L&C Comenta
Todo processo de contratação pública precisa de parecer jurídico?
Rafael Sérgio de Oliveira
É doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, Mestre em Direito e Especialista em Direito Público. Participou do Programa de Intercâmbio Erasmus+, desenvolvendo pesquisa na área de Direito da Contratação Pública na Università degli Studi di Roma - Tor Vergata. É Procurador Federal da Advocacia-Geral da União (AGU) e Colaborador do Portal L&C.
Ainda continuamos falando da Instrução Normativa nº 5/2017, especificamente sobre o seu art. 36, que traz algumas regras sobre o Parecer Jurídico no processo de contratação pública de serviços em âmbito federal. O que procuramos responder é se em todo o processo de contratação pública é imprescindível o envio dos autos para o órgão jurídico responsável para proferir parecer sobre as minutas do edital e do instrumento de contrato.
O art. 36 da IN nº 5/2017 traz a seguinte regra:
Art. 36. Antes do envio do processo para exame e aprovação da assessoria jurídica nos termos do parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666, de 1993, deve-se realizar uma avaliação da conformidade legal do procedimento administrativo da contratação, preferencialmente com base nas disposições previstas no Anexo I da Orientação Normativa/Seges nº 2, de 6 de junho de 2016, no que couber.
§ 1º A lista de verificação de que trata o caput deverá ser juntada aos autos do processo, com as devidas adaptações relativas ao momento do seu preenchimento.
§ 2º É dispensado o envio do processo, se houver parecer jurídico referencial exarado pelo órgão de assessoramento competente, que deverá ser anexado ao processo, ressalvada a hipótese de consulta acerca de dúvida de ordem jurídica devidamente identificada e motivada.
A exigência de análise das minutas do instrumento convocatório e do contrato tem base no art. 38, Parágrafo único, da Lei nº 8.666/1993, cujo texto é: “As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração”.
Em âmbito federal, o assessoramento jurídico das pessoas jurídicas de direito público, entes a quem se aplica a IN nº 5/2017, é atribuição dos órgãos da Advocacia-Geral da União – AGU[1]. Por isso, antes de atentarmos ao que diz a Instrução Normativa da Secretaria de Gestão – SEGES sobre o assunto, temos que verificar os regramentos da matéria na AGU.
O fato é que, embora o parecer jurídico seja tema afeto à matéria de licitação e contrato, as autoridades competentes para dispor sobre essa espécie de ato são as da Advocacia-Geral da União, uma vez que os poderes normativos da Secretaria de Gestão não alcançam as atribuições da Advocacia Pública Federal. No entanto, observando o § 2º do art. 36 da IN nº 5/2017, percebemos que ele vai ao encontro das orientações da AGU.
Orientação Normativa da AGU nº 46
Em fevereiro de 2014, o Advogado-Geral da União editou a Orientação Normativa nº 46 para dispensar a manifestação jurídica dos Advogados Públicos Federais nos processos de contratação pública com valores dentro dos limiares previstos nos incisos I e II do art. 24 da Lei nº 8.666/1993, quais sejam, os processos de pequeno valor.
A ON/AGU nº 46 tem o seguinte texto:
SOMENTE É OBRIGATÓRIA A MANIFESTAÇÃO JURÍDICA NAS CONTRATAÇÕES DE PEQUENO VALOR COM FUNDAMENTO NO ART. 24, I OU II, DA LEI Nº 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1993, QUANDO HOUVER MINUTA DE CONTRATO NÃO PADRONIZADA OU HAJA, O ADMINISTRADOR, SUSCITADO DÚVIDA JURÍDICA SOBRE TAL CONTRATAÇÃO. APLICA-SE O MESMO ENTENDIMENTO ÀS CONTRATAÇÕES FUNDADAS NO ART. 25 DA LEI Nº 8.666, DE 1993, DESDE QUE SEUS VALORES SUBSUMAM-SE AOS LIMITES PREVISTOS NOS INCISOS I E II DO ART. 24 DA LEI Nº 8.666, DE 1993.
Pela redação da ON transcrita, os processos de contratação por dispensa de licitação fundamentados no art. 24, incisos I e II, da Lei nº 8.666/1993 não necessitam ser encaminhados para o órgão jurídico para elaboração de parecer nos casos em que haja minuta de contrato padronizada e desde que o gestor não tenha dúvida jurídica. Notemos que, pela segunda parte da ON/AGU nº 46[2], o mesmo se aplica para os casos de inexigibilidade cujo valor se enquadre nos limites dos incisos I e II do art. 24 da Lei nº 8.666/1993.
A ON/AGU nº 46 é a aplicação do princípio da eficiência (art. 37, I, da Constituição). Considerou-se que os riscos decorrentes da ausência de parecer jurídico são baixos nas contratações de pequeno valor e, por isso, não justificam o dispêndio de tempo e esforço necessários para uma análise pelo órgão jurídico.
