L&C Comenta

Quais os requisitos do credenciamento e como ele se operacionaliza?

Rafael Sérgio de Oliveira

É doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, Mestre em Direito e Especialista em Direito Público. Participou do Programa de Intercâmbio Erasmus+, desenvolvendo pesquisa na área de Direito da Contratação Pública na Università degli Studi di Roma - Tor Vergata. É Procurador Federal da Advocacia-Geral da União (AGU) e Colaborador do Portal L&C.

Seguimos com mais um comentário acerca da Instrução Normativa nº 5/2017. Este L&C Comenta aborda o instituto do credenciamento, previsto no item 3 do Anexo VII-B da IN nº 5/2017. Dias atrás falamos do que é o credenciamento e quais as hipóteses em que ele se aplica. Hoje, iremos tratar  dos requisitos do credenciamento e de como ele se operacionaliza. Importante mencionar que a abordagem ora realizada é com base na IN nº 5/2017 e, por isso, é restrita ao credenciamento para contratação de serviço.

 

Quais os requisitos do credenciamento?

O subitem 3.1 do Anexo VII-B da IN nº 5/2017 fixa quais as diretrizes a serem seguidas na consecução de um credenciamento. Embora não use expressamente o termo requisito, notamos que estão no subitem 3.1 alguns deles. Vejamos:

3.1. Para a contratação de prestação de serviços, os órgãos e entidades poderão utilizar o sistema de credenciamento, desde que atendidas às seguintes diretrizes:

a) justificar a inviabilidade de competição pela natureza da contratação do serviço a ser prestado;

b) comprovar que o interesse da Administração será melhor atendido mediante a contratação de um maior número de prestadores de serviço;

c) promover o chamamento público por meio do ato convocatório que definirá o objeto a ser executado, os requisitos de habilitação, as especificações técnicas indispensáveis, a fixação prévia de preços e os critérios para convocação dos credenciados;

d) garantir a igualdade de condições entre todos os interessados hábeis a contratar com a Administração, pelo preço por ela definido; e

e) contratar todos os que tiverem interesse e que satisfaçam as condições fixadas pela Administração.

Também encontramos os requisitos do instituto em comento no Parecer nº 7/2013/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU[1]. Segundo o referido Parecer, é essencial para o credenciamento que:

a.      haja possibilidade de contratação de quaisquer dos interessados que satisfaçam as condições exigidas;

b.      o preço de mercado seja razoavelmente uniforme e que a fixação prévia de valores seja mais vantajosa para a Administração, devendo ficar demonstrada nos autos a vantagem ou igualdade dos valores definidos em relação aos preços de mercado;

c.       seja dada ampla divulgação, mediante aviso publicado no Diário Oficial da União e em jornal de grande circulação local, sem prejuízo do uso adicional de outros meios que se revelem mais adequados ao caso;

d.      sejam fixados os critérios e exigências mínimas para que os interessados possam credenciar-se;

e.      seja fixada, de forma criteriosa, a tabela de preços que remunerará os diversos itens de serviços;

f.        sejam estabelecidas as hipóteses de descredenciamento;

g.      seja prevista a possibilidade de denúncia do ajuste, a qualquer tempo, pelo credenciado, bastando notificar a Administração, com a antecedência fixada no termo;

h.      a possibilidade de credenciar-se fique aberta durante todo o período em que a Administração precisar dos serviços, conforme fixado em Edital, cuja minuta deve ser analisada pela respectiva assessoria jurídica;

i.        a possibilidade de os usuários ou administrados denunciarem qualquer irregularidade verificada na prestação dos serviços;

j.        sejam fixados critérios objetivos de distribuição da demanda, por exemplo, sorteio público, excluindo-se os sorteados anteriormente, escolha pelo próprio usuário-interessado etc.

De todas essas diretrizes podemos destacar os requisitos a seguir.

 

Cabimento

Conforme afirmamos em L&C Comenta anterior[2], o credenciamento é um procedimento auxiliar à contratação por inexigibilidade de licitação adequado às hipóteses em que a Administração necessita de um número ilimitado de contratados para prestar o serviço. Desse conceito, e em sintonia com as diretrizes das alíneas a e b do subitem 3.1 do Anexo VII-B da IN nº 5/2017, retiramos o primeiro requisito do credenciamento, que é o relativo ao seu cabimento. Isto é, só cabe credenciamento quando houver inviabilidade de competição em razão da necessidade da Administração contratar um número ilimitado de prestadores.

 

Número ilimitado de credenciados

Chamamos a atenção do leitor para o significado do que a alínea b do subitem 3.1 do Anexo VII-B da IN nº 05/2017 chama de contratação de um maior número de prestadores de serviços. O fato é que no credenciamento não se admite uma limitação do número de credenciados. Daí porque afirmamos que um maior número de prestadores não pode significar uma quantidade determinada. Como diz o item a do Parecer nº 7/2013 da PGF/AGU e a alínea e do subitem 3.1 do Anexo VII-B da IN nº 5/2017, um dos requisitos do credenciamento é a possibilidade de contratação de quaisquer dos interessados que satisfaçam as condições exigidas. Tanto é assim que o multicitado Parecer, no item h, fala que a possibilidade de um novo pretendente se credenciar deve ficar aberta durante o lapso em que a Administração precisar do serviço.

