sobretudo) recomendam que o preço orçado pela Administração seja mantido sob sigilo até o fim da disputa pelo contrato.

Por fim, de um modo geral, é possível dizer que há julgados no TCU sobre a divulgação do orçamento estimado da contratação no pregão, ainda sob a égide do Decreto nº 5.450/2005, que apontam para o seguinte entendimento:

a)    a Administração não está obrigada a divulgar no edital ou em seus anexos o orçamento de referência da contratação;

b)    em regra, os editais de pregão que não divulgarem o orçamento da Administração devem indicar o modo pelo qual os interessados terão acesso a esse documento a qualquer tempo;

c)    nos casos em que a divulgação do orçamento de referência da contratação puder ocasionar prejuízo na busca pela proposta mais vantajosa, a Administração deverá disponibilizar tal documento apenas ao fim da etapa de lances do pregão.

Desse modo, julgamos que a previsão e regulamentação em decreto dessa prática é uma excelente iniciativa para a segurança jurídica e qualidade da contratação pública.



[1] O Decreto nº 5.450/2005 é silente quanto à possibilidade do uso do orçamento sigiloso.

[2] Art. 6º, § 3º, da Lei nº 12.462/2011.

[3] Art. 34, da Lei nº 13.303/2016

[4] Aplicação subsidiária da Lei Geral de Licitação e Contrato Administrativo ao pregão em razão do art. 9º da Lei nº 10.520/2002.

[5] BRASIL. Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União. Aplicação da Lei de Acesso à Informação na Administração Pública Federal. 3 ed. Brasília: CGU, 2017, p. 13 e seguintes. Disponível em: < http://www.acessoainformacao.gov.br/lai-para-sic/sic-apoio-orientacoes/guias-e-orientacoes/aplicacao-lai-3a-ed-web-002.pdf >.