Desta feita, mesmo que a IN nº 5/2017 não tenha trazido essas regras, é importante o Administrador observar que, desde que não haja dúvida jurídica e que haja minuta contratual padronizada, ele não precisa remeter o processo de contratação de serviço por dispensa ou inexigibilidade para o órgão jurídico quando: a) se tratar de serviço de engenharia de até R$ 15.000,00 (quinze mil reais)[3]; b) ou se tratar de outros serviços cujo valor não ultrapasse R$ 8.000,00 (oito mil reais).
Orientação Normativa da AGU nº 55
Outra ON/AGU que tratou da dispensa de remessa do processo de contratação pública para o órgão jurídico foi a de nº 55. A referida Orientação Normativa da AGU fala da manifestação jurídica referencial, isto é, do parecer jurídico referencial ao qual se refere o § 2º do art. 36 da IN nº 5/2017.
A ON/AGU nº 55 tem a seguinte redação:
I - OS PROCESSOS QUE SEJAM OBJETO DE MANIFESTAÇÃO JURÍDICA REFERENCIAL, ISTO É, AQUELA QUE ANALISA TODAS AS QUESTÕES JURÍDICAS QUE ENVOLVAM MATÉRIAS IDÊNTICAS E RECORRENTES, ESTÃO DISPENSADOS DE ANÁLISE INDIVIDUALIZADA PELOS ÓRGÃOS CONSULTIVOS, DESDE QUE A ÁREA TÉCNICA ATESTE, DE FORMA EXPRESSA, QUE O CASO CONCRETO SE AMOLDA AOS TERMOS DA CITADA MANIFESTAÇÃO. II - PARA A ELABORAÇÃO DE MANIFESTAÇÃO JURÍDICA REFERENCIAL DEVEM SER OBSERVADOS OS SEGUINTES REQUISITOS; A) O VOLUME DE PROCESSOS EM MATÉRIAS IDÊNTICAS E RECORRENTES IMPACTAR, JUSTIFICADAMENTE, A ATUAÇÃO DO ÓRGÃO CONSULTIVO OU A CELERIDADE DOS SERVIÇOS ADMINISTRATIVOS; E B) A ATIVIDADE JURÍDICA EXERCIDA SE RESTRINGIR À VERIFICAÇÃO DO ATENDIMENTO DAS EXIGÊNCIAS LEGAIS A PARTIR DA SIMPLES CONFERÊNCIA DE DOCUMENTOS.
O parecer jurídico referencial não é o foco deste L&C Comenta, mas reconhecemos que o tema merece alguns esclarecimentos, o que será feito em publicações futuras[4]. O importante a se observar aqui é que emissão de parecer referencial pelo órgão jurídico responsável dispensa a remessa do processo para nova manifestação se o gestor entender que aquela peça se aplica a um dado caso.
A manifestação jurídica referencial é adequada aos casos repetitivos. Nessas situações, o órgão jurídico pode fazer um levantamento de tudo quanto é discutido naquelas hipóteses e emitir parecer abordando todas as questões que são corriqueiramente levantadas. Com isso, o parecer referencial supri a necessidade de manifestação jurídica específica, desde que o gestor junte o parecer referencial ao processo e afirme que aquela situação se amolda à matéria enfrentada no parecer. Notemos, como já dito, que a IN nº 5/2017 exige que o ato opinativo referencial deve ser juntado no processo específico.
A título de exemplo, imaginemos os casos de prorrogação de contratos de serviço continuado. Essa é uma situação repetitiva nas unidades da Administração federal e, além disso, as questões jurídicas levantadas nos aditivos de prorrogação são quase sempre as mesmas. Sendo assim, é cabível que o órgão jurídico exare um parecer referencial sobre a matéria, o que dispensará a remessa do processo para a consultoria jurídica no momento das futuras prorrogações. Nessa etapa, o gestor deverá apenas juntar o parecer referencial aos autos do processo (§ 2º do art. 36 da IN nº 5/2017).
Chamamos a atenção para o fato de que a necessidade de remessa persiste caso haja dúvida jurídica específica ao processo em análise. Além disso, deve ser solicitado parecer específico caso o gestor verifique que não há condições de atender as recomendações da manifestação jurídica referencial naquele caso específico.
Verificamos que o tratamento que a IN nº 5/2017 deu ao Parecer Jurídico (art. 36) é condizente com as orientações da AGU, razão pela qual deve ser observado pelos órgãos de consultoria jurídica e por toda a Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional.
[1] Art. 131 da Constituição Federal, Lei Complementar nº 73/1993 e Lei nº 10.480/2002.
[2] Sobre a interpretação da ON/AGU nº 46 recomendamos a leitura dos seguintes pareceres: Parecer nº 01/2013/DEAEX/CGUAGU – JCO e Parecer nº 05/2014/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU.
[3] Essa mesma regra deve ser aplicada para o caso de obras.
[4] Nos próximos dias o Portal L&C publicará um artigo de autoria de Diego Ornellas de Gusmão, Procurador Federal da AGU e Parceiro do Portal L&C, sobre parecer referencial.