 

Tratamento isonômicos entre os credenciados

O credenciamento não é uma seleção concorrencial. No procedimento em comento, todos são tratados igualmente[3] (alínea d do subitem 3.1 do Anexo VII-B da IN nº 5/2017). Pouco importa se um dos credenciados apresenta uma condição que indique uma melhor qualificação. Nesse sentido, é importante perceber que a distribuição dos futuros contratos deve se realizar com base em critérios objetivos (item j do Parecer nº 7/2013 da PGF/AGU).

 

Preço do serviço fixado pela Administração

Importante atentar que o preço a ser pago pela Administração é fixado por ela própria[4], não podendo haver diferença entre o valor pago pelo serviço a cada um dos credenciados. A alínea c do subitem 3.1 do Anexo VII-B da IN nº 5/2017 exige que o valor pelo qual o serviço será retribuído seja previamente determinado no instrumento de chamamento público (item e do Parecer nº 7/2013 da PGF/AGU). A fixação do preço deve ocorrer mediante pesquisa de mercado, obedecido os termos da IN nº 5/2014[5], devendo ficar demonstrada nos autos a vantagem ou igualdade dos valores definidos em relação aos preços de mercado (item b do Parecer nº 7/2013/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU).

Por isso é que não se pode dizer que a compra de passagens aéreas no Governo Federal ocorre por credenciamento típico, a despeito de a IN nº 3/2015 usar o termo para definir o modelo. O fato é que o art. 15, § 1º, da mencionada IN de 2015 fala em pesquisa de preço como um critério de escolha do futuro contratado. Ou seja, no procedimento da IN nº 3/2015 as empresas prestadoras do serviço são quem definem o preço e, assim, há diferenciação entre as quantias pagas a cada um dos contratados credenciados, o que não é compatível com o instituto em comento.

 

Publicidade por instrumento de chamamento público que defina o serviço e os critérios de habilitação

A abertura de um procedimento de credenciamento deve ser publicitada, razão pela qual a convocação dos interessados acontece por meio de um instrumento de chamamento público, ao qual deve ser dada ampla divulgação (item c do Parecer nº 7/2013 da PGF/AGU).

No ato de chamamento, a Administração deve definir o serviço a ser contratado e fixar as condições necessárias para o interessado ser credenciado (critérios de habilitação previstos no art. 27 da Lei nº 8.666/1993). Pela alínea c do subitem 3.1 do Anexo VII-B da IN nº 5/2017, além desses elementos, o instrumento de convocação deve prever os preços e o critério de distribuição da demanda da Administração entre os credenciados.

 

Como se operacionaliza o credenciamento?

 A questão da operacionalização do credenciamento é um dos aspectos desse procedimento sob o qual ainda pairam muitas dúvidas. Aqui vamos destacar alguns desses pontos. Essas questões não foram tratadas na IN nº 5/2017, mas é possível retirar algumas respostas da interpretação das normas sobre contratação pública no Brasil.

Primeiramente, o processamento do instituto em estudo ocorre com a formação de uma lista com todos os credenciados para, conforme surja a demanda do Poder Público, serem convocados alternadamente de acordo com um critério objetivo de distribuição dos futuros contratos.

 

Como definir um critério objetivo de distribuição dos contratos? Esse é um importante ponto. O que não se admite é uma distribuição que favoreça mais a um dos credenciados. A demanda da Administração deve ser distribuída com base em critérios impessoais. Deve ser formada uma ordem de distribuição, caso todos não possam ser contratados simultaneamente. Entendemos que é um bom fator o estabelecimento da ordem de convocação com base na mesma ordem em que aconteceu a apresentação do requerimento de credenciamento. Seriam primeiramente convocados os que apresentaram a manifestação de interesse em se credenciar com mais antecedência. Também se admite o sorteio[6]. Bom lembrar que também é possível que a distribuição ocorra de acordo com a escolha do beneficiário da prestação do serviço[7].

 

Como distribuir de forma igualitária a demanda da Administração? O serviço a ser contratado deve ser quantificado e o critério de distribuição deve ter em conta um montante, que uma vez atingido acarreta a distribuição das demandas  seguintes para o próximo. Não se admite que um determinado credenciado seja convocado para atender a uma quantidade x e outro para 2x. Situação como essa é inadmissível porque, como já dito, os interessados devem ser tratados de forma isonômica.

 

 É preciso a ratificação da autoridade superior prevista no art. 26 da Lei nº 8.666/1993? Sim! Como o credenciamento é uma hipótese de inexigibilidade, a ratificação da autoridade superior deve se fazer presente. Em que momento essa ratificação deve ser colhida? Seria demasiado trabalhoso se a cada contratação a autoridade superior devesse ratificar a decisão da autoridade que convoca. Entendemos que a ratificação visa a um maior controle sob as contratações diretas, que se diferem daquelas que ocorrem mediante licitação basicamente em dois pontos: a) na maneira como é escolhido o contratado; b) e na forma como é fixado o preço do serviço.

