L&C Comenta

O que é e quando se aplica o credenciamento?

Rafael Sérgio de Oliveira

É doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, Mestre em Direito e Especialista em Direito Público. Participou do Programa de Intercâmbio Erasmus+, desenvolvendo pesquisa na área de Direito da Contratação Pública na Università degli Studi di Roma - Tor Vergata. É Procurador Federal da Advocacia-Geral da União (AGU) e Colaborador do Portal L&C.

Em continuidade à série de comentários sobre a Instrução Normativa nº 5/2017, este L&C Comenta traz à discussão o instituto do credenciamento, previsto no item 3 do Anexo VII-B da IN nº 5/2017. No presente trabalho vamos verificar o que é o credenciamento e quais as hipóteses em que ele se aplica. Depois, publicaremos nos próximos dias outro L&C Comenta para tratar  dos requisitos do credenciamento e de como ele se operacionaliza.

 

O que é credenciamento?

O credenciamento é um instituto cuja base é doutrinária[1] e jurisprudencial[2], pois é utilizado na contratação pública brasileira sem que haja previsão legal[3]. No Estado do Paraná, a Lei Estadual nº 15.608/2007, a lei de licitações e contratos administrativos do referido Estado, o prevê no seu art. 24. Em âmbito federal, há agora a IN nº 5/2017, que regulamenta o instituto para a contratação de serviços (item 3 do Anexo VII-B).

Apesar de não haver previsão legal, a utilização do credenciamento é possível porque ele é apenas uma maneira de se operacionalizar uma contratação por inexigibilidade de licitação. A sua base legal, portanto, é o próprio art. 25 da Lei nº 8.666/1993. A rigor, trata-se de um procedimento auxiliar à contratação por inexigibilidade de licitação adequado às hipóteses em que a Administração necessita de um número ilimitado de contratados para prestar o serviço ou fornecer o bem demandado.

Nessa hipótese, a Administração divulga um ato de chamamento público a fim de credenciar todos os interessados que preencham os requisitos previstos no instrumento de convocação. Cada um dos credenciados será posteriormente contratado, obedecendo-se a uma ordem alternada de distribuição objetiva dos contratos e aos preços fixados pelo próprio contratante.

O inciso IV do Anexo I, da IN nº 5/2017, define credenciamento com as seguintes palavras:

IV - CREDENCIAMENTO: ato administrativo de chamamento público destinado à pré-qualificação de todos os interessados que preencham os requisitos previamente determinados no ato convocatório, visando futura contratação, pelo preço definido pela Administração.

É importante dizer que não se trata de um mecanismo de seleção de propostas, motivo pelo qual não se caracteriza como uma modalidade de licitação e, por isso, não fere o art. 22, § 8º, da Lei nº 8.666/1993. Como explanaremos no próximo L&C Comenta, o procedimento em estudo não comporta diferenciação de tratamento entre os credenciados. Todos os interessados que preencham os requisitos exigidos no instrumento convocatório são credenciados em situação de igualdade, ainda que um deles apresente, em tese, um requisito que aponte para uma melhor qualificação.

De certa forma, é possível dizer que o credenciamento é um procedimento de seleção, uma vez que visa a selecionar aqueles que preencham os requisitos previamente definidos no instrumento convocatório; porém não se trata de um procedimento seletivo concorrencial, já que não há limites para o número de selecionados e que o atendimento das exigências contidas no instrumento de chamamento coloca todos os credenciados em situação de igualdade.

 

Quando se aplica o credenciamento?

 Consoante já dito, o instituto é aplicado às hipóteses de inexigibilidade de licitação. Ou seja, é um procedimento apto aos casos em que há inviabilidade de competição. Por isso, que a IN nº 5/2017 exige a justificativa da “inviabilidade de competição pela natureza da contratação do serviço a ser prestado” (alínea a do item 3.1 do Anexo VII-B).

Sabemos que o lugar comum da inexigibilidade é a existência de apenas um sujeito passível de ser contratado para atender a necessidade do Poder Público. Esse é o caso em que a inviabilidade da competição decorre da unicidade do ofertante do bem ou serviço. Entretanto, é possível haver situações nas quais a competição seja impossível pela pluralidade da demanda da Administração Pública. Nessa hipótese, o interesse público só é satisfatoriamente atendido se o serviço ou bem for prestado ou fornecido por um número ilimitado de contratados.

