L&C Comenta

Afinal, posso utilizar IPCA nos meus contratos administrativos?

Daniel Barral

Mestrando em Direito Público pela Universidade Nova de Lisboa, Procurador Federal da Advocacia-Geral da União e Colaborador do Portal L&C.

Neste L&C comenta abordaremos a questão da utilização de índices gerais para o reajustamento de contratos administrativos. Está vetada a utilização do IPCA e de outros índices gerais em razão da recente vedação constante no artigo 3º, inciso I da Portaria nº 409, de 21 de dezembro de 2016[1] do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão?

Como sabemos, os contratos administrativos, na esteira da regra aplicável aos contratos regidos pelo direito privado, permitem alteração de cunho econômico durante sua vigência, seja em virtude do advento de fatos imprevisíveis e inevitáveis não imputados ao contratado ou à própria Administração Pública, ou mesmo com o objetivo de recompor o equilíbrio econômico-financeiro do contrato desgastado pelo mero transcurso do tempo.

A diferenciação entre as duas hipóteses foi realizada com primazia pelo Ministro Augusto Sherman Cavalcanti, relator do acórdão nº 1.563/2004 – Plenário do Tribunal de Contas da União:

 

9.1 A álea ordinária, também denominada empresarial, consiste no ‘risco relativo à possível ocorrência de um evento futuro desfavorável, mas previsível ou suportável, por ser usual no negócio efetivado’ (Maria Helena Diniz. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 157). Exatamente por ser previsível ou suportável é considerado risco inerente ao negócio, não merecendo nenhum pedido de alteração contratual, pois cabe ao empresário adotar medidas para gerenciar eventuais atividades deficitárias. Contudo, nada impede que a lei ou o contrato contemple a possibilidade de recomposição dessas ocorrências. No caso de estar prevista, a efetivação do reajuste será mera execução de condição pactuada, e não alteração;

9.2 a álea extraordinária pode ser entendida como o ‘risco futuro imprevisível que, pela sua extemporaneidade, impossibilidade de previsão e onerosidade excessiva a um dos contratantes, desafie todos os cálculos feitos no instante da celebração contratual’ (DINIZ, 1998, p. 158), por essa razão autoriza a revisão contratual, judicial ou administrativa, a fim de restaurar o seu equilíbrio original.

 

O reajuste de preços é um instrumento talhado para a recomposição das perdas provocadas pela inflação. Esta é a lição de Marçal Justen Filho[2]:

 

(...) o ‘reajuste’ de preços é uma solução desenvolvida a partir da prática contratual pátria. Convivendo em regime de permanente inflação, verificou-se a impossibilidade e a inconveniência da prática de preços nominais fixos. Com o passar do tempo, generalizou-se a prática da indexação em todos os campos. A indexação foi encampada também nas contratações administrativas. A Administração passou a prever, desde logo, a variação dos preços contratuais segundo a variação de índices (predeterminados ou não). Essa prática é identificada como ‘reajuste’ de preço. Trata-se da alteração dos preços para compensar (exclusivamente) os efeitos das variações inflacionárias. (...)

 

Ocorre que o artigo 40, XI da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 apenas aludiu a índices específicos e setoriais, sem nada dizer a respeito de índices gerais. Confira o dispositivo:

 

Art. 40.  O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:

(...)

XI - critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela; (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994) (grifo nosso)

 

A despeito desta omissão, a Advocacia-Geral da União, interpretando a legislação de modo sistêmico, apontou que a Lei do Plano Real, Lei nª 10.192, de 14 de fevereiro de 2001, autorizou o reajustamento de contratos por meio de índices gerais, complementando a regra insculpida na Lei Geral de Licitações. Referido entendimento foi consolidado na orientação normativa nª 23 abaixo reproduzida:

 

ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 23

 

"O EDITAL OU O CONTRATO DE SERVIÇO CONTINUADO DEVERÁ INDICAR O CRITÉRIO DE REAJUSTAMENTO DE PREÇOS, SOB A FORMA DE REAJUSTE EM SENTIDO ESTRITO, ADMITIDA A ADOÇÃO DE ÍNDICES GERAIS, ESPECÍFICOS OU SETORIAIS, OU POR REPACTUAÇÃO, PARA OS CONTRATOS COM DEDICAÇÃO EXCLUSIVA DE MÃO DE OBRA, PELA DEMONSTRAÇÃO ANALÍTICA DA VARIAÇÃO DOS COMPONENTES DOS CUSTOS."

 

O assunto parecia estar pacificado quando a Instrução Normativa nª 02, de 30 de abril de 2008 foi alterada e passou a prever o IPCA/IBGE, que é um índice geral[3], como uma das possibilidades de eleição em contrato administrativo[4].

 

 

Contudo, diante da recente vedação constante na Portaria MPDG nª 409, de 2016, a AGU analisou novamente a matéria e exarou o Parecer nª 1/2017/CPLC/PGF/AGU, em que restou reafirmada a possibilidade de utilização de índices gerais, nos seguintes termos:

 

CONCLUSÃO DEPCONSU/PGF/AGU Nª 131/2017

I. Considerando que cabe ao Advogado-Geral da União a função essencial de intérprete oficial da Legislação Federal, enquanto vigorar a orientação normativa nª 23 da AGU, no caso de ausência de índices setoriais ou específicos, é cabível a previsão de índices gerais para reajuste de contratos administrativos, não devendo ser aplicada a vedação constante do inc. I do art. 3ª da Portaria nª 409, de 21 de dezembro de 2016, do MPDG.

 

            Assim, de acordo com a AGU, continua sendo possível a eleição de índices gerais, diante da ausência de índices setoriais ou específicos, em razão autorização contida na orientação normativa nº 23 da AGU. Caso tenha interesse, você poderá encontrar no Portal L&C o Parecer nª 1/2017/CPLC/PGF/AGU.



[1] Art. 3º É vedada a inclusão de disposições nos instrumentos contratuais que permitam a:

I - indexação de preços por índices gerais;

 

[2]Filho, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 9. ed. São Paulo: Dialética, 2002, p. 504

[3] Segundo Ricardo Ribeiro, índice geral é o indicador que mensura a variação de preços ao longo do tempo de um mercado em geral, composto por numerosas e diversificadas atividades econômicas. Seu objetivo é captar alterações dos preços do mercado em geral, agregando informações sobre diversos setores econômicos em um só indicador. São exemplos: o IPCA, o INPC, o IGP-DI e o IGP-M.

 

RIBEIRO, Ricardo Silveira. Terceirizações na Administração Pública e Equilíbrio Econômico dos Contratos Administrativos. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 203

 

[4] Art. 30-A (...)

 

§ 1o (...)

 

II - os reajustes dos itens envolvendo insumos (exceto quanto a obrigações decorrentes de acordo ou convenção coletiva de trabalho e de Lei) e materiais serão efetuados com base em índices oficiais, previamente definidos no contrato, que guardem a maior correlação possível com o segmento econômico em que estejam inseridos tais insumos ou materiais ou, na falta de qualquer índice setorial, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA/IBGE; e (Redação dada pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013)