Por isso, no nosso sentir, a autoridade superior deve ratificar: a) o ato que define o preço pelo qual o serviço será remunerado; b) o ato que define o critério de distribuição da demanda; c) e a decisão de credenciar um determinado requerente. Feitas essas ratificações, não será necessário o aval da autoridade superior quando da contratação de um credenciado, uma vez que o superior hierárquico já consentiu com o valor a ser pago, com o modo de distribuição da demanda e com a escolha dos sujeitos entre os quais os serviços devem ser distribuídos.

 

É preciso instrumento de contrato no credenciamento? Sim! O fato de ser credenciamento não dispensa a formalização da avença por meio de um documento escrito, conforme exigem os arts. 60 e seguintes da Lei nº 8.666/1993. O ideal, para evitar o excesso de formalismo e respeitar o princípio da eficiência (art. 37 da Constituição), é que o ato de credenciamento seja formalizado por meio de um documento no qual conste, na medida do possível, os requisitos do art. 55 da Lei nº 8.666/1993. Tal documento deveria ser firmado pela autoridade competente para assinar o contrato e pelo credenciado. A contratação propriamente dita seria formalizada por um instrumento mais simples que expressamente ratificaria os direitos e obrigações e demais regras já fixadas no instrumento de credenciamento. Salientamos que as minutas desses documentos devem ser publicitadas como anexos do instrumento de chamamento público do credenciamento.

 É importante lembrar que, a depender do valor da contratação ser de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), é possível que o instrumento de contrato seja substituído por outro mais simples, conforme autoriza o art. 62 da Lei nº 8.666/1993. Assim, deve a Administração considerar essa possibilidade, tendo em conta o valor individualmente estimado das contratações de cada um dos credenciados. Ressaltamos que não será rara a hipótese em que nos processos de credenciamento o montante fixado para a distribuição individual a cada um dos credenciados não supere R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).

 

Quem for credenciado pode ser posteriormente descredenciado? Sim! Mas, assim como a decisão de credenciar, o ato de descredenciar deve se basear em critérios objetivamente definidos no instrumento de chamamento público. Nesse sentido, o item f do Parecer nº 7/2013 da PGF/AGU sugere que haja a previsão das situações que justificam o descredenciamento. Importante lembrar que deve anteceder a esse ato a oportunidade de contraditório e ampla defesa da parte do credenciado[8]. Além dessa situação, é possível que ocorra o descredenciamento pela manifestação de desinteresse do próprio credenciado (item g do Parecer nº 7/2013 da PGF/AGU).

 

É possível fixar um prazo determinado para o credenciamento de novos interessados? Como já afirmamos, um dos requisitos do credenciamento é o número ilimitado de credenciados. Por isso, sempre devem ser admitidos novos. Segundo o Parecer nº 7/2013/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU, item h, a possibilidade de novos interessados credenciarem-se deve ficar aberta durante todo o período em que a Administração precisar dos serviços. O Projeto de Lei nº 6.814/2017 tem disposição no mesmo sentido (inciso I do Parágrafo único do art. 70). Desse modo, a Administração deve sempre receber os pedidos de novo credenciamento. O que acreditamos ser adequado é a fixação de um lapso razoável para o Poder Público processar o requerimento do interessado.

 

O credenciamento é um instituto ainda novo e de pouco uso na prática da contratação pública brasileira. A ideia destes comentários foi lançar luzes e fazer algumas considerações sobre pontos sensíveis do instituto. Mas o tema merece ser acompanhado de perto em suas perspectivas teórica e prática.



[1] O Parecer referido é de observância obrigatória apenas no âmbito das Procuradoria Federais junto às entidades autárquicas e fundacionais federais.

[2] OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de. O que é e quando se aplica o credenciamento? Disponível em: www.licitacaoecontrato.com.br. Acesso em: 20/7/2017.

[3] Cf. Acórdão nº 408/2012 – TCU – Plenário.

[4] Cf. Inciso IV do Anexo I da IN nº 5/2017.

[5] Cf. BARRAL, Daniel de Andrade Oliveira. Comentários sobre a nova Instrução Normativa sobre Pesquisa de Preços. Disponível em: www.licitacaoecontrato.com.br. Acesso em: 23/7/2017.

[6] Cf. Item j do Parecer nº 7/2013 da PGF/AGU.

[7] Cf. Essa hipótese está prevista no inciso II do art. 70 do Projeto de Lei nº 6.814/2017.

[8] A Lei Estadual nº 15.608/2007, do Estado do Paraná, prevê no art. 25, VII, que o estabelecimento das hipóteses de descredenciamento, assegurados o contraditório e a ampla defesa, é um dos requisitos do procedimento de credenciamento.