O TCU já se manifestou neste sentido no Acórdão nº 352/2016 – Plenário, oportunidade em que disse no item 9.1.2 do referido julgado:

9.1.2. o credenciamento pode ser utilizado para a contratação de profissionais de saúde para atuarem tanto em unidades públicas de saúde quanto em seus próprios consultórios e clínicas, sendo o instrumento adequado a ser usado quando se verifica a inviabilidade de competição para preenchimento das vagas, bem como quando a demanda pelos serviços é superior à oferta e é possível a contratação de todos os interessados, sendo necessário o desenvolvimento de metodologia para a distribuição dos serviços entre os interessados de forma objetiva e impessoal; (grifo nosso)

Nessa linha, a IN nº 5/2017 exige que nos autos do processo de credenciamento conste a comprovação de “que o interesse da Administração será melhor atendido mediante a contratação de um maior número de prestadores de serviço” (alínea b do item 3.1 do Anexo VII-B).

Costuma-se defender que o instituto em comento se aplica a hipóteses de inexigibilidade genericamente prevista no caput do art. 25, da Lei nº 8.666/1993[4]. Todavia, aos nossos olhos, é possível se aplicar o instituto mesmo nas hipóteses de inexigibilidade tipificadas especialmente em um dos incisos do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, a depender do caso concreto[5].

O Projeto de Lei nº 6.814/2017, da Câmara dos Deputados, prevê o credenciamento e diz quais as hipóteses nas quais ele pode ser aplicado. Diz o art. 70 do referido Projeto:

Art. 70. O credenciamento poderá ser usado nas seguintes hipóteses de contratação:

I -  paralela e não excludente: caso em que é viável e vantajosa para a Administração a realização de contratações simultâneas em condições padronizadas;

II – com seleção a critério de terceiros: caso em que a seleção do contratado está a cargo do beneficiário direto da prestação;

III – em mercados fluídos: caso em que a flutuação constante do valor da prestação das condições de contratação inviabiliza a seleção de agente por meio do procedimento de licitação.

Das situações tratadas no Projeto de Lei, a IN nº 5/2017 trata mais especificamente da contida no art. 70, inciso I, porém, não enxergamos óbice, mesmo diante da normatização atual, da aplicação do instituto em casos como os contidos nos incisos II e III, do art. 70, do Projeto de Lei nº 6.814/2017.

Por fim, cabe fazer um questionamento quanto à possiblidade de utilização do credenciamento para a aquisição de produtos, já que a IN nº 5/2017 refere-se à aplicação do instituto para a contratação de serviços. Primeiramente é preciso colocar tal dispositivo da norma regulamentar no seu contexto, que é o de fixar regras e diretrizes dos procedimentos de contratação de serviços. Isto é, a IN nº 5/2017 não poderia fazer referência às compras porque elas não são objeto de sua regulamentação. Isso indica que a ausência da menção às aquisições na IN nº 5/2017 não implica uma vedação.

A propósito desse questionamento, mencionamos o Acórdão nº 351/2010 – Plenário, do TCU, no qual o Tribunal admitiu o uso do credenciamento para aquisição, mais especificamente para credenciar agricultores para a formação de uma “rede de suprimento de gêneros para as organizações militares distribuídas na Amazônia Ocidental”.

Feitas essas considerações, resta saber quais os requisitos para o processamento do instituto em comento e como ele se operacionaliza, questões que responderemos nos próximos L&C Comenta. Até lá!



[1] Cf. NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contrato Administrativo. 2 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 100.

[2] A título de exemplo mencionamos: Acórdão nº 408/2012 – TCU – Plenário; Acórdão nº 351/2010 – TCU – Plenário; Acórdão nº 5.178/2013 – TCU – 1ª Câmara.

[3] O Projeto de Lei nº 6.814/2017, da Câmara dos Deputados, que Institui normas sobre licitações e contratos da Administração Pública, prevê o credenciamento no seu art. 70.

[5] O Parecer nº 8/2016/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU conclui pela possibilidade de utilização do credenciamento para contratação de serviço técnico profissional especializado (art. 25, II, da Lei nº 8.666/1993).